Legalidade da suspensão do estágio probatório de servidor licenciado para tratamento de sua saúde à luz do princípio da proporcionalidade

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4 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Diferentemente do princípio da legalidade, as origens do princípio da proporcionalidade não são tão bem definidas historicamente. No entanto, isso não interfere na análise do mesmo, afinal a origem não é sinônimo de causa nem mesmo é suficiente para explicar o princípio da proporcionalidade tal qual compreendemos hoje.

Partindo-se da atual compreensão do princípio da proporcionalidade como instrumento essencial a um Estado Democrático de Direito, aponta Raquel Melo Urbano de Carvalho que o princípio possuí raízes no período pós Segunda Guerra mundial, com a nova conformação do Estado de Direito e o respeito aos Direitos Fundamentais. A vinculação ocorre em razão de o Estado de Direito pressupor a proteção dos Direitos fundamentais e para efetividade formal e material dos mesmos o princípio da proporcionalidade é de suma importância, pois coíbe os excessos e insuficiências do Poder Público. [14]

Outro ponto que deve ser esclarecido é o de que proporcionalidade não se confunde com o conceito de proporção aplicado no dia-a-dia. Assim define Humberto Ávila o postulado[15] da proporcionalidade:

O postulado da proporcionalidade não se confunde com a ideia de proporção em suas mais variadas manifestações. Ele se aplica apenas a situações em que há uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da adequação (o meio promove o fim?), o da necessidade (dentro dos meios adequados e igualmente inadequados para promover o fim, não há outro meio menos restritivo do(s) direito(s) fundamentais afetados?) e o da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem as desvantagens provocadas pela ação do meio?)[16]

Portanto, Humberto Ávila fraciona a proporcionalidade em três facetas: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. A face da adequação exige uma avaliação da relação prática entre meio e fim, e o primeiro deve levar ao último. Logo, o primeiro exame a ser feito é a das possibilidades de uma medida concreta realizar uma determinada finalidade.

Esta análise, meio e fim, não é suficiente para determinar a proporcionalidade, é preciso que a medida passe pelo crivo do exame da necessidade, ou seja, que a medida escolhida dentre as possíveis seja aquela que menos restringe Direitos Fundamentais, e caso a medida for excessivamente restritiva, que busque alternativa que concilie a adequação (meio–fim) com a necessidade (menor restrição de direitos envolvidos).

Tal tarefa não é simples, e é praticamente impossível garantir plenamente que uma medida se encaixe perfeitamente na adequação e na necessidade, por isso é imprescindível encontrar um o equilíbrio entre esses dois exames, e isso nos leva a terceira faceta do princípio, o exame da proporcionalidade em sentido estrito.

O exame da proporcionalidade em sentido estrito analisa se as vantagens proporcionadas pela promoção do fim são proporcionais às desvantagens provocada pela adoção do meio, ou seja, se a finalidade almejada pode ser tão importante que justifique a restrição de determinados direitos.

Entende-se com isso, portanto, a necessidade da proporcionalidade ser utilizada em todos os atos do Poder Público, pois como afirma Raquel Melo Urbano de Carvalho:

É a proporcionalidade que torna ofensivo à juridicidade qualquer comportamento público praticado em excesso ou em situação de insuficiência para a consecução dos objetivos estatais. Já se tornou uma máxima vinculante de comportamento público aquela segundo a qual “desproporções – para mais ou para menos – caracterizam graves violações ao ordenamento jurídico.[17]

 Portanto, como forma de garantir a legalidade (juridicidade), os Direitos Fundamentais e, consequentemente, o Estado Democrático de Direito, é essencial que as medidas tomadas pelo Poder Público sejam analisadas tendo como ponto vista fundamental o princípio da proporcionalidade.


5 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE AO CASO CONCRETO APRESENTADO

 Diante do que foi apresentado, chegamos ao momento de analisar se a suspensão do prazo de estágio probatório para servidor licenciado em razão de tratamento de sua saúde é uma medida proporcional perante a Ordem Jurídica, e, por conseguinte, legal.

 Para a análise da adequação é preciso retomar a finalidade do estágio probatório, que consiste em verificar se o servidor público concursado encontra-se apto para exercer as atividades do cargo que ocupará. Para se ter a constatação da capacidade do servidor o meio encontrado é a avaliação sobre assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade realizada no período inicial em que entrar no exercício do cargo.

Assim, caso o servidor público encontrar-se em estágio probatório e por alguma casualidade venha a ficar enfermo e necessite licenciar-se, e se compreendermos o rol do §5º do artigo 20 como taxativo, a finalidade do estágio probatório não será alcançada, portanto, não será uma medida adequada e, consequentemente, proporcional. A finalidade não será atingida porque durante o período que servidor encontrar-se de licença para o tratamento de sua doença, ele não estará no exercício de suas funções e, logicamente, não poderá ser avaliado quanto às disposições previstas no artigo 20 da lei 8.112 de 1990, incisos I à V.

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Logo, a medida possível existente seria a suspensão do prazo do estágio probatório, que é prevista em outros artigos da Lei dos Servidores Públicos, mas não é elencada no §5º do artigo 20. A suspensão seria a medida mais adequada, pois, com a retomada da contagem do prazo do estágio probatório restante, posteriormente ao fim da licença do servidor, seria possível a plena avaliação deste em exercício. E é este o entendimento da Ministra Carmen Lucia Antunes Rocha:

Note-se, de resto, às vezes, o servidor é considerado no efetivo exercício, conquanto fisicamente afastado do desempenho das funções que lhe são conferidas, para alguns casos legalmente previstos e não para outros. Assim, por exemplo, as licenças para tratamento de saúde são consideradas de efetivo exercício para a contagem de tempo para aposentadoria, mas não para aquisição da estabilidade, quando se configurar um período tão prolongado que impeça a avaliação competente e, agora, obrigatória e periódica do desempenho. Mesmo não contribuindo para o seu afastamento e havendo um motivo justo, como é o de tratamento de saúde, o servidor fica impossibilitado de ser competentemente avaliado em seu desempenho pelo período necessário para a conclusão, que conduzirá, ou não, à estabilização do vínculo com a pessoa pública. Logo, tal afastamento não pode ser computado como estando ele em efetivo exercício para os paramos constitucionais referentes à estabilidade (idem, p.232). Na União, a lei 8.112/90, alterada pela lei 9.527/97, indicou no §5º do seu art. 20 algumas hipóteses de necessária suspensão da contagem do período de exercício no curso do estágio probatório: (a) licença por motivo de doença em pessoa da família (art. 83); (b) licença por motivo de afastamento de cônjuge (art.84 §1º); (c) licença para atividade política (art. 86); (d) afastamento para servir em organismo internacional de que o Brasil participe ou com o qual coopere (art.96). Entendo que essas hipóteses não são exaustivas, podendo ser figuradas outras, com vistas a assegurar a finalidade constitucional dos servidores no curso do estágio probatório: (a) designação para cargos de confiança; (b) Licença para serviço militar; (c) licença para tratar de interesses particulares; (d) licença para desempenho de mandato classista, entre outras hipóteses.[18]

Este também tem sido o posicionamento dos tribunais, como pode ser evidenciado pelos enunciados abaixo do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e do Supremo Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. ESTÁGIO PROBATÓRIO. EFETIVO EXERCÍCIO. LICENÇA PARA TRATAMENTO DE SAÚDE. SUSPENSÃO. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDAS.

O efetivo exercício das funções é condição para a avaliação de desempenho, pelo que não se mostra possível o aproveitamento de períodos de licenças ou afastamentos para fins de cômputo do prazo de três anos previsto no art. 41 da Constituição Federal. A autora deixou de ser avaliada durante um longo lapso temporal dentro do período de três anos, em razão de estar em gozo de licença para tratamento da própria saúde. A autora foi reprovada na avaliação de desempenho, sem que lhe fosse dada a oportunidade de cumprir os três anos de efetivo e exercício, e neste período, demonstrar sua aptidão para o desempenho do cargo. Reconhecida a ilegalidade da exoneração da servidora, são assegurados, como efeito lógico, todos os direitos de que fora privada em razão do indevido desligamento, inclusive os vencimentos retroativos. Precedentes. Cabível a antecipação dos efeitos da tutela em caso de reintegração de servidor. Honorários fixados equitativamente em R$ 1.500,00. Art. 20, § 4º, do CPC. Remessa Oficial e Apelação parcialmente providas.[19]

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO. ESTABILIDADE. AQUISIÇÃO. EFETIVO EXERCÍCIO. LICENÇA-MÉDICA. SUSPENSÃO. INSANIDADE MENTAL. EXAME. PEDIDO. INDEFERIMENTO. LEGALIDADE. COMISSÃO DE AVALIAÇÃO. ESTÁGIO PROBATÓRIO. RELATÓRIO. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. LEGALIDADE. I - Impossibilitada a avaliação do servidor no período de três anos a que se refere o art. 41, caput, da CR/88, em decorrência de afastamentos pessoais, esse prazo deve ser prorrogado pelo mesmo período do afastamento ou licença, de modo a permitir a avaliação de desempenho a que se refere o cogitado comando constitucional .(art. 41, § 4º, da CR/88) II - No caso em tela, o recorrente, agente de polícia civil, no mencionado período de três anos, ficou afastado do serviço pelo menos oito meses em virtude de licenças-médicas e de suspensão. Logo, por igual período deve ser prorrogado o prazo de avaliação. III - Dessa forma, considerando que o recorrente entrou em exercício em 26/8/99 e foi exonerado em 26/2/2003, não há que se falar que tenha adquirido o direito à estabilidade no cargo público. IV - É legal o indeferimento do pedido de exame de insanidade mental fundamentado no fato de que, há época dos fatos, o recorrente freqüentava curso em nível de pós-graduação e, no momento da avaliação, participava de curso de habilitação para corretor de seguros, além de que se apresentava perante a comissão com a capacidade de entendimento preservada e o mérito do procedimento administrativo destinava-se à avaliação definitiva do seu perfil durante o período experimental para o cargo de Agente de Polícia. V - Encontra-se suficientemente motivada a conclusão do relatório que opinou pela não confirmação do recorrente no cargo de agente de polícia, vez que estribada não só nos relatórios mensais sobre o seu desempenho, mas também em atos por ele praticados durante o período de estágio, os quais resultaram diversas sindicâncias administrativas e processo-crime, punidos, respectivamente com quatro suspensões e uma condenação penal transitada em julgado. Recurso ordinário desprovido.[20]

Quanto ao exame da necessidade, Raquel Melo Urbano de Carvalho define bem o que se trata de uma medida necessária no âmbito do Direito Administrativo:

Uma medida é necessária quando, considerando as possibilidades de atuação concreta na realidade em questão, a conduta escolhida é aquela que implica menos restrição aos interesses dos sujeitos atingidos pelo comportamento administrativo. A limitação imposta ao Poder Público, destarte, é a de não restringir excessiva e desnecessariamente direitos alheios. A conduta estatal deve, assim, ser indispensável à conservação do direito público, caracterizando-se a escolha de alternativa idônea. Trata-se do princípio da escolha do meio mais suave, que impede o poder público de ir além dos limites indispensáveis para a consecução da finalidade pretendida. [21]

Perante isso, é possível considerar que a suspensão é uma medida necessária, pois, não restringe desnecessariamente direitos alheios e contribui para a conservação do interesse público ao passo que cumpre com a finalidade que se espera do lapso temporal do Estágio probatório: permitir a avaliação concreta da capacidade para exercício do cargo do servidor público ingressante.

Por fim, faz-se necessário o exame da proporcionalidade em sentido estrito, em que se verifica se há uma proporcionalidade de fato, entre a finalidade desejada e restrição de determinados direitos. Novamente se chega ao entendimento de que a suspensão do prazo para o estágio probatório de servidor que se licencia por motivo de sua doença é a medida proporcional, pois, como verificado, não há uma representativa divergência entre finalidade do estágio probatório e suspensão (meio). Na realidade o fato da não suspensão do prazo do estágio probatório não pode ser justificado frente a sua finalidade, sendo, portanto, uma medida desproporcional.

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Sobre os autores
Daniel dos Santos Pavione

Pós-Graduando em Direito e Gestão Pública pela União de Ensino Superior de Viçosa - UNIVIÇOSA.

Marcelo Andrade Mendonça

Professor da Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga; Mestre em Administração Pública pela Universidade Federal de Viçosa/MG

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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