1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho versará sobre o direito penal do inimigo, proposto por GüntherJakobs, que o desenvolveu, inicialmente, em 1985, como um desmembramento do direito penal sistêmico criado pelo mesmo, vindo a escrevê-lo em 2003, em seu livro Direito Penal do Inimigo.
O direito penal do inimigo seria uma idealização frente a crescente criminalidade a qual o mundo passava, e atualmente vem passando, sendo de expressa relevância tratá-lo hoje em dia, uma vez que as discussões acerca da segurança dos cidadãos tem sido cada vez mais frequente, envolvidas pelo crescente descrédito das forças policiais, do excessivo terror atribuído ao Ministério Público, à explosão de violência em todas as esferas sociais, e principalmente, pela necessidade de conter essa onda muito semelhante a vivida à época da criação dessa teoria tão polêmica.
No tangente à Polícia e ao Ministério Público, este trabalho tentará trazer à tona certos fatos que acabaram por mitigar sua verdadeira função, atribuindo-o uma nova, a de fortíssima coerção e coação frente a toda sociedade.
Ao tratar da Constitucionalidade do direito supracitado, este instrumento de pesquisa entrará no mérito dos direitos fundamentais, na sua possibilidade de implementação junto a atual sociedade brasileira fazendo assim uma crítica à lei 10.792 de 1° de dezembro de 2003.
2. BREVE SÍNTESE HISTÓRICA
O alemão GüntherJakobs era um seguidor da teoria da prevenção geral positiva, considerando ser a única forma completa e capaz de trazer uma maior segurança à justificação da pena, nessa seara, afirma ilustremente Fábio da Silva Bozza[1], vejamos:
“Jakobs considera a prevenção geral positiva como única função da pena criminal. Tal função concentra as finalidades de intimidação, correção, neutralização e retribuição. A legitimação do discurso punitivo consiste no exclusivo objetivo de afirmação da validade da norma, a qual seria colocada em dúvida caso em seguida de um crime não houvesse punição.” (BOZZA, p. 44).
Ateoriada prevenção geral positiva trazia uma significativa mudança em relação as teorias anteriores, esta versava não mais sobre a pena como exemplo aos delinquentes e aos potenciais delinquentes, mas, ao contrário, ela trazia uma força tangente a toda a sociedade onde a pena passaria a ter uma função pedagógica geral de reafirmação do sistema normativo vigente, oferecendo uma maior estabilidade, agora mais adequada ao sistema jurídico como um todo.
A esse respeito versa adequadamente Rafael Alcácer Guirao[2] que reza o seguinte:
“A finalidade preventiva agora seria alcançada por meio da mensagem dirigida a toda a coletividade social, em prol da[3] “internalização e fortalecimento dos valores plasmados nas normas jurídico penais na consciência dos cidadãos”.
Roxin[4] também trabalhou o conceito de prevenção geral positiva, onde citava em seus trabalhos os principais efeitos desta teoria, conforme citado logo abaixo, e pasmem, estes foram acatados severamente por Jakobs ao justificar a necessidade de implementação de um direito penal com cunho punitivo mais severo.
“Efeito de aprendizagem através da motivação sociopedagógica dos membros da sociedade; efeito de reafirmação do Direito Penal; e o efeito de pacificação social quando a pena aplicada é vista como solução ao conflito gerado pelo delito.”
Ou seja, para Jakobs a justificação da pena aplicada ao direito penal do inimigo está amparada por meio da teoria da prevenção geral positiva, uma vez que esta atende a todos os conceitos por ele ditados para uma coação psicológica tremenda, capaz então de assegurar à sociedade uma tranquilidade em relação à demanda de punibilidade.
Dessa forma, acreditava Jakobs ter encontrado uma resposta à altura das necessidades e clamores da sociedade, pelo fato de que um crime praticado serviria a título de exemplo para os demais, semelhante, que futuramente poderiam ser exercitados.
3. DIREITO PENAL DO INIMIGO
O direito penal do inimigo como acima relatado foi criação de GüntherJakobs, que começou a traçá-lo no ano de 1985, vindo a explicitá-lo no ano de 2003, coincidentemente com a lei número 10.792 de 1° de dezembro de 2003 que versa sobre o regime disciplinar diferenciado, uma divergência à nosso ordenamento jurídico atual.
O direito penal do inimigo é uma tese onde se vê a necessidade de separação da sociedade em dois grupos distintos, e, respectivamente, os delinquentes, uma separação na punibilidade, traçando assim, uma linha tênue junto ao princípio da culpabilidade.
Suas principais características são: a antecipação da punibilidade visando combater a perigos, alcançando até mesmo os fatos anteriores à ação delituosa; incrementação e visível desproporcionalidade das penas; supressão ou redução dos direitos e garantias individuais (fundamentais), embasados no Artigo 5° de Carta Magna, tanto em sua esfera material quanto na processual; a enorme ampliação do poder punitivo estatal contrariando assim os ditames afirmados na Revolução Francesa, marco de uma revolução enorme e intrínseca no direito penal; e, por fim o marco dessa tese pregada, a anulação da condição de sujeito do indivíduo considerado inimigo, erroneamente ou não.
Em primeira análise, Jakobs separa os criminosos em duas categorias, os criminosos cidadãos e os criminosos inimigos. Dessa forma torna-se possível uma diferenciação no tocante à culpabilidade e nas suas consequências jurídico penais, aplicadas as categorias, pelo fato de que o criminoso cidadão merece o “perdão” da sociedade, uma vez que realizou o ato criminoso devido a uma perturbação momentânea, não oferecendo assim, um risco demasiado a sociedade e ao ordenamento jurídico.
Enquanto o criminoso inimigo apresenta alto risco de “mutação” social, sendo uma divergência sistêmica que acredita veemente que o sistema jurídico penal vigente seja falho, incompleto e até mesmo irrisório, uma vez que pode agir da forma como melhor lhe agradar, realizando suas “perturbações” sempre que tiver um impulso, por menor que este seja.
Dessa forma, esse tipo de criminoso não deve apenas ser punido, mas sim, retirado da sociedade, sendo considerado seu inimigo extremo, um motivo de repulsa e banimento.
Em uma segunda análise, para seu criador, haveria a necessidade de separar a sociedade em dois grupos, o primeiro conteria os possuidores de boa-fé, enquanto o segundo conteria os “ladrões” analogicamente à proposta original supra relatada.
Aqui há uma diferença significativa no que tange ao crime e a sua punibilidade, sendo afirmado que o possuidor de boa-fé jamais poderá ser punido da mesma forma que o ladrão justamente pelo título a que carrega, ou seja, aquele possui boa-fé, e ao cometer o delito o faz geralmente movido por erro, desconhecendo a ilicitude de sua conduta, ou fazendo um falso julgamento do resultado de sua ação, não possuindo assim dolo em seu ato.
Já o ladrão age apenas com dolo, ele não se engana sobre os resultados de seus atos ou sobre a ilicitude destes, ele quer o resultado do injusto culpável que realiza, não medindo esforços para a perfeita execução de sua ação, devendo justamente por isso ser punido severamente, a título de exemplo, àqueles que julgam menosprezadamente o poder do Estado e de suas normas cogentes.
Nas próprias palavras de Jakobs têm-se a confirmação de que essa segregação se faz necessária, fazendo jus a defesa de uma bem maior, a coletividade:
“Quem não presta uma segurança cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, não só se pode esperar ser tratado como ainda como pessoa, mas o Estado não deve tratá-lo, como pessoa, já que do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas.”[5]
O referido autor vai mais longe ainda em pensamento, firmando uma préjustificação as críticas que veementemente sofreria, vejamos:
“Portanto, seria completamente errôneo demonizar aquilo que aqui se tem denominado Direito Penal do Inimigo. Com isso não se pode resolver o problema de como tratar os indivíduo que não permitem sua inclusão em uma constituição cidadã. Como já se tem indicado, Kant exige a separação deles, cujo significado é de que deve haver proteção frente aos inimigos.”[6]
Ao pregar explicitamente a necessidade desta separação, o autor ora aludido, acima de todas as críticas sobre seu ideal de direito penal quer intentar para o seguinte:
“A função manifesta da pena no Direito Penal do cidadão é a contradição, e no Direito Penal do Inimigo é a eliminação do perigo (...) esta guerra tem lugar com o legitimo direito dos cidadãos, em seu direito à segurança; mas diferentemente da pena, não é direito também a respeito daquele que é apenado; ao contrário, o inimigo é excluído”.[7]
Em consonância à ideologia de Jakobs, a doutrina do ilustre mestre Raúl Eugênio Zaffaroni em conjunto com a de Luís Gracia Martín são de suma importância ao explicar sinteticamente a diferença entre a dicotomia inimigo/cidadão como sendo: esses indivíduos segregados, os inimigos, não são nada mais do que entes perigosos, a serem privados de direitos e garantias individuais próprias dos cidadãos, as pessoas[8].Pois suas atitudes revelam em si um distanciamento em relação às regras do Direito, fato esse que não se dá acidentalmente, e sim de forma duradoura, onde nenhum ato do indivíduo pode ser concretizado no âmbito das relações legitimadas pelo Direito, ao contrário, se desenvolvem completamente a margem deste.[9]
Ainda de acordo com Gracia têm-se que a condição de Inimigo não é em princípio algo determinado pela natureza, mas sim por uma atribuição normativa, indiferentemente de se ter um caráter moral, um caráter social ou jurídico.[10]
Referida citação, traz à tona que o conceito de pessoa é um produto da comunicação existente no sistema social que depende do grau de satisfação das expectativas normativas que o indivíduo em questão é capaz de prestar, para que enfim possa ser “rotulado” de indivíduo.[11]
Diante de todo o exposto torna-se possível propor uma linha tênue entre uma possível segregação “benéfica”, ou seja, no tangente aos interesses protecionistas sociais promovendo umadefesa ao bem jurídico tutelado pelo Estado de Direito de forma a pacificar definitivamente o convívio social minimizando drasticamente as taxas de criminalidade; e uma segregação que caso aplicada de forma equivocada pode ser genitora de políticas totalitaristas extremas, justificando genocídios em massa, como os ocorridos durante o Nazismo entre 1933 e 1945, porém hoje, em escalas muito maiores oriundas do enorme desígnio social de reprimir a criminalidade e a descontentação política e social, gerando pânico sem qualquer precedentes e uma possível e muito provável destruição social proveniente de uma guerra civil.
4. ATUALIDADES CORRELATAS AO DIREITO PENAL DO INIMIGO
Com o advento da modernidade tem-se uma revolução tecnológica gritante e ao mesmo tempo constante, que traz em seu bojo uma crescente onda de violência em todos os graus e escalas possíveis e determináveis.
Essa onda, tem imensos fatores intrínsecos, sendo seus principais os políticos, econômicos e sociais. Cansados dos rumos que o Estado toma e motivados por uma política de ódio, a própria população implora pelo uso do direito penal do inimigo, mesmo que de forma inconsciente.
O que não se passa ao conhecimento dos cidadãos é que antes mesmo que esses pudessem ter a chance de invocar indiretamente a esse poder, quase que absoluto, chamado de direito penal do inimigo o Estado já estava lançando mão indiscriminadamente de seu uso por meio de seus principais entes de defesa.
Os motivos mais claros de sua evocação por parte do povo são o gigantesco índice de crimes cometidos por menores que ficam impunes devido a maioridade penal, o crescente descrédito em relação a polícia, a desídia de um Estado Democrático de Direito com crescente corrupção e crises econômicas, a existência de leis incompatíveis entre si. Enquanto suas respectivas formas de aplicação pelo Estado são uma legislação perversa, o uso e abuso da polícia e do Ministério Público em face a essa mesma população que tanto o desejava.
Com todos esses fatos colacionados como de suma importância para origem e aplicação dessa modalidade de direito, expande-se o tema sendo destrinchados nos sub tópicos a seguir.
4.1-REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
Muito se fala na redução da maioridade penal de 18 anos para respectivos 16 uma vez que vem sendo muito comum a participação e uso de menores no universo do crime, e estes devido a sua inimputabilidade usualmente não sofrem sanções severas do Estado, quando muito lhes são atribuídos alguma Medida Socioeducativa que está prevista no Art. 100 do ECA, “verbis”:
“Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários”.
Porém, esse clamor social para reduzir a referida maioridade nada mais é do que uma forma mitigada de aplicação do direito penal do inimigo, direito este que em teoria é desconhecido pela sociedade, mas que cada vez mais vem sendo usadoinconscientemente, uma vez, que tal medida visa taxar cada vez um número maior de inimigos, banindo-os de uma vez por todas do convívio social e ao mesmo tempo marcando-os definitivamente.
A polêmica discussão acerca deste tema vem ganhando força devido a uma crescente intimidação dos “cidadãos” pelos “inimigos”, menores, em face de uma legislação que os distingue dos demais criminosos.Entretanto essa redução não parece ser muito plausível, útil ou quiçá viável devido inúmeros fatores chaves.
Dentre esses serão aqui discorridos os que aparentam ter maior relevância. Um é a incapacidade física dos presídios e lugares afins em receber cada vem mais “inimigos” a serem banidos da sociedade, outro é a visível diferença na taxa de reincidência entre os imputáveis e os inimputáveis, vejamos:
GRÁFICO 1: Ranking Paises com Maiores Populações Carcerárias do Mundo. Fonte: Lista Mundial da População Carcerária (8ª edição) - ICPS/King´sCollege[12)
De acordo com o gráfico acima tem-se a prova de que o Brasil ano após ano vem tendo um florescente crescimento em número e grau de sua população carcerária, vindo a ser a 3ª maior do mundo, e só assim se mantém uma vez que a maioridade penal faz-se presente.
O país passa por inúmeras dificuldade devido a esse enorme contingente populacional encarcerado pelo mero fato de que os estabelecimentos prisionais aqui contidos possuem estrutura precária e uma falta de espaço para alocar essa quota imensa referida, logo chega-se ao entendimento de que caso a maioridade penal seja reduzida haverá uma explosão ainda mais trágica que a atual, não tendo local para dispor da nova leva de “inimigos”.
Nessa seara manifesta-se brilhantemente Cezar Roberto Bitencourt que afirma o seguinte, que afirma que “As manifestações insistentes que se têm ouvido (...), seriam alvissareiras, se viessem acompanhadas do orçamento adequado e de efetiva criação de infraestrutura necessária. Caso contrário, teremos mais um diploma legal a não ser cumprido, incentivando ainda mais a impunidade, com consequente aumento da insegurança social”[13]. (Grifamos)
Outro ponto de relevância a elencar, como dito anteriormente, é a divergência no número de reincidência entre os criminosos plenamente capazes de imputação e os mesmos casos para o caso dos inimputáveis, facilmente compreensível na análise dos gráficos abaixo:
GRÁFICO 2: Porcentual de Reincidência dos Adolescentes por Região. Fonte: CNJ, 2012[14]
GRÁFICO 3: Porcentagem de Reincidência entre maiores.
Concluindo, a taxa de reincidência vistas logo acima contundentemente firma o entendimento de que o regime das medidas socioeducativas previstas no ECA[15] estão logrando de maior êxito ao compararmos com as penas privativas de liberdade previstas no Código Penal, dessa forma tem-se como inviável a redução da menoridade penal, mesmo que como forma de acalmar a sociedade sedenta por mudanças no âmbito social.
4.2 - DESCRÉDITO DA POLÍCIA PERANTE À SOCIEDADE
Esse tópico vem sendo agravado diariamente, tendo como seu principal fator a extrema violência empregada pelas corporações frente à sociedade.
Após as eclosões de ondas “pacificadoras” junto as comunidades carentes do país e um acirramento sem precedentes no “combate” as facções criminosas dominantes, houve uma explosão da cogitação e aplicabilidade do direito penal do inimigo, onde a caça e aprisionamento não se limitou a apenas esse “seres indignos” do convívio social se estendendo assim a toda a sociedade.
De forma surreal a polícia vem aplicando este direito, perdendo assim o controle e a direção de seu foco. Oriundo disso, inúmeros são os casos onde se tem falhas drásticas em suas operações dando suporte a finais trágicos, que em sua enorme maioria jamais poderão vir a serem reparados.
É exatamente neste ponto que está localizado o perigo da teoria em questão, uma vez que devido a todas as incapacidades durante a investigação, organização, e principalmente, execução dos atos policiais há a origem de todo erro, qual seja a diferenciação e qualificação dos indivíduos como inimigos ou não.
Logo, todo poder de fogo da polícia passou a ser utilizado diretamente contra os cidadãos, causando, por sua vez toda essa crise de confiança, nunca antes vista destes últimos em ralação àqueles que deveriam zelar pela sua segurança.
Faz-se necessário citar Max Weber nesse contexto de plena dominação, onde tem-se a “troca” dos grupos detentores do poder, que agora se passa às corporações policiais. Para o ilustre pensador o poder “é toda probabilidade de impor a sua vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade”[16]
O pensamento do referido sociólogo pode ser interpretado literalmente, vindo assim, a constituir mais uma base sólida a essas ações da polícia frente a sociedade, uma vez que aquela sente a necessidade de se impor ante esta para que tenha total domínio do atual momento onde a própria sociedade clama por justiça.
Dessa forma, o problema aqui relatado não é em questão a “aplicação” do direito penal do inimigo por parte da polícia, uma vez que devido a explosão da criminalidade a própria sociedade deseja isso, mas sim a forma como este vem sendo aplicado.
Conclui-se então que torna-se impossível esperar algum tipo de segurança já que a polícia vem trazendo o direito penal do inimigo cada vez mais à tona na sociedade, sociedade esta que deu forças a essa aplicação, e que agora está completamente descrente em relação as corporações que como dito levaram isso ao extremo, mostrando-nos que os limites dessa teoria, caso violados, perdem totalmente o controle e causam uma instabilidade extrema quanto à segurança, o que deveria ser exatamente o oposto.
4.3. A DESÍDIA DE UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO COM CRESCENTE CORRUPÇÃO E CRISES ECONÔMICAS
Observa-se nos últimos meses uma possível reação do judiciário frente a corrupção no Estado, mas o que tudo leva a crer é que tal reação somente foi esboçada frente a uma contundente e persistente imposição da população, que após inúmeras investidas em vão, acertadamente organizou-se e clamando por justiça alterou completamente o cenário político do país.
Entretanto, o que implicitamente pode se notar desse breve esboço é que a teoria proposta por Jakobs vem ganhando forças no atual contesto brasileiro.
A população já cansada de um possível combate as desigualdades e atrocidades dominantes nesse país por parte dos órgãos legitimados para tanto passam a exigir uma justiça severa, com contornos do antigo Talião, que caso não seja rapidamente contornada pela justiça poderá tomar rumos que não tenham volta.
A corrupção que a muito reina por aqui vem agravando as crises econômicas, e estas por sua vez podem vir a ser a principal justificativa encontradas por um criminoso em eximir-sede uma punição mais severa, uma vez que falta-se saúde, a educação é precária, as condições sociais de vida e moradia são ínfimas e onde a fome paira pouco poderia se exigir de alguém que em completo estado de necessidade venha a delinquir.
Ou seja, em análise fria a esse sistema que é imposto ao cidadão comum, o grande responsável pelas altas taxas de criminalidade ocorridas aqui é a própria máquina estatal.
Devido a esse grande absurdo, o Estado perde sua autonomia, e consequentemente, sua autoridade em punir os infratores, dando a esses a falsa impressão de que a legislação vigente no país é burlável e impunível, crescendo dessa forma a criminalidade que tem chego a níveis alarmantes.
Com esse surto que assombra a sociedade está motivada indiretamente pelo Estado, passa a ensejar que o judiciário tome rumos perigosos e obscuros, objetivando assim a aplicação real e concreta do direito penal do inimigo.
Oriundo disso voltamos as bases do pensamento de Jakobs, qual seja a prevenção geral positiva, por meio da qual esses indivíduos são banidos da sociedade pelo fato deles serem “indignos” de terem o título de cidadãos.
Logotorna-se visível uma possível legalização de sua tese, uma vez que passa-se a ser preciso um banimento desses inimigos da sociedade, em resposta a essa crise que se instaura e não mostra ter sinais de salvação.
4.4. A LEI 10.792/03 E A LEI 8.702/90
As referidas Leissão conhecida por gerarem um imenso retrocesso no sistema jurídico brasileiro, sendo a primeiro a responsável porcriar o regime disciplinar diferenciado, e a segunda por introduzir os crimes hediondos. Ambas as Leis ora esplanadassão umas das mais polêmicasdentro do ordenamento jurídico brasileiro pelo simples fato de que elas consistem em uma verdadeira incongruência dentro do referido sistema, vindo a contrariar direitos e princípios dominantes no Ordenamento.
Tal fato fica mais do que comprovado com a afirmação do sábio mestre Cezar Roberto Bitencourt, que dita que o legislador penal nem sempre tem respeitado os princípios constitucionais que impõem limites ao exercício do “ius puniendi” estatal.[17]
Aqui se tem basicamente a porta de entrada do direito penal do inimigo no Brasil, pois a Lei 10.792/03 veio para elencar a desumanidade no tratamento aos delinquentes de maior porte, uma vez que não pune mais o indivíduo pelo seu ato, mas sim por quem ele é, reforçando, punisse a pessoa criminosa e não o fato criminoso.
Quando se fala em porta de entrada deve-se entender que a referida Lei assegura e demonstra que no Brasil existe uma espécie a aplicação dessa tese do alemão Günther Jakobs, por mais que essa seja dissimulada.
O professor César Roberto Bitencourt também se manifestou acerca da Lei 8.072/90 e o contexto social ao qual o Brasil passou e ainda vem seguindo, contexto esse que originou asreferidas normas penais que marcam um retrocesso no sistema punitivo estatal nacional, vejamos:
“A escassez de políticas públicas que serviram de suporte para progressiva diminuição da repressão penal, unida à ineficácia do sistema penal, produzem o incremento da violência e, em consequência, o incremento da demanda social em prol da maximização do Direito Penal. Essa política vivida no Brasil durante alguns anos da década de 1990, pautada por uma política do terror, (...), com a criação de crimes hediondos (Lei n. 8.072/90) (...)”[18]
Ou seja, diante de todo o exposto neste ponto fica claro que o atual momento ao qual o Brasil passa, em consonância com a aplicação e validade das normas aqui citadas, demonstram a incidência do direito penal do inimigo e sua difusão, ou melhor, aceitação pelos habitantes do referido Estado.
4.5. A "EXCESSIVA" COAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E SEU SUPOSTO DESVIO FUNCIONAL
Originalmente tem-se como função do Ministério Público a investigação e tutela dos interesses coletivos, mas o que se visualiza em um atual panorama é que este vem se desvirtuando constantemente de sua função originária, uma vez que este passa a exercer uma coação irresistível perante a sociedade, que por sua vez, sem ter como reagir a tal fato arca-se em uma submissão forçada para tentar se safar desse ato.
Mais do que isso, o referido órgão, por meio de seus atos desvirtuam também seus métodos de tutela, trazendo a luz uma defesa de interesses coletivos vã. Com isso, a contribuição social para com suas investigações torna-se cada vez menor, pelo mero fato de que reprime-se atualmente até aquele pensamento não exteriorizado, violando princípios penais de suma importância, como por exemplo, o que dita que a vontade não exteriorizada não tem relevância alguma para o Direito Penal.
Logo, com tudo isso o Ministério Público aplica pura e simplesmente o direito penal do inimigo, porém de forma inversa, pois parte do pressuposto de que todos são inimigos, o que ao longo do percurso irá sendo “filtrado” pelas investigações, separando-se assim os cidadãos destes últimos.
A coação é o meio pelo qual o referido órgão encontrou suporte para se estabelecer hoje, sendo motivado a para tanto devido as condições sociopolíticas e econômicas as quais o Estado se encontra.
Sendo este o panorama do país, nada de diferente pode se esperar desta entidade que não vislumbra de qualquer outra forma para conseguir alcançar suas metas, metas essas predispostas pela própria população, que cansada da impunidade em todas as suas esferas, acaba aceitando tacitamente a aplicação de um direito completamente desvirtuado aos ditames e princípios humanos esperados de um Estado Democrático, que se levado a cabo pode vir a justificar políticas autoritárias, perigosas vindo a gerar uma dizimação coletiva social, com enorme probabilidade de gerar danos irreparáveis.
5. A INCONSTITUCIONALIDADE DA APLICAÇÃO DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Ao trazer o direito penal do inimigo ao âmbito constitucional vê-se que aquele em teoria, e frise-se, apenas em teoria, é inaplicável no Brasil, uma vez violar todos e quaisquer ditames legais e principiológicos na seara dos direitos e garantias fundamentais.
O artigo 1° da Constituição brasileira traz como um dos fundamentos da República a dignidade da pessoa humana, sendo este o primeiro dos inúmeros entraves a aplicação desse direito aqui, uma vez que conforme explanado no decorrer desse trabalho ficou claro o caráter perverso e perigoso dessa teoria pelo simples fato de que ela desconsidera totalmente a pessoa, sendo esta indigna de ter o título de cidadão, sendo banida completamente da sociedade, perdendo assim todas as suas características, tornando-se inimiga.
Outro fundamento de suma importância contido nesta área é que para o direito penal do inimigo deixa-se de considerar tão somente o crime cometido pelo “inimigo” estendendo assim sua punição a pessoa que fica definitivamente marcada.
Faz-se jus explicitar também o Artigo 5°, III e XLV, da Carta Magna, vejamos:
“III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, (...)”
A interpretação desses dois incisos deve ser feita de maneira ampliada e subjetiva, uma vez que o primeiro dos referidos traz explicitamente que a tortura é proibida e ao pensarmos no direito penal do inimigo esta é plenamente capaz, sendo realizada constantemente tanto em seu aspecto físico quanto em seu aspecto moral para punir “devidamente” o inimigo.
Já na possibilidade trazida no segundo inciso a interpretação mais adequada a ser ponderada é que a pena jamais poderá passar da pessoa do condenado, o que no caso da aplicação do direito penal do inimigo igualmente não ocorre, uma vez que essa pena será carregada por toda a família do inimigo, sendo estes igualmente condenados a carregar o fardo da demarcação feita a seu relativo.
Fugindo um pouco do âmbito propriamente constitucional, mas com direta relação a ele, têm-se as Leis 10.792/03 e a Lei 8.072/90 devidamente tratadas alhures.
Nesta seara, é precisa a contradição dessas referidas normas com os ditâmes Constitucionais, entretanto o legislador aparentemente se omitiu quanto a este fato, uma vez que a mais recente e consequentemente mais gravosa está em vigência a 11 anos.
Nesse sentido, nada foi feito visando sanar a clara ilegalidade, e jamais o será pelo mero fato do conteúdo das presentes normas servirem de base a uma “justiça” torpe, que está em crescente ascensão no Estado brasileiro beneficiando os interesses da elite política e econômica que vem “caçando” inimigos por onde se sente coagida.
Logo vê-se que a presente ilegalidade é acobertada pelo Estado simplesmente porque esta mantém firme, aplicável e exigível seus interesses mais sórdidos e repugnantes, quais sejam, a consumação da política do Direito Penal do Inimigo.
6. CONCLUSÃO
Sem mais delongas, após apresentado o tema e sobre ele amplamente discorrido fica expresso que essa teoria é uma das mais úteis e brilhantes de toda a contemporaneidade, porém caso ela seja aplicada de maneira correta e com a devida cautela por parte de um governo capacitado para tanto, uma vez que caso esta seja aplicada negligentemente seus resultados serão catastróficos.
A referida tese do mestre Jakobs tem infinitas finalidades, diferindo-se em gênero, grau e intensidade conforme forem as intenções do Estado que a vise.
Vale salientar também que o fato dela ter sido ou não usada como fundamento de regimes autoritários devastadores, à exemplo do Nazismo e do Fascismo, é uma incógnita, porém é certo que ela pode vir a fundamentar esse tipo de regime político contemporaneamente, dependendo apenas dos ideais utilizados em sua aplicação.
Entretanto, no atual panorama brasileiro há algumas ponderações a serem feitas. A primeira é de que o direito penal do inimigo é uma realidade fatídica e atuante, sendo apenas mitigada a sua prática à sociedade, que por sua vez desconhece seu significado e potencial ofensivo. A segunda é que este pode perfeitamente servir de base para uma “limpeza” do contingente social, dando uma folga a máquina governamental, especialmente a população carcerária devidamente tratada no ponto 4.1 deste. E terceiro, no Brasil ele é aceito pela sociedade que roga por uma segurança maior, autorizando dessa forma que o Estado lance mão de todo e qualquer meio, sendo este torpe ou não para que obtenha seus resultados, mesmo que em sua enorme maioria trágico.
Logo, dessa forma tem-se que o Estado brasileiro vem burlando os direitos fundamentais juntamente com a Constituição Federal constantemente, pelo fato de que o direito penal do inimigo vem sendo aplicado cotidianamente, uma vez que os cidadãos sedentes por uma incrível redução da criminalidade lhe da guarita para isto.
7. REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Parte Geral 1, 19ª ed. 2013, Editora Saraiva.
BOZZA, Fábio da Silva. Uma análise crítica da prevenção geral positiva no funcionalismo sistêmico, p. 44.
CNJ, Conselho Nacional de Justiça
DIEZ RIPOLLÉS, José Luis. Derecho Penal español. Parte general em esquemas. Valencia: TirantloBlanch, 2007, p.579.
GRACIA MARTÍN, Luis. Fundamentos de dogmática penal. Barcelona: Atelier, 2006,
GUIRAO, Rafael Alcácer. Los fines delDirecho Penal y CienciasPenales, 1998, p.392.
JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ. Manuel de Derecho penal delenemigo. Trad. CALEGARI, André Luis, GIACOMOLLI, Nereu José. Livraria do Advogado. 2005.
ROXIN, Claus. Derecho Penal – Fudamentos. La estructura de la teoria del delito. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena, Miguel Díaz y García Conlledo y Javier de Vicente Remensal. Madrid, Civitas. 1997, t. I, p. 91-92.
SOUZA, Robson Sávio Reis; MARINHO, Marco Antônio Couto, Expansão do Sistema Prisional no Brasil: reveses e possibilidades para o século XXI - XV CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 2011, CURITIBA (PR)
WEBER, Max. - Economia e Sociedade: Fundamentos da Sociologia Compreensiva, vol. 1. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991, p. 33.
ZAFFARONI, Eugênio Raúl. O inimigo no Direito Penal, p.18.
[1] BOZZA, Fábio da Silva. Uma análise crítica da prevenção geral positiva no funcionalismo sistêmico, p. 44.
[2] GUIRAO, Rafael Alcácer. Los fines delDirecho Penal y CienciasPenales, 1998, p.392.
[3] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Parte Geral 1, 19ª ed., 2013, p.147.
[4]ROXIN, Claus. Derecho Penal – Fudamentos. La estructura de la teoria del delito. Trad. Diego-Manuel Luzón Pena, Miguel Díaz y García Conlledo y Javier de Vicente Remensal. Madrid, Civitas. 1997, t. I, p. 91-92.
[5]JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ. Manuel de Derecho penal delenemigo. Trad. CALEGARI, André Luis, GIACOMOLLI, Nereu José. Livraria do Advogado. 2005. p.42.
[6] Idem nota 5.
[7]JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ. Manuel de Derecho penal delenemigo. Trad. CALEGARI, André Luis, GIACOMOLLI, Nereu José. Livraria do Advogado. 2005. p.49.
[8] ZAFFARONI, Eugênio Raúl. O inimigo no Direito Penal, p.18.
[9] GRACIA MARTÍN, Luis. Fundamentos de dogmática penal. Barcelona: Atelier, 2006, p.82-83.
[10] GRACIA MARTÍN, Luis. Fundamentos de dogmática penal. Barcelona: Atelier, 2006, p.133.
[11] DIEZ RIPOLLÉS, José Luis. Derecho Penal español. Parte general em esquemas. Valencia: TirantloBlanch, 2007, p.579.
[12] SOUZA, Robson Sávio Reis; MARINHO, Marco Antônio Couto, Expansão do Sistema Prisional no Brasil: reveses e possibilidades para o século XXI - XV CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 2011, CURITIBA (PR)
[13] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Parte Geral 1, 19ª ed. 2013, Editora Saraiva. p. 92
[14]www.cnj.jus.br
[15] Estatuto da Criança e do Adolescente.
[16]WEBER, M. - Economia e Sociedade: Fundamentos da Sociologia Compreensiva, vol. 1. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991, p. 33.
[17] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Parte Geral 1, 19ª ed. 2013, Editora Saraiva. p. 93
[18] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Parte Geral 1, 19ª ed. 2013, Editora Saraiva. p. 92