Resumo dos aspectos abordados na monografia
O plano de trabalho da presente monografia inicia-se com um brevíssimo histórico sobre as relações entre a sociedade e a Administração Pública. Para isso, passamos pelo Estado-liberal (ou mínimo), Welfare State (ou interventor) e Estado regulador. Este último, que foi recentemente inaugurado no Brasil com as agências reguladoras criadas no início da década de 90, merece especial atenção, por englobar os contratos de Parceria Público-Privado (PPP ou P3).
O breve escorço histórico cede lugar ao trato jurídico específico dos contratos de PPP, que, em última instância, trata-se do escopo principal deste trabalho monográfico. Assim, extraímos nosso conteúdo principalmente de publicações estrangeiras, tendo-se em mente que os contratos ora tratados possuem larga utilização nos países desenvolvidos, especialmente na Inglaterra.
Nesta segunda parte do trabalho cuidamos de apresentar a origem dos contratos de PPP, os princípios que regem a sua aplicação, a tipologia de tais contratos, conforme a expertise inglesa, as críticas que lhes são apresentadas e as réplicas.
O terço final do trabalho dedica-se à análise do projeto de lei que tratará dos contratos de PPP. Não se trata, obviamente, de uma avaliação pormenorizada do projeto, mas de uma tentativa de fazer um apanhado geral e um prognóstico sobre os resultados que tais parcerias podem ocasionar.
Portanto, em breve síntese, o trabalho tem por objetivos: (i) inserir os contratos de PPP no atual contexto das relações entre sociedade e Administração Pública; (ii) apresentar a dogmática sobre os contratos de PPP, conforme a experiência estrangeira vem consolidando; e (iii) por em debate o projeto de lei apresentado pelo Poder Executivo e aprovado, com modificações, pela Câmara dos Deputados, expondo seus aspectos gerais e seu prognóstico.
I. O novo paradigma do Direito Administrativo
O Direito Administrativo, oriundo da Europa continental, trata das relações entre o Estado e seus súditos [1]. Assim, mais do que em qualquer outro ramo do Direito, está diretamente sujeito às teorias e mudanças a respeito das relações entre Estado e sociedade [2]. É por isso que as grandes revoluções e correntes teóricas que se seguiram na história vão mudar substancialmente o aspecto do Direito Administrativo. Cumpre fazer, portanto, uma pequena digressão.
Nem sempre é possível ser preciso na divisão de épocas através de marcos historiográficos. De regra, tais divisões apresentam-se questionáveis do ponto de vista científico. De fato, é muito difícil falar-se em "épocas do Estado", sendo certo que as ditas fases do Estado foram gradualmente sendo modificadas nas diferentes sociedades políticas. Assim, não seria errôneo pensar na coexistência, numa mesma época, dos diversos modelos puros de Estado discutidos pelos teóricos.
Contudo, tal divisão pode apresentar grande valia didática e mesmo técnica. Assim, não são poucos os autores que reconhecem várias fases históricas, com posturas distintas do Estado nas suas relações com a sociedade. E tais concepções vão, decerto, refletir no Direito Administrativo, porquanto este é o ramo que trata das relações entre Estado e Sociedade.
Assim, três classificações são propostas: Estado-liberal, o Estado de Bem-Estar Social ou Welfare State e o Estado regulador.
L´état c´est moi, dizia Luís XVI aos franceses. O Estado era o Rei, pois nele estava a soberania. Este é o panorama do século XVIII no coração da Europa continental. Era imperioso destruir o Estado-absolutista e estamental para a construção de uma nova ordem que surgia no horizonte: a ordem liberal-burguesa. Assim, em 1791 eclode a Revolução Francesa. Visto como instrumento de opressão do monarca sobre a população, o Estado é imediatamente cercado de instrumentos limitativos de seu poder arbitrário. O constitucionalismo surge como uma das técnicas para a limitação do poder e garantia das liberdades dos indivíduos.
Portanto, característica marcante do liberalismo tipicamente moderno é o afastamento entre o Estado e a sociedade civil. Vigorava, naquela época, a doutrina do laissez-faire. O Estado só deveria garantir a ordem. À Administração Pública competia exclusivamente utilizar o poder de polícia, deixando à iniciativa privada toda a problemática econômica. Por óbvio, tal doutrina resultará em largas distorções sociais, que serão finalmente denunciadas em 1848, com a divulgação do Manifesto Comunista.
O crescimento dos grandes centros urbanos e o desenvolvimento de tecnologias foi, gradualmente, trazendo a Administração Pública para uma posição mais ativa em relação à sociedade. Não bastava mais garantir os direitos dos indivíduos, fazia-se necessária a intervenção da Administração na economia, para a garantia de investimentos e empregos.
O crack da Bolsa de Nova Iorque em 1929 quase fez ruir a ordem capitalista então vigente. Certo é, porém, que a ideologia liberal precisava ser superada. É com John Maynard Keynes que o Estado ganha o instrumental teórico para sua intervenção total na economia. Assim, o capitalismo passa a ver no Estado não um inimigo, mas um parceiro, o maior de todos os capitalistas, com capacidade quase infinita de financiamento.
O choque do petróleo na década de 70 [3] e os crescentes déficits públicos e a inflação fazem a realidade vir à tona: o Estado também pode ir à bancarrota. Os vultosos empréstimos paternalmente concedidos imediatamente secam, e os países, principalmente aqueles ditos "em desenvolvimento", precisam de novas fórmulas para mobilizar capital capaz de fazer frente às suas demandas. Assim, neste quadro de escassez de recursos financeiros e, diante de uma sociedade cada vez mais desejosa da ação positiva do Estado, surgem as privatizações e a quebra de monopólios na prestação de serviços públicos. Ao Estado fica a função de regular os mercados, coibindo os abusos.
Além disso, o advento do paradigma pós-moderno no Direito [4] sugere a superação da dicotomia entre sociedade civil e Estado. E o reflexo desse pensamento no Direito Administrativo é a criação de mecanismos de coordenação entre o Estado e os particulares, sendo paulatinamente abandonados os mecanismos de subordinação [5].
Este é o paradigma em que vive o Brasil. O Estado tem o dever de austeridade fiscal e é incapaz de fazer grandes investimentos em setores nacionais cruciais para o crescimento nacional. É preciso recorrer ao setor privado, através de parcerias. A moldura legal escolhida são os contratos de parceria público-privada. Porém, antes de irmos ao projeto de lei pátrio, é preciso estudar o instituto jurídico na sua forma pura e originária: as PPPs inglesas.
II. Os contratos de Parceria Público-Privado: A Experiência Inglesa [6]
a) Aspectos gerais
Conforme visto anteriormente, dois eram os fatores cruciais para que a Administração Pública buscasse a iniciativa privada, a saber: a demanda pela prestação de serviços públicos em maior quantidade e melhor qualidade; e o fim da crença de que o Estado possui recursos inesgotáveis.
De forma geral, parcerias público-privadas são todo tipo de associação entre a Administração Pública e os particulares, mesmo quando isso não implicar diretamente na prestação de serviços públicos ou na construção de obra de infra-estrutura [7]. As concessões, permissões e privatizações, são, em última instância, também formas de associação entre os setores público e privado. Todavia, quando se fala, especificamente, nos contratos de parceria público-privada, quer-se referir àqueles contratos surgidos no Reino Unido no início da década de 90, que também são chamados de Private Finance Iniciative (PFI). Em síntese, a PPP, na acepção aqui proposta, é o engajamento dos setores público e privado, em cooperação e parceria, na criação de infra-estrutura e prestação de serviços à população, caracterizada pelo compartilhamento de investimento, risco, responsabilidade e recompensas entre os parceiros.
A diferença básica entre as PPP e as privatizações é que, naquelas, a Administração Pública contrata a iniciativa privada para melhorar serviços que serão prestados ao público ou a si própria, e, nas privatizações, o que há, no curto prazo, é objetivo de aumentar a arrecadação.
Antes de chegar as PPPs, o Reino Unido, na década de 80, tentou a flexibilização de monopólios públicos através de concessões e permissões e a privatização. Os contratos de PPP correspondem a uma terceira fase de participação do setor privado nos negócios públicos, que se deu no início da década de 90, com o fim das barreiras ao uso do capital privado no financiamento público. Contudo, o sucesso só foi alcançado em meados da década de 90, com a centralização e padronização dos contratos.
São três as razões que motivaram o crescimento das PPP. Primeiramente, a busca de eficiência. Tempo e custos normalmente suplantam as previsões iniciais quando o setor público faz investimentos diretos. Segundo, as melhoras proporcionadas na gestão de recursos, cujas decisões são sempre de longo prazo. E, finalmente, a gestão do risco. Se o projeto atrasa ou não atende às metas pré-estabelecidas, os custos ficarão por conta do parceiro privado.
b) Das tratativas à contratação
Por ser um contrato [8] entre Administração Pública e um parceiro privado, as PPPs demandam, num primeiro momento, o acordo de vontades. O ente público deverá fazer uma oferta, que será sucedida pela recusa ou aceitação do parceiro privado. A experiência inglesa demonstra que a falta de prioridades e de organização causaram uma série de problemas, que depois foram superados com a adoção do seguinte receituário: o estabelecimento de uma força-tarefa do Tesouro inglês para a coordenação dos contratos de PPP, com a criação de cartilhas explicativas para os governos locais; posteriormente, a força-tarefa foi dividida em duas organizações, que funcionam em parceria com os governos central e locais: a Partnership UK, que é uma agência mista, também oriunda de parceria público-privado; e o Office for Government Commerce. Os dois órgãos funcionam provendo expertise e colaborando com a criação de novos negócios. O passo seguinte foi a focalização das PPPs para setores específicos, como a saúde pública e a educação.
Também houve avanço na legislação do país. A alteração das regras concernentes à contratação com poder público abriu um novo leque de opções. A flexibilidade tornou-se marca das PPPs. O contrato que transfere a obra ou serviço público para a iniciativa privada pode ser alterado de acordo com os interesses em jogo. Assim, ao longo da prática, os contratos foram estandardizados e classificados quanto ao grau de risco e responsabilidade alocados com os parceiros. A experiência inglesa [9] aponta quatro modalidades básicas, a saber:
a)DBFT (design, build, finance and transfer), através do qual o ente privado fica encarregado de projetar, construir, financiar e, por fim, transferir ao ente público a planta construída – essa é a modalidade utilizada na construção do Channel Tunnel em 1996, ao custo de 4 bilhões de libras esterlinas;
b)BOT (build, operate and transfer), o ente privado constrói a planta e a transfere para o ente público, que, por sua vez, arrenda [10] ao parceiro privado, através de um contrato de longo prazo apto à recuperação do investimento e obtenção de razoável lucro, que ficará encarregado de explorá-la;
c)BOO (build, operate and own), o ente privado constrói, opera e, ao final, fica definitivamente com a planta, o que implica em redução de custos para o parceiro público;
d)DBFO (design, build, finance and operate) o ente privado projeta, constrói, financia e opera a planta, sendo esta a modalidade mais comum de PFI na Inglaterra.
Até junho de 2002, já tinham sido realizados mais de 530 contratos de PPP, representando cerca de 24 bilhões de libras esterlinas. Mais de um terço destes contratos foi realizado pelo Ministério dos Transportes, seguido de perto pelos Ministérios da Saúde, Defesa e Educação. O governo gastou cerca de 17% menos em relação aos custos que teria caso utilizasse os métodos convencionais de investimento. Contudo, apesar dos evidentes ganhos, nem tudo são flores.
Os críticos do PFI apontam uma série de problemas em relação aos projetos, e o Brasil deve estar atento a eles. Parte dessas críticas está ligada à necessidade de longo prazo para o retorno do investimento privado nessas modalidades de contrato, que são, normalmente, de 30 anos. Assim, o governo atual cria soluções para os seus problemas no presente, mas com sérios ônus para os próximos governos e gerações. A resposta a esta crítica é a seguinte: a decisão tomada nos grandes investimentos nacionais também são soluções de hoje para problemas que superam, em muito, o tempo de um mandato. Além do mais, o bônus também será aproveitado pelos governos futuros.
Outro problema é o excesso de lucro almejado pelas companhias privadas. Tome-se como exemplo o caso da prisão de Fazackerly, em que os custos de sua construção serão recuperados em dois anos, e os outros vinte e três anos de vigência do contrato serão para exclusiva obtenção de lucro. Estima-se que os entes públicos pagarão entre 1.5 e 3.4 bilhões de libras esterlinas somente a título de lucro aos seus parceiros privados nos próximos trinta anos [11].
Além disso, há críticas quanto à situação dos funcionários públicos, nos contratos em que se transfere para administração do parceiro privado uma estrutura já pronta. Na Inglaterra, a despeito da acusação de privatização dos cargos públicos, a experiência tem demonstrado que as pessoas estão mais satisfeitas com os contratos realizados com o novo administrador privado. Há uma lei que regula a transferência desses funcionários para o novo administrador, e essa é uma providência deveras oportuna, que escapou, por enquanto, ao modelo brasileiro de PPP. Outrossim, sempre há a possibilidade de convidar os representantes de sindicatos a participar das negociações do contrato de PPP.
c) O que os contratos de PPP não são?
É claro que as PPPs podem ser desvirtuadas e utilizadas para fins outros. O contrato está sujeito aos vícios usuais, podendo, v.g., ser simulado. Mas é preciso assentar o que as PPPs não são para que se possa prosseguir.
PPP não é privatização. Ela não importa em alienação definitiva do controle de empresas públicas ou sociedades de economia mista para a iniciativa privada. Pelo contrário, com o passar dos anos a Administração Pública vai ter robustecido sua capacidade de prestação de serviços públicos, e não ter seu patrimônio dilapidado.
Acredita-se, ainda nos reportando à experiência inglesa, que as PPPs significarão a perda do controle das políticas públicas pelo poder público. Para evitar que isso aconteça, é preciso que os contratos sejam redigidos com cláusulas minuciosas, sempre com o auxílio de experts. Além disso, o Estado deve reservar para si a função regulatória, que poderá ser exercida através de agências setoriais ou de órgãos da Administração Pública direta. É importante que sejam previamente estipulados os índices de variação do preço da tarifas cobradas dos usuários do serviço.
As PPPs, embora possuam seu campo maior nos projetos de infra-estrutura, não se aplicam exclusivamente a ela. É possível criar, e.g., piscinas públicas através de PPPs. É possível pensar num projeto de despoluição de praias, com a conseqüente exploração dos calçadões pelo parceiro privado. Enfim, nada impede a implementação de PPPs em projetos ambientais ou de lazer.
O Poder Público não pode contratar as PPPs para evitar débitos. O escopo deve ser a eficiência, e não o dinheiro. A PPP não é método de melhora da contabilidade pública. O objetivo é o menor tempo para a efetiva prestação do serviço ao público e a melhora na qualidade dos serviços prestados.
d) Caso prático: o primeiro hospital no regime das PPP. [12]
A cidade inglesa de Carlyle possuía três hospitais descentralizados: o municipal geral, a maternidade e a enfermaria. Há anos os políticos locais prometiam a construção de um novo hospital, centralizado e moderno. As promessas, contudo, não se tornaram realidade pela constante falta de recursos. Na década de 90, estes mesmos políticos decidiram que a cidade seria pioneira na nova onda das PPP/PFI, e fizeram um projeto para a construção do novo hospital. Foi o primeiro hospital construído sobre o regime das PPPs.
O custo anual do projeto é de 12,3 milhões de libras esterlinas. Ele foi realizado na modalidade DBFO, ou seja, o parceiro privado financiou, projetou, construiu a planta e agora gerencia os serviços prestados pelo hospital. Em 2000, o novo hospital foi finalmente inaugurado, com nova estrutura e equipamentos modernos.
A inauguração do hospital revelou uma série de problemas de projeto, que serviram de combustível para os críticos, que desde o início já reclamavam da redução de número de leitos na cidade. Entre os problemas da construção, vale citar: superaquecimento do átrio, vários canos de esgoto quebrados, entrada para deficientes físicos excessivamente distante do estacionamento e falhas no sistema elétrico.
Os críticos categoricamente afirmam que essas falhas resultam da redução de custos empreendida pelo parceiro privado, objetivando a maximização dos seus lucros. Em contrapartida, os políticos locais afirmam que todo novo hospital tem problemas.
Porém, as maiores reclamações vêm dos funcionários públicos que passaram à iniciativa privada. O sindicato local diz que eles estão desmoralizados. Inclusive, os funcionários já concordaram em realizar uma greve. Eles chamam o hospital de "elefante branco".
e) Outras experiências
Além da Inglaterra, outros países estão adotando as PPPs como forma de financiamento de grandes obras de infra-estrutura. Austrália, Japão, Finlândia, Grécia, Irlanda, Itália, Holanda, Portugal, Espanha e África do Sul já contam com projetos oficiais de PPP em funcionamento. Por outro lado, as nações líderes da União Européia, Alemanha e França, permanecem letárgicas na implantação das PPPs. Isto porque a legislação administrativa destes países – como no Brasil, diga-se de passagem - é excessivamente proibitiva. Deve-se notar que as PPPs têm maior probabilidade de êxito nos países cuja iniciativa privada já tem histórico de empreendedorismo.
III. O Projeto de Lei de PPP Brasileiro
A Constituição Federal de 1988 prevê, em seu art. 22, XXVII [13], que compete à União Federal editar normas gerais de contratação. Assim, valendo-se dessa prerrogativa, o Governo apresentou à Câmara dos Deputados o projeto de lei nº 2.546 de 2003 [14](* ver nota de atualização), que prevê normas para licitação e contratação da PPP no âmbito da Administração Pública. O projeto é dividido em âmbito de aplicação, regras contratuais, licitação, disposições gerais e finais. Caso aprovado, representará, indubitavelmente, grande avanço nas relações entre os setores público e privado em relação à legislação que o precede, porquanto a lei de concessões e permissões não permite ao setor privado receber remuneração parcial do setor público, e a lei de licitações limita os contratos ao prazo de 60 meses.
O modelo de PPP apresentado pelo Poder Executivo parte do pressuposto que o Governo não possui recursos suficientes para todos os investimentos em infra-estrutura que o país requer. Portanto, o objetivo é incentivar o setor privado a investir na infra-estrutura. Este setor participará como empreendedor, aportando o capital necessário aos projetos, e o setor público será remunerador parcial do serviço. Portanto, via de regra, o parceiro privado entrará com sua experiência gerencial (ganhos em eficiência) e com o capital (ausência de ônus para o setor público, num primeiro momento).
O contrato será realizado entre o Ministério setorial e a sociedade de propósito específico (SPE - pessoa jurídica criada especialmente para a celebração do negócio jurídico), com intervenção do comitê gestor (semelhante ao Office for Government Commerce). A SPE será remunerada em parte pelo Ministério contratante do projeto, através de pagamento direto, e parte será atribuída aos usuários do serviço, através de tarifa, quando possível. Uma terceira parte do financiamento global ficará por conta dos acionistas da SPE, dos compradores de títulos mobiliários desta sociedade, dos bancos privados, agências multilaterais e do BNDES.
Com essas ações, pretende o Governo obter ganhos em eficiência (é o "value for money"), oferecer serviços públicos de qualidade e aumentar a carteira de projetos economicamente viáveis. Afinal, sabe-se que os investimentos em infra-estrutura que o Brasil precisa rondam a casa dos 200 bilhões de dólares.
O art. 2º do projeto prevê uma série de princípios que deverão ser seguidos no contrato. Não se trata de uma principiologia própria das PPPs, pois todos eles já estavam expressos na própria Constituição Federal ou em textos legais anteriormente vigentes.
Deve-se dar destaque à especialização do princípio constitucional da eficiência [15] previsto no inciso I do art. 2º. Entendemos que, diante de tal previsão, a contratação da PPP só será possível quando não houver outro meio igualmente eficiente para a realização da obra ou prestação do serviço público. Isto porque o prazo de duração dos contratos de PPP muito provavelmente terão duração superior a um mandato, o que normalmente não acontece nos contratos regidos pela lei de licitações, limitados em 60 meses. Portanto, a opção pela PPP deve passar, necessariamente, por esta primeira análise. É preciso coibir a possível prática de utilizar as PPPs como financiamento indireto do setor público, de forma a burlar a lei de responsabilidade fiscal.
O art. 7º permite que o parceiro privado busque livremente financiamento, admitindo a liquidação dos empenhos relativos às contraprestações da Administração Públicas sejam em favor deste agente financiador. Esta é uma previsão absolutamente nova. Os artigos 8º e 9º, de outro turno, oferecem um novo arsenal de garantias que a Administração Pública pode ceder ao particular, totalmente estranho aos diplomas então vigentes. Destaque-se que isto é especialmente importante no Brasil, dada a carência de credibilidade que a Administração tem no cumprimento de seus contratos.
O art. 10 do projeto de lei obriga a realização de licitação, na modalidade concorrência pública, antes da contratação da PPP, cujo regime está previsto no art. 22, I, da lei de licitações. É a modalidade mais complexa de licitação, destinada aos contratos de maior vulto financeiro. Entendemos que aqui se está diante do silêncio eloqüente do legislador. A previsão genérica da aplicação subsidiária da Lei nº 8.666/93, combinada com o princípio republicano, seriam suficientes para obrigar a realização da licitação. Portanto, o que quer o legislador é que toda parceria público-privada seja efetivamente precedida de licitação na modalidade concorrência [16], ainda que nas obras de menor porte. Esse entendimento justifica-se em virtude do tempo de vigência do ajuste e da complexidade na redação do contrato.
O art. 5º inova na previsão das formas com que a Administração Pública poderá remunerar seu parceiro privado. Na vigência da Lei nº 8.666/93 a remuneração é exclusivamente em dinheiro (art. 40), não sendo aceitável nenhuma outra forma. É de se destacar que a outorga de direitos sobre bens públicos deverá ser precedida da devida desafetação dos bens, caso sejam de uso comum do povo ou de uso especial. Os §§1º e 2º do mesmo art. 5º revelam o verdadeiro cerne das PPPs, que é a remuneração segundo metas de eficiência, fixadas no próprio contrato, previamente. O §3º, que prevê a precedência dos créditos das PPP sobre os demais, revela-se mecanismo razoável na tentativa de superar a falta de credibilidade da Administração Pública pátria no adimplemento de suas obrigações.
Conforme a exegese do art. 17 do projeto de lei nº 2.546, é preciso dizer que, a despeito da sugestão terminológica, os contratos de PPPs não são contratos privados da Administração Pública. Tais contratos estarão sujeitos ao regime de Direito Administrativo. Em suma, quer isto dizer que permanece em plena vigência o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, consubstanciado nas chamadas cláusulas exorbitantes.
Portanto, a Administração Pública, com fundamento no art. 68 da Lei nº 8.666/93, desde que mantida a equação econômico-financeira do contrato, estará autorizada a modificar ou acompanhar a execução do contrato, bem como rescindi-lo, por razões de legalidade ou por interesse público.
A natureza jurídica do contrato de PPP na matriz inglesa é substancialmente diferente da que será adotada no modelo brasileiro, e isso pode causar sérias repercussões no sucesso das parcerias. Como já se disse, na Inglaterra os contratos, ainda que presente a Coroa, são realizados inter privatos. A rescisão pode acontecer pelo inadimplemento contratual. No Brasil, além do possível inadimplemento, a Administração terá o poder de resilir unilateralmente o contrato. De fato, uma garantia a menos para o empreendedor.