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Sobre as "emendas parlamentares" como aditivo para putrefação da política

28/07/2017 às 17:02
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Analisam-se as emendas parlamentares que ostentam o selo da legalidade e que foram absurdamente desviadas de seus propósitos publicáveis pelas leprosas práticas políticas que se sistematizaram no país.

Trataremos de uma temática demasiadamente intrincada e que compreendemos alimentar o pus desta ferida que não cicatriza chamada corrupção. As emendas parlamentares que ostentam o selo da legalidade e que foram absurdamente desviadas de seus propósitos publicáveis pelas leprosas práticas políticas que se sistematizaram no país.

O Governo Federal precisa anualmente elaborar um projeto de lei orçamentária, que determinará os gastos federais para o exercício seguinte. Para que o processo seja mais transparente, o orçamento precisa ser apresentado ao Congresso Nacional. que aprovará ou não a proposta do Governo.

Nesse momento são apresentadas as emendas parlamentares, alterações no orçamento anual feitas diretamente pelos deputados e senadores. Suas espécies são:

  • Apropriação: acréscimos de despesas para o projeto;
  • Remanejamento: proposição de novos projetos com uso de recursos já previstos no projeto original;
  • Cancelamento: supressão de despesa prevista.

As emendas precisam passar obrigatoriamente pela análise da Comissão Mista de Orçamento para serem aprovadas. Mister ainda, a apresentação de um projeto detalhado que justifique o uso dos requeridos recursos. Neste momento já ocorrem as primeiras deliberações tomadas por desvios de finalidade, quando os senhores parlamentares barganham vultosas quantidades de dinheiro público em troca de propinas, em jogo a aprovação.

Nas palavras dos seus defensores, dar esse poder aos parlamentares representa alocar de forma mais eficiente os recursos do orçamento, afinal seriam os parlamentares os detentores do conhecimento da realidade de seus estados, com mais especialidade que o Governo Federal, um ente centralizado que estaria incapacitado para atender as múltiplas demandas espalhadas por todo país. Por isso, os projetos vindos de emendas parlamentares seriam melhor aplicados, com mais eficiência, nos termos dos anseios de cada localidade. A realidade porém, foi a criação de um “propinoduto parlamentar”, um instrumento para barganha de privilégios e amealhador de favores recíprocos insculpidos sob a tessitura de interesses privatistas. .

Até 2015, as emendas parlamentares eram executadas com liberdade pelo Governo Federal. Assim os parlamentares pediam, mas o governo definia se os recursos para as emendas seriam liberados e quando. Assim que esse instrumento reverberou-se com enorme aditivo espúrio e degradante ao interesse público pelo por sua potencialidade para restar desviado para o formato de barganha entre Executivo e Legislativo, Nestes termos, os recursos das emendas parlamentares eram liberados pelo Governo em momentos oportunos que lhes ofertassem maior poder de barganha, sempre que careciam de determinado apoio do Legislativo para aprovação de projetos em nosso mais que deturpado presidencialismo de coalizão.

Escancarada referida deturpação do modus operandi das emendas parlamentares nasce a EC 86, de março de 2015, conhecida como PEC do orçamento impositivo criando um valor mínimo vindo de emendas parlamentares que devem, obrigatoriamente, ser executadas no ano seguinte. Esse valor equivale a 1,2% da receita corrente líquida do ano anterior, um montante que supera 10 bilhões de reais levando em conta o ano de 2016.

Isso significa que hoje, para cada parlamentar brasileiro tem garantida uma cota individual de pouco mais de R$ 15 milhões de reais, que podem ser destinados a um máximo de 25 emendas diferentes. Mas existe uma ressalva importante: metade do valor das emendas precisa ir para a saúde. Consabido porém, que já existem inúmeros desvios, quando a verba não vai efetivamente para saúde, e que a outra metade se perde nas mais diversas formas na trilha de uma plêiade de possibilidades de desvios que se ofertam ao apodrecido mercado da política brasileira.Investimentos nos termos do interesse público? Prioridades na alocação dos recursos? Definitivamente não, mas sim uma pomposa moeda de compra de votos e enriquecimento ilícito que o ordenamento pátrio ofertou aos bem-aventurados políticos profissionais do país. E o processo desmedido de sangria segue:

Assim as bancadas estaduais também podem apresentar emendas ao orçamento. Permitidas duas emendas que liberam até 0,8% da receita corrente líquida, o que significou cerca de R$ 224 milhões por bancada em 2016. Os recursos, em tese, seriam destinados a projetos de grande relevância para os estados ou regiões dos parlamentares.

Além das bancadas estaduais, as Comissões Permanentes do Senado e da Câmara, além das Comissões Mistas Permanentes são mais um grupo com direito a emendar o orçamento. O limite é de oito emendas por comissão, mas não há teto para os valores propostos.

A Emenda 86, na prática, fortaleceu os parlamentares, pois garantiu que uma cota mínima de emendas será sempre executada reduzindo o poder de barganha do Governo Federal, mas que ainda preservou uma autonomia para mensurar o momento e o ritmo da liberação do recursos das emendas. São nestes termos, que o Presidente Michel Temer negocia a liberação de emendas e cargos nas Administrações Públicas Direta e Indireta em troca de apoio não apenas no interesse de seus projetos institucionais como a aprovação da reforma trabalhistas como se fez, da reforma previdenciária como se planeja, mas principalmente para que a denúncia que possui contra si proposta pela PGR e aceita pelo STF reste arquivada até o final de seu mandato pelos senhores parlamentares.

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O escândalo dos anões do Orçamento, desvendado em 1993, é um dos casos mais clássicos de corrupção envolvendo emendas. O esquema consistia em fraudes no orçamento da União, com desvio de recursos para organizações sociais fantasmas e para empreiteiras, como a Odebrecht. Esses desvios eram realizados por emendas via Comissão Mista de Orçamento, da qual fazia parte o deputado João Alves, apontado à época como chefe da quadrilha. Por conta da repercussão do caso, foi instalada uma CPI, que pediu a cassação de 18 deputados, a maioria do “baixo clero” da Câmara. Entre eles no entanto estava o então presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, que restou cassado. Mais tarde, em 2000, ele foi inocentado pelo STF, por falta de provas, como era de costume. Ao todo, seis parlamentares foram cassados e outros quatro renunciaram. Os oito restantes restaram absolvidos.

Em suma e a partir do que se expôs, despiciendo seria asseverarmos que o modus operandi de liberação e uso das emendas parlamentares alimenta nosso hipertrofiado sistema de corrupção, ao passo que desfalece os direitos fundamentais mais básicos e nucleares da sociedade. Que além de não ser a destinatária final de fato dos recursos, acaba onerada por um país quebrado e incapaz de propiciar o mínimo existencial para uma vida digna ao seu povo, produzindo bilionários que deveriam exercer a política como vocação, como um múnus público e não um trampolim para enriquecer as futuras gerações das suas famílias e de seus comparsas associados.

Não há em nenhum momento do processo uma eficaz prestação de contas dos recursos destinados pelas emendas parlamentares, se foram efetivamente utilizados para os fins que se propuseram, não há fiscalização com um mínimo de eficiência, apesar de se tratar de montantes substanciais de dinheiro público. É um instrumento criado pela ordem posta que nos parece vocacionado mais para alimentar a corrupção instada na política, que propriamente ao atendimento dos seus fins institucionais primitivos e derivados dos princípios constitucionais.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SARMENTO, Leonardo. Sobre as "emendas parlamentares" como aditivo para putrefação da política. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5140, 28 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59444. Acesso em: 22 nov. 2024.

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