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A confusão como forma de extinção do crédito tributário

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Embora não prevista expressamente no rol do art. 156, do Código Tributário Nacional, a confusão, como forma extintiva geral das obrigações, pode por termo ao crédito tributário.

E assim ocorre porque, mesmo à míngua de previsão no CTN, não podem logicamente subsistir, numa mesma pessoa de direito público, as qualidades de devedora e credora tributária de si própria.

De efeito, por mais incrível que possa parecer, não raramente acontecem situações em que um ente público tributante, seja a título de sucessão causa mortis, de desapropriação, de confisco ou de um outro translativo da propriedade, torna-se devedor de si mesmo.

Nesses casos, em que o crédito tributário provém da anterior situação dominial do bem, uma vez incorporado esse mesmo bem ao patrimônio do sujeito ativo da tributação, outro fenômeno não pode ocorrer senão a extinção do preexistente crédito tributário por força da confusão.

Tanto é assim que, dispõe o Código Civil de 2002, em seu art. 381, cuja redação repete integralmente o art. 1.049 do Código Civil de 1916: "Extingue-se a obrigação, desde que na mesma pessoa se confundam as qualidades de credor e devedor". E é exatamente por isso que, à falta de previsão específica no CTN, essa norma, embora encartada em diploma típico de direito privado, serve de embasamento legal para extinção do crédito tributário por obra da confusão, providência essa de especial interesse no âmbito da Administração Pública que, por imperativo constitucional, deve guiar-se sempre segundo estrita legalidade (CF/88, art. 37, caput).

Na doutrina e na jurisprudência, conquanto raras, encontram-se algumas manifestações a respeito da confusão, como hipótese extraordinária de extinção do crédito tributário.

Nesse sentido, o saudoso e emérito Professor Aliomar Baleeiro, também Ministro do Excelso Supremo Tribunal Federal, em seu clássico Direito Tributário Brasileiro, 11ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2004, atualizado pela douta Professora Misabel Abreu Machado Derzi, da Universidade Federal de Minas Gerais, às páginas 860 e 861, leciona:

"No Direito Privado, há outras modalidades de extinção de obrigações, como a novação (Código Civil, arts. 999 a 1.008) e a confusão (Código Civil, arts. 1.049 a 1.052), que o CTN não contemplou.

A novação, isto é, constituição de nova dívida para substituição da anterior, ou substituição de credor por outro novo, não parece compatível com a obrigação tributária.

Mas a confusão, isto é, extinção determinada quando, por um fato ou ato jurídico, as qualidades de credor e devedor se reúnem na mesma pessoa, pode acontecer esporadicamente no Direito Tributário. Se o pai credor, p. ex., vem a ser herdeiro necessário do filho devedor, desaparece a dívida deste para com ele, porque ninguém pode ser credor de si mesmo, ainda que civilistas, inclusive Espínola, discutissem o autocontrato (Selbscontrahiren).

Ora, uma pessoa de Direito Público pode ser legatária da universalidade de bens e obrigações de alguém. A União recolhe as heranças jacentes, isto é, os bens deixados pelos defuntos sem herdeiros nem legatários conhecidos. Passando a dona da universitas rerum do de cujus, opera-se aí a confusão.

Outras vezes, a União incorpora, como fez durante a Segunda Grande Guerra, bens dos inimigos, inclusive no território nacional. Ocorre também aí a confusão, do art. 1.049 do Código Civil.

Do mesmo modo, na desapropriação da maioria de ações duma sociedade anônima, como no caso da E. F. Paulista pelo Estado de São Paulo."

Escrevendo ainda na vigência do Código Civil de 1916, acrescenta a atualizadora, Professora Misabel Derzi:

"Com a edição da Lei nº 8.049/90, que deu nova redação ao art. 1.594 do Código Civil, os bens declarados vacantes da herança jacente, decorridos cinco anos da abertura da sucessão, passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, somente se incorporando ao domínio da União, quando situados em território federal. Há que adaptar os exemplos, citados por Aliomar Baleeiro, a respeito de confusão no Direito Tributário, à nova ordem ditada pela Lei nº 8.049/90." (Com o advento do Código Civil de 2002, manteve-se idêntico regramento para os bens declarados vacantes da herança jacente, conforme consta do art. 1.822 do novel Estatuto Civil.)

Analogamente, o ínclito Professor Luiz Emygdio Franco da Rosa Júnior, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em sua festejada obra Manual de Direito Financeiro & Direito Tributário, 16ª edição, Editora Renovar, Rio de Janeiro – São Paulo, 2002, às páginas 582 e 583, ensina que:

"O art. 156 do CTN também não se refere à confusão, que consiste na reunião, na mesma pessoa, das qualidades de credor e devedor (Código Civil, art. 1.049). Assim, a confusão ocorre quando uma mesma pessoa é ao mesmo tempo sujeito ativo e sujeito passivo da obrigação, pelo que o credor não pode agir contra si mesmo, como devedor, extinguindo-se, portanto, a obrigação. A confusão pode eventualmente acontecer no Direito Tributário, quando, por exemplo, a União desaproprie as ações de uma sociedade anônima que é devedora do imposto de renda, tornando-se, assim, credora e devedora da obrigação tributária, que ficará extinta. Ocorre também quando o Município desapropria um bem imóvel, com débito de IPTU, ou quando o ente tributante recebe herança jacente. O STJ decidiu, corretamente, que sendo contribuinte do IPTU na única condição de possuidor e tendo sido esbulhado da posse pelo próprio Município tributante, não está obrigado a recolher o tributo até nela ser reintegrado por sentença judicial, à míngua do fato gerador previsto no art. 32 do CTN, confundindo-se, nesse caso, os sujeitos ativo e passivo do imposto, gerando confusão (2ª T, AgRg. 117.895/MG, rel. Ministro Ari Pargendler, v. u., 10/10/96, DJU 29/10/96, p. 41.639)."

Do aresto citado, para melhor ilustração do tema ora versado, vale transcrever a ementa e trecho do voto do eminente Ministro Ari Pargendler, relator:

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"TRIBUTÁRIO. IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO. ESBULHO POSSESSÓRIO PRATICADO PELO PRÓPRIO MUNICÍPIO QUE EXIGE O TRIBUTO. Os litígios possessórios entre particulares não afetam a obrigação de pagar o Imposto Predial e Territorial Urbano, resolvendo-se entre eles a indenização acaso devida a esse titulo; já quem, sendo contribuinte na só condição de possuidor, é esbulhado da posse pelo próprio Município, não está obrigado a recolher o tributo até nela ser reintegrado por sentença judicial, à mingua do fato gerador previsto no artigo 32 do Código Tributário Nacional, confundindo-se nesse caso o sujeito ativo e o sujeito passivo do imposto. Agravo Regimental improvido."

"(...) Na espécie, todavia, o esbulho foi praticado pelo próprio Município de Belo Horizonte, sujeito ativo do tributo, que, imitindo-se na posse, confundiu-se com o sujeito passivo – não se compreendendo que o esbulhado deva recolher imposto indevido, para depois reavê-lo em ação própria sob a forma de indenização, sendo flagrante o fato inibidor da obrigação tributária, vale dizer, a posse pelo próprio Poder Público. (...)"

Como corolário lógico desse raciocínio, meramente tópico no atinente à confusão, dessume-se que o já citado elenco do art. 156, do CTN, se bem que, à primeira vista, pareça taxativo, na verdade, afigura-se exemplificativo, pois não esgota ele, nem poderia, todas as possíveis e ocorrentes causas de extinção do crédito tributário.

Contudo, tal ilação deve ser recebida com cautela, de modo a não se estender desmesuradamente os casos e formas de extinção de um crédito tão necessário, vital mesmo ao suprimento das receitas públicas, como o crédito tributário.

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Sobre o autor
João Pedro Ayrimoraes Soares Júnior

Procurador do Estado do Piauí e Advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES JÚNIOR, João Pedro Ayrimoraes. A confusão como forma de extinção do crédito tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 510, 29 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5982. Acesso em: 19 abr. 2024.

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