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Parcerias Público-Privadas e o novo Direito Administrativo

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23/11/2004 às 00:00
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IV - Proposições Objetivas

Diante do exposto, conclui-se com a apresentação das seguintes proposições objetivas:

a)a dicotomia Estado e sociedade civil, cada vez mais, vem perdendo a razão de ser. Reflexo disso se dá no Direito Administrativo, onde o Estado desce da sua posição de supremacia e passa a ver no particular um parceiro;

b)tal fenômeno ocorre de forma mais acentuada nos países desenvolvidos. É na Inglaterra, nos idos de 1990, que surge a project finance iniciative, que seria conhecida pelo resto do mundo como parcerias público-privadas;

c)os contratos de PPP não são a mesma coisa que privatização, não significam a perda de controle das políticas públicas, não se restringem aos projetos de infra-estrutura, não têm a finalidade exclusiva de cortar custos, não significam uma queda na prestação dos serviços públicos (a premissa é exatamente contrária) e não são se prestam à burla das leis trabalhistas;

d)o boom inicial com a utilização das PPP revela sérias falhas nos projetos. As dificuldades são superadas com a adoção de contratos padronizados e a criação de órgãos, públicos e privados, que fornecem expertise à Administração Pública;

e)os países com parcos recursos para investimento decidem adotar as PPPs para suas obras de infra-estrutura, em conseqüência, é forçoso reformar o modelo de Direito Administrativo vigente (que encontra sua matriz na Europa Continental, especialmente no Conselho de Estado Francês);

f)o Governo Federal brasileiro, atento ao momento, apresentou seu projeto ao Congresso Nacional que, a despeito de suas vicissitudes, demonstra-se perfeitamente apto ao alcance dos objetivos colimados com as PPPs;

g)o projeto brasileiro é uma tentativa de conciliar os contratos tipicamente administrativos, que deixam muito ao arbítrio da Administração Pública, e as garantias desejadas pela iniciativa privada, portanto, representa um enorme evolução em relação às amarras existentes na Lei nº 8.666/93;

h)contudo, não se pode acreditar que as PPPs sejam a panacéia da falta de poupança interna e de confiança que assola o Brasil. Não se deve cair na ilusão de crer que as parcerias resolverão todos os problemas nacionais. Se isto acontecer, elas estarão condenadas ao fracasso antes mesmo de seu início.

Diante de todo o exposto, conclui-se que os componentes fundamentais para o sucesso das PPPs são: a participação efetiva dos envolvidos – comunidade, sindicato de trabalhadores, governo, agências de fomento com expertise e parceiro privado; e a criação de mecanismos legais capazes de garantir o futuro cumprimento do contrato, coibindo abusos por parte do parceiro privado, mas também da Administração Pública.


Bibliografia

ANTUNES VARELA, João de Matos, Das Obrigações Em Geral, vol. I, 10ª ed., Almedina: Lisboa, 2000.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, "Direito Admnistrativo", 14ª ed., São Paulo: Atlas, 2002.

GASPARINI, Diógenes, "Direito Administrativo", 6ª ed. rev. atual. e aum., São Paulo: Saraiva, 2001.

KURTZ, Fábio Coutinho, "Parceria Público-Privada (PPP) x Lei de Licitações", in: http://www.migalhas.com.br, acessado em 02.04.2004.

MEDAUAR, Odete, "Direito Administrativo Moderno", 8ª ed. rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

MEIRELLES, Hely Lopes, "Direito administrativo brasileiro", 24ª. ed., atual. Eurico Andrade Azevedo et al., São Paulo: Malheiros, 1999.

PINTO, José Emilio Nunes. As parcerias entre o setor público e o setor privado. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 63, mar. 2003. Disponível em: jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=3839>. Acesso em: 12 ago. 2004.

"Public Private Partnerships: UK Expertise for International Markets", IFSL: London, 2003.

"Public Private Partnership: A Guide For Local Government, Ministry of Municipal Affairs of British Columbia": British Columbia, 1999.

SOARES, Ricardo Pereira, CAMPOS NETO, Carlos Álvares da Silva, "Considerações Sobre o Projeto de Parceria Público-Privada (PPP) em Face da Experiência Recente do Brasil", Brasília: IPEA, 2004.


NOTAS

1 A despeito das controvérsias sobre o objeto do Direito Administrativo, ficamos com a definição de Hely Lopes Meirelles (Direito administrativo brasileiro, 24ª. ed., atual. Eurico Andrade Azevedo et al., São Paulo, Malheiros, 1999, p. 34), para qual o direito administrativo é "o conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado".

2 Diz Odete Medauar: "O modo pelo qual se configuram as relações entre o Estado e a sociedade repercute no direito administrativo" (Direito Administrativo Moderno, 8ª ed. rev. e atual., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 28).

3 Mais precisamente em 1973.

4 Para a pós-modernidade no Direito, veja-se as obras de ARNAUD, André-Jean, para ensaios sobre a pós-modernidade, veja-se o seguinte catálogo de obras:

http://www.discourse-in-society.org/Postmodernism.htm.

5 No direito anglo-saxão o Estado obedece ao regime de direito privado na realização dos seus contratos, o que obviamente aumenta a confiança no cumprimento das disposições contratuais. É de se ressaltar, contudo, que essa concepção vem sendo modificada, conforme notícia de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito Admnistrativo, 14ª ed., São Paulo, Atlas, 2002, p. 38, in verbis: "Gaspar Ariño Ortiz (...) mostra que tais cláusulas [exorbitantes] são estabelecidas, em caráter geral, para os contratos de obras públicas (...) revelando que, embora a doutrina inglesa continue a afirmar que os contratos celebrados pela Coroa se regem pelo direito privado (...) a realidade das coisas é bem diferente".

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6 Esta seção tem como texto base o Public Private Partnerships: UK Expertise for International Markets, London: IFSL, 2003. O guia foi criado pelo International Financial Services, London – IFSL – através de dados fornecidos, principalmente, pela KPMG, PricewaterhouseCoopers, Norton Rose e Partnership UK.

7 Assim, entendemos que parceria público-privada lato sensu pode ser considerada um gênero, que abrange as concessões, permissões e as PPPs stricto sensu. É o que se infere da leitura de SOARES, Ricardo Pereira, CAMPOS NETO, Carlos Álvares da Silva, "Considerações Sobre o Projeto de Parceria Público-Privada (PPP) em Face da Experiência Recente do Brasil", Brasília: IPEA, 2004, p. 9, que demonstra o grande volume de parcerias existentes entre o Governo Federal e a iniciativa privada.

8 "Diz-se contrato o acordo vinculativo, assente sobre duas ou mais declarações de vontade (oferta ou proposta, de um lado; aceitação, do outro), contrapostas mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma composição unitária de interesses" (grifos do original). ANTUNES VARELA, João de Matos, Das Obrigações Em Geral, vol. I, 10ª ed., Almedina, Lisboa, 2000, p. 212.

9 Os canadenses apontam outros seis tipos de parceria público-privada, a saber: Operations and Maintenance, o ente público contrata um parceiro privado para operar e manter um serviço público; Turnkey Operations, o ente público financia, mas contrata um parceiro privado para projetar, construir e operar um planta por um período específico de tempo. Há objetivos de performance estabelecidos pelo setor público, que também mantêm a propriedade da planta; Wrap Around Addition, o parceiro privado financia e constrói um aumento numa planta pública (pode ser uma nova ala, por exemplo), e pode explorá-la por um período de tempo; Lease-Purchase, o parceiro privado projeta, financia e constrói o planta para a prestação de um serviço público. Após, o ente público arrenda a planta do ente privado; Temporary Privatization, a propriedade de uma planta pública passa ao parceiro privado, que deve melhorá-la e operá-la; e Lease-Develop-Operate or Buy-Develop-Operate, o parceiro privado compra ou arrenda a planta do ente público para expandi-la ou modernizá-la, depois a opera. Cf. Public Private Partnership: A Guide For Local Government, Ministry of Municipal Affairs of British Columbia: British Columbia, 1999, pp. 7-10.

10 O original em "leases the facility back to the private partner" in op. cit., p. 9. Para operação de lease back (ou sale leasing) foi tratada na Lei nº 6.099/74, e questão que permanece em aberto é a possibilidade de realização de leasing (ou arrendamento) sobre imóveis. Para o leasing no Brasil, ver, por todos, Fábio Konder Comparato, Contrato de leasing, in Revista Forense, vol. 250, p. 9 e ss.; para o leasing na Inglaterra, ver, Celso Benjó, O leasing na sistemática jurídica nacional e internacional.

11In: http://news.bbc.co.uk/1/hi/uk/1518523.stm, acessado em 10.08.2004.

12In: http://news.bbc.co.uk/1/hi/in_depth/business/2001/ppp/1493330.stm, acessado em 10.08.2004.

13 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, indiretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, §1º, III;

14 O projeto foi sensivelmente alterado pelo substitutivo nº 2.547.

15 Art. 37, caput, CF88.

16 É fato que o modelo de licitação estipulado nos artigos 10, 11, 12 e 13 do projeto de lei diferem, substancialmente, da modalidade "pura" prevista na Lei nº 8.666/93. Portanto, não será de todo estranho se brevemente monografistas enxergarem aí uma nova espécie de licitação. De toda forma, esta moldura deverá ser seguida por Estados, Municípios e Distrito Federal.


(*) NOTA DE ATUALIZAÇÃO

O projeto de lei das Parcerias Público-Privadas tramita no Senado Federal sob o nome de Projeto de Lei da Câmara nº 10/2004.

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Sobre o autor
Felipe de Melo Fonte

acadêmico de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONTE, Felipe Melo. Parcerias Público-Privadas e o novo Direito Administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 504, 23 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5970. Acesso em: 20 abr. 2024.

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