ENCONTRO FURTIVO
Em tópico anterior já falamos do cenário em que ocorreu a conversa gravada entre o Presidente da República e o empresário Joesley Batista. Aqui voltamos ao tema para elucidarmos a circunstância que vemos de irresponsabilidade tamanha ao ponto de não podermos deixar de enxergá-la criminosa.
Teve o empresário acesso ao Palácio do Jaburu sem que fosse identificado pela segurança palaciana. Dissera ele que sua ida ao palácio estava, inicialmente, programada para ser feita em companhia do deputado Rodrigo Santos da Rocha Loures, que de última hora alegara impedimento para acompanhá-lo, mas que lhe dissera que sua ausência não seria impediente para a realização do encontro marcado com Presidente; que para ter acesso ao palácio bastaria ir com o automóvel cuja placa já teria sido informada à segurança do portão de entrada. Assim o fez: parou o carro frente ao portão, declinou o nome Rodrigo, sem que nada lhe fosse perguntado, e lhe foi permitido o acesso ao palácio. Foi recebido pelo Presidente e por ele levado ao porão do palácio onde se desenvolveram as conversas gravadas.
Caros eventuais leitores, o Procurador Geral da República, disse que ficou estarrecido ao ouvir o conteúdo das gravações. Não era pra menos; hoje todos sabem: gravíssimo. Confesso-vos, só a descrição do cenário, pra nós particularmente, foi de causar assombro. Desde que dele tomamos conhecimento, não conseguimos desvincular Brasília da Transilvânia; o Palácio do Jaburu do castelo do “Conde Drácula”; e, o porão do Palácio do Jaburu do porão do castelo onde o vampiro se fazia recolher ao raiar o sol.
O povo brasileiro sustenta uma estrutura colossal chamada, hoje, de Gabinete de Segurança Institucional – GSI, de custo elevadíssimo, cujo chefe possui “status” de Ministro de Estado e que - dentre outras essenciais e imprescindíveis finalidades - tem por mister realizar a segurança pessoal do Presidente da República, do Vice-Presidente da República e de seus familiares e, quando determinado pelo Presidente da República, dos titulares dos órgãos essenciais da Presidência da República e de outras autoridades ou personalidades, como também dos palácios presidenciais e das residências do Presidente da República e do Vice-Presidente da República, sendo-lhe sempre assegurado o exercício do poder de polícia. Vê-se pois, um aparato altamente especializado e treinado para salvaguardar as instituições e edificações importantes para a segurança nacional. Seu corpo é integrado por pais de família e jovens de futuro promissor, preparados para, se necessário, darem a vida para cumprirem a missão que lhes é confiada.
O Excelentíssimo Senhor Presidente da República não só se deu ao pretenso direito de por em risco a si, pessoa física, e a instituição por ele ora representada, como também de expor e por em dúvida a credibilidade da instituição a quem, em nome da segurança nacional, cabe a obrigação de, a todo custo, preservar sua integridade. Permitiu o acesso do senhor Joesley Batista ao Palácio de Jaburu de forma sorrateira. Proporcionou-lhe um acesso que ninguém, hoje, com o clarão do dia, tem a um prédio residencial, por mais simples que seja. Um acesso que não tem um censor do IBGE, devidamente identificado, ao prédio em que reside o homem Michel Temer. Ao Presidente não é dado fazer dos Palácios e das Residências Oficiais “Casa de Noca”.
"o presidente Michel Temer não acreditou na veracidade das declarações. O empresário estava sendo objeto de inquérito e por isso parecia contar vantagem". “Joesley é conhecido falastrão exagerado”.
O Presidente da República sabia muito bem que não estava lidando com o Anjo Gabriel. Recebeu no Palácio do Jaburu um homem que já vinha sendo investigado e que era um conhecido falastrão. Ora, é de se imaginar que uma pessoa falastrona seja de caráter duvidoso. E de um mau caráter, objeto de inquérito e, pois, na iminência de ser preso e perder grande parte de seu patrimônio e, ainda e por cima de tudo, cansado de extorsões, pode-se ter a expectativa de inesperadas reações. Pergunta-se: o homem Michel Temer correu risco de morte? A instituição Presidência da República esteve ameaçada? O Gabinete de Segurança Institucional teve sua credibilidade desgastada, ou até mesmo posta em dúvida sua utilidade?
CRIME CONTRA A PROBIDADE NA ADMINISTRÇÃO
Reza o art. 37 da nossa Carta Magna:. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: ...”.
“Recebi, sim, o maior produtor de proteína animal do mundo. Descobri o verdadeiro Joesley, o bandido confesso, junto com todos brasileiros, quando ele revelou os crimes que cometeu ao Ministério Público”.
O que está acima transcrito é suficientemente claro; e são palavras do Excelentíssimo Presidente Michel Temer, um dos interlocutores.
Pois é, pacientemente, talvez sorvendo um cálice de bom vinho – vocês podem até não acreditar, mas não conseguimos nos apartar da Transilvânia; agora mesmo estamos imaginando o Conde Drácula degustando sangue tipo O- em uma taça de cristal reluzente - ouviu a confissão do senhor Joesley Batista em que revelava o cometimento de vários crimes. Nas gravações, em momento algum se percebe que os fatos a si narrados o tenham constrangido; pelo contrário, suas intervenções monossilábicas deixam transparecer que aprovava os relatos do empresário bandido.
Prevaricação
Prescreve o art. 9º da Lei nº Lei nº 1.079, de 10 abril de 1950:.
“ São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração: ...;
7 - proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decôro do cargo”.
O Código Penal pátrio, no art. 319 do TÍTULO XI - DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CAPÍTULO I - DOS CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL, assim define o crime de prevaricação: “.
“Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.
“Permissa vênia”, entendemos que o Presidente da República encabeça – sendo, assim, o mais importante - a lista de funcionários públicos da Administração Geral. Não se concebe, pois, que dele partam ações ou se esperem omissões que atentem contra a Administração em Geral.
Insistimos, o Presidente ouviu do senhor Joesley Batista o relato de inúmeros crimes, respeitantes, principalmente, à Administração Pública e nada fez. Não demonstrou qualquer indignação com o relato dos fatos, o que, se houvesse ocorrido, o mínimo que se esperaria seria o convite para que “o bandido confesso” se retirasse espontânea e imediatamente do Palácio. Caso se recusasse a fazê-lo, não precisaria, como todo brasileiro, se valer de ligação para o 190 para se ver socorrido por força policial. Bastaria um simples tilintar daquele sininho que sempre se encontra em castelos e palácios e ver-se-ia, como num passo de mágica, cercado da polícia palaciana pronta para cumprir suas determinações. Mas não; preferiu prevaricar. E essa omissão do Presidente o coloca, a nosso ver, em cena como conivente, copartícipe dos crimes; não como simples ”caro ouvinte”. Prevaricou e, pelo cometimento do crime, deve merecer a respectiva punição.
UM FIO, FORTE, DE ESPERANÇA
”Sei o que fiz e sei a correção dos meus atos. Exijo investigação plena e muito rápida para os esclarecimentos ao povo brasileiro. Essa situação de dubiedade ou de dúvida não pode persistir por muito tempo”.
Palavras do Presidente. Mas o que fez ele desde então para que o imbróglio em que se envolveu fosse esclarecido. Nada! Aliás, tem feito de tudo para que o Supremo Tribunal Federal não aprecie a denúncia contra si apresentada pela Procuradoria Geral da República. Ouviu-se, sim, muitas bravatas que, como aqui já demonstrado, à medida em que eram pronunciadas, cada vez mais o embaraçaram. Cônscio da insustentabilidade de seus inconsistentes argumentos restou-lhe tão somente contar com a venalidade das consciências de deputados federais para que não autorizem o encaminhamento da denúncia por corrupção passiva para a apreciação pela Egrégia Superior Corte de Justiça do País. As manobras para a consecução de seu propósito chegam a ser imorais. Chega ao ponto de querer incutir na mentalidade do povo brasileiro que a improbidade deve prevalecer sobre a honra. Ledo engano, o povo brasileiro é um povo que muito estima a honra; preferirá enfrentar a crise econômica, o desemprego a que já está acostumado, a não ver esclarecido o episódio em que ele está envolvido. O povo brasileiro está saturado; não suporta mais conviver com a impunidade de políticos desonestos, com a promiscuidade na política.
Vale a pena aqui transcrever novamente o art. 86 da Constituição Federal:
“Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade”.
O legislador Constituinte ao condicionar a admissão de libelo acusatório contra o Presidente da República à aprovação de dois terços (2/3) da Câmara dos Deputados jamais imaginou a possibilidade de essa proporção – ou mais, ser composta de indivíduos de idoneidade moral duvidosa; pelo contrário, fez com a convicção de que a Câmara, na sua quase totalidade, seria preenchida por pessoas de condutas ilibadas, e que, em defesa da Constituição e, especialmente, em respeito ao voto popular e ao que a Instituição Presidência da República representa, a apreciação de acusações contra o ocupante do cargo de gestor do País fosse feita pelo livre convencimento de cada membro da Casa e à luz da letra da Carta Magna, a quem, quando da diplomação, juram respeito e obediência.
Mas a Assembleia Nacional Constituinte, tendo à frente da coordenação dos trabalhos o saudoso deputado Ulysses Silveira Guimarães - o maior de todos de todos os tempos -, foi de prudência elogiável. Para conter eventuais abusos de prerrogativas por ela própria concedidas, estabeleceu no seu art. 102: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: ...” (grifos nossos).
Pois é, em nenhum momento de nossa história o Poder Constituinte brasileiro delegou ao Supremo Tribunal Federal a nobre atribuição de velar, de salvaguardar, nossa Lei Maior. Facultou-lhe para tal fim, se necessário, o emprego das Forças Armadas nacionais (Marinha, Exército e Aeronáutica) – art. 142.
E não lhe delegou só a guarda; determinou-lhe como função precípua essa guarda. Isso nada mais nada menos significa do que atribuir-lhe a primazia para o controle de constitucionalidade de nossas leis. Tem, pois, o Supremo Tribunal Federal como função primeira fazer respeitar os princípios estabelecidos na Carta Constitucional; reconhecer a constitucionalidade ou não de nossos diplomas legais e, também, de obstar quaisquer atos de seus jurisdicionados, sem exceção - aí, pois, incluídos os demais Poderes, que atentem contra a ordem jurídica nacional, mantendo com isso a paz social.
Portanto, essa prerrogativa da Câmara dos Deputados para encaminhamento de denúncias contra o Presidente da República para apreciação pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Senado Federal, se abusiva, encontra limitações. Não podem, pois, prosperar negativas de encaminhamento de denúncias visivelmente inadmitidas contrariando preceitos constitucionais ou de legislação derivada. Isso ocorrendo pode e deve o Supremo Tribunal Federal, a contragosto daqueles que por interesses escusos não se dispuserem a contribuir com seus votos para o esclarecimento de fatos graves de interesse público denunciados, avocar a apreciação da denúncia. Verifica-se com relativa facilidade o acerto desta assertiva ao estabelecermos a hipótese, que, com toda sinceridade, jamais queremos ver concretizada, de numa reunião formal o Presidente Michel Temer, achando-se traído pelo participante deputado Rodrigo Maia, tomado por violento rancor, saca um revólver e – à vista de ministros de Estado, dezenas de parlamentares e da imprensa - contra o mesmo atira, provocando sua morte imediata. Pergunta-se: admitir-se-ia a negativa de encaminhamento da denúncia por cometimento de crime de homicídio pelo Presidente da República para a apreciação pelo Supremo Tribunal Federal. por mero capricho e interesses escusos da Câmara dos Deputados? Similar hipótese pode ser levantada no que diz respeito ao cometimento de crime por responsabilidade.
Certos estamos de que o Supremo Tribunal Federal, hoje em grande parte renovado, com magistrados retos, que à luz da lei formam seu livre convencimento e não se deixam levar por tendenciosos pareceres de pares contaminados, e muito menos por influências externas, cônscio do “sui generis” poder que lhe foi outorgado pelo constituinte de 1988, dessa prerrogativa fará uso em defesa do princípio da moralidade pública, da probidade. É o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL nosso fio, forte, de esperança..