INTRODUÇÃO
O processo judicial de conhecimento tem por objeto constituir os fatos alegados pelas partes, que serão devidamente provados em juízo.
Desta maneira, não basta o autor indagar pretensões, necessita que a sentença declare, de fato, o direito então perseguido, e para isto, deve motivar o convencimento do juiz por meio de provas.
Pode-se dizer que prova é:
[...] “todo e qualquer elemento material dirigido ao juiz da causa para esclarecer o que foi alegado por escrito pelas partes, especialmente circunstâncias fáticas”. [...][1]
Nos termos do artigo 373 do Novo Código de Processo Civil, vemos de forma clara a possibilidade da dinamização do ônus da prova:
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
§ 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
O ônus da prova nada mais é do que a incumbência de se demonstrar determinado fato, como visto acima, não apenas os fatos alegados, mas os impeditivos, modificativos e extintivos de igual modo.
Neste artigo serão analisados os aspectos do ônus da prova, suas respectivas regras de distribuição, possível inversão e o momento adequado para tanto. Concluindo, ao final, a lógica jurídica do atual sistema, permitirá aos litigantes a obtenção de uma sentença justa, em consonância ao princípio da isonomia, base e objetivo do Estado Democrático de Direito.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 DIREITO FUNDAMENTAL À PROVA
Nos termos do artigo 5º, inciso XXV da Constituição Federal, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, ou seja, o judiciário não pode se abster de julgar determinada causa, sua função é pacificar conflitos.
Ainda, neste mesmo diploma temos os incisos LIV, LV, que norteiam o devido processo legal, sustentando que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem devido processo legal; bem como o contraditório e a ampla defesa, que são fundamentais para uma solução justa dos conflitos.
Devido a esses direitos previstos em um dos artigos fundamentais da nossa Carta Maior, pode-se dizer que sem a garantia da prova, anular-se-ia a garantia dos próprios direitos, uma vez que todo o direito se resulta de uma norma e de um fato.
Vale dizer que o direito à prova ocupa uma posição de extrema relevância em nosso sistema processual, pois certo seria que sem ele as garantias da ação e da defesa ficariam frágeis de conteúdo, afinal, impedir o direito à prova significaria cercear os meios legítimos de acesso à justiça.
Dessas observações podemos perceber que, por se tratar de garantia fundamental, não pode o juiz da causa agir de maneira rígida no indeferimento de pedido de prova, sendo que as garantias constitucionais devem ser interpretadas e aplicadas para possuírem eficiência. Caso não sejam observadas configurar-se-á cerceamento do direito à ampla defesa com consequente nulidade na decisão judicial.
2.2 FINALIDADE E DESTINATÁRIO DA PROVA
O processo judicial contemporâneo busca solucionar os conflitos por meio da verdade real e é na prova produzida dos autos que o magistrado busca identificar tal verdade. Como, embora o processo não possa deixar de dar uma solução jurídica à causa, por muitas vezes, a solução, no dia a dia, não corresponde de fato à verdade real.
Processo é um modo de composição dos litígios e, sendo assim, para se obter a mais ampla defesa as partes devem se submeter às regras processuais. Se a parte não usa sua opção processual, a verdade real não é vista no processo.
Ao magistrado para a garantia das partes, só é permitido julgar segundo o alegado e provado nos autos, o que não está no processo, para o julgador não existe.
Assim sendo, o magistrado irá formar sua convicção acerca da verdade dos fatos constantes nos autos. Certo ressaltar que a prova atua nos limites das alegações, mas buscando o esclarecimento da verdade dos fatos que as sustentam.
2.3 VALORAÇÃO DA PROVA
A prova busca produzir a convicção do julgador a respeito dos fatos em litígio. Contudo, ao analisar os meios de prova, o juiz deve observar um método.
No direito processual existem três métodos, critério legal – onde é atribuído apenas uma hierarquia legal e o resultado surge automaticamente; livre convicção- prevalece a íntima convicção do juiz, que é o responsável para investigar a verdade e apreciar as provas; persuasão racional - o julgamento deve ser fruto de uma visão lógica, com base nos elementos de convicção existentes no processo.
Desta forma, sem o rigor da prova legal, o juiz atendo-se às provas do processo, formará seu convencimento com liberdade. Mesmo sendo livre o exame de provas, não existe arbitrariedade, pois a conclusão deve ter um raciocínio lógico para a apreciação do que restou demonstrado nos autos.
A convicção, segundo Amaral Santos, fica condicionada:
a) aos fatos nos quais se funda a relação jurídica controvertida;
b) às provas desses fatos, colhidas no processo;
c) às regras legais e máximas de experiência;
d) e o julgamento deverá sempre ser motivado.
Nos termos do artigo 371 do NCPC: “o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento”.
Portanto, o novo código estabeleceu o dever de apreciar não a prova que escolhesse, mas todo o conjunto probatório existente nos autos, sendo legítima apenas a valorização quando feita de forma racional e analítica.
2.4 ÔNUS DA PROVA – DOIS ASPECTOS
No nosso sistema processual predomina o princípio do dispositivo, que confere a sorte da causa para o interesse da parte que provoca o judiciário, fazendo nascer o ônus probandi Podemos dizer que o ônus prabandi é:
[...] “uma conveniência de o sujeito agir de determinada maneira no intuito de não se expor ás consequências desfavoráveis que poderiam surgir com sua omissão” [..][2]
O ônus da prova nada mais é do que uma pesquisa sobre a verdade dos fatos que serão base para o julgamento da causa. A parte a quem a lei atribuiu o encargo de provar certo fato, se não se desincumbir, poderá correr o risco de sua alegação não ser acolhida pela decisão judicial.
[...]“A norma distribuidora da carga probatória atua na promoção e estímulo de um maior diálogo e cooperação, sempre direcionada a alcançar uma prestação jurisdicional efetiva e justa”.[..][3]
As regras do ônus da prova podem ser examinadas em dois aspectos, objetivo – que são as regras de julgamento, dirigidas ao juiz, que orientam ao proferir a sentença, na hipótese de os fatos não terem sido esclarecidos, imporá o juiz àquele que detinha o ônus as consequências negativas da insuficiência de provas; subjetivo – deflui do objetivo, ao estabelecer quem sofrerá as consequências negativas, norteará os litigantes a respeito daquilo que compete a cada um deles demonstrar.
Desta forma, caso as provas dos autos não sejam aptas para a formação da convicção do julgador, a regra a ser aplicada deverá ser a de julgamento. O magistrado identificará o fato não provado e julgará em desfavor do que mesmo sem depender de seu esforço, não tenha se desincumbido a provar o fato jurídico.
2.5 DISTRIBUIÇÃO ESTÁTICA DO ÔNUS DA PROVA
A regra de distribuição do onus probandi prevista no artigo 373 do NCPC estabelece, em princípio, que quem alega determinado fato atrai para si o ônus de prová-lo.
Dentro desta lógica, cabe ao autor provar os fatos constitutivos de seu direito e ao réu provar a existência de fato impeditivo, extintivo ou modificativo ao suposto direito do autor.
A aplicação desta distribuição se funda na premissa que as partes possuem condições iguais de acesso à prova, de forma que os encargos seriam divididos de maneira equilibrada. Contudo, na prática por muitas vezes a parte encarregada não possui meios favoráveis de acesso às provas, a fim de relevar a verdade para uma solução justa da demanda.
Por este motivo, a nova lei reconhece a necessidade de em tais situações, afastar a rigidez da distribuição do ônus da prova, incorporando critério mais flexível, chamado pela doutrina de ônus dinâmico da prova, atribuindo o de maneira diversa do procedimento ordinário da Lei.
Destarte, imperioso ressaltar que a distribuição estática do ônus da prova se revela em regra a ser observada no momento da sentença. De outro modo, a distribuição dinâmica se manifesta no curso do procedimento, cabendo ao magistrado determinar quando entender conveniente, por meio de decisão interlocutória.
2.6 DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA
Denota-se que o sistema de distribuição do ônus da prova previsto no artigo 373 do NCPC é estático e rígido. Porém, vemos que na experiência do nosso cotidiano as demandas nem sempre permitem uma satisfação na separação dos fatos constitutivos e extintivos. Por vezes a verdade real fica oculta, prejudicando o entendimento e convicção do magistrado por manter de forma rigorosa a aplicação estática do onus probandi.
A teoria do código de 1973 (estática), apesar de ser idônea para resolver a maioria das hipóteses, por diversas vezes se mostra inadequada à diminuição do caso concreto em vista as exigências do processo justo. Assim, espera-se do juiz que em condições especiais flexibilize as regras legais ordinárias sobre o ônus, pois a aplicação literal poderá sofrer excessivo sacrifício a uma das partes, tornando-se desigual.
Entende-se sobre distribuição dinâmica do ônus da prova, quando no caso concreto, conforme o desenrolar do processo, seria atribuído pelo magistrado o encargo de prova à parte que detivesse conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos discutidos na demanda, ou, possuísse maior facilidade na sua demonstração. Desta maneira, a parte encarregada de provar os fatos controvertidos poderia não ser aquela que, de regra deveria fazê-la.
O novo Código de Processo Civil concede expressamente ao juiz o poder de distribuir o ônus da prova entre as partes de maneira diversa da previsão dos critérios ordinários.
Para a modificação do ônus, o juiz pode se valer de forma objetiva as peculiaridades da causa, ou de forma subjetiva, do comportamento da parte, ao criar embaraços ao adversário para comprovar fatos relevantes a sua defesa – má-fé processual.
A primeira hipótese prevista, duas situações podem direcionar para atribuição do ônus de modo diverso pela forma estática: a parte que tinha o encargo da prova se acha diante de uma impossibilidade ou de excessiva dificuldade de cumpri lá; a parte que não tinha o encargo se acha com maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário.
Ademais, além das situações acima citadas, é aceita a inversão no caso do comportamento processual da parte, quando ela se mostrar ofensiva ao principio da boa-fé.
É preciso, contudo, que os elementos disponíveis no processo tornem plausível a versão afirmada por um dos contendores e o juiz na fase de saneamento, ao determinar as provas necessárias, defina também a nova responsabilidade pela respectiva produção – artigo 357, III.
Contudo, para que esta posição de inversão não seja considerada arbitraria, é necessário que o juiz decida de forma racional, ao ordenar a inversão, deverá proferir um julgamento lógico, suficiente de revelar e fazer entender, por meio de adequada fundamentação, como formou de mais racional sua convicção e quais elementos que a determinaram.
Ressalta-se que o deslocamento do ônus da prova é parcial, nunca total, pois tem por objetivo apenas aliviar algum aspecto da prova, ao qual a parte incumbida não tem acesso ou não possui condições de investigação satisfativa.
Para a correta aplicação da teoria devem-se observar certos requisitos:
a) a parte que suporta o redirecionamento não fica encarregada de provar o fato constitutivo do direito do adversário; seu encargo é a de esclarecer o fato controvertido pelo juiz;
b) a prova redirecionada deve ser possível, caso nenhuma das partes consiga provar o fato, não se pode admitir que o juiz aplique a teoria da dinamização do ônus probandi, para uma aplicação efetiva e justa,o novo encarregado deve ter condições efetivas de esclarecer a verdade real;
c) a redistribuição não pode representar surpresa para a parte, de forma que a deliberação deverá ser tomada pelo juiz com intimação do novo encarregado do ônus da prova esclarecedora, a tempo de proporcionar-lhe oportunamente de se desincumbir a contento do encargo;
d) a utilização da distribuição dinâmica não deve ser aplicada apenas na sentença, cabe ao magistrado, quando da fixação dos pontos controvertidos e da especificação das provas, na audiência preliminar ou na decisão saneadora, deixar claro que a causa não será julgada pela regra estática, esclarecendo o que deve ser provado por cada parte;
e) o juiz deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
O sistema da distribuição dinâmica do ônus da prova, por fim, se compatibiliza com direito positivo, que reconhece que todos os meios de provas legais são legítimos, sendo hábeis para provar a verdade dos fatos. É, portando, no campo das provas indiciárias ou circunstanciais que a utilização do ônus será mais bem empregada.
Frisa-se que apesar de o novo código ter incluído a teoria da dinamização no livro “Do processo de conhecimento e do cumprimento de sentença”, e não na “parte geral”, não podemos deduzir que sua aplicação não se estenda aos procedimentos especiais, haja vista a previsão expressa do parágrafo único do artigo 318 do CPC que aduz “aplica-se subsidiariamente aos demais procedimentos especiais”. Sendo, desta forma, totalmente aplicável.