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As formas de utilização do terreno de marinha

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13/08/2017 às 13:15
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V  – A LICENÇA PARA CONSTRUIR EM TERRENOS DE MARINHA

Mas vem a duvida no que concerne à edificação e tributação local nesses terrenos de marinha.

A doutrina cediça considera que o controle das edificações é  importante atribuição do Poder Executivo Municipal na consecução do cumprimento das funções sociais da propriedade urbana e da cidade, propiciando um desenvolvimento urbano equilibrado, socialmente justo, e sustentável do ponto de vista econômico e ambiental, bem como evitando e corrigindo distorções no crescimento urbano e seus efeitos negativos para o meio ambiente e para a qualidade de vida das pessoas, é o controle das construções.

Por serem atividades que intervêm com a ordenação urbana, qualquer construção, ampliação, reforma ou demolição precisa ser previamente licenciada pelo Poder Público Municipal. A licença é comumente chamada de “alvará” de construção, reforma, ampliação ou demolição.

Mesmo previamente licenciadas, as obras urbanas precisam ser fiscalizadas durante a sua execução, para assegurar-se de sua conformidade ao alvará expedido. O fiscal que inspecioná-las lavrará termo de ocorrência das irregularidades que constatar, encaminhando-o à autoridade superior, a qual, se for o caso, expedirá auto de infração e intimará o interessado para regularizar a construção.

Depois de terminada, o Poder Público Municipal terá que verificar se a edificação foi executada em conformidade com o projeto previamente aprovado. Confirmada a regularidade, expedir-se-á a licença respectiva (“habite-se”, “certificado de conclusão de obra”, “atestado de conclusão”, etc).

Louvo-me na interpretação de Victor Carvalho Pinto, para quem o direito de construir e suas modulações pelo Poder Público não derivam do poder de polícia, stricu sensu, embora possam ser objeto de fiscalização com base nele. O direito de construir configura um bem autônomo, espécie sui generis de direito real, inclusive averbável junto à matrícula do imóvel sobre o qual recai, e patrimonializável pelo particular: Em todos os institutos estudados, verifica-se a existência de ônus a serem suportados pelos proprietários para financiar a infraestrutura urbana.

No loteamento, são realizadas obras, transferidos terrenos e criadas servidões. Na contribuição de melhoria, na outorga onerosa, nas operações urbanas consorciadas e na transferência do direito de construir é feito um pagamento em dinheiro. Em todos estes casos, o benefício auferido em troca é a aquisição ou ampliação do direito de construir.

O fato de haver uma relação sinalagmática em todas essas situações, tendo por objeto o direito de construir, já demonstra que seu fundamento não pode ser o poder de polícia, uma vez que este não pode ser transacionado. (...) Estes mecanismos só fazem sentido se aceito o princípio da patrimonialização do direito de construir(Direito Urbanístico – Plano Diretor e Direito de Propriedade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 314-316).

Essa atividade de licença para construção é tarefa do Município.

A doutrina estabeleceu, quanto às licenças urbanísticas, princípios reitores para auxiliar na solução desse tipo de controvérsia, tais como: a) necessidade: o particular que deseje exercer atividade edilícia está obrigado a licenciar a obra, nas hipóteses da lei municipal; b) caráter vinculado: já o Poder Público, no momento de outorga da licença, esta adstritos às exigências legais, não podendo legitimamente negá-la quando verificados os mesmos.

Alguns autores, porém, falam em certa discricionariedade técnica do Município, inclusive na caracterização dos requisitos legais; c) transferibilidade: alienado o imóvel, a licença para nele edificar segue o principal, favorecendo os sucessores ou adquirentes; d) autonomia: à Administração não cabe discutir, para concessão da licença, quaisquer pendengas sobre domínio do imóvel ou relativas às relações inter privados, tampouco nelas influindo; e) definitividade: exercida a atividade nos termos e nos prazos da licenças, isto é, antes que a mesma caduque, gerando prescrição, o ato não pode ser discricionariamente revisto ou revogado.

Qual a natureza jurídica dessa licença?

Diferentemente da aprovação de projeto de parcelamento do solo, a documentação da aprovação de projetos de construção, reforma ou demolição se dá mediante alvarás de licença, e não de autorização. Hely Lopes Meirelles bem explana ambas as categorias: O alvará será de licença quando se tratar de construção definitiva em terreno do requerente; será de autorização quando se cuidar de obra provisória, em terreno do domínio público ou mesmo particular.

A diferença está em que, no caso de alvará de licença, sua outorga assenta no direito do requerente à edificação em caráter definitivo no terreno indicado, como ocorre com as construções previstas no Código de Obras e nas leis de zoneamento; no caso de alvará de autorização sua expedição decorre de liberalidade da Prefeitura (e não de direito do requerente), como na hipótese da construção de uma banca em praça pública para venda de jornais (...) Daí decorre que o alvará de autorização é sempre revogável sumariamente pela Prefeitura, sem qualquer indenização, ao passo que o alvará de licença nem sempre o é(Direito municipal brasileiro, 12ª edição, páginas 546 e 547).

Para Hely Lopes Meirelles(obra citada, 1977, pág. 539), o alvará é o instrumento de licença ou da autorização para a prática de ato, realização de atividade ou exercício dependente de policiamento administrativo. Assim o alvará expressa o consentimento formal da administração à pretensão do administrado.

O alvará será definitivo ou precário. Será definitivo e vinculante para a administração quando expedido diante de um direito subjetivo do requerente, como o é o direito de construir, desde que ele satisfaça todos os requisitos legais exigidos.

O alvará provisório é concedido por liberalidade, de forma discricionária e precária pelo Município, como é o caso de instalação de uma banca numa praça pública.

O alvará para a construção é o instrumento de licença ou da autorização de construir de acordo com o projeto aprovado. O alvará será de licença quando se tratar de construção definitiva em terreno do requerente; será de autorização quando se cuidar de obra provisória, em terreno do domínio público ou mesmo particular.

A diferença está em que, no caso de alvará de licença, sua outorga assenta no direito do requerente à edificação, em caráter definitivo, no terreno indicado, como ocorre nos Códigos de Obras e nas Leis de Zoneamento. O alvará de licença traz a presunção de definitividade.

Será o regulamento das construções urbanas, o Código de Obras do Município, que irá estabelecer minunciosamente os requisitos para cada modalidade de construção(residencial, comercial, industrial etc), objetivando a segurança, higiene, a funcionalidade e a estética da obra.  

A licença para edificar constitui, como disse José Afonso da Silva(Direito urbanístico brasileiro, 6ª edição, pág. 437), mais que simples remoção de obstáculos, pois constitui técnica de intervenção nas faculdade de edificar, reconhecida pelas normas edilícias e urbanísticas, com o objetivo de controlar e condicionar o exercício daquelas faculdades ao cumprimento das determinações das mencionadas normas edilícias e urbanísticas, incluindo as determinações dos planos urbanísticos.

O procedimento para obtenção da licença para edificar desenvolve-se em três fases: a introdutória, a de apreciação do pedido e a decisória.

A fase introdutória instaura-se pela apresentação do requerimento do interessado, submetendo-se o projeto das plantas à aprovação da Prefeitura, por seu órgão competente. Ali serão analisados: titulo de propriedade do imóvel ou compromisso de compra e venda; memorial descritivo da obra; peças gráficas apresentadas de acordo com o modelo adotado pela Prefeitura, em escala conveniente, especificada na legislação; levantamento planialtimético do imóvel, que serviu de base para o projeto.

Na fase de apreciação do pedido pela Prefeitura entra a discricionariedade técnica da Administração com relação à outorga da licença.

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A fase decisória compreende o deferimento ou não da licença. Será ilegal o indeferimento do pedido por causas extrínsecas, como o fato de haver decreto declaratório de utilidade pública para desapropriação do terreno, como ensinou Hely Lopes Meirelles(Direito de construir, 9ª edição, pág. 211).

O silêncio da administração municipal quanto à decisão do pedido de aprovação de projeto de outorga da licença para edificar terá o efeito que a legislação local estabelecer. Será  silêncio negativo, como ensinou José Afonso da Silva(obra citada, pág. 441), que importará recusa da licença, quando a lei determinar esse efeito com o transcurso do prazo previsto para a decisão em  que esta se verifique. Será silêncio positivo quando, ao contrário, a transição do prazo sem decisão importar numa outorga da licença.

Pode o Código de Edificações do Município determinar prazo para a decisão, ficando este  suspenso durante a pendência do atendimento  pelo requerente. Escoado o prazo para decisão do processo de aprovação, poderá ser requerido alvará de aprovação, podendo a obra ser iniciada com inteira responsabilidade do particular e profissionais da área de construção civil. Aliás o projeto de obra deverá sr elaborado por arquiteto ou engenheiro habilitado na forma da Lei(ver Lei 5.194, com registro no CREA).  

A licença poderá ser para construção, reforma, demolição.

Se houver alteração do projeto por outro diferente, quando aquele já foi aprovado, ter-se-á que se pedir uma substituição da licença, cancelando-se a anterior.

A vigência e a caducidade das licenças se submetem à legislação municipal. A caducidade das licenças ocorre com o transcurso do prazo de perempção quando, durante ele, não se tiver dado início das obras licenciadas. O prazo de perempção é função do início da obra. Havendo caducidade, apagando-se a validade da licença, se o particular quiser executar a obra, terá que solicitar uma nova licença.

A licença poderá ser objeto de anulação(por despacho motivado, após apresentação de defesa do particular), por vício de legalidade do ato administrativo ou ainda de revogação, se houver vício do mérito do ato, tais como: mudança das circunstâncias, adoção de novos critérios e erro na sua outorga, um erro de classificação de valores, de interpretação etc, erro de direito.

No caso de revogação do alvará, por razões de conveniência e oportunidade da administração, revelados os motivos e o objeto do ato, a Prefeitura deverá indenizar cabalmente o lesado, amigavelmente ou em desapropriação do imóvel(por certo o Município não poderá desapropriar bem da União), como revelou Caio Tàcito(Problemas atuais da desapropriação, Poder de Polícia das construções, pág. 146 e seguintes). Mas deverá a administração demonstrar, de forma cabal, o interesse público na suspensão da obra, compondo os danos de quem ficou privado da construção.

A licença pode ser cassada, se houver posterior descumprimento das exigências dela.

Ensinou Hely Lopes Meirelles(obra citada, pág. 549) que, se a obra já se iniciou, em conformidade com o projeto e com o alvará de licença, não poderá a Prefeitura ordenar a sua paralisação e demolição por simples decisão administrativa, porque a parte construída já se integrou ao terreno, por acessão(STF, RE 85.002 – SP, DJU de 17 de setembro de 1976). Também não se justifica a invalidação do alvará por mudança de orientação administrativa, ou nova interpretação das normas da construção, como revelou Hely Lopes Meirelles(obra citada, pág. 549), pois o critério anterior é válido para as licenças expedidas e gera direito subjetivo em sua manutenção.

A construção, reforma, demolição, nos terrenos de marinha, que são imóveis da União Federal, estaá sujeita, quando utilizada por particulares, à legislação municipal, no que tange à edificação e tributação local, assim como quanto às atividades que neles se realizem, como ensinou Hely Lopes Meirelles(Direito municipal brasileiro, 1977, pág. 364).

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. As formas de utilização do terreno de marinha. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5156, 13 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59537. Acesso em: 25 abr. 2024.

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