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Responsabilidade civil do Estado por prisão ilegal

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II - DA PENA DE PRISÃO

"... as pessoas crêem que a pena termina com a saída do cárcere, e não é verdade; as pessoas crêem que o cárcere perpétuo seja a única pena perpétua; e não é verdade. A pena, se não mesmo sempre, nove vezes em dez não termina nunca. Quem em pecado está é perdido. Cristo perdoa, mas os homens não."

(Francesco Carnelutti)

1. Breve Histórico

Inicialmente, cumpre observar que nem sempre a prisão teve a forma e estrutura que hoje conhecemos. Ao longo dos tempos, a idéia do encarceramento projetou-se, no cenário social, sob diversas configurações, sustentadas por ideologias criadas conforme a estrutura social da época. Por tal motivo, procuraremos situar os vários tipos de prisões, ainda que de forma breve, consoante os períodos de história da humanidade: Antigüidade, Idade Média e Idade Moderna. Ressaltando que o critério utilizado para separar as espécies de prisões por épocas, não revela nitidez absoluta, possui caráter meramente didático, posto não elucidar adequadamente a questão. [62]

Com relação à pena, Armida Bergamini Miotto explica a sua evolução e significação, utilizando-se do marco cronológico, que permite um estudo durante duas fases distintas: a pré-história e a história. Interessando-nos, nesse momento, antes de adentrar no histórico da prisão, fazer algumas observações acerca da pena durante a pré-história. Naquele período, a reação da vítima frente a uma agressão ou a um mal causado resumia-se, primeiramente, a um mero desabafo, em seguida passou a ganhar caráter de vingança e finalmente evoluiu para um começo de racionalização. Assim explica a mencionada autora:

Nos povos mais primitivos, essa reação, inteiramente irracional, é tão-somente a descarga da tensão emocional, e tem, pois, a intensidade dessa tensão, durante até se operar a descarga ou então se interpor um obstáculo. (...) Num segundo momento, não é mais simples reação cega da descarga emocional; existe já, nessa reação, um mínimo, pelo menos, de consciência e vontade. (...) Num terceiro momento, verifica-se um progresso notável, pois que a submissão dos atos de vingança a um ritual significa não só um apreciável começo de racionalização, como uma limitação da dita vingança. [63]

As penas usuais na pré-história, consoante a mesma autora [64] versavam na perda da paz, que possuía o significado de provável sentença de morte, consistindo na expulsão do ofensor de seu grupo, passando este a andar errante e desprotegido, entregue a toda sorte; vingança de sangue, ocorrendo quando o ofensor e ofendido pertenciam a grupos diversos, onde os atos de guerra e agressão eram recíprocos e podiam culminar com o extermínio de um dos grupos ou de ambos. Por fim, utilizava-se também do sacrifício do ofensor ou alguém em lugar dele para aplacar a ira divina. Essa forma de defesa possuía conteúdo mágico ou supersticioso, pois a vítima e seu grupo tinham o dever de sacrificar o ofensor ou outrem em seu lugar para acalmar a ira divina; se assim não se procedesse, a fúria recairia sobre a vítima que não reagiu.

Restou demonstrado, pois, que a pré-história não conheceu a pena enquanto encarceramento, havendo, tão somente, condições de a prisão ser analisada durante as fases da história. Senão vejamos.

Na Antigüidade, a prisão tinha por finalidade exclusiva garantir a presença física do réu, para uma possível execução da pena. Não reconhecendo a primeira fase da história, portanto a privação da liberdade na condição de sanção penal. Argumenta Cezar Roberto Bitencourt que:

Até fins do século XVIII a prisão serviu somente aos fins de contenção e guarda de réus para preservá-los fisicamente até o momento de serem julgados ou executados. Recorria-se, durante esse longo período histórico, fundamentalmente, à pena de morte, às penas corporais (mutilações e açoites) e às infamantes. [65]

Como se observou, a prisão servia apenas como providência cautelar, inexistindo preocupação com um melhor tratamento destinado ao preso, como também na estruturação do ambiente onde se aguardava o momento da execução. Nesse sentido, Armida Bermini Miotto esclarece que as prisões podiam funcionar em:

quaisquer lugares seguros, v.g., cavernas; poços (José do Egito); árvores (a que a pessoa era amarrada, ou acorrentada); fortalezas (abandonadas ou não); torres; etc; edificações feitas a propósito (...) Grécia: Sofronisteiro (para menores transviados); Pritaneu (onde esteve Sócrates); Roma: Cárcere Mamertino (onde esteve São Pedro). [66]

Acerca das civilizações antigas, ensina Cezar Roberto Bittencourt:

Os vestígios que nos chegaram dos povos e civilizações mais antigas (Egito, Pérsia, Babilônia, Grécia, etc.) coincidem com a finalidade que atribuíam primitivamente à prisão: lugar de custódia e tortura. A expiação daquele que violou as normas de convivência – expressada pela aplicação das mais atrozes penalidades, como morte, mutilação, tortura e trabalhos forçados – é um sentimento comum que se une à Antigüidade mais remota. A Grécia, ou mais exatamente a civilização helênica, desconheceu a privação da liberdade como pena. [67]

Em Roma havia um processo de caráter solene e formalista que consistia em uma verdadeira execução pessoal, ou seja, no aprisionamento do devedor por parte do credor. Naquela época, a prisão era efetuada num ambiente denominado ergastulum [68]. A propósito do tema, elucida J. Cretella Júnior:

O magistrado autoriza o credor a deitar a mão sobre o devedor e levá-lo preso, caso não pague a quantia devida, imediatamente, quando tal soma é reclamada oralmente. Se a dívida não é paga nos 60 dias posteriores à manus injecto, o devedor pode ser morto ou vendido trans Tiberim como escravo. [69] (grifo do autor).

Acerca do tema prisão, prescreve a Lei das XII Tábuas:

Tábua Terceira – Dos Direitos de Crédito – (...) 7. O devedor preso viverá à sua custa, se quiser; se não quiser, o credor que o mantém preso dar-lhe-á por dia uma libra de pão ou mais, a seu critério. 8. Se não há conciliação, que o devedor fique preso por 60 dias, durante os quais será conduzido em 3 dias de feira ao comitium, onde se proclamará, em altas vozes, o valor da dívida. 9. Se não muitos os credores, é permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores, não importando cortar mais ou menos; se os credores preferirem, poderão vender o devedor a um estrangeiro, além do Tibre. [70] (grifo nosso).

O mesmo procedimento empregado em Roma para reter o devedor como meio de pagamento de suas dívidas foi utilizado na Grécia, muito embora funcionasse como medida de cunho coercitivo. Era a chamada prisão por dívida e surtia seus efeitos até que o devedor saldasse o débito. Dessa forma, a prisão possuía um único desígnio: garantir o cumprimento das obrigações.

Durante a Antigüidade, não há como falar da existência da pena de prisão, tendo em vista que as sanções da época se restringiam à morte e às penas corporais, servindo o encarceramento apenas para guardar os acusados até ocasião do julgamento, enquadrando-se como presídios: os calabouços, aposentos em ruínas de castelos, torres, entre outros edifícios.

Com base nesses argumentos podemos afirmar com Cezar Roberto Bitencourt que: "Grécia e Roma, pois, expoentes do mundo antigo, conheceram a prisão com finalidade eminentemente de custódia, para impedir que o culpado pudesse subtrair-se ao castigo." [71]

Foi no fim da Idade Média que a questão penitenciária passou a se tornar relevante, muito embora, durante maior parte do citado período da história, tenha predominado o cárcere com o mesmo estilo custodial dominante na Antigüidade.

As penas mais comuns, nessa fase da história, se constituíam em mutilações e amputações das partes do corpo e queima do indivíduo na fogueira, ocasião em que o povo assistia a execuções cruéis como se estivessem num grande espetáculo a apreciar o cenário trágico. A Idade Média também se utilizou das ordálias ou juízos de Deus, pelas quais competia ao juiz tão somente presenciar a experiência e logo em seguida publicar o resultado. Com as ordálias, pretendia-se que Deus descesse à terra e verdadeiramente julgasse os homens. Existiam vários tipos de provas, sobre o assunto Tourinho explica que: "Havia o juízo da água fria, do ferro em brasa, do judicium offae e quejandos. Segundo a prova do judicium offae, o réu devia engolir, de uma só vez, grande quantidade de alimento, notadamente farinha de trigo. Se não o fizesse seria tido como culpado". [72]

A religião, especificamente a católica e a protestante contribuíram consideravelmente para a evolução da pena, bem como com a função moral e a idéia de correção, exemplaridade, que a mesma devia imprimir no apenado. Nesse sentido, Armida Bergamini Miotto esclarece:

... o Cristianismo, desde seus alvores, entendia que a pena devia ter a função ética de emenda. Não distinguindo pecado e delito, os pecadores, que ao mesmo tempo podiam ser denominados delinqüentes, deviam emendar-se, pela penitência, consistindo a penitência na "volta sobre si mesmo", com espírito de compunção, para reconhecer os próprios pecados (ou delitos), abominá-los, e propor-se a não tornar a incorrer neles (i.é, a não reincidir). Toda essa reformulação interior constituía a emenda. Ora, para se chegar, desse modo, à emenda, percebeu-se, sentiu-se, que havia necessidade de recolhimento, de afastamento do bulício do mundo. Isto é, deveria haver condições ambientais propícias para aquele processamento ético-psicológico da emenda. [73] (grifo do autor).

Até então, a prisão por representar mero ambiente de custódia provisória não oferecia boas condições de higiene e salubridade, muito menos condições físicas ou psíquicas ao preso; por tais motivos, qualquer recinto seguro para guardar o culpado convinha.

No citado estágio da civilização, a prisão pode ser dividida, consoante Cezar Roberto Bitencourt [74] em prisão Estado e prisão eclesiástica. A primeira servia para recolher os inimigos do poder e portanto do Estado, que cometessem crimes de traição política, podendo ser desdobrada em prisão-custódia, apenas com finalidade de guardar o réu até momento da execução, ou como detenção temporal ou perpétua, esta última com caráter de pena efetiva, a bastilha de Paris é um dos exemplos. A prisão eclesiástica destinava-se aos membros da igreja que transgredissem determinadas normas internas e proporcionava com a prática da oração o meio para se alcançar o arrependimento e a correção.

Os mosteiros e conventos funcionavam como lugares de sossego e calmaria, propícios à meditação e à penitência, servindo à expiação dos pecados, esse era o conceito penitencial que vislumbrava no delito e no pecado a escravidão e na pena a liberação. A respeito do assunto Armida Bergamini Miotto observa o seguinte:

Pessoas que, tendo cometido algum pecado, ou delito, que merecesse condenação, eram condenadas a se recolherem a um lugar de penitência, para, afinal, saírem de lá emendadas, e se reintegrarem na vida da família, da comunidade, da sociedade. Da evolução desses lugares, chamados penitenciários, resultaram os atuais estabelecimentos para cumprimento de pena privativa da liberdade. [75]

Foi tão somente na Idade Moderna que a prisão, efetivamente, pôde ser encarada como uma espécie de sanção a ser aplicada àqueles que praticassem fatos definidos como crime. Nesse momento, o encarceramento passa então a se apresentar como prisão-pena, perdendo o caráter de prisão-custódia.

O grande avanço na época moderna se deveu a Europa do século XVI e XVII, notadamente França e Inglaterra, quando a decadência econômica, a indefinição quanto ao modelo novo de economia frente à decadência feudal, o desenvolvimento dos centros urbanos, o desmesurado crescimento populacional, deram origem a uma quantidade sem tamanho de vagabundos e mendigos que levavam a vida à custa de esmolas, roubos e tantas outras atitudes criminosas, esses acontecimentos funcionaram como molas propulsoras para o incremento das penas privativas de liberdade. A partir daí, surgiram as primeiras prisões organizadas, implementadas com a finalidade de conter essa população de marginalizados sem utilizar-se das penas anteriormente aplicadas como por exemplo a pena de morte, muito embora a Inglaterra tenha utilizado até fins do século XVI do açoite, desterro e a execução.

Na realidade, vários fatores influenciaram na transformação da prisão-custódia em prisão-pena, dentre eles, Cezar Roberto Bitencourt [76] ressalta, uma maior valorização da liberdade, a imposição progressiva de racionalismo, a desordem e mudança sócio-econômica advinda com a passagem da Idade Média para Moderna, produzindo como conseqüência o aparecimento de indigentes e miseráveis que por ausência de trabalho se viam obrigados a pedir e praticar crimes. A crise da pena de morte e seu desprestígio também se constituíram em fatores expressivos para criação de uma nova modalidade de sanção penal - a pena privativa de liberdade.

Os primeiros estabelecimentos penais organizados surgiram nas mais diversas localidades da Europa, como as houses of correction ou bridwells e Workhouse, situados na Inglaterra que tinham por finalidade a reforma do delinqüente mediante o emprego de trabalho e disciplina, com aproveitamento de mão de obra dos presos. Cezar Roberto Bitencourt [77] também lembra que em Amsterdam, no ano de 1596 foram criadas casas de correção para homens - Rasphuis, em 1597 outra prisão para mulheres – Spinhis e em 1600 uma própria para jovens.

Não obstante a institucionalização da prisão-pena, o panorama composto da legislação criminal na Europa do século XVIII apresentava caráter de dureza excessiva, inspirando a prática dos castigos corporais e a severidade da pena privativa de liberdade. Diante de tais fatos, uma nova concepção de pena baseada no respeito à liberdade do indivíduo e a sua dignidade passou a influenciar o mundo do direito. Vários juristas e filósofos defendiam uma reforma substancial no Direito Penal, apresentando opiniões e pensamentos inspirados no denominado despotismo ilustrado, filosofia pregada pelo Iluminismo. Dentre os reformadores de maior destaque, podemos citar Beccaria e Howard que deram causa a uma grande evolução na doutrina da execução penal, apresentando como fundamento de suas idéias, a razão e o conceito de humanidade.

Beccaria defendeu uma concepção utilitarista da pena, propugnando que a sua imposição deveria produzir no condenado o sentimento de arrependimento, impedindo que o mesmo pudesse ofender outro cidadão, além de servir como exemplo para todos os membros da sociedade. Argumentava, ainda, que a pena deveria ser proporcional ao crime com imposição realizada mediante regular processo onde, uma vez apurada a responsabilidade, pudesse o condenado cumprir a sanção de forma humana. Com esse raciocínio, Beccaria pregava a racionalização da pena privativa de liberdade e enfatizava a finalidade reformadora da mesma. Em conclusão apresentada no último capítulo de seu livro Dos Delitos e das Penas, Beccaria expressa com indignação todo o entendimento doutrinário que construíra acerca da pena, da seguinte maneira: "... para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei". [78]

O inglês John Howard ganhou destaque no cenário penitenciário por entender que a eficácia da pena estava ligada a melhores condições oferecidas ao preso na execução das penas, tais como: boa alimentação, disciplina, eficaz manutenção dos estabelecimentos penitenciários pelo Estado e por fim, a prestação de assistência religiosa – ponte para a reabilitação. Considerava ainda, como fator importante, o exercício do trabalho pelos criminosos como forma de torná-los cidadãos honestos.

Outro teórico, jurista e filósofo que mereceu reconhecimento na Idade Moderna foi Jeremy Bentham, considerado pioneiro na história das prisões, propôs um modelo arquitetônico conhecido como panótico que consistia, segundo Eugênio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangeli:

... na construção de um estabelecimento radial, com pavilhões a partir de um centro comum, de onde se consegue o máximo de controle sobre toda a atividade diária do sujeito, com um mínimo de esforço. Desde o centro um único guarda pode observar todos os pavilhões com apenas um giro da cabeça. A ideologia da pena era a do treinamento mediante controle estrito da conduta do apenado, sem que este pudesse dispor de um só instante de privacidade. [79]

Essa forma permitia dominar com facilidade um maior número de pessoas, numa clara demonstração da importância que se dava ao controle eficaz dos presos. Dessa maneira, não é difícil concluir que a preocupação não residia no aspecto educativo da pena, mas na guarda segura do delinqüente. Bentham apresentava uma opinião aberta acerca do conceito retributivo da pena, com clara preponderância pela finalidade preventivo geral.

Pode-se notar que o cumprimento da pena privativa de liberdade sofreu, nos últimos tempos influência dos pensadores revolucionários acima citados, que resumidamente explicavam suas idéias da seguinte forma: Beccaria pregava a humanização das penas, rejeitando duramente a crueldade e a tortura, instituindo o princípio da proporcionalidade que consistia na relação entre a pena e o dano social causado, bem como a propagação do princípio da legalidade. Howard, pelo tormento experimentado no cárcere (quando por ocasião de uma viagem teve o navio atacado por corsários franceses, tornando-se preso juntamente com todos os passageiros), demonstrou que a pena para ter eficácia deveria ser executada, de forma a oferecer ao preso boas condições de alimentação, limpeza, instrução e trabalho, visando a ressocialização. Com Bentham, a novidade ocorreu em função da idéia criadora do panótico, modelo penitenciário que atribuía prevalência à segurança, passando a merecer destaque o aspecto arquitetônico dos presídios. O maior realce do novo protótipo penitenciário residia em oferecer maior dificuldade à fuga, posto estarem as celas encostadas às paredes exteriores e o interior vasado, permitindo a um único guarda, colocado no centro do edifício a uma certa altura, o controle e visão de toda a penitenciária, vigiando, com facilidade o interior do prédio, impedindo a fuga por meio das portas das celas.

Cumpre observar, por fim, que na história de evolução das prisões, muita coisa ainda permanece, desde a Idade Média, isso é tão claro que ainda hoje denominamos de penitenciárias os edifícios destinados ao cumprimento de penas privativas de liberdade, numa clara invocação da justiça eclesiástica que tinha por objetivo ordenar o recolhimento dos transgressores a locais adequados, ditos penitenciários – ambiente tranqüilo e isolado, propício à reflexão e ao arrependimento. Persistindo, igualmente na atualidade, o padrão inspirado no modelo panótico sugerido por Bentham que muito influenciou as prisões hodiernas, inclusive com a construção das celas ao redor de um galpão vasado, formato utilizado por grande parte das penitenciárias construídas no Brasil, servindo, o vasto galpão ao redor das celas para o tradicional banho de sol.

A prova de que o modelo prisional da atualidade não funciona a contento está diante de nossos olhos, em situação que denuncia o péssimo tratamento oferecido ao preso, bem como a crescente taxa de criminalidade, fatos que demonstram a ineficácia do cumprimento da pena, sobretudo com a não verificação do caráter ressocializador. Por tais motivos, precisamos repensar e oferecer alternativas que realmente solucionem a problemática carcerária. Nesse aspecto, concordamos com o entendimento exposto por Armida Bergamini Miotto, nos seguintes termos: "Está sendo sentida a necessidade de encontrar outra forma de pena, que, conservando o conteúdo ético-jurídico de pena, seja em si mesma eficaz, seja humana e seja executável". [80]

2. A Prisão no Direito Brasileiro

A prisão enquanto pena, consoante já explicamos, teve sua origem no século XVI, por influência do Direito Canônico, persistindo atualmente em nosso ordenamento jurídico, com previsão no Código de Processo Penal, arts. 282 ao 320, merecendo também atenção constitucional.

O termo prisão deriva do latim prehensio, de prehendere, que significa "o ato de prender ou o ato de agarrar uma coisa". [81] Indica "o ato pelo qual se priva a pessoa de sua liberdade de locomoção, isto é, da liberdade de ir e vir, recolhendo-a a um lugar seguro e fechado, de onde não poderá sair". [82]Em suma, a prisão indica a perda da liberdade, suprimindo-a mediante o encarceramento.

Sobre o conceito de prisão, nos fala com autoridade José Frederico Marques, nos seguintes termos: "Prisão é a pena privativa de liberdade imposta ao delinqüente, cumprida, mediante clausura, em estabelecimento penal para esse fim destinado". [83]

Em nosso país, a Constituição de 1824 previa em seu art. 179, §§ 8º e 10 que:

Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto os casos declarados em lei. À exceção do flagrante delito, a prisão não pode ser executada, senão por ordem escrita da autoridade legítima. Se esta for arbitrária, o juiz que a deu, e quem a tiver requerido, serão punidos com as penas que a lei determinar. [84]

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Registrava, igualmente, o Código de Processo Criminal do Império, datado de 1832, acerca da prisão, o seguinte:

Poderão também ser presos sem culpa formada os que forem indiciados em crimes em que não tem lugar a fiança, porém, nestes, e em todos os demais casos, à exceção do flagrante delito, a prisão não pode ser executada, senão por ordem escrita da autoridade legítima. [85]

Dando continuidade, José Frederico Marques [86] lembra que em outras constituições havia previsão legal que visava disciplinar a decretação da prisão, como a de 24 de fevereiro de 1891 (art. 72, parágrafos 13, 14 e 20), a Constituição de 16 de julho de 1934 (art. 113, nº 21, 22 e 29). Prosseguindo no mesmo itinerário, preceituava a Constituição de 18 de setembro de 1946, em seu art. 141, parágrafo 20: a) que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita da autoridade competente, nos casos expressos em lei.

Atualmente, a prisão é objeto de regulamentação bastante pormenorizada na Constituição Federal, que estabelece em seu art. 5º, LXI: "Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei". Como se vê, a regra continua sendo a liberdade, permitindo a Constituição, o aprisionamento apenas diante de flagrância na prática de crime, ou mediante expedição da competente ordem de prisão devidamente fundamentada e nos demais casos previstos em lei.

Visando proteger a liberdade dos cidadãos, a Constituição prevê em seus vários incisos do art. 5º, uma série de garantias, quais sejam:

"LXII- a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;

LXIII- o preso será informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

LXIV- o preso tem direito a identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial;

LXV- a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;

LXVI- ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;

LXVII- não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;

LXVIII- conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder;

LXIX- o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença".

Como se percebe, a Constituição Federal de 1988 se mostrou obediente ao princípio da legalidade, pelo qual o jus libertatis do cidadão deve ser respeitado, não se permitindo violação, pois a regra tem sido a liberdade, excepcionalmente e nos casos legalmente previstos é que tal princípio pode ser mitigado. É tanto que se o cidadão for atingido por um ato que se constitua em uma coação ilegal, cabe a ele afastá-la mediante o emprego dos instrumentos de impugnação previstos em lei, como o habeas corpus, o relaxamento, a liberdade provisória e a revisão criminal.

No Brasil, de acordo com a respectiva legislação, há diversas espécies de prisão, conforme a autoridade de que emane, e conforme o fim que a lei vise alcançar. Dessa forma, consoante o direito pátrio podemos enumerar, além da prisão penal, as prisões civil, administrativa e processual.

A prisão pena ou penal é a que se apresenta como conseqüência de uma condenação transitada em julgado, de acordo com previsão estabelecida no Código Penal. Como registra Willian Silva, essa espécie de prisão consiste:

... na privação da liberdade imposta pelo Estado em seu poder de império, após caracterizado e efetivado o jus puniendi com a sentença condenatória transitado em julgado. Só se a impõe a prisão-pena, é intuitivo, após a emissão do juízo de procedência da pretensão punitiva e só se a executa quando esgotados todos os meios recursais. A pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, por intermédio do devido processo legal, com as características retributiva e preventiva. [87] (grifo do autor).

A prisão civil, conforme indica a nomenclatura, é a decretada pelo juiz do cível, funcionando como medida de coação executiva que visa obrigar alguém ao cumprimento de um dever na órbita cível. Competindo a sua decretação pelo juiz nos casos de devedor de alimentos e depositário infiel, únicas hipóteses permitidas pela Constituição (art. 5º, LXVII).

A prisão administrativa se apresentava como uma medida de caráter coativo, decretada por autoridade administrativa e que surtia efeitos até antes do advento da Constituição Federal de 1988, hoje só podendo ser decretada pela autoridade judiciária. Com precisão, enfatiza Fernando Capez:

... Esta modalidade de prisão foi abolida pela nova ordem constitucional. Com efeito, o art. 319 do Código de Processo Penal não foi recepcionado pelo art. 5º, LXI e LXVII, da Constituição Federal. Em sentido contrário, o STF já entendeu que ainda cabe a prisão administrativa do estrangeiro, durante o procedimento administrativo da extradição, disciplinado pela Lei 6.815/80, desde que decretada por autoridade judiciária. Assim, desde que imposta por juiz, tem-se admitido, a nosso ver sem razão, a prisão administrativa do extraditando. [88]

Essa espécie de prisão encontra amparo no art 319, I, II e III do Código de Processo Penal que estabelece seu cabimento nos seguintes casos: I- contra remissos ou omissos em entrar para os cofres públicos com os dinheiros a seu cargo, a fim de compeli-los a que o façam; II- contra estrangeiro desertor de navio de guerra ou mercante, surto em porto nacional; III- nos demais casos previstos em lei. Entretanto, Fernando Capez alerta que o citado dispositivo do Código de Processo Penal não foi recepcionado em sua inteireza pela Constituição Federal, que por sua vez outorgou exclusivamente ao Poder Judiciário, a competência para decretá-la. Dessa forma, entendemos que o instituto da prisão administrativa não foi revogado, mas a competência para sua decretação, consoante a Constituição de 1988 foi retirada da autoridade administrativa e concedida ao Poder Judiciário.

A prisão processual, também denominada de prisão sem pena, cautelar ou provisória compreende a prisão em flagrante (arts. 301 a 310 do CPP), a prisão preventiva (arts. 311 a 316 do CPP), a prisão resultante de pronúncia (arts. 282 e 408, § 1º do CPP), a prisão resultante de sentença penal condenatória não transitada em julgado (arts. 393, I do CPP) e também a prisão temporária (Lei 7.960/89). Mais adiante nos deteremos especificadamente a cada uma das espécies de prisão processual.

Comumente têm-se cogitado de outros tipos de prisões, quais sejam: a prisão disciplinar; prisão para averiguação; prisão especial e prisão domiciliar. Com relação a prisão disciplinar, é a própria Constituição Federal que estabelece em seu art. 5º, LXI, in fine, a dispensabilidade na realização da prisão de ordem escrita emanada de autoridade judiciária competente para os casos de transgressões militares e crimes militares, por se tratar, in casu, de prisão com natureza disciplinar. Acrescentando o § 2º do art. 142 da Constituição Federal, o não cabimento de habeas corpus em relação a punições disciplinares militares.

A prisão para averiguação, no entendimento de Fernando Capez:

... é a privação momentânea da liberdade, fora das hipóteses de flagrante e sem ordem escrita do juiz competente, com a finalidade de investigação. Além de ser inconstitucional, configura crime de abuso de autoridade (Lei nº 4.89/65, art. 3º, a e i). [89]

A modalidade de prisão conhecida como especial é a que atinge determinadas pessoas, em função do cargo que ocupam ou ainda pela educação, cultura e serviços prestados, merecendo a prerrogativa de ficar durante o desenrolar do processo em ambiente separado dos demais presos, como por exemplo em quartéis ou em cela especial. Fazem jus à prisão especial os ministros de Estado, os governadores e seus secretários, os prefeitos e seus secretários, os membros do Poder Legislativo de qualquer das esferas federativas, os chefes de polícia, os cidadãos inscritos no Livro do Mérito, os oficiais, os magistrados (Lei Complementar nº 35/79), e membros do Ministério Público (Lei Complementar nº 40/81), os ministros de confissão religiosa, os ministros do Tribunal de Contas, os jurados, os delegados de polícia, os policiais militares, os oficiais da Marinha Mercante Nacional (Lei nº 799/49), os dirigentes e administradores sindicais (lei nº 2.860/56), os servidores públicos (Lei nº 3.313/57), os pilotos de aeronaves mercantes nacionais (Lei nº 5.350/67), os funcionários da polícia civil (Lei nº 5.350/67), os portadores de diploma universitário, os professores de ensino de 1º e 2º graus (Lei nº 7.172/83) e os juízes de paz (Lei Complementar nº 35/79).

Ainda sobre a prisão especial, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que, na ausência de acomodações adequadas em presídio especial, o titular do benefício poderá ficar preso em estabelecimento militar (HC 3.375-2, 5º T., DJU, 12 jun. 1995, p. 17634). A prisão especial perdurará enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória. Encerrada a fase processual, o condenado mediante sentença transitada em julgado deverá cumprir a pena em estabelecimento comum. Não obstante ser esta a regra geral, a Lei 7.210, em seu art. 84, § 2º estabelece a possibilidade de o condenado prosseguir cumprindo a pena em prisão especial – permanecer separado dos demais presos, aqueles que ao tempo do fato eram funcionários da Administração da Justiça Criminal.

Podemos sintetizar dizendo que os únicos privilégios do preso especial se resumem ao recolhimento em recinto distinto do comum ou em cela separada dentro do mesmo estabelecimento e não poder ser transportado em companhia do preso comum (Lei nº 10.058/2001).

A prisão provisória domiciliar pode ser concedida mediante autorização do juiz, ouvido o representante do Ministério Público, onde não houver estabelecimento adequado para se efetivar a prisão especial, o preso com direito a ela poderá recolher-se em seu próprio domicílio (Lei nº 5.256/67). Deve-se considerar estabelecimento adequado qualquer cela ou sala, separada dos demais condenados, com alojamento condigno, que possibilite visitas da família e de amigos, assistência religiosa e médico particular etc. (Decreto nº 38.016, de 1955).

A Lei de Execução Penal enuncia em seu art. 117, quatro situações que visam atender determinadas pessoas impossibilitadas de cumprir pena em um sistema prisional sob o regime aberto, dadas suas condições particulares: "Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I- condenado maior de 70 (setenta) anos; II- condenado acometido de doença grave; III- condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV- condenada gestante".

Essa prisão domiciliar difere da que abordamos no parágrafo acima, por ocorrer em momento posterior à condenação, com a particularidade de ser aplicada apenas em caso de prisão cumprida em regime aberto, fato hoje difícil de ocorrer, tendo em vista o advento da Lei 9.714/99, que estabelece a possibilidade de conversão das penas privativas de liberdade em restritivas de direitos que a priori podem ser cumpridas em regime aberto.

3. Espécies de Prisão Provisória: Flagrante; Preventiva; Pronúncia; por Sentença não Transitada em Julgado e Temporária.

No regime de liberdades individuais garantido pela Constituição Federal de 1988 e corroborado pela legislação vigente, toda e qualquer prisão acaba por atritar com o status libertatis do cidadão, daí porque a prisão só deveria acontecer, de forma legítima para justificar o cumprimento de uma sentença penal condenatória. Entretanto, não é esse o procedimento adotado pelo nosso ordenamento jurídico, podendo a prisão se dá antes mesmo do julgamento ou até quando não existe ainda processo. Por tais razões é que a restrição da liberdade deve ser realizada de maneira criteriosa, dentro dos limites do indispensável. Sobre a prisão provisória explica Julio Fabbrini Mirabete:

Essa prisão, assenta na Justiça Legal, que obriga o indivíduo, enquanto membro da comunidade, a se submeter a perdas e sacrifícios em decorrência da necessidade de medidas que possibilitem ao Estado prover o bem comum, sua última e principal finalidade. [90]

Para Willian Silva, [91] a custódia provisória significa a antecipação dos efeitos de uma condenação. Garantindo, além do desenvolvimento do processo, a aplicação do resultado e a efetivação da pena. Acerca das prisões provisórias, alguns a consideram como meio de coerção de caráter processual, outros como meio processual visando assegurar a presença do acusado aos atos do processo.

As prisões provisórias, na verdade têm natureza de medidas cautelares [92] que objetivam garantir a imediata tutela de um bem jurídico para evitar as conseqüências do periculum in mora, ligando-se à garantia de uma provável e futura execução de sentença condenatória. São espécies de prisões cautelares: a que resulta do flagrante ou de determinação judicial, em virtude de atuação da persecução penal ou processo penal, como a prisão preventiva, por pronúncia, e por sentença não transitado em julgado.

Por se constituírem em prisões cautelares, se sujeitam aos pressupostos ou requisitos das medidas cautelares, ou seja, o fumus boni iuris e o periculum in mora. O primeiro se estabelece na perspectiva de a ordem jurídica proteger o direito, esse direito a preservar, de regra, é a aplicação da lei penal, mas pode ser a garantia da ordem pública ou a necessidade da instrução criminal. O periculum in mora é o risco que corre o direito em perecer caso a medida não chegue a efetivar-se. Muito embora existam críticas no sentido de que tais pressupostos não se ajustam com precisão ao tratamento das medidas cautelares constritivas do direito de liberdade. [93] Afora esses requisitos, Roberto Delmanto Júnior [94] aponta como princípios norteadores da prisão provisória: a excepcionalidade, adequação, proporcionalidade e necessidade cautelar.

Para Willian Silva,

... a decretação ou manutenção da prisão cautelar, provisória ou processual, a qualquer título, deve ser feita a verificação, repita-se, dos pressupostos das cautelares, que são o fumus boni iuris e o periculum in mora, bem como se a decretação ou manutenção da medida odiosa e excepcional é útil e necessária. Na realidade, o fumus boni iuris se cinge à prova mínima da autoria e prova da materialidade, enquanto o periculum in mora encontra abrigo na garantia da ordem pública e econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal (art. 312, CPP). A exceção fica por conta da prisão provisória a título de temporária, pois nesta o que está em jogo não é o indiciado, e sim o suspeito; não é a garantia da instrução, mas a segurança da investigação e da persecução inquisitiva. [95] (grifo do autor).

Ademais, na decretação das prisões processuais, não pode caber qualquer critério de oportunidade ou conveniência; o critério a embasar tais prisões deve ser sempre o da legalidade e da adequação do caso à norma legal, observando-se as diretrizes constitucionais que tutelam a liberdade pessoal.

As regras gerais que disciplinam as prisões ora em estudo, determinam que, salvo os casos de flagrante, a prisão só se efetiva com mandado escrito da autoridade judicial competente e, uma vez presentes todos os requisitos estabelecidos no art. 285 do Código de Processo Penal.

Relativamente ao momento da prisão, poderá ela se efetivar a qualquer dia e hora, respeitadas, porém, as restrições decorrentes da proteção constitucional do domicílio (CF/88, art. 5º, XI). Ou seja, em não havendo concordância do morador, a prisão não pode efetivar-se à noite, salvo em caso de flagrante. Entende-se por noite, o período correspondente à falta de luz solar, devendo, nestas circunstâncias, a autoridade aguardar o amanhecer. Quanto à utilização de força, só se torna legítima quando há resistência ou tentativa de fuga do preso, lavrando-se, para atestar tal fato, auto subscrito por duas testemunhas.

Sobre a prisão em flagrante, convém, inicialmente, falar sobre a origem do vocábulo, que deriva de "flagrans, flagrantis, particípio presente do verbo flagro, que significa "arder em chamas". Portanto, em sentido figurado, "arder em chamas" é uma idéia que sintetiza o flagrante, isto é, no momento do crime, no instante exato em que o infrator cometeu o fato antijurídico e típico". [96]

O flagrante é considerado como um ato de natureza administrativa, realizado pelo poder de coerção do Estado, não ocorrendo, necessariamente, por ordem da autoridade judiciária. É a única exceção à regra de que toda prisão deve ser determinada por lei e mediante ordem escrita da autoridade competente.

Considera-se em flagrante, consoante art. 302, incisos I, II, II e IV do Código de Processo Penal, respectivamente quem: está cometendo a infração penal; acaba de cometê-la; é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

O flagrante será próprio ou real quando alguém está cometendo a infração ou acaba de cometê-la. No primeiro caso, o sujeito é surpreendido no momento da execução da prática do crime. A segunda hipótese se dá quando o agente acaba de cometer, ou seja, o agente deve ser encontrado imediatamente após a prática da infração.

Ocorre o quase-flagrante ou flagrante impróprio quando há perseguição logo após a prática do crime, em situação que demonstre ser o sujeito perseguido, autor da infração. A expressão logo após, traduz a idéia de imediatidade, não estabelecendo a lei, qualquer lapso temporal. Por tal motivo, o famoso prazo de 24 horas para livrar o flagrante não apresenta fundamentação legal, persistindo o estado de flagrância, enquanto durar a perseguição, muito embora se entenda que a perseguição não pode sofrer solução de continuidade.

O flagrante presumido ou ficto acontece quando o autor do fato é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. Nesse caso, não há necessidade da perseguição, pois o verbo prevalente, é ser "encontrado". Há, nessa hipótese uma forte presença da presunção, antes de tudo porque não há perseguição e segundo porque os objetos encontrados com o sujeito é que fazem presumir ser ele o autor da infração.

Fala-se também no flagrante preparado, ocorrendo quando são tomadas todas as providências para que o autor do crime não perceba que está sendo vigiado. Após a preparação, com a armação, propiciando as condições para a prática do crime, há a interferência proposital do agente provocador. Daí a Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal: "Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível sua consumação". Nessa espécie de flagrante, a atuação modificativa das primitivas condições, interferindo na vontade final do agente, é quase sempre da polícia.

No flagrante esperado, como a própria expressão indica, a atividade delituosa do agente acontece sem qualquer interferência externa, o agente é tão somente surpreendido por policiais que, de prontidão, já aguardavam antecipadamente a ocorrência do delito.

No flagrante forjado, a própria polícia "arma" o fato delituoso, tramando as provas de um crime inexistente. É o que ocorre quando o policial, na realização de busca pessoal ou domiciliar, ardilosamente coloca substância tóxica no bolso ou compartimento da casa e forja encontrá-la junto ao cidadão ou no recinto, apreendendo e dando ordem de prisão. Na verdade, não há qualquer crime por parte do preso, mas a responsabilidade por crime de concussão, abuso de autoridade dos envolvidos na efetivação da prisão.

Apurado o estado flagrancial e lavrado o respectivo auto, deve este ser dirigido imediatamente ao juiz, que efetivará a manutenção da prisão cautelar, se presentes os requisitos, ou a relaxará. Se a prisão ocorrer por fato que o agente possa se livrar solto, com ou sem fiança, deve a autoridade policial ou judiciária, conforme seja o crime punido com reclusão ou detenção, arbitrar de imediato a fiança, colocando o sujeito em liberdade.

Já a prisão preventiva, na expressão de Fernando da Costa Tourinho Filho:

É aquela medida restritiva da liberdade determinada pelo Juiz, em qualquer fase do inquérito ou da instrução criminal, como medida cautelar, seja para garantir eventual execução da pena, seja para preservar a ordem pública, ou econômica, seja por conveniência da instrução criminal. [97]

Constituem pressupostos da custódia preventiva, segundo dispõe o art. 312 do Código de Processo Penal, a existência do crime e os indícios suficientes de autoria. A primeira exigência diz respeito à materialidade do fato delituoso, a prova da ocorrência do crime, como laudo de exame do corpo de delito, prova testemunhal, dentre outras. Os indícios suficientes de autoria, ao contrário da exigência de certeza da materialidade, se contentam com os simples vestígios. Faltando um deles não se pode perquirir sobre os fundamentos da prisão.

Os fundamentos que embasam a prisão preventiva encontram-se elencados no art. 312, caput, do Código de Processo Penal e consistem, verdadeiramente na pedra angular de toda medida cautelar – o periculum in mora. Dessa forma, a preventiva só pode ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.

Com muita propriedade, José Frederico Marques elucida:

Se o réu, por permanecer solto, está influindo danosamente na instrução do processo, procurando aliciar testemunhas falsas, ou ameaçando pessoas que possam contra ele depor; ou ainda se houver perigo de fuga que o impeça de comparecer a juízo, a fim de levar esclarecimentos úteis à instrução da causa, a prisão poderá ser decretada "por conveniência da instrução criminal": teremos então providência cautelar instrumental. Mas se tudo indica que o réu, temeroso do resultado do processo, fuja do distrito da culpa ou, então, provável seja essa fuga, por não apresentar garantias suficientes à Justiça, visto lhe ser indiferente a vida errante dos perseguidos pelos órgãos da repressão penal, a prisão preventiva terá cabimento "para assegurar a aplicação da pena": teremos, então, providência cautelar final. Desde que a permanência do réu, livre e solto, possa dar motivo a novos crimes ou cause repercussões danosa e prejudicial no meio social, cabe ao juiz decretar a prisão preventiva "como garantia da ordem pública". [98] (grifo do autor).

A decretação da prisão preventiva como forma de garantir a ordem econômica foi introduzida no Código de Processo Penal pela Lei nº 8.884/94, que dispõe, em seu texto de matéria relativa à prevenção e repressão das infrações contra a ordem econômica, orientada pelos princípios constitucionais de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico. A respeito, Roberto Delmanto Júnior aduz:

Ao incluir a preservação da ordem econômica como motivo autorizador da decretação de prisão preventiva, parece que o legislador estava com as vistas voltadas ao crime que envolvessem grandes golpes no mercado finaceiro, abalando-o, os quais geralmente se perpetram sem o uso de violência física, mas com a inteligência e o engodo. [99] (grifo do autor).

A prisão preventiva só poderá ser decretada nos casos de crimes dolosos punidos com pena de reclusão ou de detenção quando se apurar que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la. Cabendo ainda a sua decretação quando o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, após sentença transitada em julgado.

Não cabe, por conseqüência, a preventiva quando a hipótese for de contravenção penal; nos crimes em que o réu se livra solto independentemente de fiança; nos crimes culposos; quando o juiz verifica a possibilidade de ter o réu agido acobertado por alguma excludente de antijuridicidade; nos crimes punidos com detenção, salvo em caso de vadiagem, dúvida sobre a identidade e reincidência em crime doloso.

Afora os citados casos, que são taxativos, quaisquer outras prisões a título de preventiva, devem ser consideradas ilegais e ilegítimas, por fugirem às hipóteses legais, ensejando o habeas corpus. Poderá ela ser revogada a qualquer tempo, uma vez cessados os motivos de sua decretação, ou cassada pelo tribunal se reconhecida a ilegalidade.

A prisão por pronúncia é uma outra modalidade de prisão provisória e apresenta como fundamento a sentença de pronúncia, proferida por ocasião do encerramento da primeira fase do procedimento do júri – judicium accusationis. Costuma-se justificar o cabimento de tal prisão alegando ter a fase preliminar do procedimento do júri, experimentado os rigores do contraditório, com presença de acusador e defesa, resultando em uma definição da culpa imputada ao réu. Outro argumento para justificar a manutenção desse tipo de prisão, é a impossibilidade de sua admissão inaudita altera pars, o que oferece maior segurança ao julgador, por ser provável a culpa do agente. Não obstante essas explicações que se fazem presentes na doutrina clássica, a prisão por pronúncia deixou de ser recomendada, caindo inclusive em desuso, não sendo mais automática a sua decretação. Acerca do assunto, elucida Marco Antônio Vilas Boas:

Hoje em dia, com o advento da Carta Constitucional (promulgada em 1988), a liberdade do réu, sob julgamento, ganhou um novo contorno. Pelo princípio do estado de inocência, o pronunciado com mais razão aguarda seu julgamento em liberdade, a não ser que esteja submisso a qualquer das modalidades de prisão cautelar (em flagrante ou preventiva). Nesses casos particulares, o juiz poderá manter a custódia, nada mais fazendo que recomendar o réu à prisão, ou seja, reforçando a segregação prisional, como, aliás, já estava anteriormente. [100] (grifo do autor).

A prisão por sentença penal condenatória recorrível encontra amparo no art. 391, I do Código de Processo Penal, que esclarece ser um dos efeitos da sentença penal condenatória a prisão do réu ou a conservação na prisão em que se encontre.

Essa prisão não tem mais caráter de obrigatoriedade, o que permite ao juiz a decretação de prisão se presentes os requisitos ensejadores da preventiva. Assim, se o acusado estava preso, em flagrante ou preventivamente, não tem razão a sua liberdade quando condenado, igualmente se o sujeito se encontra solto até sentença condenatória e não concorrem os pressupostos para decretação de alguma prisão provisória, como é o caso da preventiva, o encarceramento a título de prisão por sentença penal condenatória não se justifica.

Quanto ao direito de apelar em liberdade esclarece Marco Antônio Vilas Boas [101] que manter o réu preso, aguardando o julgamento definitivo, sem fundadas razões, choca-se extremamente com o princípio da presunção de inocência. Continuando a argumentar, diz que se isso ocorrer, deve o réu ser posto em liberdade imediatamente.

Com efeito, enfatiza Willian Silva:

É entendimento majoritário que o princípio de presunção de inocência reflete o direito de não sofrer qualquer medida constritiva de liberdade, a não ser nos casos estritamente necessários. Dessa forma, enquanto não definitivamente condenado, presume-se o réu inocente. Por isso, sua prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória só é admitida a título de cautela. [102]

No que diz respeito à prisão temporária, a verdade é que a sua instituição surgiu para legalizar a prisão do investigado, antes denominada de prisão para averiguação, oficializando-se uma prática, antes procedida sem caráter de legalidade e que se apresenta com o fim de primeiro prender o sujeito para provar que o mesmo é o autor do crime, quando na realidade, o que deve nortear a prisão, em primeiro plano é a prova do envolvido na autoria do crime, para como conseqüência gerar a prisão. Assim, é uma prisão por mera suspeita. Há entendimento, inclusive de ser a prisão temporária inconstitucional. [103]

Essa outra modalidade de prisão provisória - prisão temporária, surgida após o advento da Constituição Federal de 1988 e criada com a Lei 7.960/89 tem por finalidade melhorar a atuação policial nas investigações. Possui uma característica que não se faz presente nas demais prisões provisórias, que é a falta de questionamento acerca do fumus boni iuris. Comparando a prisão temporária com a antiga prisão para averiguação, Willian Silva se expressa alegando que: "A única diferença dessa prisão para a prática antiga da prisão para averiguações é que esta é decretada pelo Judiciário e aquela era feita pela própria polícia, ao arrepio do poder jurisdicional. Substancialmente, a medida é esdrúxula". [104]

No mesmo sentido é a orientação da professora Railda Saraiva, para quem a prisão temporária:

Não se compadece com o espírito da vigente Constituição nem com os princípios por ela consagrados legislação dirigida a restringir a liberdade individual em forma não admitida sequer pelas cartas de período autoritário. Não merece acolhida o entendimento de que a legislação infraconstitucional poderia, sob o pálio da vigente Constituição, definir novas hipóteses de cerceamento à liberdade de locomoção, instituindo outras formas de prisão, além das já consagradas em nosso Direito, bastando para legitimá-las a exigência de expedição da ordem de prisão pela autoridade judiciária, sem resguardo necessário aos direitos individuais constitucionalmente consagrados (...) A Lei 7.960/89, instituindo a prisão temporária, nos moldes como o fez, golpeou profundamente o jus libertatis, em nítida afronta à Constituição vigente, reduzindo-o a níveis incompatíveis coma nova ordem constitucional, criada exatamente para reconduzir o país às vias democráticas, eliminando-se os resquícios de arbítrios e autoritarismo. [105]

Funciona como sujeito passivo da prisão temporária, o indiciado ou suspeito. O cabimento de tal prisão só pode ocorrer antes do recebimento da denúncia, por prazo nunca superior a cinco ou trinta dias, conforme seja o crime comum ou hediondo, podendo os respectivos prazos serem dobrados em caso de extrema e comprovada necessidade, após tal prazo, deve o sujeito ser posto em liberdade.

Os fundamentos para sua decretação ocorrem, em primeiro lugar, quando imprescindíveis para as investigações do inquérito policial, com finalidade de esclarecer o fato delituoso, suas circunstâncias e autoria. Essa hipótese vem elencada no art. 1º da Lei 7.960/89, inciso I, e atinge tanto a pessoa do indiciado, como qualquer outra (por exemplo: testemunha). Trata-se, segundo Julio Fabbrini Mirabete, "de norma legal odiosa e contrária à tradição do processo penal brasileiro". [106]

É permitida também a prisão temporária quando o indiciado não possui residência fixa ou não fornece elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade. Visa tal dispositivo, contido no inciso II do art. 1º da Lei 7.960, proporcionar regular desenvolvimento do inquérito policial, facilitando providências de identificação, como é o caso do exame dactiloscópico.

O inciso III do citado artigo enumera a possibilidade de decretação da prisão temporária, na ocorrência dos seguintes crimes: homicídio doloso, seqüestro ou cárcere privado, roubo, extorsão, extorsão mediante seqüestro, estupro, atentado violento ao pudor, rapto violento, epidemia com resultado morte, envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte, quadrilha ou bando, genocídio, tráfico de drogas e crimes contra o sistema financeiro. A gravidade de tais delitos é o que fundamenta a decretação da prisão temporária.

É disposição constante do art. 2º, da Lei 7.960, que a prisão temporária pode ser decretada em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público. Não cabendo ao juiz decretar a prisão de ofício. Os motivos que fundamentam a prisão devem indicar as razões de necessidade e urgência, mediante despacho fundamentado, sob pena de total ilegalidade.

4. Instrumentos de Impugnação: Relaxamento; Liberdade Provisória; Habeas Corpus; Revisão Criminal.

Funcionam como instrumentos de impugnação da prisão ilegal todos os meios garantidos aos cidadãos para tutela do direito constitucional à liberdade de locomoção. A Constituição Federal, ao especificar, no art. 5º, os direitos fundamentais, faz menção expressa de vários mecanismos garantidores da liberdade, como o inciso LXV - assegura o imediato relaxamento da prisão; o inciso LXVI - garante a concessão da liberdade provisória; inciso LXVIII - assegura a concessão do habeas corpus. O direito da proteção ao restabelecimento da liberdade de locomoção via revisão criminal encontra amparo no artigo 621 do Código de Processo Penal.

Os dispositivos previstos na Constituição Federal garantidores do direito de liberdade, especificadamente os que prevêem o imediato relaxamento da prisão, no caso de ilegalidade, a liberdade provisória e o habeas corpus, por força do princípio da efetividade das normas constitucionais, passaram a ganhar importância processual e utilidade prática, imprimindo à norma constitucional a maior efetividade possível.

O relaxamento da prisão consiste na devolução ao acusado de sua liberdade, que foi retirada indevidamente, por motivo ilegal. A Constituição Federal estabelece que a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária. Assim, toda prisão efetuada sem a observância do sistema legal vigente, apresente caráter provisório ou definitivo deve ser relaxada, tornada sem efeito pela autoridade judiciária, não constituindo tal procedimento numa mera faculdade, mas num dever legal.

Tratando o assunto abordado, leciona Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes:

Assim, se o juiz percebe que praticou ato ilegal que importa em restrição ou ameaça ao direito de liberdade, poderá revogá-lo, se ainda não tiver esgotada sua jurisdição (como ocorre no caso de prolação de sentença), mas não poderá conceder habeas corpus, pois sendo ele próprio coator, competente será o tribunal que lhe for imediatamente superior. [107]

Cabendo o pedido de relaxamento em se tratando prisão ilegal, resta apenas perquirir-se acerca do entendimento do que seja prisão ilegal. Com muita propriedade, Arnaldo Quirino se expressa nos seguintes termos:

Num conceito simplista, poderíamos dizer que a prisão ilegal é toda a restrição da liberdade de locomoção do indivíduo, contrário ao Direito ou sem observância das normas vigentes. A ilegalidade, considerada isoladamente, podemos conceituar como a prática de um ato sem os requisitos dos preceitos legais necessário para que o mesmo seja válido. (...) Nesse contexto, nos casos de prisão em flagrante delito, por exemplo, ter-se-á por ilegal a restrição da liberdade se o respectivo auto do flagrante contiver vícios, mostrando-se material ou formalmente imperfeito: porque não configurado o fato narrado no auto como delito penal; por não ser o autuado o suposto autor do fato delituoso (falta de materialidade e autoria do crime); ou porque não foram atendidos os requisitos processuais na elaboração do respectivo auto de prisão em flagrante delito, como pode ocorrer na falta de caracterização de uma das situações de flagrância previstas pelo art. 302 do Código de Processo Penal. Poderá dar-se também a ilegalidade da prisão por excesso de prazo na conclusão do inquérito policial, bem como nas arbitrárias, abusivas e ilegais prisões para averiguações, entre outros casos. [108]

A liberdade provisória é o instituto processual que permite ao acusado como direito subjetivo seu aguardar em liberdade o decorrer do processo até final julgamento. Esse benefício pode ser conferido, de forma a vincular ou não o acusado a determinadas obrigações no processo. Sua concessão se justifica em nome da precariedade do inquérito, como também da não definitividade do processo. Enuncia Marco Antônio Vilas Boas que:

A prisão sem pena, ora em estudo, somente pode se dar em casos especialíssimos, estritamente necessários, para não ferir um dos mais consagrados estatutos criminais que é princípio do estado de inocência, assegurado pela Lei Maior. [109] (grifo do autor).

A liberdade provisória se ampara no art. 310 e seu parágrafo único do Código de Processo Penal e se apresenta sob duas modalidades, a saber: liberdade provisória com fiança e sem fiança. Esta última pode ser concedida em atenção à qualidade da pena, nas hipóteses que não for cominada pena privativa de liberdade, quando o máximo da pena privativa de liberdade não exceder a três meses (art. 321 e ss, CPP); liberdade provisória em função das circunstâncias do fato, quando o agente pratica o crime acobertado por uma das excludentes de antijuridicidade (art. 310, parágrafo único, CPP) e liberdade provisória relacionada com a condição econômica do acusado (art. 350, CPP).

Ensina Fernando Capez, [110] a exemplo de outros doutrinadores, que a liberdade provisória pode ser dividida em: obrigatória, permitida e vedada. A primeira se dá quando a pena aplicada ao crime não é privativa de liberdade ou quando o máximo da pena privativa de liberdade não exceder a três meses. A Lei 9.099/95 instituiu outra hipótese de liberdade provisória obrigatória que ocorre quando o acusado, uma vez preso em flagrante, assume o compromisso de comparecer ao juizado.

A liberdade provisória permitida cabe nos casos que não comportam prisão preventiva ou quando o réu pronunciado tem o direito de aguardar o julgamento em liberdade (art. 408, § 2º, CPP), ou o condenado pode apelar em liberdade (art. 594, CPP). Esse tipo de liberdade pode ser com fiança e sem fiança.

A liberdade provisória vedada ocorre quando a lei determina a sua proibição. É o que acontece nos casos de cabimento de prisão preventiva ou em se tratando de crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, terrorismo (arts. 310, § único e art. 314, caput, e Lei 8.072/90) e participação efetiva em organização criminosa (Lei nº 9.034/95).

Com relação ao habeas corpus, este pode ser considerado como um remédio processual de garantia da liberdade de locomoção, deitando suas raízes no direito romano, como uma conhecida garantia criminal da época: interdictum de homine libero exhibendo. Com percuciência no assunto, explica Pinto Ferreira: "O interdictum de liberis exhibendis e o interdictum de homine libero exhibendo, no direito romano, constituíam as ações para garantir ao homem livre sua faculdade de ir, vir e ficar, restituindo-se-lhe tal poder quando restringido pela coação". [111]

O instituto do habeas corpus tem por finalidade básica proteger o direito de liberdade de locomoção e tradicionalmente é admitido contra toda coação ilegal ou violência, no que respeita à liberdade de ir, vir, ficar e permanecer. Preserva, assim, a liberdade física do cidadão, garantida constitucionalmente.

O habeas corpus apresenta duas modalidades – o preventivo e o liberatório. O primeiro se configura quando há ameaça de constrangimento ao direito de locomoção, por tal motivo, o juiz competente expede um salvo-conduto ao paciente, que funciona como uma licença escrita para transitar livremente, apresentando caráter de medida liminar, visando impedir a consumação do ato de ilegalidade ou de abuso de poder por parte da autoridade, assegurando ao paciente o direito de transitar livremente, até julgamento final do processo. O habeas corpus liberatório ocorre quando o direito de liberdade já foi cerceado, em que o juiz reconhecendo a ilegalidade expede o alvará de soltura.

A concessão do habeas corpus perante o juiz de 1º grau está sujeita ao recurso de ofício, devendo o magistrado remeter ao Tribunal de Justiça a decisão que o concede. Não há intervenção do órgão ministerial na 1ª instância, só opina o Ministério Público em 2ª instância.

A legitimidade para impetrar a ação é universal, podendo ser de pessoa menor, estrangeiro, pessoa jurídica em seu favor ou de funcionário, analfabeto, etc.

No habeas corpus só pode ser levantada matéria de direito, a respeito do assunto, comenta Arnaldo Quirino:

No que se refere ao habeas corpus, deverá ser argüida tão-somente matéria de direito – a pretensão deve ser líquida e certa; o constrangimento ilegal deve ser inequívoco, sem que haja a necessidade de exame aprofundado e complexo de provas (como ocorre quando se discute matéria de fato). Porém, o habeas corpus também considera fatos que dependam apenas de exame "superficial" de provas, em casos excepcionais; todavia, caso a concessão da medida dependa exclusivamente de "profunda e completa" análise probatória dos fatos, a ordem não será concedida, conforme reiterado entendimento de nossos tribunais, já que o procedimento é célere e não comporta instrução criminal com produção de provas. [112] (grifo do autor).

A revisão criminal é uma ação que objetiva a desconstituição de sentença ou acórdão desfavorável ao acusado, transitado em julgado. A sentença penal condenatória, na realidade, nunca transita em julgado materialmente para o réu porque a qualquer tempo, pode ser reaberta a questão a seu favor, eis que estão em jogo a liberdade e a presunção de inocência.

Indevidamente, a revisão criminal foi denominada de recurso e incluída em tal rol no Código de Processo Penal. No entanto, a revisão criminal conserva a natureza jurídica de verdadeira ação. Esse é o pensamento de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes. [113]

É admitida a qualquer tempo, antes ou depois da extinção da pena e mesmo após a morte do réu. Nos casos citados, pela inexistência de pena a cumprir, situa-se o fundamento da revisão no restabelecimento do status dignitatis do réu ou de sua memória.

Transitada em julgado a sentença condenatória, a revisão é admitida nos seguintes casos: quando a sentença condenatória contrariar texto expresso de lei (art. 621, I, CPP), a decisão deve afrontar texto legal, como por exemplo, condenar alguém pela prática de fato que não é tipificado como crime ou quando aplica pena superior ao limite máximo permitido.

Há também cabimento da revisão, quando a sentença condenatória for contrária à evidência ou provas constantes dos autos (art. 621, I, CPP), ou seja, a sentença que não se apóia em nenhuma prova existente, divorciada de todos os elementos que formam o conjunto probatório.

É cabível ainda a revisão quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames, ou documentos comprovadamente falsos (art. 621, II, CPP). Deve ser atestada a falsidade, para isso, o autor juntará na inicial a prova da falsidade que já deve ter sido apurada em outro processo criminal, mediante ação declaratória ou em justificação.

Por último, caberá a revisão quando após a sentença se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstâncias que determinem ou autorizem diminuição especial de pena (art. 621, III, CPP). Prova nova é aquela que não foi apresentada, ou ainda a que não foi apreciada por ter passado desapercebida pelo juiz. Julio Fabbrini Mirabete ainda esclarece que:

Surgindo novas provas que indiquem não ter o condenado praticado o crime, ou ter praticado o fato protegido por uma excludente do dolo, da ilicitude, da culpabilidade ou da punibilidade, como se existirem circunstâncias atenuantes ou causas de diminuição de pena não cogitadas, ou não estarem presentes circunstâncias agravantes, qualificadoras ou causas de aumento de pena indevidamente reconhecidas etc., deve ser deferido o pedido revisional. [114]

O mais interessante é que o art. 627 do Código de Processo Penal admite, em casos de absolvição do beneficiário da revisão, o restabelecimento de todos os direitos perdidos em virtude da condenação. Deixando de existir a medida de segurança, os efeitos extrapenais, a reincidência, a inscrição do nome do réu no rol dos culpados.

Ademais, prescreve o art. 630 do Código de Processo Penal que poderá o interessado requerer indenização pelos prejuízos sofridos. Embora ressalte a doutrina tradicional que a indenização só é devida quando se tratar de erro judiciário, novo entendimento vem se firmando no sentido de que a indenização é devida também quando se tratar de prisão ilegal, senão vejamos o posicionamento de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes:

É oportuno lembrar, embora fuja a análise da indenização por erro judiciário, que a segunda parte do dispositivo constitucional, ao prever indenização para quem ficar preso além do tempo fixado na sentença, também se aplica à prisão cautelar injusta: nesse sentido, v. Súmula nº 28 das Mesas de Processo Penal. [115]

Esse também é o nosso posicionamento que firmamos ao longo do presente trabalho, com a conseqüente admissão da responsabilidade estatal pela decretação de prisões que fogem aos moldes legais.

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Sobre a autora
Lenilma Cristina Sena de Figueiredo Meirelles

Mestre em Direito Constitucional pela UFC;Professora de Direito Processual Penal da UFPB;Professora da Especialização em Direito Processual da UFCG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEIRELLES, Lenilma Cristina Sena Figueiredo. Responsabilidade civil do Estado por prisão ilegal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 505, 24 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5961. Acesso em: 16 nov. 2024.

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