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Medida socioeducativa de internação

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Destaca-se o caráter punitivo da internação, muitas vezes mascarado pelo Judiciário para tratar da medida como se fosse algo benéfico ao adolescente.

DA INTERNAÇÃO

A medida socioeducativa de internação é, sem dúvida, a sanção mais severa que pode ser imposta ao adolescente e, por isso, deve ser admitida apenas nos casos expressamente previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que determina ser aplicável tal medida de caráter claramente punitivo somente quando outras menos severas não se mostrem adequadas, além de ter de se enquadrar em algumas das hipóteses previstas pelo ECA, in verbis:

Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:

I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;

II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

A exposição do que signifique e de quais princípios regem a internação se faz de suma importância para a melhor compreensão do presente trabalho, uma vez que a visita à Fundação CASA (local de cumprimento de tais medidas no Estado de São Paulo) responderá se, na prática, tais princípios, garantias e excepcionalidade são respeitadas.

Destina-se, aos casos mais extremos, devendo ser utilizada com estrita parcimônia e ser pautada pelos princípios da “ultima ratio” da internação, caráter excepcional e menor duração possível. Todos aqueles que são privados de liberdade só o serão como condição para o cumprimento da medida socioeducativa, ou seja, a contenção é o meio para que o fim pedagógico seja cumprido.

Como leciona Mario Volpi, em matéria escrita para a Revista do Ilanud, “historicamente já se comprovou que a punição, por si só, não muda a postura transgressiva do adolescente. Ela precisava vir acompanhada de um processo sócio-educativo que lhe possibilitasse rever sua postura diante da vida e respeitar regras de convívio social. Esse processo de internalização das normas envolve uma mudança de valores éticos e sociais, não se fazendo pela punição”.

Importante saber que três são os princípios que condicionam a internação: o princípio da brevidade, enquanto limite cronológico; o princípio da excepcionalidade, enquanto limite lógico no processo decisório acerca de sua aplicação; e o princípio do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, enquanto limite a ser considerado na decisão e na implementação da medida.

Wilson Donizete Liberati leciona, em sua obra “Adolescente e ato infracional: medida sócio-educativa é pena?”, que o princípio da excepcionalidade informa que medidas de internação somente deverão ser aplicadas se falhar a aplicação das demais medidas ou se elas forem inviáveis no caso concreto. Guarda relação com a ideia de subsidiariedade, tão cara ao Direito Penal.

A evolução pedagógica da medida deve ser alvo de constante análise, daí porque é recomendável a avaliação a cada seis meses, no máximo, como se extrai da leitura da redação dada ao parágrafo 2 do art.121, do Estatuto. Percebe-se, que deve existir um ideal equilíbrio psicossocial quando aplicável a internação, demonstrado também pelo

Art. 124: São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:

I - entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público;

II - peticionar diretamente a qualquer autoridade;

III - avistar-se reservadamente com seu defensor;

IV - ser informado de sua situação processual, sempre que solicitada;

V - ser tratado com respeito e dignidade;

VI - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável;

VII - receber visitas, ao menos, semanalmente;

VIII - corresponder-se com seus familiares e amigos;

IX - ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal;

X - habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade;

XI - receber escolarização e profissionalização;

XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer;

XIII - ter acesso aos meios de comunicação social;

XIV - receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje;

XV - manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade;

XVI - receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade.

Outra peculiaridade na internação é o prazo máximo para seu cumprimento, vez que, cumprindo o adolescente o limite máximo de três anos de internação, poderá o magistrado, nos termos do parágrafo 4, do art. 121, do ECA, decretar sua liberação ou sua colocação em regime de semiliberdade ou mesmo de liberdade assistida, sempre se respeitando a idade de vinte e um anos para liberação compulsória.

Um dos principais exemplos práticos do princípio do respeito à pessoa em condição peculiar de desenvolvimento é a obrigatoriedade de separação dos adolescentes internados por meio de critérios objetivos, como a idade, compleição física e gravidade da internação, que tem como finalidade eliminar a mistura de adolescentes, uma das mais antigas e perniciosas mazelas do nosso sistema de encarceramento juvenil. Também não pode ser internado em Delegacias de Polícia ou estabelecimento prisional destinado a adultos, sob pena de responsabilidade (art.185, ECA).

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Mister destacar que as hipóteses previstas no art.122, do ECA, que legitimam a internação, devem ser analisadas com rigor técnico e sempre com vistas a não aplicação da medida de internação, salvo quando estritamente necessária e adequada ao caso concreto. Por isso, na visão contemporânea de Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo e Thales Cesar de Oliveira, não são quaisquer crimes com violência ou ameaça que autorizam a internação. Devem eles ser graves. Uma lesão corporal leve, embora cometida com violência, não poderia justificar uma internação.

Em se tratando de crime de tráfico de entorpecentes, ainda que equiparado a hediondo, é inaplicável a medida socioeducativa de internação, à ausência de previsão legal. Como o Estatuto está pautado pelo princípio da legalidade, a violência ou grave ameaça devem integrar o tipo penal enquanto seu elementar. Qualquer hipótese no sentido de entender uma violência ínsita à sociedade no ato de comercialização de substâncias ilícitas constitui analogia in malam partem, sendo vedada no Estado Democrático de Direito. Apesar de alguns tribunais de Estados Brasileiros irem de encontro ao pensamento supramencionado, a jurisprudência do STJ é pacífica em afirmar que a internação em caso de tráfico não é autorizada, como se pode verificar pelos HC 13.192, 12.344, 12.523, 13.084, 10.294, ente outros.

Além da violência ou grave ameaça, a reiteração também autoriza a aplicação da medida de internação, sendo importante compreender que não se pode confundir reiteração com reincidência. Este é conceito objetivo, previsto no art. 63 do Código Penal, e que pressupõe o cometimento de novo crime depois do trânsito em julgado de sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. Já a reiteração, para que ocorra, é necessária, no mínimo, a prática de três condutas graves, como se pode retirar do HC 54.787, julgado em 20/11/2006, pelo Relator Ministro Felix Fischer.

A terceira e última hipótese de internação, conhecida como internação-sanção, menciona o descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta, condicionando tal internação a um prazo não superior a três meses. Trata-se de uma medida instrumental, destinada a coagir o adolescente ao cumprimento da medida originalmente imposta, não substituindo a medida que não foi cumprida anteriormente, devendo a ela voltar após o período de três meses.

Como a internação tem caráter altamente aflitivo, só poderá ser utilizada quando falharem todas as outras instâncias formais de controle social por meio das medidas socioeducativas. Pondere-se, ademais, que a regressão deverá ser feita sempre com a oitiva do adolescente, sob pena de anulação do ato, conforme RHC 16.074-SP.

Por fim, faz-se relevante mencionar que, dada a finalidade pedagógica da medida institucional de internação, embora contando com uma natureza aflitiva, não poderá haver casos de incomunicabilidade do adolescente no cumprimento da medida socioeducativa, e a proibição de visitas só poderá ocorrer se existirem motivos sérios e fundados da prejudicialidade da presença de pais ou responsáveis aos interesses dos adolescentes.

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Sobre o autor
Cauê Bouzon Machado Freire Ribeiro

Pós graduado em Direito Prcessual Civil pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva (CERS)/Universidade Estácio de Sá. Pós graduando em Direitos Humanos pelo Círculo de Estudos pela Internet (Curso CEI). Graduado em Direito pela Universidade Federal Fluminense no ano de 2013. Curso Regular na Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (FESUDEPERJ) no ano de 2012. Procurador Municipal de Paraty-RJ, entre 2018 e 2019. Delegado Municipal de Cultura pelo Município de Paraty-RJ no biênio 2018-2019. Desde 2019, Defensor Público do Estado do Paraná, atuando na comarca de Umuarama/PR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Cauê Bouzon Machado Freire. Medida socioeducativa de internação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5253, 18 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59390. Acesso em: 24 abr. 2024.

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