Sumário: Apresentação / 1. Estrutura Institucional do MERCOSUL / 2. A Recepção e a Hierarquia das Normativas Mercosulinas no Brasil
Apresentação
Este trabalho visa a demonstrar como surgem as normas dentro do MERCOSUL. Para tanto, devem-se apontar os principais órgãos criados no MERCOSUL que possuem capacidade de gerar normas internacionais. Estas normas criadas por estes órgãos têm natureza de tratado internacional e são denominadas, por terem origem no MERCOSUL, como normativas mercosulinas. (*ver nota de atualização)
Após se analisar como as normativas mercosulinas são incorporadas no ordenamento jurídico brasileiro, passa-se a uma segunda perspectiva de análise, que é a hierarquia que estas normativas possuem na pirâmide jurídica brasileira. Esta tarefa requer a ajuda de posicionamentos jurisprudenciais, pois é o Judiciário quem realmente vai decidir, definitivamente, sobre qualquer discussão acerca do assunto.
1. Estrutura Institucional do MERCOSUL
O MERCOSUL, por se caracterizar como um arranjo cooperativo regional, produz normas de aplicação restrita à área da integração; são normas que vinculam apenas os seus signatários. Existem três questões principais para o estudo jurídico: como surgem as normas no MERCOSUL; como são recepcionadas no ordenamento jurídico brasileiro; e qual a hierarquia destas normas na pirâmide jurídica brasileira.
A questão que será neste artigo apresentada, é a de se saber como ocorre a aplicabilidade dentro do Brasil das normas produzidas no MERCOSUL; teriam elas aplicação direta ou também estariam sujeitas ao processo de internalização ordinário para poderem gerar efeitos no plano interno?
Antes mesmo de responder a esta indagação, cumpre identificar quais os órgãos do MERCOSUL que possuem competência para produzir normas de alcance regional. Os órgãos são:
-CMC – Conselho do Mercado Comum: produz as Decisões (1)
- GMC – Grupo do Mercado Comum: produz as Resoluções (2)
- CCM – Comissão de Comércio do MERCOSUL: produz as Diretrizes (3)
Todas, Decisões, Resoluções e Diretrizes, produzem um direito cujo cumprimento é obrigatório nos Estados-partes do MERCOSUL. Quanto à aplicabilidade destas normas no ordenamento jurídico interno, aí, sim, cada Estado adota uma sistemática. No caso brasileiro, os tratados devem passar por um processo de internalização para adquirirem vigência normativa interna. Tanto as Decisões quanto às Resoluções e as Diretrizes, apesar de decorrerem de órgãos cuja criação foi realizada por meio de tratado internacional (Tratado de Assunção e Protocolo de Ouro Preto), necessitam ser internalizados. Assevera a ilustre doutora, Ana Cristina Pereira que:
Assim, os protocolos e demais instrumentos adicionais ao Tratado de Assunção, que de modo geral são adotados por uma Decisão do Conselho do Mercado Comum, apesar de decorrerem de um tratado já vigente, sendo um complemento do mesmo, necessitam da aprovação legislativa interna dos Estados Partes e da ratificação dos respectivos governos para que possam vigorar tanto no plano interno quanto internacional. (4)
O Brasil e os demais Estados-partes do MERCOSUL são dualistas quanto à aplicação dos tratados internacionais em seu ordenamento jurídico interno; portanto, cada um adota um sistema próprio para transformar os tratados internacionais em normas internas. As Decisões e as Resoluções são incorporadas, de acordo com as respectivas sistemáticas, ao ordenamento jurídico dos Estados-partes e estes devem comunicar a incorporação das normas mercosulinas à Secretaria Administrativa do MERCOSUL. Depois que as normas mercosulinas viram Decreto, o Brasil ainda tem que cumprir com mais algumas providências:
Desta forma, a partir do momento em que todos os membros terão internalizado uma regra "comunitária", estes serão simultaneamente comunicados pela Secretaria, e terão, a contar desta notificação, trinta dias para publicá-la em seus respectivos diários oficiais. Salienta-se aqui que, o Mercosul, terá um Boletim Oficial, no qual serão publicadas as regras "comunitárias". (5)
Importante notar a observação feita por Guido F. S. Soares, na qual o autor assinala que as decisões proferidas pelos Tribunais Arbitrais do MERCOSUL são as únicas que geram efeitos diretos nos Estados, sem necessitar de uma transformação.
Por fim, vale trazer em citação o que dispõe o site oficial do MERCOSUL acerca da aplicabilidade das normas mercosulinas, abaixo transcrito.
Como se dá a aplicação interna das normas emanadas dos Órgãos do Mercosul?
O Protocolo de Ouro Preto estabelece o compromisso dos Estados Partes de adotar todas as medidas necessárias para assegurar o cumprimento das normas do Mercosul em seus respectivos territórios (artigo 38). Na medida em que o sistema de tomada de decisões do Mercosul é intergovernamental (e não supranacional, como no caso da União Européia), torna-se necessária a incorporação das normas aprovadas no ordenamento jurídico de seus Estados Partes. O ato de incorporação dessas normas deverá ser comunicado à Secretaria Administrativa do Mercosul.
(grifos nossos)A citação acima pode ser encontrada quando se consulta o site do MERCOSUL e traz ao leitor o entendimento oficial do governo brasileiro acerca da aplicabilidade das normas mercosulinas no Brasil. O texto é claro em nos informar que as normativas mercosulinas devem passar por um processo de incorporação ao ordenamento jurídico interno dos países-membros.
Concluída a internalização dos tratados internacionais, cabe saber qual seria a hierarquia que os Decretos, de conteúdo de tratado internacional e de normativas mercosulinas, ocupam na pirâmide jurídica brasileira. Ademais, indaga Ana Cristina Pereira que: "Mas, uma vez internalizada, resta-nos saber que posição hierárquica a norma "comunitária" ocupará no ordenamento jurídico de cada Estado Parte. Possuirá um estatuto de lei ordinária ou um estatuto especial?" (6). Com efeito, dado à relevância desta questão, deve-se expor, ainda que sumariamente, sobre o posicionamento jurisprudencial e doutrinário acerca do conflito entre fontes.
2.A Recepção e a Hierarquia das Normativas Mercosulinas no Brasil
Em princípio, cumpre mencionar que as relações jurídicas tratadas pelo direito de integração, resultantes do MERCOSUL, resolvem-se pelo direito internacional clássico. Nesse sentido, este artigo deverá apreciar o momento de vigência dos tratados internacionais, desta vez à luz do direito mercosulino.
Está pacificado pela jurisprudência pátria que os tratados internacionais passam a ter vigência no ordenamento jurídico interno a partir da ratificação, promulgação e posterior publicação do Decreto pelo Presidente da República.
Como já fora demonstrado, o Tratado de Assunção, que criou o MERCOSUL, estabeleceu as diretrizes institucionais para o estabelecimento de um arranjo regional baseado na cooperação entre os signatários, inclusive cooperação judicial. A partir do MERCOSUL, pela própria natureza dos arranjos regionais, sucederam vários tratados que visam a implementar os objetivos dispostos no Tratado de Assunção. São exemplos destes tratados o Protocolo de Las Leñas, Protocolo de Ouro Preto, Protocolo de Brasília, Protocolo de Olivos e muitos outros acordos setorias, todos à égide do Tratado de Assunção e respeitando os mesmos princípios institucionalizadores do acordo.
A questão é a de se saber se estes tratados, sob o guarda-chuvas do Tratado de Assunção, estariam sujeitos ao processo ordinário de incorporação dos tratados internacionais; isto porque, o Tratado de Assunção já passou pela devida internalização e se questiona se os tratados, dele decorrentes, também necessitariam da formalização deste processo que na verdade é um tipo de check and balances do treaty-making power brasileiro.
É entendimento inquestionável no STF que todos os tratados internacionais assinados pelo Brasil devem se submeter ao controle do processo ordinário de incorporação. Sobre esta temática, o STF já pacificou entendimento no qual o texto constitucional brasileiro não disporia sobre nenhum tipo de sistema simplificado para a internalização das normas de origem do MERCOSUL; ou seja, o legislador não alterou o texto constitucional para consagrar um tipo de processo especial, mais célere, para a incorporação em nosso ordenamento jurídico destes tratados. Como já fora demonstrado em capítulo anterior, tem-se apenas, no Parágrafo único, do art. 4º, da CRFB, uma referência genérica ao processo de integração regional, sem menção à validade, ao processo de incorporação e ao alcance dos tratados mercosulinos:
Art. 4º
Parágrafo único: A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
A Constituição faz referências genéricas e dispõe no Parágrafo único do art. 4º apenas sobre uma declaração de vontades. Nada mais do que meras intenções do governo brasileiro em "buscar" uma integração com os povos da América Latina, sendo omisso com relação ao MERCOSUL. Bem mereceria, o Art. 4º uma Emenda Constitucional que lhe acrescentasse uma norma de eficácia plena sobre a hierarquia dos tratados mercosulinos no ordenamento jurídico brasileiro e que dispusesse sobre um processo de internalização mais célere para as normas derivadas, como, por exemplo, as Decisões do CMC (7). Este pensamento encontra eco em outros ensaios; por exemplo, Carlos Eduardo Caputo Bastos assevera criticamente que:
A questão do regime constitucional dos tratados não tem, presentemente, merecido a devida atenção da comunidade jurídica brasileira. Essa observação, esclareça-se, tem atual pertinência, especial e especificamente, na medida em que o país se encontra em pleno processo de transição para a constituição de um mercado comum. (8)
Em uma ordem internacional que tem a globalização como principal característica e a regionalização como um contra-ponto deste movimento, o Brasil deveria adaptar seu sistema jurídico constitucional a essas novas realidades. Por esta razão, Carlos Eduardo Caputo Bastos também chama a atenção de seu leitor para a carência manifesta no texto constitucional brasileiro quanto a uma disposição normativa que vinculasse estes fatores ao ordenamento jurídico interno. Ao considerar todo este cenário, Carlos Eduardo Caputo Bastos diz que:
Diante desse quadro, verifica-se que a participação do Brasil no Mercosul carece de definição constitucional em dois aspectos: a) prevalência ou primazia dos tratados sobre direito federal infraconstitucional, em razão da ausência de norma de conflito; b) possibilidade de o país submeter-se a uma ordem jurídica supranacional, em razão da explícita submissão do tratado ao controle de constitucionalidade, vale dizer, primazia do direito constitucional interno sobre direito internacional. (9)
Com efeito, excetuando alguns posicionamentos quase isolados, é tendência dominante, entre os estudiosos da integração regional, ressaltar a carência de uma normatização constitucional referente ao processo de integração do MERCOSUL. Procura-se, também, apontar a flexibilidade do sistema de solução do conflito entre tratados internacionais e leis como demasiadamente omisso, no sentido de não ser comprometido com as necessidades advindas das relações internacionais deste novo milênio, por tudo que se tem dito sobre esta nova macroestrutura internacional. Daí, todas as críticas ao posicionamento do STF, muitas levantadas pelo internacionalista Celso de Albuquerque Mello, seguido por muitos de seus adeptos. Ao se analisar com mais profundidade esta questão, chega-se a conclusão de que o STF age de forma absolutamente discricionária, no sentido de que não vincula sua decisão, em matéria de conflitos entre tratados internacionais e leis, a um dispositivo constitucional, simplesmente porque não existe norma constitucional a ser aplicada; assim, o STF é técnico ao se utilizar da omissão constitucional nesta matéria para fundamentar um approach exegético do conflito. A adoção da regra later in time, desta forma, é coerente e absolutamente de acordo com o que dispõe a Constituição brasileira; pois, como bem se descreve no Informativo 228 do STF, "É na Constituição da República (...) que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro."; mas, se nela nada há, então...
Quanto ao MERCOSUL, especificamente, a jurisprudência pátria já teve a oportunidade de negar o cumprimento de uma carta rogatória, à qual foi negado o exequatur, por não estar, ao tempo em que foi apresentada, concluído o ciclo de incorporação ao direito interno do Protocolo de Medidas Cautelares (Protocolo de Ouro Preto). O então Presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, denegou o exequatur, cuja confirmação encontrou acolhida no Pleno da Suprema Corte, ao julgar Agravo Regimental interposto contra a aludida decisão. Lê-se, nesta decisão, que a recepção de acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL está sujeita à mesma disciplina constitucional que rege o processo de incorporação, à ordem positiva interna brasileira, dos tratados ou convenções internacionais em geral. É, poratanto, na Constituição da República, e não em instrumentos normativos de caráter internacional, que pode-se encontrar a definição do iter procedimental referente à transposição, para o plano do direito positivo interno do Brasil, dos tratados internacionais, inclusive daqueles emanados pelo MERCOSUL.
Reconhece o STF, ainda, que embora seja mais apropriada a adoção de mecanismos constitucionais diferenciados que possam privilegiar o processo de recepção das normativas mercosulinas, esse é um tema que está sujeito a uma reforma constitucional. Desta forma, enquanto não forem realizadas as necessárias reformas constitucionais, a questão da vigência interna dos acordos celebrados sob a égide do MERCOSUL continuará sujeita ao mesmo tratamento normativo que a Constituição brasileira dispensa aos tratados internacionais em geral.
Sobre o iter de internalização apresentado neste tópico, assevera Carlos Fernando Mathias de Souza que (10):
O tratado segue um iter, que tem início pelas negociações, passa pela sua assinatura, e pela remessa ao Poder Legislativo com o pedido de aprovação (atos esses da competência exclusiva do Poder Executivo, a quem incumbe a condução da política externa do país). Prossegue com o imprescindível exame pelo Poder Legislativo, a quem cabe constitucionalmente examinar e, querendo, aprovar o tratado, terminando com sua promulgação, também ato de competência do Executivo (11).
Como reafirma o prof. Vicente Marotta Rangel, é com a audição dos Poderes Executivo e Legislativo que se atende à consideração de que o tratado possui a natureza de lei e se respeita, por outro lado, o princípio da distinção dos poderes governamentais. Como assinala Cachapuz de Medeiros, os dois últimos atos do iter de inserção do tratado na legislação brasileira cabem ao Presidente da República, porque pertence ao Executivo a competência para declarar internacionalmente a vontade do Estado.
Neste sentido, vale lembrar que o Protocolo de Ouro Preto, em seu art. 42, contém expressamente: ‘‘As normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no artigo 2º deste Protocolo terão caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país’’. Assim, o MERCOSUL prevê a internalização das normas mercosulinas.
O Superior Tribunal de Justiça também tem apreciado muitos conflitos jurídicos na área do MERCOSUL. Em caso recente, o então Presidente da Corte, ministro Costa Leite, suspendeu, por via de procedimento cautelar, decisão do TRF da 4ª Região, apoiando-se no processo de consolidação do MERCOSUL. Um dos fundamentos desta decisão merece destaque:
Com efeito, a suspensão das importações interfere na própria credibilidade da política externa brasileira, colocando-a em risco, na medida em que frustra a observância pelo país de compromisso assumido em avenças públicas internacionais, qual o livre comércio de bens, além de comprometer o processo da consolidação do Mercosul, o que se revela gravemente danoso para a economia nacional. Não é preciso avançar mais, até porque implicaria incomportável exame de questões de mérito, inajustável aos limites do juízo excepcional da suspensão do provimento cautelar. Concorrendo, em suma, os pressupostos autorizadores, defiro a suspensão requerida pela União. (12)
O TRF, da 4ª Região, ao prosseguir no julgamento do recurso (agravo de instrumento), deu-lhe provimento, o que, também em termos práticos, poderia frustrar a decisão suspensiva do presidente do STJ. Cumpre notar que o ministro Nilson Neves, no exercício da presidência do STJ, deferiu, motivado por requerimento da União, a suspensão da eficácia do acórdão da corte regional no referido agravo. Acompanhou o magistrado, em seu decisum, o entendimento já manifestado pelo presidente da corte superior e, por persistirem os pressupostos que autorizavam o requerido, deferiu a suspensão da eficácia do acórdão prolatado pelo Tribunal Regional ‘‘até que o Superior Tribunal se pronuncie sobre o mérito da ação cautelar inominada, proposta pela Associação dos Arrozeiros de Itaqui e outros.’’ (13).
Já se sabe que:
Na realidade (e sem embargo do expressivo número de feitos que já tramitam no Judiciário brasileiro), as questões judiciais referentes aos Mercosul, mal começaram. O que, por ora, pode-se dizer (e o conselheiro Acácio, por certo, não o faria melhor) é que há muito que se fazer no particular, tanto no aperfeiçoamento das normas, quanto no dos mecanismos institucionais do Mercosul. Eis um grande desafio, em particular para a República Federativa do Brasil, que está obrigada, pelo comando do parágrafo único do art. 4º de sua Constituição, a buscar ‘‘a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações’’. (14)
Vale trazer a íntegra do acórdão que virou um leading case sobre a aplicabilidade das normas mercosulinas (15).
A recepção de acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL está sujeita à mesma disciplina constitucional que rege o processo de incorporação, à ordem positiva interna brasileira, dos tratados ou convenções internacionais em geral. É, pois, na Constituição da República, e não em instrumentos normativos de caráter internacional, que reside a definição do iter procedimental pertinente à transposição, para o plano do direito positivo interno do Brasil, dos tratados, convenções ou acordos - inclusive daqueles celebrados no contexto regional do MERCOSUL - concluídos pelo Estado brasileiro. Precedente: ADI 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO. - Embora desejável a adoção de mecanismos constitucionais diferenciados, cuja instituição privilegie o processo de recepção dos atos, acordos, protocolos ou tratados celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL, esse é um tema que depende, essencialmente, quanto à sua solução, de reforma do texto da Constituição brasileira, reclamando, em conseqüência, modificações de jure constituendo. Enquanto não sobrevier essa necessária reforma constitucional, a questão da vigência doméstica dos acordos celebrados sob a égide do MERCOSUL continuará sujeita ao mesmo tratamento normativo que a Constituição brasileira dispensa aos tratados internacionais em geral. PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE INCORPORAÇÃO DE CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM GERAL E DE TRATADOS DE INTEGRAÇÃO (MERCOSUL). - A recepção dos tratados internacionais em geral e dos acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL depende, para efeito de sua ulterior execução no plano interno, de uma sucessão causal e ordenada de atos revestidos de caráter político-jurídico, assim definidos: (a) aprovação, pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, de tais convenções; (b) ratificação desses atos internacionais, pelo Chefe de Estado, mediante depósito do respectivo instrumento; (c) promulgação de tais acordos ou tratados, pelo Presidente da República, mediante decreto, em ordem a viabilizar a produção dos seguintes efeitos básicos, essenciais à sua vigência doméstica: (1) publicação oficial do texto do tratado e (2) executoriedade do ato de direito internacional público, que passa, então - e somente então - a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes. O SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO NÃO CONSAGRA O PRINCÍPIO DO EFEITO DIRETO E NEM O POSTULADO DA APLICABILIDADE IMEDIATA DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. - A Constituição brasileira não consagrou, em tema de convenções internacionais ou de tratados de integração, nem o princípio do efeito direto, nem o postulado da aplicabilidade imediata. Isso significa, de jure constituto, que, enquanto não se concluir o ciclo de sua transposição, para o direito interno, os tratados internacionais e os acordos de integração, além de não poderem ser invocados, desde logo, pelos particulares, no que se refere aos direitos e obrigações neles fundados (princípio do efeito direto), também não poderão ser aplicados, imediatamente, no âmbito doméstico do Estado brasileiro (postulado da aplicabilidade imediata). - O princípio do efeito direto (aptidão de a norma internacional repercutir, desde logo, em matéria de direitos e obrigações, na esfera jurídica dos particulares) e o postulado da aplicabilidade imediata (que diz respeito à vigência automática da norma internacional na ordem jurídica interna) traduzem diretrizes que não se acham consagradas e nem positivadas no texto da Constituição da República, motivo pelo qual tais princípios não podem ser invocados para legitimar a incidência, no plano do ordenamento doméstico brasileiro, de qualquer convenção internacional, ainda que se cuide de tratado de integração, enquanto não se concluírem os diversos ciclos que compõem o seu processo de incorporação ao sistema de direito interno do Brasil. Magistério da doutrina. - Sob a égide do modelo constitucional brasileiro, mesmo cuidando-se de tratados de integração, ainda subsistem os clássicos mecanismos institucionais de recepção das convenções internacionais em geral, não bastando, para afastá-los, a existência da norma inscrita no art. 4º, parágrafo único, da Constituição da República, que possui conteúdo meramente programático e cujo sentido não torna dispensável a atuação dos instrumentos constitucionais de transposição, para a ordem jurídica doméstica, dos acordos, protocolos e convenções celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL. (16)
O supra Acórdão refere-se ao cumprimento de carta rogatória. O STF denegou o exequatur à Carta Rogatória de origem Argentina com base na aplicação do Protocolo de Ouro Preto. Afirmou o STF que não poderia aplicar o referido Protocolo em razão de o mesmo não ter sido, à época do pedido, terminado seu ciclo de internalização. Para tanto, o STF explica o momento exato da entrada em vigor dos tratados internacionais no Brasil: a partir da publicação do Decreto. Apassivou o entendimento no qual não há que se distinguir os tratados de origem do MERCOSUL dos demais tratados, pois todos devem se submeter ao mesmo processo de transformação.
Sobre a relevância deste Acórdão, vale trazer as pertinentes colocações da ilustre prof.ª Nádia de Araújo:
Talvez o pronunciamento mais importante do Judiciário brasileiro sobre o Mercosul tenha sido a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a incorporação ao direito brasileiro das normas oriundas do Mercosul.
O STF se manifestou recentemente sobre a questão em uma carta rogatória, cujo cumprimento dependia do Protocolo de Medidas Cautelares do Mercosul. No Agravo Regimental da decisão de denegação do exequatur à rogatória, o ministro Celso de Mello referiu-se à recepção dos acordos celebrados pelo Brasil com o Mercosul, equiparando-os aos demais tratados ou convenções internacionais em geral (AGRCR 8279). Embora reconheça ser desejável uma incorporação diferenciada para os atos provenientes do Mercosul, entendeu o ministro que o tema dependeria de reforma do texto da Constituição, acreditando que o sistema constitucional brasileiro atual não consagra o princípio do efeito direto nem o postulado da aplicabilidade imediata dos tratados ou convenções internacionais, razão pela qual não podem essas normas ser invocadas pelos particulares ou aplicadas no âmbito doméstico do Estado brasileiro enquanto não forem completadas as etapas necessárias à sua entrada em vigor. (17) (grifos nossos)
Como vem sendo afirmado, neste artigo, não existe no ordenamento jurídico brasileiro qualquer disposição sobre o lugar que os tratados internacionais ocupariam na hierarquia normativa brasileira, omissão esta que alcança o texto constitucional; pois: "(...) A ocorrência de eventual conflito entre essas normas será resolvida ou pela aplicação do critério cronológico, devendo a norma posterior revogar a anterior ou pelo princípio da especialidade." (18).
Diante da ausência de dispositivos constitucionais, a jurisprudência brasileira orienta-se pela doutrina e pelos acórdãos (19). Por essa razão, deve-se observar como a jurisprudência brasileira tem se posicionado perante a questão referente ao conflito entre o Direito Internacional e o Direito interno, envolvendo tratados internacionais e leis internas.
Para ilustrar o término deste trabalho, cabe trazer os hodiernos posicionamentos dos órgãos oficiais do MERCOSUL quanto à questão da internalização das normas mercosulinas. Nesse sentido, vale trazer à colação uma recente Recomendação, emanada da Comissão Parlamentar Conjunta (20), de junho de 2003, que expressa, com clareza, a preocupação da cúpula mercosulina em forçar a internalização das normas dentro dos ordenamentos jurídicos dos Estados-membros. Como diz a Recomendação, apenas 30% das normas mercosulinas produzidas foram, até o momento, internalizadas pelos signatários:
INTERNALIZACIÓN DE LAS NORMAS MERCOSUR
VISTO
El Tratado de Asunción, el Protocolo de Ouro Preto, la Recomendación CPC 15/02 y la Recomendación CPC 32/02.
CONSIDERANDO
El bajo porcentaje de normas MERCOSUR hasta hoy incorporadas simultáneamente en todos los Estados parte, del orden de aproximadamente un 30% de toda la normativa emanada de los organismos decisorios del proceso de integración.
La falta de seguridad jurídica generada entre los agentes económicos como consecuencia de esa baja tasa de incorporación de las normas MERCOSUR en los ordenamientos jurídicos de los Estados parte.
LA COMISIÓN PARLAMENTARIA CONJUNTA
RECOMIENDA
Art. 1º – Solicitar al Consejo Mercado Común disponga articular las medidas necesarias a fin de garantizar una pronta y efectiva incorporación de las normas MERCOSUR en los ordenamientos jurídicos de los Estados parte; a partir del cuadro demostrativo de la normativa aprobada a presentar por la Secretaría Parlamentaria Permanente (21) en la Reunión Plenaria prevista para Diciembre de 2003;
Asunción, 17 de junio de 2003. (grifos nossos)