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Religião e Estado.

Críticas da Teoria Pura à Sociologia Compreensiva

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27/11/2004 às 00:00
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A Sociologia Compreensiva

Objetivos

No início do capítulo intitulado "Conceitos Sociológicos Fundamentais" de sua obra "Economia e Sociedade", Weber afirma que pretende apresentar de forma mais conveniente e clara o que toda sociologia empírica entende quando fala das mesmas coisas. Então, o autor passa a apresentar o método compreensivo, que busca não apenas descrever comportamentos de seres humanos, mas explicá-los e compreendê-los, onde, por compreensão, se entende a apreensão do que chama de "conexões de sentido".

Ali, Weber afirma de maneira bastante clara que difere da metodologia de Simmel por estabelecer uma distinção clara entre o sentido subjetivamente mentado por um agente do sentido objetivamente válido. De fato, toda a metodologia weberiana consiste na busca de uma forma de explicação social que alcance não apenas as ações, mas as ações e seus porquês, sendo tais porquês aqueles que os seres humanos objetos de estudo tinham em mente quando agiam.

Esta perspectiva metodológica é radicalmente diferente de outras que à época também já buscavam se firmar entendendo que a sociedade seria um organismo com existência independente dos seres humanos individuais. Weber procura explicar os fenômenos sociais fazendo referência apenas a fenômenos individuais.

Segundo o autor:

Debe entenderse por sociología (en el sentido aquí aceptado de esta palabra, empleada con tan diversos significados): una ciencia que pretende entender interpretándola, la acción social para de esa manera explicarla causalmente en su desarrollo y efectos. Por "acción" debe entenderse una conducta humana (bien consista en un hacer externo o interno, ya en un omitir o permitir) siempre que el sujeto o los sujetos de la acción enlacen a ella un sentido subjetivo. La "acción social", por tanto, es una acción en donde el sentido mentado por su sujeto está referido a la conducta de otros, orientándose por ésta en su desarrollo. (Weber: 1997, 5)

Há, portanto, dois momentos da explicação sociológica compreensiva. Um primeiro momento consiste em interpretar o sentido da ação social, estabelecer aquilo que o autor chama de motivos, ou "conexões de sentido". Conforme Weber, "Llamamos ‘motivo´ a la conexión de sentido que par el actor o el observador aparece como el ‘fundamento’ con sentido de una conducta" (Weber, 1997: 10) Um segundo momento consiste em revelar o desenvolvimento e conseqüências de tais ações com sentidos.

A interpretação dos motivos de uma ação pode se dar de forma empática ou racional, sendo que a interpretação racional, que, na maioria dos casos, é a única possível, consiste na dedução lógica da ação a partir de certo conjunto de crenças, valores e objetivos que de fato ou em média ou ainda ideal tipicamente, o agente possui.

Assim, compreende-se a razão pela qual determinado indivíduo que toma à força uma bolsa de uma senhora foge ao ouvir a sirene da polícia quando se conhece o significado daquele som (a aproximação de uma viatura policial), o que os policiais podem fazer (levar o indivíduo para a delegacia) e os objetivos do agente (não ser preso, levar uma vida confortável, etc.). Ora, a maneira de evitar a prisão era a fuga, portanto, ele fugiu.

Entretanto a mera interpretação não esgota o trabalho da sociologia compreensiva. Aquilo que Weber chama de interpretação causal ultrapassa o estabelecimento de conexões de sentido. Além disto é preciso que se encontre a eficácia, ou a probabilidade do comportamento com sentido, no caso, que se demonstre que os indivíduos que se encontram na situação descrita acima de fato fujam com determinada probabilidade.

Una interpretación causal correcta de una acción concreta significa: que el desarrollo externo y el motivo han sido conocidos de un modo certero y al mismo tiempo comprendidos con sentido en su conexión. Una interpretación causal correcta de una acción típica (tipo de acción comprensible) significa: que el acaecer considerado típico se ofrece con adecuación de sentido (en algún grado) y puede también ser comprobado como causalmente adecuado (en algún grado). Si falta la adecuación de sentido nos encontramos meramente ante una probabilidad estadística no susceptible de comprensión (o comprensible en forma incompleta); y esto aunque conozcamos la regularidad en el desarrollo del hecho (tanto exterior como psíquico) con el máximo de precisión y sea determinable cuantitativamente. Por otra parte, aun la más evidente adecuación de sentido sólo puede considerarse como una proposición causal correcta para el conocimiento sociológico en la medida en que se pruebe la existencia de una probabilidad (determinable de alguna manera) de que la acción concreta tomará de hecho, con determinable frecuencia o aproximación (por término medio o en el caso "puro"), la forma que fue considerada como adecuada por el sentido. Tan sólo aquellas regularidades estadísticas que corresponden al sentido mentado "comprensible" de una acción constituyen tipos de acción susceptibles de comprensión (en la significación aquí usada); es decir, son: "leyes sociológicas". Y constituyen tipos sociológicos del acontecer real tan sólo aquellas construcciones de una "conducta con sentido comprensible" de las que pueda observarse que suceden en la realidad con mayor o menor aproximación. Ahora bien, se está muy lejos de poder afirmar que paralelamente al grado inferible de la adecuación significativa crezca la probabilidad efectiva de la frecuencia del desarrollo que le corresponde. Sólo por la experiencia externa puede mostrarse que éste es el caso. Hay estadística sociológica sólo es, empero, la de los últimos (estadística criminal, de profesiones, de precios, de cultivos). Casos que incluyen ambas (estadísticas de cosechas, por ejemplo, son naturalmente frecuentes). (WEBER, 1997: 10)

Temos, portanto que além do estabelecimento das conexões de sentido, é necessária uma confirmação empírica da conduta efetiva que corresponda exteriormente à conexão de sentido construída pelo pesquisador. Nessa medida a sociologia não é, na visão de Weber, incapaz de alcançar explicações e descrições objetivas do acontecer social, é apenas uma ciência que ambiciona mais que as ciências da natureza. Não ambiciona apenas demonstrar regularidades nas condutas humanas, mas ainda demonstrar que tais regularidades estão associadas a determinados sentidos subjetivos destas ações e, assim, estabelecer uma regularidade da conduta externa, e uma da conduta externa com relação ao sentido subjetivo.

Metodologia

Para chegar à interpretação causal, Weber utiliza o chamado método tipológico. De fato, como reconhece o autor, a interpretação empática tem evidentes limitações, e a interpretação racional (consistente em deduções logicamente coerentes a partir de crenças, valores e objetivos) necessita de uma prévia construção dos valores e crenças que orientam a conduta dos agentes que se pretende estudar. Como Weber afasta do estudo da sociologia a descrição do "sentido objetivo", necessita criar um tipo ideal que forneça tais parâmetros para a conduta, a partir dos quais possa deduzir uma ação determinada e verificar sua probabilidade de ocorrência.

Weber é plenamente consciente de que esta construção racional não é imediatamente identificável com os motivos da ação, existindo motivos irracionais, que não podem ser captados por qualquer método dedutivo. Portanto, alerta o autor que o método tipológico, ao construir uma ação racionalmente coerente, traz à tona os motivos (conexões de sentido) irracionais na forma de desvios da ação puramente racional. Segundo ele:

La construcción de una acción rigurosamente racional con arreglo a fines sirve en estos casos a la sociología – en méritos de su evidente inteligibilidad y, en cuanto racional, de su univocidad – como un tipo (tipo ideal), mediante el cual comprender la acción real, influida por irracionalidades de toda especie (afectos, errores), como una desviación del desarrollo esperado de la acción racional. (WEBER, 1997: 7)

Da ação social à ordem legítima.

Cumpre mostrar o caminho percorrido por Weber para explicar fenômenos reconhecidamente sociais a partir da ação social. Parte-se do conceito de ação social, ou seja, uma ação dotada de significado subjetivo orientado para a conduta de outro ser humano. Quando se tem duas ações sociais cujos sentidos são orientados reciprocamente, tem-se uma "relação social".

Por "relación" social debe entenderse una conducta plural – de varios – que, por el sentido que encierra, se presenta como recíprocamente referida, orientándose por esa reciprocidad. La relación social consiste, pues, plena y exclusivamente, en la probabilidad de que se actuará socialmente en una forma (con sentido) indicable; siendo indiferente, por ahora, aquello en que la probabilidad descansa (WEBER, 1997:21)

Portanto a relação social não consiste na reciprocidade de sentido, mas na probabilidade empírica de comportamentos recíprocos por seu sentido. Considero este ponto muito importante para marcar a diferença entre a sociologia weberiana e o estudo do sentido "objetivo" de ações, relações e ordens sociais. Uma relação social, ademais, pode ser transitória ou permanente. Uma relação social qualquer é permanente se existir uma probabilidade de repetição. É o conceito de relação social permanente o que mais nos interessa aqui.

Una relación social puede tener un carácter enteramente transitorio o bien implicar permanencia, es decir, que exista en este caso la probabilidad de la repetición continuada de una conducta con el sentido de que se trate (es decir, la tenida como tal y, en consecuencia, esperada). La existencia de relaciones sociales consiste tan sólo en la presencia de esta "chance" – la mayor o menor probabilidad de que tenga lugar una acción de un sentido determinado y nada más -, lo que debe tenerse siempre en cuenta para evitar ideas falsas. Que una "amistad" o un "estado" existiera o exista, significa pura y exclusivamente: nosotros (observadores) juzgamos que existió o existe una probabilidad de que, sobre la base de una cierta actitud de hombres determinados, se actúe de cierta manera con arreglo a un sentido determinable en su término medio, y nada más que esto cabe decir. La alternativa inevitable en la consideración jurídica de que un determinado precepto jurídico tenga o no validez (en sentido jurídico), de que se dé o no una determinada relación jurídica, no rige en la consideración sociológica. (WEBER, 1997: 22)

Uma relação social, portanto, não pode ser definida pelo sentido objetivo que se lhe pode imputar, mas tão somente pela probabilidade de comportamento com sentido recíproco determinável em termos médios ou ideais típicos.

Weber elabora uma classificação das ações sociais permanentes, ou que se repetem no tempo. Têm-se, basicamente, três espécies: a situação de interesses, o costume e a convenção.

A situação de interesses tem como característica a inexistência de um sentido específico a ela. A ação social se dá com determinada regularidade unicamente em função da coincidência de interesses, ou por expectativas similares. Por certo que tais interesses podem consistir em um determinado sentido decorrente de uma outra relação social, mas este não é necessariamente o caso. Assim, pode acontecer que alguém, ao ver outro caçar, ajude-o a capturar o animal, e que tal comportamento se torne freqüente simplesmente pela expectativa de captura e usufruto comum do animal, sem qualquer reflexão no sentido de uma obrigação ou bondade do ato de ajudar. Geralmente o comportamento econômico é explicado nestes termos. Na medida em que todos os atores envolvidos conhecem os interesses uns dos outros, sem que vinculem à sua ação qualquer sentido, podem acabar cooperando pela mera confluência de expectativas.

O costume, se é que tem algum sentido, o tem simplesmente na duração imemorial da prática de determinado ato ou relação. Assim, por estar determinada relação já arraigada, continua sendo empreendida. Poderia ser o exemplo do fazendeiro que mantém uma horta ao lado de sua casa ao invés de comprar os produtos no supermercado, mesmo que esta última opção implique em custos e esforços menores, simplesmente porque tal sempre foi feito em sua família. Observe-se que se o mesmo fazendeiro realiza a mesma ação pensando em que os produtos por ele mesmo cultivados são mais "naturais", não se tem mais um costume, mas uma ação social com um sentido diverso da mera tradição. Poderia também ser o caso do católico não praticante que vai à missa todo domingo simplesmente porque sempre se foi à missa todo domingo.

O que distingue o mero costume da convenção é que esta última é considerada válida, ou seja, é observada em função de um sentido específico: a validade, o caráter obrigatório da mesma ordem (por "ordem" entenda-se o conteúdo de sentido da ação quando passível de objetivação em máximas).

Convención debe llamarse a la "costumbre" que, dentro de un círculo de hombres, se considera como válida y que está garantizada por la reprobación de la conducta discordante. (WEBER, 1997: 22)

Já o direito se diferencia da convenção pela existência de um quadro coercitivo, ou seja, trata-se de uma relação social permanente cujo sentido é a validade de uma determinada ordem, garantida por um quadro coercitivo.

Com um tal quadro conceitual, aqui meramente esboçado – vale a pena ressaltar –, Weber consegue empreender o estudo de fenômenos sociais reduzindo-os a ações individuais.


A Sociologia da Religião em Weber

A sociologia da religião de Max Weber está preocupada, em especial, com as influências que a religião pode ter sobre a economia. Mais precisamente, em como a religião influencia o comportamento dos indivíduos em algum sentido economicamente relevante. Para estabelecer tal conexão Weber procura: delimitar um conjunto de fenômenos que possam ser chamados de especificamente religiosos, estabelecer o que chama de "interpretação causal", ou seja, a conexão de sentido e a probabilidade de sua eficácia causal, mostrar o significado econômico das ações religiosas.

O primeiro passo é, portanto, a delimitação do que venha a ser a religião ou o que pode ser classificado como um fenômeno religioso.

O nascimento das religiões

Weber afirma (WEBER, 1997: 329) que os fenômenos e forças não cotidianas recebem dos seres humanos uma atenção especial. Segundo o autor:

A estas fuerzas no cotidianas es a las que, casi siempre, se las atribuyen esos nombres especiales como mana, orenda (en los iranianos), maga (de donde mágico) y que nosotros designaremos con el nombre de "carisma". El carisma puede ser – y sólo en este caso merece tal nombre con pleno sentido – un don que el objeto o la persona poseen por la naturaleza y que no puede alcanzarse con nada. O puede y debe crearse artificialmente en el objeto o en la persona mediante cualquier medio extraordinario. (WEBER, 1997: 329)

Tais forças e fenômenos extraordinários, por um processo de abstração e, digamos assim, racionalização, são transformados em, ou atribuídos a, seres supra-sensíveis, como espíritos e deuses.

Como resultado del proceso, observábamos de un lado el nacimiento del "alma"; de otro, el de los "dioses" y "demonios", poderes "sobrenaturales", por consiguiente. La ordenación de las relaciones de estos poderes con el hombre constituye el dominio de la acción "religiosa". (WEBER, 1997:330)

Tem-se, portanto, que o "domínio" específico da religião é o das relações entre os seres humanos e seres supra-sensíveis oriundos de, ou relacionados a, fenômenos extra-cotidianos, ou, na linguagem weberiana, carismáticos. Weber, porém, não está interessado, segundo ele, especificamente nesta "ordenação", mas nas ações que a tem por motivo. Isto fica claro na passagem que segue em que o autor procura esclarecer que sua preocupação é com as condições e efeitos de um determinado tipo de ação.

En general, no tratamos de la "esencia" de la religión, sino de las condiciones y efectos de un determinado tipo de acción comunitaria, cuya comprensión se puede lograr sólo partiendo de las vivencias, representaciones y fines subjetivos del individuo - esto es, a partir del "sentido" -, pues su curso externo es demasiado polimorfo. (WEBER, 1997: 328)

Assim, o fenômeno que concentra as atenções do sociólogo da religião é um determinado curso de ação empiricamente verificável, cujo sentido remete a uma ordenação da conduta de seres humanos perante seres supra-sensíveis relacionados a, ou oriundos de, experiências extracotidianas. Ou, melhor dizendo, é um determinado curso de ação humana, cujo sentido subjetivo faz referência a uma certa ordem com determinado conteúdo.

Conceito de Deus e Ética Racional

Um conceito de grande relevância para a religião e que surge em algum momento do processo acima mencionado é o conceito de Deus. Segundo Weber este conceito está relacionado intrinsecamente ao culto religioso e, de fato, segundo ele, o conceito surge em decorrência de fenômenos casuais e é mantido tão somente em virtude do culto.

Los "dioses" representan a menudo, y no sólo en sociedades poco diferenciadas, una desordenada trabazón de creaciones accidentales casualmente mantenidas por el culto. (…) Pero, por lo general, tan pronto como la reflexión sistemática sobre la práctica religiosa, por un lado, y por lo otro, la racionalización de la vida en general, con sus exigencias típicas creciente en cuanto a los servicios de los dioses, han alcanzado un cierto estadio, que en cada caso puede ser muy diferente, tenemos la formación del panteón", esto es, la especialización y rigurosa caracterización de determinadas figuras divinas por un lado, y por otro, su dotación con atributos fijos y alguna demarcación de sus "competencias" respectivas. Pero la reciente personificación antropomórfica de las figuras divinas no se identifica ni marcha paralela con la creciente demarcación y seguridad de sus competencias. A menudo ocurre lo contrario. (WEBER, 1997:334)

A relevância deste conceito está em que permite uma maior racionalização da religião. Um deus, de certa forma, tem um comportamento mais previsível que um simples espírito. A idéia de Deus implica uma abstração um tanto mais elevada, distanciado da vida cotidiana ou especializado em apenas um aspecto dela. Deuses geralmente estão menos afeitos às paixões humanas que os espíritos, são mais poderosos, e é mais difícil coagi-los. Enfim, a relação com deuses exige um trato mais familiar com o simbolismo que lhe seja próprio, uma certa especialização, em alguma medida, exige um sacerdócio.

Em se tratando da obra de Weber, é claro que se deve observar que há gradações e não uma divisão nítida e clara. Ainda é importante salientar que o politeísmo tem as características acima apresentadas menos desenvolvidas em virtude de que seus deuses estão ainda presos em maior grau à vida cotidiana e, portanto, ao controle dos indivíduos, controle este que pode ainda se dar por meios especificamente "mágicos".

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O monoteísmo religioso aponta para uma racionalização mais desenvolvida, uma vez que um deus distante e todo-poderoso faz surgir a necessidade de explicação de todo o cosmos de forma que não contradiga seus desígnios. O deus de Israel em especial, surgiu em meios a circunstâncias específicas e este fenômeno casual lhe deu características que tiveram grande impacto no desenvolvimento histórico posterior.

La formación del imperio mundial (o la nivelación social, que actúa del mismo modo) no ha sido el factor único, imprescindible de este desarrollo. Por lo menos, los preludios del monoteísmo universalista, la monolatría, los encontramos – y eso en el caso más importante desde el punto de vista de la historia de la religión, el culto a Jehová – como consecuencia de acontecimientos históricos muy concretos: la formación de una confederación. En este caso el universalismo es producto de la política internacional, cuyos intérpretes pragmáticos eran los profetas interesados en el culto y la moral de Jehová; con la consecuencia de que también los hechos de los pueblos extranjeros, que tan poderosamente afectaban a los intereses vitales de Israel, empezaran a considerarse como hechos de Jehová. (WEBER, 1997:342)

Um deus vinculado ao estado já implica uma certa universalização visto que necessariamente abrangerá em seu escopo de ação um número muito grande de acontecimentos. Um deus vinculado a um império universal, que pretenda dominar todos os indivíduos em qualquer lugar tem um caráter ainda mais geral, e se aproxima muito da idéia do monoteísmo. O caso de Jeová (IHWH), decorrente de um acaso histórico decorre não de um estado universal, mas de uma confederação. [4].

Jeová tinha ainda outra característica própria com muita relevância histórica: suas promessas. Este deus pode ser caracterizado por prometer a seu povo uma restauração da riqueza e poder e a subjugação dos demais povos a seu culto. Tais promessas implicam que tal deus tem poder de ação não apenas sobre o povo de Israel mas também sobre todos os povos que com ele têm contato, senão sobre todo o mundo. Com isto a seus sacerdotes surgiu a tarefa de explicar a história do povo como conduzida ou ao menos permitida por Jeová, e, portanto, atribuir um sentido a cada momento da história do povo de Israel.

É evidente que isto implica, em alguma medida, na sistematização da doutrina religiosa e no aumento do poder deste deus. Ora quanto mais poderoso é um deus, menos sujeito ele deve estar a ordens ou coerções humanas. O deus de Israel, na medida em que assume poder de controle sobre todos os povos, deixa de estar sujeito a influência mágica de seus fiéis.

Ora, se temos acima de nós um deus muito poderoso, que não está sujeito a qualquer coerção que lhe possamos impor, mas que detém, ao mesmo tempo, todo o destino de uma nação, a sorte das colheitas e da guerra e o domínio sobre praticamente todos os demais fenômenos relevantes para os seres humanos, resta-nos tão somente fazer-nos agradáveis a este deus, para que, a seus olhos merecedores, possamos ser recompensados.

Este é o raciocínio que Weber apresenta como a conexão de sentido que gera (ou que pode ter gerado, ou que pode gerar) o surgimento de uma ética religiosa

Se é necessário que se obedeça às vontades de um ser supra-sensível, também é necessário que se tenha com ele alguma espécie de relacionamento, que, pela qualidade já citada, só pode se dar por alguma espécie de mediação, seja a de um homem, seja a de um livro, ou outra qualquer. Isto garante a presença dos fatores que segundo o autor promovem a sistematização e racionalização da ética religiosa: o sacerdote, o leigo e o profeta.

Ahora bien: puede presentarse una sistematización de estas concepciones éticas que leve desde el deseo racional de asegurarse, mediante una conducta que sea agradable a los ojos del dios, ventajas personales externas, en cuyas manos cae el hombre, y el "bien" como una capacidad única de santa disposición y de una conducta total que se sigue de esa disposición, y la esperanza de salvación por la perspectiva irracional de llegar a ser "bueno" o por tener la conciencia beatificadota de serlo. (WEBER, 1997:355).

Não é necessário adentrar nos meandros das definições destes fatores do processo de racionalização. Admito simplesmente estar bastante claro que o sacerdote e o leigo enquanto especializações, por assim dizer, do trabalho religioso, garantem aos indivíduos envolvidos o interesse, o tempo e os recursos necessários para a sistematização e racionalização da religião e, por conseguinte, da conduta religiosa. Do profeta se diga o mesmo, ainda que talvez não seja possível admiti-lo imediatamente como fazendo parte desta mesma especialização, ele é, ao menos, alguém que busca construir, reconstruir ou reformar a ordem existente, dispondo, para tanto, necessariamente de tempo e recursos.

Sistematização e Racionalização religiosas.

Quando surge a atribuição de tarefas específicas para indivíduos específicos, estes podem dispor de tempo e recursos, além de adquirirem o interesse necessário, para sistematizar o corpo de conhecimento indispensável para a consecução de suas tarefas. Não é diferente com relação à religião.

Segundo Weber:

Estas tareas prácticas de predicación y cura de almas son las que principalmente mantuvieron en marcha la sistematización del trabajo casuístico de la clase sacerdotal a base de los preceptos éticos y verdades de fe, y la forzaron a tomar posición respecto a innumerables problemas concretos, los que no estaban decididos en la revelación. El sermón y la cura de almas son también los que llevan a cabo la cotidianización concreta de las exigencias proféticas con preceptos casuistas y, por lo tanto, más racionales (respecto a la ética de los profetas) y, por otra parte, acarrearon la pérdida de aquella unidad interna que el profeta había dado a la ética: el derivar todo el deber de una relación específica, "plena de sentido", con su dios, tal como él mismo la mantiene, y en virtud de la cual no se preguntaba por la apariencia externa de la acción particular, sino por su significación respecto a la relación total con Dios. La práctica sacerdotal necesita de los preceptos positivos, y por eso suele posponerse insensiblemente el sentir ético de la religiosidad. (WEBER, 1997: 375) (5)

É na pregação e na "cura de almas" (nome tomado de empréstimo ao cristianismo para significar o aconselhamento pessoal e a confissão) que estes personagens têm os meios mais adequados para construir uma casuística racional e sistematizar a ordem religiosa.

É óbvio que esta sistematização atende não apenas preceitos de coerência lógica mas também as necessidades materiais, pelo menos, dos leigos. Por vezes, é claro, a ordem religiosa se choca com o comportamento economicamente racional, mas não pode fazê-lo sempre, isto em função dos mesmos motivos pelos quais não pode proibir terminantemente toda e qualquer alimentação, vestuário ou relação sexual. Talvez não seja adequado afirmar que não o possa fazê-lo, mas antes que fazê-lo implica na destruição dos seres humanos que crêem e se comportam de acordo com a ordem e, portanto, destruição da própria ordem. [6]

O Problema da Teodicéia

A sistematização e racionalização da religião trazem um problema fundamental em seu bojo. Muito conhecido entre teólogos, o problema da Teodicéia ganha, no pensamento weberiano, uma relevância histórica muito importante. De fato, ele é no pensamento do autor uma importante etapa no caminho que leva da ação religiosa ao comportamento econômico propriamente capitalista e racionalmente orientado com relação a fins.

O problema da Teodicéia consiste em explicar como e porque um deus bom e poderoso cria, ou permite que haja, um mundo mal. É evidente que este problema apenas se coloca para religiões monoteístas. Afinal, se há vários deuses, o mal pode ser decorrência da vontade de algum deus maldoso ou de desentendimentos ou outros revezes ocorridos entre os deuses bons.

Weber afirma que "en el fondo son rigurosamente ‘monoteístas’ sólo el judaísmo y el Islam" (WEBER, 1997:412) a pesar de que posteriormente admite o carácter monoteísta do protestantismo. Isto se deve à idéia weberiana de que há sempre gradações entre os diferentes tipos sociais, e o monoteísmo, sendo um tipo de religião, também comporta diferentes graus. Permito-me aqui fazer uma digressão sobre o assunto pois, como veremos, me parece que este ponto é especialmente problemático, não com relação ao objeto de estudo, mas à metodologia weberiana.

Tipos ideais e sentido objetivo

Quando Weber admite apenas o Islamismo e o Judaísmo como religiões monoteístas está, explicitamente, indo contra o que dizem as próprias "religiões", ou melhor, os atores envolvidos, a respeito de si mesmas. Em especial contra o catolicismo, que Weber considera que tem nos santos espécies de semideuses. Esta afirmação dificilmente seria contestada por qualquer teólogo católico na medida em que se referisse ao catolicismo popular, de onde, aparentemente com razão, Weber aponta poderem ter os santos sua origem. No entanto, o problema da teodicéia foi provavelmente o mais discutido e um dos mais complexos da teologia católica, o que de fato não faz qualquer sentido se esta não for uma religião monoteísta.

A rigor, nem mesmo o catolicismo popular pode ser considerado politeísta. Os santos não são deuses, são santos. Qual é a razão para que se lhes iguale ou aproxime? Os santos devem obediência a um deus em especial, diferentemente do panteão grego ou romano, em que não havia hierarquia necessária entre os deuses. Ainda mais, os santos sequer são capazes de ir contra a vontade e o poder de deus, decorrem todos seus poderes deste mesmo deus, sua vontade é completamente submissa e servem, tão somente, de intermediários. São espécies de sacerdotes extra-sensíveis, passíveis de coerção como todo sacerdote, mas não identificáveis com a idéia de deus. Não faz qualquer sentido a classificação do cristianismo como religião não monoteísta, ao menos não no que toca ao problema da teodicéia.

Mas esta classificação é importante para Weber porque o autor reconhece na prática do catolicismo popular e mesmo do catolicismo oficial, comportamentos que classifica como mágicos. Ora, a magia é diferenciada, em Weber, da religião por elementos de falta de racionalidade (o que só pode ser feito adotando como "racionalidade" a adequação de meios a fins causal e empiricamente reconhecidos). Esta falta de racionalidade, quando atribui sentido ao mundo e surge de expressões singulares da experiência concreta de indivíduos, é valorada positivamente por Weber, já quando é mero resultado de práticas estabelecidas, tradicionais e, por que não dizer, supersticiosas, valorada negativamente.

Assim, é importante reconhecer o caráter pouco monoteísta do catolicismo porque o catolicismo é identificado a uma religião, digamos, não tão racional, quanto o protestantismo, ao qual se reserva, dentre as religiões cristãs, a designação de monoteísta.

Parece-me, portanto, que o chamado método tipológico, ou de construção de tipos ideais, abre ampla margem para inserção de valores do próprio pesquisador, que pode afirmar, como no exemplo, que o cristianismo não é monoteísta ainda que todo cristão diga que o é, pode afirmar que a teodicéia católica não é "racional" ou "sistemática", ainda que os teólogos sejam capazes de decorrer toda ela de premissas estabelecidas, por meio de simples silogismos lógicos.

O conhecimento criado pelos teólogos acerca da religião ou pelos juristas acerca do direito, é, normalmente, chamado, juntamente com os preceitos positivos, dogmas, códigos, etc, de "sentido objetivo" da ordem em questão. Weber, explicitamente se distancia deste sentido em benefício do "sentido subjetivo", empiricamente pensado pelos agentes. No entanto, como este sentido é inacessível ao pesquisador, constrói tipos ideais de conexões de sentido e imputa aos agentes. A construção destes tipos ideais não obedece aos mesmos critérios da construção do sentido objetivo, quais sejam, os critérios da coerência lógica. Obedece antes a critérios de importância reconhecidos subjetivamente pelo pesquisador.

Assim, tipos ideais são construções arbitrárias, úteis para a comparação, mas que não guardam necessariamente qualquer coerência lógica interna. Assim, o catolicismo de weber é mágico e não monoteísta, mas desenvolve uma teodicéia, que, em função daqueles elementos, não é tão coerente e sistemática. Mas, afinal, para que uma religião mágica e não monoteísta precisa de uma teodicéia? Se os santos podem ser considerados semideuses, então também podem ser os responsáveis pela maldade, também ela parcial, do mundo. Assim também os demônios. Se os santos são semideuses, por que os gênios islâmicos não o são? Por que não o são os anjos protestantes? Por que não os patriarcas e profetas judaicos? Não o são, basicamente, porque não se lhe fazem pedidos e não se lhes criam imagens. Ora também o calvinista rigoroso não dirige a deus petições e nem lhe constrói imagens, donde o calvinismo não teria qualquer deus.

Nota-se que Weber detinha profundo conhecimento do cristianismo. Faz freqüentes menções a trechos bíblicos, cita os "padres" da igreja primitiva, os reformadores, etc, mas não se deu ao trabalho de sistematizar a ordem religiosa, não se deu ao trabalho de construir um sentido objetivo, ou seja, um sentido rigorosamente lógico, para servir à sua comparação. Aceitou antes simplesmente utilizar seus conhecimentos e aquilo que considerava, subjetivamente, importante.

Salvação e Renascimento

A explicação da maldade do mundo pode ser feita de várias maneiras. Há uma maneira conciliável até mesmo com uma crença de certa forma atéia da constituição do mundo: o renascimento. A maldade do mundo pode ser mera decorrência necessária da merecida punição em que as pessoas incorreram, sejam por atos desta vida ou de uma vida anterior. Ainda mais, o renascimento explica as misérias e sofrimentos daqueles que se comportam "bem" nesta vida, oferecendo-lhes possíveis recompensas no futuro. Assim também o sucesso dos "maus" por seu futuro sofrimento.

Tem-se, portanto, uma ordem normativa impessoal, que opera automaticamente, sem que seja necessária influência de qualquer agente, seja ele humano ou não humano.

Esta explicação dispensa o concurso de um deus, poderoso ou não. Entretanto, não é a única explicação existente. O problema da teodicéia pode ser resolvido por meio da idéia de "salvação". Assim, a maldade do mundo não é decorrente, por algum motivo que tem de ser esclarecido (e o é de diferentes modos), da vontade de deus, ou o é por um motivo especial. Pode ser que o mundo seja uma espécie de prova, de teste, ou que alguém ou alguma coisa tenha tentado frustrar os planos de deus, gerando a maldade, ou que o próprio homem tenha rejeitado as benesses de deus, devendo experimentar o mal, e assim por diante.

Existe, no entanto, alguma forma de escapar aos males do mundo. Em uma religião em que deus é todo-poderoso e inacessível às coações humanas, a salvação tem de ser oferecida por ele, e não conquistada pelos seres humanos. Note-se que isto não decorre de nada além de coerência lógica [7]: Se deus é todo poderoso, não precisa dos homens, nem há nada que estes lhe possam dar, nem há quaisquer meios de que se possam valer para convencer-lhe. Daí que só serão salvos se ele quiser.

Os modos de se alcançar a salvação, ou seja, o livramento dos males deste mundo ou do outro, têm poder causal sobre a conduta concreta dos seres humanos, segundo Weber. Diz o autor:

La esperanza de salvación tiene las más amplias consecuencias para el estilo de vida cuando la salvación proyecta ya de antemano en este mundo su sombra o transcurre como acontecimiento interior dentro de este mundo. Por consiguiente, cuando vale como "santificación" o la provoca o la tiene como condición previa. El proceso de la santificación puede aparecer entonces como un proceso paulatino de purificación o como un súbito cambio del modo de sentir (metanoia), como un "renacimiento". (WEBER, 1997: 419)

Quer isto dizer que os seres humanos alteram seu "modo de vida" em função de determinada crença religiosa. E ainda que isto ocorre com maior intensidade e freqüência quando esta crença religiosa impõe certa conduta como necessária para a "santificação" que consiste em um "tornar-se salvo" ainda neste mundo, ou como reflexo de uma salvação futura já garantida ou determinada de uma forma ou de outra.

Caminhos de Salvação

De acordo com Weber:

La influencia de una religión sobre la vida práctica y sobre todo los supuestos previos del renacimiento varían mucho según el camino de salvación y – lo que guarda la más estrecha relación con ello – según la cualidad psíquica de la salvación que quiere alcanzarse. (WEBER, 1997: 420)

Tem-se, portanto, como necessária a compreensão dos diferentes "caminhos de salvação" para a compreensão dos "modos de vida" dos seres humanos. Por "caminho de salvação" deve-se entender o conjunto de atitudes, crenças e decisões que um indivíduo deve tomar durante sua vida para que atinja (ou se certifique) em algum momento a salvação. Isto é, trata-se de um corpo de regras que ele deve seguir como meio para atingir um determinado objetivo.

Importante notar que o caminho de salvação não necessariamente coincide com as normas de conduta estabelecidas pela religião, mas sim com um conjunto de comportamentos que, diante destas normas e das crenças que compõe a religião, permitem ao indivíduo alcançar a salvação. Há uma diferença significativa entre estas duas idéias.

Não tratarei aqui, em função de meu notório desconhecimento, de todos os caminhos de salvação que Weber apresenta em seu texto. No entanto, é importante que tomemos dois como exemplos, que são, aliás, muito significativos. Aquele que decorre do protestantismo, ou ao menos do protestantismo calvinista, e o que decorre do Catolicismo.

Weber assumiu praticamente como um pressuposto que os seres humanos alteram sua conduta em função da esperança de salvação, oferecida pela religião. Admitiu ainda que tal se dá com intensidade variável em função dos diferentes "caminhos de salvação" que podem ser reconhecidos em cada religião. Ora, se é assim, como explicar que o catolicismo, que tem, como Weber mesmo o coloca, na conduta humana a causa da conquista ou perda da salvação, tenha, segundo o mesmo autor, menor influência, ou ao menos uma influência em sentido diverso, sobre a conduta dos homens?

Este problema Weber o soluciona de forma simples e clara. Ocorre que no catolicismo contam-se dois dogmas que suavizam em demasia a exigência da conduta regrada e metódica, tal como exigida por sua ética de salvação. O primeiro é o dogma segundo o qual o sacramento realiza o que fala, e o segundo é o dogma da comunhão dos santos.

De acordo com o catolicismo, deus confere poderes a determinados seres humanos a fim de que atuem em seu nome e, ainda que tais seres humanos não sejam dignos de tal honra, e jamais o serão, deus age por seus atos e palavras. Existem determinados atos que, para segurança da salvação de seus fiéis, deus determinou que fossem feitos e, quando feitos, infalivelmente produziriam o resultado esperado. Tais são os sacramentos, dentre os quais se contam o batismo, a extrema unção e a confissão ou penitência, que têm o poder de perdoar os pecados. Por "pecados" entenda-se o descumprimento de preceitos da ética de salvação católica.

Desta forma, o indivíduo tem à sua disposição um poderoso alívio que o, por assim dizer, libera do cumprimento estrito daquilo que seriam suas obrigações religiosas. Caso venha a cair em pecado, pode se reerguer facilmente e com segurança, donde o risco emocional de agir de forma desregrada e irracional não é tão grande.

Outro dogma importante que alivia a necessidade de seguir estritamente a ética de salvação católica é o dogma da comunhão dos santos. De acordo com o catolicismo, após o homem separar-se de deus pelo pecado, um único modo foi estabelecido para que retorne à graça divina, qual seja, a participação no corpo de cristo, que é a comunidade dos cristãos que comem e bebem deste corpo. Ao participar de tal corpo todo homem forma uma espécie de "comunismo de amor" como Weber o coloca, ou melhor, os méritos e deméritos de cada um implicam em graça ou desgraça também para os demais.

Dito de forma clara, aquilo que sobra em boas obras em um é redistribuído misticamente para aqueles que carecem de tal graça, a fim de que também possam atingir a salvação. Isto ocorre, segundo o catolicismo, em virtude de fazerem todos parte de um mesmo corpo.

É bastante claro o nexo que estes dogmas guardam com a estrutura hierárquica da igreja católica. Nem todos os homens são dotados do poder de absolver pecados por meio da confissão, mas apenas alguns que estão colocados, de certa maneira, acima dos demais. Assim também, não é a todos os homens que é dado percorrer ilesos o caminho da salvação, mas apenas a alguns, que vivem desde já a vida celeste que um dia todos viverão.

Com um corpo de crenças como este, o caminho para se obter a salvação não passa, necessariamente, por uma vida regrada, mas sim por um mínimo de cumprimento e obediência, que se restringem, na prática, à recepção de determinados sacramentos, a saber, o batismo necessariamente (daí ser oferecido às crianças antes que tenham a oportunidade de se perderem) e a extrema unção, como garantia.

Estas crenças são incompatíveis com o protestantismo já por sua estrutura pouco hierarquizada. Quem confessaria quem? Que garantia alguém poderia ter do perdão divino? Quem faz e quem não faz parte de um corpo místico que não se pode ver e não deixa sinais neste mundo?

A ênfase que o protestantismo dá à salvação pela fé é bastante mais adequada. De fato, é muito mais fácil para um indivíduo estar certo de que crê do que de que deus o perdoou por suas faltas. Ele sabe em que crê e em que não crê, mas não tem acesso ao pensamento e vontade de deus.

Weber transcreve em outra obra um trecho da "confissão de Westminster" para caracterizar o Calvinismo:

Capítulo IX (da livre vontade), nº3. O homem, pela sua queda em um estado de pecado, perdeu completamente toda capacidade de desejar qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação Por causa disto, o homem natural, sendo adverso a esse Bem e, ao mesmo tempo, estando morto no pecado, não é capaz, por suas próprias forças, de convencer-se ou de se preparar para isto.

Capítulo III (da Eterna Fidelidade de Deus), nº3. Por decreto de Deus, para manifestação de sua glória, alguns homens e anjos são predestinados à vida eterna e outros são predestinados à morte eterna.

Nº 5 – Aqueles do gênero humano que estão predestinados à vida, foram escolhidos para a glória com Cristo por Deus, antes de efetuada a criação do mundo, segundo sua finalidade eterna e imutável, e secreta deliberação e arbítrio de sua vontade, por manifestação de sua livre graça e amor, sem qualquer previsão de fé ou boas obras, ou de perseverança em ambas, ou qualquer outra coisa, e tudo para louvor de sua gloriosa graça.

Nº 7 – Foi do agrado de Deus que, de acordo com o insondável desígnio de Sua própria vontade, pela qual Ele distribui ou nega mercês, como lhe apraz, para a glória de Seu soberano poder sobre as suas criaturas, dispensar o resto da humanidade, condená-la à desonra e à ira por seu pecado, para louvor de Sua gloriosa justiça.

Capítulo X (da vocação eficaz) nº 1 – É do agrado de Deus, efetivamente chamar (para fora daquele estado de pecado e de morte no qual estão por natureza), na época por Ele apontada e desejada, todos aqueles, e somente aqueles, que predestinou à vida, por Sua palavra e espírito. .. tomando-lhes seu coração de pedra e dando-lhes um coração de carne; renovando suas vontades e, por Seu supremo poder, determinando-os para aquilo que é bom.

Capítulo V – (da Providência) nº 6 – Para aqueles homens maus e sem Deus, a quem Ele, como juiz imparcial, cegou e endureceu por antigos pecados, Deus não só negou Sua graça pela qual teriam sido iluminados em seu entendimento e dilatados em seu coração, como também às vezes retirou os dons que tinham e os expôs a objetos que sua corrupção transformou em ocasiões de pecado, e, além disso, abandonou-os à própria luxúria, às tentações do mundo e ao poder de Satanás, pelo que eles endureceram mesmo por aqueles meios que Deus usa para o abrandamento dos outros (WEBER, 2000: 68-69)

Weber afirma que estas crenças decorrem do rigor lógico do pensamento de Calvino, que volta sua reflexão não para o homem, mas para deus. Deus não existe para os homens, mas estes é que existem para deus. A justiça dos homens é imperfeita e cega, a justiça de deus é perfeita. Daí a rejeição de qualquer consideração humanista a amenizar o rigor do decretum horribile.

Ora, se não há nada que o homem possa fazer que implique em sua desgraça ou salvação, como tal doutrina afeta o comportamento humano? Weber observa, em primeiro lugar, que o calvinismo elimina todos os meios de "descarga psicológica", ou seja, todos os meios pelos quais o indivíduo podia aliviar a tensão emocional decorrente da incerteza ou incapacidade de obter a salvação. Não há mais sacramentos, não há mais reencarnação, não há mais perdão, senão para os eleitos. Em segundo lugar, o trabalho pastoral calvinista, que lidava diretamente com os fiéis, os mais interessados nos meios "mágicos" de salvação (afinal, é muito mais fácil ao pastor julgar-se eleito) formulou certas máximas para a conduta que seriam capazes não de obter a salvação, mas de comprovar a eleição.

Ocorre que os eleitos o foram para a honra e glória do próprio deus, donde se deve reconhecer que em alguma medida devem ser capazes de honrá-lo e glorificá-lo também na terra por sua fé e conduta. Assim, afirma o autor:

Na medida em que a predestinação não foi interpretada, suavizada ou fundamentalmente abandonada apareceram dois tipos principais, mutuamente relacionados, de recomendações pastorais. Por um lado, manteve-se como um dever absoluto, de cada um considerar-se escolhido e de combater todas as dúvidas e tentações do demônio, já que a falta de autoconfiança era o resultado da falta de fé, portanto, de graça imperfeita. A exortação ao apóstolo de fortalecimento da própria vocação é aqui interpretada como um dever de obter certeza da própria dedicação e justificação na luta diária pela vida. Em vez dos humildes pecadores, a quem Lutero prometia a graça se a Deus se confiassem em fé penitente, foram produzidos estes santos autoconfiantes, que podemos redescobrir nos rijos mercados puritanos da era heróica do capitalismo, e, em exemplos isolados, até o presente. Por outro lado, a fim de alcançar aquela autoconfiança, uma intensa atividade profissional era recomendada, como o meio mais adequado. Ela, e apenas ele, afugenta as dúvidas religiosas e dá a certeza da graça. (WEBER, 2000: 77)

A um protestante que tivesse estas crenças não restaria lutar ou almejar pela salvação, mas apenas certificar-se de que já a possuía em virtude de uma livre eleição divina. Para certificar-se disto há um remédio duplamente eficaz: o trabalho. O trabalho quando interpretado como atendimento ao chamamento divino ao exercício de um determinado papel demonstra que o indivíduo é capaz de atender os desejos de deus e, ao mesmo tempo, ocupa sua mente, evitando que se perca em pensamentos perigosos acerca da predestinação e, portanto, a mantém de certa forma imune aos intentos satânicos.

Este pseudocaminho de salvação, já que é antes, um caminho de ciência da salvação, é mais eficaz que o caminho católico para obter o comportamento eticamente adequado. Torna a vida mais regrada e séria por não admitir qualquer espécie de desvio. Um indivíduo católico que busque obedecer aos preceitos divinos mas ceda repetidamente às tentações pode defender-se no confessionário alegando sinceridade e boa vontade. Já o protestante que apesar dos seus esforços não logra manter uma vida firmemente regrada apenas demonstra, com isto, que está privado da graça divina.

Rejeição do Mundo

É uma peculiaridade destas e, segundo Weber, de praticamente todas, éticas de salvação, o fato de que trazem consigo uma "rejeição do mundo". O "mundo", como nota Weber, é um termo joanino que se refere à vida presente, ao mundo sensível, é marcado pelo pecado e é um lugar de perdição.

Para o católico, o "mundo" é mal e corrupto e pode corromper o homem. O ser humano deve manter um comportamento determinado, pelo qual será recompensado, caso contrário, será punido. O mundo oferece ocasiões de pecado, que se apresentam de forma tentadora porque agradam à carne, ou seja, aos sentidos e gozos imediatos, terrenos, pré-morte.

O catolicismo conhece poucas "vocações", que podem ser resumidas em apenas duas: a vocação intramundana e a vocação extramundana. Aquele que é chamado por deus a viver uma vida intramundana não tem de se preocupar em demasia com o cumprimento rigoroso da ética católica, já que os sacramentos e as graças obtidas por aqueles que são chamados a uma vida extramundana lhe aproveitarão para a salvação. A rigor, pode-se dizer que há apenas uma vocação, aquela extramundana. Aqueles que têm "vocação para o matrimônio" são simplesmente os que não são vocacionados para a vida extramundana.

Já aquele que deus chama para uma vida "santa", que quer dizer "separada", extramundana, vê na fuga do mundo o meio mais adequado para cumprir sua missão. É bastante comum que o "vocacionado" católico afirme que não vai ao convento ou mosteiro ou seminário porque tem a força de vontade necessária para abster-se do pecado, mas sim porque conhece a fraqueza da carne e entende que apenas ali, afastado do mundo, poderá viver sua vocação.

De fato, o corpo de crenças do catolicismo autoriza a visão de que a vida regrada e inteiramente concorde com os preceitos divinos é uma espécie de privilégio absolutamente inacessível ao comum dos homens, e seria impossível ou muito difícil de ser levada no "mundo".

Novamente, esta idéia é inviável dentro do protestantismo. Aqui não há privilégios. Todos os homens, sem exceção, são chamados por deus. A obrigação de buscar a santidade cabe a todos. São todos vocacionados para uma vida santa. Seria inviável economicamente uma crença que levasse toda a população para mosteiros ou para a mendicância. A saída do protestantismo foi interpretar o chamado divino como um chamado para uma atuação no mundo em uma determinada função. O protestante tem em seu ofício sua forma própria de cumprir os preceitos de deus, de amar o irmão e de contribuir para o incremento da glória divina.

Isto constitui aquilo que Weber chama de "rejeição intramundana do mundo". Temos aqui a exigência de um comportamento racionalmente regrado e rigidamente cumprido dentro da vida cotidiana. A limitação dos prazeres, a dedicação ao trabalho, aos estudos e à família, os hábitos frugais são o modo de cumprir a vontade de deus. Toda a construção metódica de vida que conheciam os monges católicos, o protestante a cumpre com rigor sem se ausentar da participação na vida social, econômica e, por vezes, política.

O protestante tinha um único objetivo, para o qual buscava os meios mais adequados racionalmente: aumentar a glória divina. O capitalismo consiste na utilização dos mesmos meios com um objetivo diverso: aumentar o capital. Existe, portanto, para Weber, uma adequação de sentido que une a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Tal conexão de sentido tem relevância causal em especial nas colônias britânicas que deram origem aos Estados Unidos.

Tomarei esta descrição da sociologia da religião weberiana, que reconheço ser bastante sintética e em certos pontos grosseira, como referência para as críticas a que este trabalho se dedica.

Passo, portanto, à descrição das críticas kelsenianas à sociologia do direito e à demonstração de como e porque se aplicam da mesma forma à sociologia weberiana da religião.

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Sobre o autor
Nelson do Vale Oliveira

sociólogo, mestrando em sociologia pela Universidade de Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Nelson Vale. Religião e Estado.: Críticas da Teoria Pura à Sociologia Compreensiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 508, 27 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5983. Acesso em: 19 abr. 2024.

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