O Ad(E)vogado

Resumo:


  • Reverti a situação de petições tardias de atestados de óbito através de competência e qualidade.

  • Encerrei práticas de funerais sem documentação e petições sem fundamentação plausível.

  • Exigi provas claras e verídicas, desmascarando tentativas de fraude e encerrando casos de petições indevidas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O Ad(E)vogado.

Todo mundo já deve ter ouvido falar o ditado: “para sabido, sabido e meio!” Pois foi assim que reverti a situação recorrente das petições tardias de atestados de óbito. Na verdade me corrijo, pois não é questão de sabedoria, sim de competência, qualidade que faltou ao requerente a quem passei a chamar de “Ad(e)vogado”.

O causo é derivado da história que narrei sobre o “Enterro reverso”1 e que pôs fim ao vício de se promover funerais sem a devida documentação, pratica não rara que encontrei na Cidade de Apodi e que, para mim, desde logo mostrou a obviedade dos objetivos espúrios de seus desdobramentos.

Pus fim às exéquias sem documentação. Haveria de encerrar também a prática das petições tardias de atestado de óbito e a oportunidade surgiu quando chegou para meu despacho a primeira destas tais petições.

Papelaria e discurso, tão somente, sem qualquer fundamentação plausível. O “adevogado” (insisto nesta grafia, que outra não merece o requerente) simplificava a coisa, como se fosse bagatela qualquer, simplesmente relatando que o “morto” houvera sido levado à cova pela família desavisada de critérios outros que precederiam o sepultamento, senão o de chorar o defunto, por isso, apelava agora que o Juiz lavrasse termo declarando, por óbvio, a transcorrência. Óbvio, para mim, mostrava-se apenas a falta de rigor em tais processos.

Semelhante concessão por simples atos declaratórios deixariam lacunas que poderiam ser preenchidas nas entrelinhas por inumeráveis possibilidades de ardis futuros ou acobertamentos de erros passados da causa mortis. Ou (quem sabe?) até não estaria vivo – e bem vivo – o delegante?

Vivo, no sentido de esperto, é que não! Poderia estar até respirando, mas, “prá cima de mim” com essa armação?

Veremos quem é mais “vivo” – disse cá com meus botões ao tomar da caneta e devolver a petição solicitando a juntada de provas.

Imaginei que o caso encerrasse nesse ponto, já que outrora – penso eu, dado à frequência da causa de pedir – não se requisitava evidências, tornando-se tal novação bastante para fazer entender que “a coisa” mudara.

Qual o quê?

Não demorou muito para que o processo estivesse novamente em minha mesa e, para meu espanto, acompanhado de documentação fotográfica do lúgubre evento, em fotos “preto-e-branco-esmaecido-desfocado” – se é que assim posso dizer – de uma falta de qualidade tão severa que mal se poderia reconhecer qualquer dos pranteadores, quê dizer então do defunto ali espichado. Sequer o cenário poderia ser identificado tal a natureza da foto.

Voltei a prolatar despacho reclamando da impropriedade de tais pretensas provas que, em fim, nada provavam. Argumentei que a falta de clareza da foto não permitiria garantir a veracidade dos fatos que se buscava com elas comprovar e devolvi requerendo nova juntada de provas, se outras houvesse.

Foi-se novamente o volume processual, restando-me a impressão de que, se não sucumbiu o infeliz requerido, sucumbiria desta feita o “adevogado”.

Ledo engano. Induzido pela acusação de falta de definição das imagens, o “adevogado” apensou aos autos novas fotos, estas de clareza irrepreensível, porém absurdamente inaceitáveis: fotos coloridas, incompatíveis com o tempo do alegado funeral, com excelente definição e de aparência recente. Os circunstantes, nada chorosos, pareciam disfarçar alegria e até mesmo o defunto estava bem maquiado e rosadinho, o que levou a desconfiança da fraude.

Disposto a encerrar de vez, tanto a pouca vergonha do petitório indevido quanto a notória incapacidade do requerente, de pronto intimei o “adevogado” para que explicasse as circunstâncias e até localizasse uma daquelas pessoas para prestar depoimento sob juramento.

Nunca mais o “adevogado” retornou e o processo caducou por decurso de prazo, restando do episódio um “defunto” maquiado ao invés da maquiagem da causa de pedir e um “adevogado” falseado que, em contrapartida, deu motivo para o desmascaramento da burla então vigente nesse tipo de petição.

A conclusão do caso ganhou visibilidade fazendo o papel desejado de advertir a banca local o fim da festa de petições tardias de atestado de óbito, causas estas que nunca mais ressuscitaram em minha mesa de trabalho.

Assunto enterrado. Digo, assunto encerrado.

____________

1. Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Corregedoria Nacional de Justiça A justiça além dos autos. SOBRINHO, Saraiva et ali; Nancy Andrighi (Organizadora); Fátima Bezerra Cavalcanti, Pedro Feu Rosa, Álvaro Kalix Ferro (Coordenadores). Brasília, DF: Seção de Serviços Gráficos da Secretaria de Administração do CJS, 2016. 504 p. disponível em Biblioteca Nacional Jurídica. STJ Brasília https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/105011.

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Sobre o autor
Francisco Saraiva Dantas Sobrinho

Desembargador no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte.

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