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Notas a propósito das imunidades tributárias

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19/11/2004 às 00:00
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10. IMUNIDADE DOS TEMPLOS – Art. 150, VI, b, CF.

Art. 150, VI, "b". A origem dessa norma imunizante remonta à separação entre a Igreja e o Estado, consumada com a proclamação da República. A Constituição de 1891 vedava o embaraço aos cultos por via da tributação (art. 11, § 2º da CF). Esta imunidade visa garantir a eficácia da diretriz constitucional da liberdade de crença e o livre exercício de cultos religiosos (art. 5º, VI da CF). Para Ricardo Lobo Torres essa imunidade se subjetiva na pessoa jurídica regularmente constituída, que promove culto ou mantenha atividades religiosas, portanto, a imunidade é da instituição religiosa. É imune o patrimônio das instituições religiosas que compreendem o prédio onde se realiza o culto (IPTU), o lugar da liturgia, o convento, a casa do padre ou do ministro, o cemitério, os veículos utilizados como templos móveis (IPVA). A renda imune é aquela que decorre do ato religioso, doações dos fiéis (IR) e aplicações financeiras que visam a preservação do patrimônio da entidade. Os Serviços religiosos são imunes (ISS) independentemente de serem gratuitos ou não, exemplo é a assistência aos pobres (alimentação, vestuário, medicamentos etc).

Na dicção de Ricardo Lobo Torres, a finalidade essencial dos templos é a prática do culto, a formação de padres e ministros, o exercício de atividade filantrópica e a assistência moral e espiritual dos crentes. Regina Helena Costa interpretando o art. 150, § 4º da CF, entende que mesmo que a Igreja explore comercialmente, por exemplo, estacionamento de veículos em suas dependências, ingresso em cinemas de sua propriedade, venda de caixões funerários, imóveis em locação, contudo, invista a renda obtida em suas finalidades essenciais estará satisfazendo a vontade constitucional. Não é a tipicidade da atividade religiosa o fato decisivo, mesmo atividade atípicas (exploração de estacionamento em suas dependências) podem ser consideradas imunizadas, porquanto é a destinação constitucional dos recursos obtidos pela entidade religiosa o fator determinante para a análise do alcance da imunidade tributária, e neste sentido verificar no caso concreto se foi respeitada ou não a teleologia da norma imunizante. Para Ricardo Lobo Torres a igreja está sujeita aos impostos indiretos quando quer como compradora ou vendedora de mercadoria, independentemente da destinação dos produtos adquiridos, casos em que não há falar-se em imunidade.


11. IMUNIDADE DOS PARTIDOS POLÍTICOS, INCLUSIVE SUAS FUNDAÇÕES. Art. 150, VI, c, CF.

O fundamento está nos direitos de liberdade (art. 17, CF). Estreita é a ligação entre tributo e partido político, uma vez que o tributo é criação burguesa que só nasce com a representação. Esta Imunidade é subjetiva.Os direitos humanos e a liberdade moderna necessitam da representação política para o seu aperfeiçoamento, o que torna intributável o partido político e as suas fundações. Os partidos políticos modernos costumam criar e manter fundações com vista ao estudo e divulgação da respectiva ideologia, o que justifica que se lhes estenda a imunidade. Para Ricardo Lobo Torres a imunidade só abrange os impostos diretos incidentes sobre o patrimônio, a renda e os serviços dos partidos políticos, não se aplicando aos impostos indiretos quando tais entidades estiverem na posição de compradores ou vendedores de mercadorias.

Discute-se na doutrina o que quer significar a expressão "atendidos os requisitos da lei" previsto na parte final do art. 150, VI, "c". A orientação majoritária tem sido a de que a "lei" a que se refere o artigo supra é lei complementar, por tratar-se de limitação ao poder de tributar na forma do art. 146, II da CF. Não é possível que as limitações constitucionais ao poder de tributar possam ser disciplinadas (lei ordinária) pelas próprias pessoas destinatárias das mesmas. Os "requisitos da lei" são os previstos no art. 14, do Código Tributário Nacional.


12. "IMUNIDADE" DAS ENTIDADES SINDICAIS DE TRABALHADORES (ART. 150, VI, c, e § 4º CF.

Para Ricardo Lobo Torres não se trata de imunidade, por não ser forma de proteção dos direitos humanos, é mera não-incidência constitucional ou privilégio. Sepúlveda Pertence no julgamento do IPMF afirmou tratar-se de imunidade fundamentada na liberdade sindical, o que ao ver de Ricardo Lobo Torres é um exagero. Por trás desta intributabilidade está a ideologia da "inesgotabilidade dos recursos públicos".

Para Regina Helena Costa trata-se de vera imunidade que prestigia a liberdade de associação sindical e reflete a relevância das entidades sindicais diante da vigente ordem jurídica. Há traços desta importância sindical nos arts. 8º, III, 74, § 2º e 103, IX, todos da CF.Trata-se de imunidade subjetiva dos sindicatos de empregados, não inclui os sindicatos patronais, e envolve também o conceito de finalidades essenciais.


13. IMUNIDADE DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA SOCIAL – ART. 150, VI, "c" e § 4º.

Para Ricardo Lobo Torres, o fundamento desta imunidade está na proteção da liberdade na sua vertente de mínimo existencial. As instituições de educação e assistência social são imunes aos impostos em razão da proteção constitucional ao direito à sobrevivência dos pobres e dos desassistidos. No dizer de Regina Helena Costa, estas instituições são imunes porque realizam atividades próprias do Estado e de relevante interesse público, tais como, educação, acesso a cultura e assistência social em suas diversas modalidades (médica, hospitalar, odontológica e jurídica).

Instituições

são aquelas entidades formadas com o propósito de servir à coletividade, sem fins lucrativos, colaborando com o Estado ao suprir sua deficiências. A educação (art. 205, CF) e assistência social (art. 203, CF) são conceitos constitucionais distintos. Assim como assistência social não se confunde com previdência social. Assistência social, saúde, e previdência social são uma tríade de prestações que compõem o conceito de Seguridade Social, Capítulo II, arts. 194 a 204 da CF. As instituições de assistência social e de educação, muito embora tenham capacidade econômica (leia-se: recursos suficientes para manutenção de suas atividades), não dispõem de capacidade contributiva, traduzida na aptidão para contribuir com as despesas do Estado sem o comprometimento da riqueza necessária à sua subsistência.

Para Regina Helena Costa, as instituições que tenham por objeto tão-somente a atividade de previdência privada fechada (fundos de pensão), não são titulares do direito público subjetivo a esta imunidade. O STF após a CF de 1988 vem entendendo que a entidade de previdência privada mantida por expressiva contribuição de empregados não está albergada por esta imunidade. No RE 202-700-DF (2001) relatado pelo Min. Maurício Corrêa restou decidido que entidade fechada de previdência privada. que concede benefícios aos filiados mediante recolhimento das contribuições pactuadas, inexiste imunidade tributária, dada a ausência das características de universalidade e generalidade da prestação, próprias dos órgãos de assistência social. As instituições de assistência social, que trazem ínsito em suas finalidades a observância ao princípio da universalidade, da generalidade e concede benefícios a toda coletividade, independentemente de contraprestação, NÃO se confundem e NÃO podem ser comparadas com as entidades fechadas de previdência privada que, em decorrência da relação contratual firmada, apenas contempla uma categoria específica, ficando o gozo dos benefícios previstos em seu estatuto social dependente do recolhimento das contribuições avençadas, conditio sine qua non para a respectiva integração no sistema.

13.1. DECISÕES DO STF: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E ICMS – A imunidade tributária de instituições de assistência social (CF, art. 150, VI, c) não abrange o ICMS, cujo ônus, podendo ser repassado aos adquirentes das mercadorias, não recai sobre o patrimônio ou a renda do contribuinte. Com esse entendimento, a Turma manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que reconhecera que determinada entidade de assistência social não está isenta do pagamento do referido tributo na venda de calçados de sua fabricação realizada com a finalidade de obter receita para suas atividades filantrópicas. Precedentes citados: RE 134.573/SP (DJU de 29.09.1995) e RE 164.162/SP (DJU de 13.09.1996). (STF – RE 191.067 – SP – Rel. Min. Moreira Alves – DJU 26.10.1999 – Informativo nº 168 – 04.11.1999 – p. 01).

13.2. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DE BEM LOCADO – Tendo em vista a orientação firmada pelo Plenário no julgamento do RE 237.718/SP (J. 29.03.2001, acórdão pendente de publicação, v. Informativo 222), no sentido de que a imunidade das entidades de assistência social prevista no art. 150, VI, c, da CF, abrange o IPTU incidente sobre imóvel alugado a terceiro, a Turma deu provimento a recurso extraordinário para reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que negara à recorrente, instituição de assistência social, a imunidade relativa ao pagamento de IPTU de imóvel dado em locação. Precedente citado: RE 286.692/SP (DJU 16.03.2001). (STF – RE 247.809 – RJ – 1ª T. – Rel. Min. Ilmar Galvão – J. 15.05.2001 – Informativo nº 228 – 29.06.2001 – p. 02).


14. "IMUNIDADE" DO LIVRO JORNAL E PERIÓDICO (art. 150, VI, "d").

Para Ricardo Lobo Torres não se trata de imunidade, mas sim de um privilégio constitucional, e no caso dos jornais, um privilégio odioso. Falta-lhe o traço característico de ser atributo dos direitos fundamentais e constituir garantia da liberdade de expressão. Segundo ele no direito comparado não existe preceito similar. O STF discorda de Lobo Torres e entende tratar de imunidade sim.T

Trata-se de imunidade objetiva, razão pela qual não inclui a empresa jornalística, a empresa editorial, o autor o livreiro etc., que devem pagar os impostos sobre o rendimento que obtiverem com a venda de livros, periódicos etc. Incide também sobre serviços de publicidades veiculados pelos jornais (há dissenso na doutrina). Se se estender de mais a interpretação desta imunidade, ela se transformará de objetiva em subjetiva, protegendo a empresa jornalísitica ao revés do jornal. Também não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias (art. 9º, § 1º do CTN), como prestação de informações ao fisco, emissões de documentos fiscais e o desconto de impostos na fonte quando devido por terceiros contratados, assim como também não dispensa o pagamento das contribuições sociais e de outros tributos. Para Regina Helena Costa o fundamento desta imunidade está na proteção da liberdade de comunicação, manifestação de pensamento, expressão da atividade intelectual, artística, científica, visando ao acesso à informação e à difusão da cultura e da educação.

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14.1. CONCEITO DE LIVRO – Para Roque Antonio Carrazza são considerados livros tantos os tradicionais quanto os seus sucedâneos, irrelevante se em disquete ou em papel, o que importa é ser um veículo de manifestação de idéias. Luciano Amaro diz que diante da evolução tecnológica, não se poder esvaziar o conteúdo da imunidade constitucional, para ele há que se proteger à obra independentemente do meio físico que a contém. Para Regina Helena Costa o preceito imunizatório (livro, jornais e periódicos) contempla a mídia escrita, esteja ela materializada em papel, disquete ou Cd-Rom etc. A mídia falada ou vista, portanto, escapa ao alcance da norma exonerativa. Para Ricardo Lobo Torres a imunidade só protege livros e jornais impressos em papel, não se projetando da cultura tipográfica para cultura eletrônica, nem do espaço público para o cibernético, exclui-se então: Cd-Rom, hipertexto para navegação nas redes de computadores, livros eletrônicos etc.

14.2. CONTEÚDO E INSUMOSRegina Helena Costa sustenta que nem todo livro pode ser objeto da imunidade, somente os livros que veicule idéias, transmissão de pensamento, exclui-se assim o livro-caixa, livro-razão, livro de ponto, livro de bordo, livro de atas etc. Insumo é tudo que é empregado para confecção de determinado produto, seus componentes (matéria-prima, instrumentos, mão-de-obra etc). Para Regina Helena Costa inclui-se no preceito imunizatório a tinta para impressão, os tipos gráficos, máquinas impressoras etc. Ricardo Lobo Torres entende que esta interpretação ampla é generosa demais, muito embora aqui e acolá vem sendo aceita por tribunais estaduais e federais, e até mesmo no STF.

14.3. DECISÕES DO STF - IPMF – EMPRESA DEDICADA À EDIÇÃO, DISTRIBUIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE LIVROS, JORNAIS, REVISTAS E PERIÓDICOS – Imunidade que contempla, exclusivamente, veículos de comunicação e informação escrita, e o papel destinado à sua impressão, sendo, portanto, de natureza objetiva, razão pela qual não se estende às editoras, autores, empresas jornalísticas ou de publicidade – que permanecem sujeitas à tributação pelas receitas e pelos lucros auferidos. Conseqüentemente, não há falar em imunidade ao tributo sob enfoque, que incide sobre atos subjetivados (movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira). Recurso conhecido e provido. (STF – RE 206774 – 1ª T. – Rel. Min. Ilmar Galvão – DJU 29.10.1999 – p. 19).

14.4. ALBÚM DE FIGURINHAS - No dia 25/05/2004, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, reformou decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, e em voto-condutor da Ministra Ellen Gracie, reconheceu a imunidade da Editora Globo, com base no art. 150, inciso VI, "d", da Constituição Federal, para os "álbuns de figurinhas". O TJ/SP entendeu que o álbum de figurinhas de novela da Rede Globo intitulada "Que Rei Sou Eu" NÃO serviria de mecanismo de divulgação cultural ou educativa, mas apenas de veículo de propaganda, o que afastaria a imunidade tributária constitucional para publicações e periódicos. O TRIBUNAL PAULISTA entendeu que os livros ilustrados com cromos de complementação não estão abrangidos pela imunidade constitucional, pois seriam publicações destituídas de propósito cultural ou educacional, dotadas apenas de finalidade mercantil. Quanto ao álbum de fugurinhas "Que Rei Sou Eu", o TJ/SP acrescentou o entendimento de que a intenção da Editora Globo S/A em lançar a revista foi somente a divulgação da novela com o mesmo título, veiculada pela Rede Globo de Televisão. A Editora Globo alegou que os livros ilustrados com cromos de complementação com figurinhas são elementos de didática moderna, necessários à educação infantil, merecendo, assim, serem contemplados pela imunidade constitucional concedida aos livros, periódicos e jornais, cujo objetivo é incentivar a cultura e garantir a liberdade do pensamento, o direito de crítica e a propaganda partidária. A ministra ressaltou que a imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à impressão dessas publicações têm por finalidade evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, consagrada no inciso IX do art. 5º da Constituição Federal, além de facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação, com a redução do preço final. A ministra entendeu que o "álbum de figurinhas" é uma maneira de estimular o público infantil a se familiarizar com meios de comunicação impressos, atendendo, em última análise, à finalidade do benefício tributário. (RE.221239).

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Sobre o autor
Roberto Wagner Lima Nogueira

mestre em Direito Tributário, professor do Departamento de Direito Público das Universidades Católica de Petrópolis (UCP) , procurador do Município de Areal (RJ), membro do Conselho Científico da Associação Paulista de Direito Tributário (APET) é autor dos livros "Fundamentos do Dever Tributário", Belo Horizonte, Del Rey, 2003, e "Direito Financeiro e Justiça Tributária", Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004; co-autor dos livros "ISS - LC 116/2003" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto e Ives Gandra da Silva Martins), Curitiba, Juruá, 2004; e "Planejamento Tributário" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto), São Paulo, Quartier Latim, 2004.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Notas a propósito das imunidades tributárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 500, 19 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5955. Acesso em: 28 mar. 2024.

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