Análise sobre o instituto do Refis: Ele implica em renúncia de receita prevista no Orçamento Público?

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Será que o Refis, e outros programas de parcelamento incentivado que existem em nossa Federação, se caracterizam como um mecanismo de renúncia de receita ?

 

Segundo o tributarista Fernando Facury Scaff ,

"No decorrer dos últimos anos, uma das bases da política econômica dos governos brasileiros (federal, estaduais e municipais) tem sido calcada nas renúncias fiscais, que se caracterizam em redução da carga tributária através de diversos mecanismos como crédito presumidoisenção e redução da base de cálculo, muitas vezes concedidos a empresas específicas, outras vezes a setores inteiros que atuam em determinado seguimento econômico". (SCAFF,2014).

Mas,será que o Refis, e outros programas de parcelamento incentivado que existem em nossa Federação, se caracterizam como um mecanismo de renúncia de receita ? E qual seria a importância prática dessa distinção para fins do Orçamento Público em relação aos programas de politicas governamentais para os entes da federação.

O Refis ou Parcelamento Incentivado, em linhas gerais, constitui um incentivo para os contribuintes quitarem seus débitos, com o resultado esperado de aumentar a receita da Administração para fazer frente as despesas fixadas.

Fernando Facury Scaff salienta que não há dúvida que esse conjunto de Refis se insere na política econômica dos governos federal, estadual e municipal de desonerações incentivadas, visando reduzir o estoque de seus créditos e obter mais receita para fazer frente ao superávit primário para traçar as metas estabelecidas pelo governo.

O referido programa é utilizado constantemente pela União , Estados e municípios para tentarem cumprir as metas fiscais traçadas pelas Leis Orçamentarias,o que tem aumentado de maneira expressiva o numero de arrecadação de débitos tributários e não tributários.

O conceito de renúncia de receita foi introduzido pelo direito americano em 1967, tendo como base conceitual o conceito de “taxexpenditure”, o qual pode ser traduzido como gasto tributário, criado por Stanley Surrey em seu clássico PathawaystoTax Reform.

Em linhas gerais, Surrey descobriu que muitas das normas tributárias em vigor “erodiam” a arrecadação tributária, concluindo que regras legítimas de tributação eram na realidade formas obscuras de transferir recursos públicos a determinado grupo de particulares, motivo pelo qual defendeu que deveriam ser claramente previstas na proposta orçamentária o valor gasto com cada norma de benefício tributário para serem comparadas com as demais despesas públicas, criando o conceito de gasto tributário.

Tal conceito foi introduzido pela Constituição de 1988, ao definir em seu artigo 165parágrafo 6º, que “o projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia”.

Este conceito foi utilizado pela Lei de Responsabilidade Fiscal em seu artigo 14, ao definir que “renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção fiscal.

Portanto, o conceito de renúncia de receita está diretamente ligado ao conceito de benefício fiscal, na medida em que o primeiro conceito é tão somente o enunciado quantitativo dos efeitos financeiros acarretados pelo segundo. Tal conceito exclui a anistia de juros e multas constantes no Refis, uma vez que não prevê qualquer redução de tributos, mas apenas de juros e multa, os quais não são enquadrados no conceito de benefício fiscal.

Destacamos também que a Lei de Responsabilidade Fiscal trata do equilíbrio financeiro do ano corrente, em outras palavras, procura fornecer ferramentas para que não ocorra o chamado desequilíbrio fiscal em determinado exercício financeiro.

Do conceito constitucional e da lei complementar pode-se extrair que juridicamente o artigo 14 da Lei Complementar nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal) em que diz “Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias...” (grifos nossos) deixa margem a uma interpretação mais genérica onde se entende que se houver concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária obrigatoriamente deva existir a estimativa de impacto orçamentário, no entendo podemos fazer 3 observações quanto ao texto da Lei:

I – A parte onde diz “... da qual decorra renúncia de receita” impõe uma condição de que se houver algum prejuízo ao ano corrente deve existir o tal estudo de impacto, e se não houver não necessita.

II – Quanto a necessidade da estimativa de impacto prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias no que consta parte onde diz “... em que deva iniciar sua vigência...” é algo condicionado ao exercício financeiro da LDO. Como o Programa de Parcelamento Incentivado trata dos débitos dos exercícios anteriores e não do ano corrente, não há que falar em estimativa de impacto, haja vista o Programa versa sobre débitos já inscritos em Dívida Ativa dos exercícios passados. Do mesmo modo o artigo 165 da CF/88 em seu § 6º prevê que a LDO deverá constar o efeito gerado nas receitas decorrentes de isenções, anistias, remissões e etc., entretanto tal ato só se fundamenta em caso de previsão negativa da receita o que não acontece no presente caso.

III – O § 1º do referido artigo salienta que renúncia compreende: anistia, remissão, subsidio ou isenção de caráter não geral que implique redução discriminada de tributos, ora isso não ocorre no presente caso, pois o programa trata apenas da redução das chamadas penalidades pecuniárias (juros e multa) que não se confunde com o tributo propriamente dito. Portanto não haver disposição de receita tributária por parte do Município. É importante ressaltar também que o benefício é de caráter geral, ou seja, não faz discriminação.

Através de métodos de interpretação, chega-se a conclusão que o referido artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal prescreve um evento futuro e incerto, vez que o legislador ao colocar no “caput” a palavra decorra frisa que caso não ocorra à chamada renuncia de receita, não há o que se falar em estudo de impacto financeiro nesta hipótese.

Além disso, a multa e os juros têm caráter de sansão sendo assim não devendo ser confundido com o tributo devido, nessa linha o próprio Código Tributário Nacional nos dá o conceito de tributo em seu artigo 3º em que diz “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

Segundo o tributarista Ricardo Lobo Torres, o tributo e a penalidade (multa e juros) pecuniária são inconfundíveis, porque aquele deriva da incidência do poder tributário do Estado, já a segunda tem o condão de resguardar a validade da ordem jurídica por meio coercitivo, ou seja, a sanção propriamente dita.

De acordo com Luciano Amaro “A infração enseja a aplicação de remédios legais, que ora buscam repor a situação querida pelo direito (mediante execução coercitiva da obrigação descumprida), ora reparar o dano causado ao direito alheio, por meio de prestação indenizatória, ora punir o comportamento ilícito, infligindo um castigo ao infrator.”

Conclui-se que o chamo refis tem natureza de transação tributária e não viola o artigo 165 da Carta Magna e o artigo 14 da Lei Complementar nº 101/2000.

Destarte, como concluiu o professor da FD-USP Dr. Fernando Facury Scaff, referido instituto somente pode ser enquadrado no conceito jurídico de transação:

“Entendo que resta apenas uma hipótese em todo o sistema normativo tributário que permite enquadrar os diversos Refis, aqui incluídos os estaduais e municipais, que é a da extinção do crédito tributário pela transação, fórmula prevista pelo artigo 171 do CTN:

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Artigo 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário.

Observe-se que a transação é uma mescla de vários dos institutos acima mencionados, o que se caracteriza pela expressão “concessões mútuas” a serem firmadas entre os “sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária”, cujo objetivo é a “determinação do litígio” visando a “extinção do crédito tributário”. Claro, sob a égide da reserva legal, o que é pressuposto e está contemplado nos diversos Refis, consoante as leis acima mencionadas.” (SCAFF,2014).

Assim, a natureza jurídica das penalidades inscritas em dívida ativa, por não ensejarem ao município a expectativa de executar sua política pública, em vista da incerteza de seu recebimento, não pode ser considerada o PI uma renúncia de receita, sendo certo que parte deste valor não será objeto de pagamento.

A anistia, de modo semelhante à remissão, consiste no perdão do pagamento de importância pecuniária decorrente da incidência de uma norma sancionatória relativa a questões tributárias.

Nesse sentido, a norma de anistia possui a natureza de perdão de dívida, sendo dotada da mesma estrutura da norma de remissão, tendo como único traço distintivo o fato de que a obrigação perdoada não se origina da incidência de regra matriz tributária, mas sim de uma norma sancionatória.

Quanto à forma, tem-se que a anistia pode ser geral, limitada ou condicional. A geral é concedida a todos quantos se encontrem na mesma situação, sem qualquer condição. Nesse caso, o seu reconhecimento dependerá de prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei para a sua concessão.

Nesse sentido, como visto acima, a relação do instituto da anistia com o do gasto tributário também pode ser questionada, uma vez que o caput do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal restringe o conceito para a “concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária”, não se aplicando aos benefícios relativos às penalidades. Assim, não há uma norma de referência quanto às normas que descrevem penalidades, na medida em que elas não objetivam, em princípio, a arrecadação de receitas.

Por fim, cumpre ressaltar que o STJ já reconheceu os Refis ou PPI´s como uma espécie de transação em pelo menos dois julgados (Relator Ministro Castro Meira, REsp. 739.037/RS; e Relatora Ministra Eliana Calmon, REsp 499.090/SC).

Conclui-se, portanto que o Parcelamento Incentivado se enquadra no conceito jurídico de transação, e não de benefício fiscal,uma vez que este implica na redução direta ou indireta de tributos, já o Refis não visa esse objetivo motivo pelo qual não acarreta renúncia de receita nos termos da Constituição Federale da Lei de Responsabilidade Fiscal.

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Sobre os autores
Sarkis Diego Chememian Tolmajian

Advogado, membro da comissão de gestão, inovação e tecnologia da OAB Guarulhos, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Metropolitano da Cidade de São Paulo - FIG Unimesp, Especialista em Direito Eletrônico pela Escola Paulista de Direito, Servidor Público na Secretaria Municipal da Justiça de Guarulhos com experiência em processo licitatório, desenvolvimento de projetos legislativos, análise de receitas tributárias, entre outros.

José Pedro Fernandes Guerra de Oliveira

Advogado e consultor jurídico. Pós graduando em Direito Individual, Coletivo e Processual do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC. Consultor Jurídico na Secretaria Municipal da Fazenda de Guarulhos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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