Introdução
Observa-se, a imensa confusão quanto ao ato de determinar se uma empresa que fornece seus serviços, mediante um contrato específico, considera-se ou não como concessão de mão de obra para fins de retenção de 11% (referente ao INSS) sobre a folha de pagamento de seus funcionários.
Evidencia-se que para uma melhor elucidação do caso em tela, o objeto do contrato se mostra mais que fundamental, mas sim, mister, para a definição da prestação específica, principalmente quando se trata de serviços prestados na seara da saúde, tema objeto do presente artigo.
Da Legislação Pertinente
A Lei n. 9.711/98, alterando a redação do art. 31 da Lei n. 8.212/91, juntamente com o art. 219, §2º, XXIV do Decreto n. 3.048/99, passou a determinar a retenção de 11% sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços pelo contratante da empresa cedente da mão de obra:
“Art. 31. A empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão de obra, inclusive em regime de trabalho temporário, devera reter 11% (onze por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher, em nome da empresa cedente da mão de obra, a importância retida ate o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura, ou ate o dia útil imediatamente anterior se não houver expediente bancário naquele dia, observado o disposto no § 52 do art. 33 desta Lei.
(...)
§ 3° Para os fins desta Lei, entende-se como cessão de mão-de-obra a colocação a disposição do contratante, em suas dependências ou nas de terceiros, de segurados que realizem serviços contínuos, relacionados ou não com a atividade- fim da empresa, quaisquer que sejam a natureza e a forma de contratação.
§ 4° Enquadram-se na situação prevista no paragrafo anterior, além de outros estabelecidos em regulamento, os seguintes serviços:
I - limpeza, conservação e zeladoria;
II - vigilância e segurança;
III - empreitada de mão-de-obra;
IV - contratação de trabalho temporário;
Art. 219. A empresa contratante de serviços executados mediante cessão ou empreitada de mão-de-obra, inclusive em regime de trabalho temporário, deverá reter onze por cento do valor bruto da nota fiscal, fatura ou recibo de prestação de serviços e recolher a importância retida em nome da empresa contratada, observado o disposto no § 5º do art. 216.
§ 2º Enquadram-se na situação prevista no caput os seguintes serviços realizados mediante cessão de mão-de-obra:
XXIV - saúde;
Como se verifica, a Lei n. 9.711/98, através da alteração da redação do art. 31 da Lei n. 8.212/91, passou a definir que, na prestação de determinados serviços mediante cessão de mão de obra, o contratante passasse a realizar a retenção de 11% sobre o total da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços emitida pelo contratado, relativa à antecipação da contribuição previdenciária. Esse recolhimento antecipado será, posteriormente, objeto de compensação pelo prestador de serviços com o montante a ser recolhido a titulo de contribuição previdenciária incidente sobre sua folha de salários.
Tanto o art. 31 da Lei n. 8.212/91, em seu § 3º, quanto o art. 219 do Regulamento da Previdência Social (Decreto n. 3.048/99), em seu § 1º, dispõem acerca do conceito de cessão de mão de obra para fins de retenção:
“(...) entende-se como cessão de mão-de-obra a colocação a disposição do contratante, em suas dependências ou nas de terceiros, de segurados que realizem serviços contínuos, relacionados ou não com a atividade fim da empresa, independentemente da natureza e da forma de contratação (...)”.
Como se observa, a prestação de serviços mediante cessão de mão de obra exige a presença de dois requisitos, a saber:
1. Que o contratado coloque a disposição do contratante, ou seja, o contratante dirigirá e se responsabilizará pela prestação do serviço, e;
2. Que os serviços realizados sejam contínuos, ou seja, aqueles que o contratante necessita permanentemente.
Nesse contexto, mesmo que se trate de atividade descrita no §4° do art. 31 da Lei n° 8.212/91, é indispensável à presença do elemento nuclear da hipótese de incidência da regra (cessão de mão de obra), visto que não há, em toda e qualquer prestação de serviços, a efetiva cessão de mão de obra, conforme reiterados precedentes do TRF-4:
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LIQUIDO E CERTO. TRIBUTARY. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA. RETENÇAO DE 11% SOBRE NOTA FISCAL OU FATURA DE PRESTAÇAO DE SERVIÇOS. SUBSTITUIÇAO TRIBUTARIA. LEGALIDADE. EMPREITADA DE MAO DE OBRA. AUSENCIA DE CESSAO DE MAO DE OBRA. ART. 31 DA LEI N° 8.212/1991, COM REDAÇAO DA LEI N° 9.711/98. (...) 4. Para que as atividades exercidas pelas empresas prestadoras de serviços se enquadrem na hipótese do § 4o, III, do art. 31 da Lei n° 8.212/91, e necessária a presença do elemento nuclear do suporte fático da norma, visto que não existe, em toda e qualquer empreitada de mão de obra, a efetiva cessão de mão de obra. (...). (TRF4, AC 5000448-38.2012.404.7203, Primeira Turma, Relator p/Acordão Joel llan Paciornik, juntado aos autos em 20/11/2014)
Assim, a regra tem como alvo aquelas situações nas quais o contratado coloca seus empregados a disposição do contratante, para que utilize a mão de obra de acordo com seus parâmetros, como bem apontado pelo Des. Jorge Antonio Maurique, no julgamento da apelagao n° 5003622-59-2015.4.04.7200/SC
(...) Portanto, somente se encontram sob o âmbito de incidência dessa lei aqueles típicos contratos de cessão de mão-de-obra, e não todo e qualquer contrato de prestação de serviços. Assim deve ser entendido o § 4° do mesmo artigo, que arrola exemplificativamente os serviços que se enquadram no conceito de "cessão de mão-de-obra". Esses serviços só podem ser considerados incluídos no conceito de cessão de mão-de-obra se, e na medida em que, preencherem seus requisitos. Por exemplo: um contrato de vigilância e segurança e qualificado como de cessão de mão-de-obra na medida em que sua execução se faça colocando seguranças ou vigilantes a disposição do contratante, em suas dependências ou nas dependências de terceiros (elemento pessoal-finalístico do contrato). Não se poderia considerar como cessão de mão-de-obra, porem, um contrato em que a vigilância fosse feita por meios eletrônicos, sob controle de uma central situada nas instalações da firma prestadora dos serviços. Tal atividade escaparia ao conceito de cessão de mão-de-obra contido no já transcrito § 3o, já que não haveria segurados postos a disposição da firma tomadora dos serviços, em suas dependências ou nas de terceiros. Igualmente ocorrera com a empreitada de mão-de-obra, que só poderá receber o tratamento previsto naquela lei se encobrir verdadeira cessão de mão-de-obra. (TRF4, APELREEX 5003622-59.2015.404.7200, Primeira Turma, Relator p/ Acordão Jorge Antonio Maurique, juntado aos autos em 24/09/2015).
Em que pese à cessão de mão de obra seja comum nos serviços de saúde, no caso da autora a referida cessão de mão de obra não ocorre.
Em primeiro lugar, porque o serviço de especialidades médicas não se equipara ao serviço de saúde ordinariamente contratados, como a contratação de clínicos gerais, que ficam a disposição do contratante.
Destaque-se ainda que, mesmo estando o serviço de saúde no rol do Regulamento da Previdência Social (Decreto n. 3.048/99), o mesmo, só pode incorrer em retenção dos 11% na modalidade cessão de mão-de-obra, o que no caso concreto é uma empreitada, não estando fundamentada a retenção sobre as notas fiscais da requerente.
Da definição dos Conceitos (cessão de mão de obra e empreitada) para a aplicação da norma
Ademais, ressalta-se que a própria consulta, que fundamenta esse pedido, define, para que se torne indubitável, o conceito de empreitada, observando que, o mesmo, é um contrato com base na execução do serviço, sendo cobrada sua prestação diretamente a empresa, e não aos funcionários da contratada, conforme art. 116 da IN 971/09:
Art. 116. Empreitada é a execução, contratualmente estabelecida, de tarefa, de obra ou de serviço, por preço ajustado, com ou sem fornecimento de material ou uso de equipamentos, que podem ou não ser utilizados, realizada nas dependências da empresa contratante, nas de terceiros ou nas da empresa contratada, tendo como objeto um resultado pretendido.
Inexistindo a cessão de mão de obra, deve ser afastada a obrigação de retenção, conforme amplamente reconhecido pelo Poder Judiciário:
EMENTA: CONTRIBUIÇAO PREVIDENCIÁRIA. ART. 31 DA LEI 8.212/91. CESSAO DE MAO DE OBRA. Retenção. INEXISTENCIA. 1. As alterações realizadas no artigo3l da Lei n° 8.212, de 1991, pela Lei n° 9.711, de 1998, introduziram sistemática de recolhimento dos tributos mediante substituição, estabelecendo a responsabilidade tributaria pessoal da empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão-de-obra (tomadora). 2. Se os prestadores do serviço não estão submetidos ao poder do comando da contratada, não se pode falar em cessão de mão-de-obra, pois falta o elemento essencial que a caracteriza: a subordinação dos empregados a cessionária. 3. O fato gerador da obrigação tributaria de reter as contribuições sociais e a prestação de serviços de colocação de segurados a disposição de um tomador de serviços para trabalho continuo (cessão de mão-de-obra), e não a prestação deste trabalho pela própria empresa contratada. (TRF4, APELREEX 5080847-13.2014.404.7000, Segunda Turma, Relator p/ Acordão Otavio Roberto Pamplona, juntado aos autos em 06/11/2015)
EMENTA: TRIBUTARIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA. CARACTERIZARÃO DA RELAÇÃO EMPREGATICIA. RETENÇÃO DE 11% SOBRE NOTA FISCAL OU FATURA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ART. 31 DA LEI N° 8.212/1991. (...) 3. A retenção de 11% do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços constitui forma antecipada de recolhimento da contribuição previdenciária incidente sobre a folha de salários, que já prevê a compensação ou restituição, quando o valor retido for maior que o devido, não acarretando a transmutação da base de calculo ou alíquota, ou mesmo a criação de nova contribuição social. 4. A retenção a título de contribuições sobre a folha de pagamento pressupõe a relação empregatícia da prestadora relativamente aqueles cuja mão-de-obra e cedida. 5. Não restando caracterizada a cessão de mão-de-obra, indevida a contribuição tributaria. (TRF4, APELREEX 5027167-21.2011.404.7000, Primeira Turma, Relator p/ Acordão Jorge Antonio Maurique, juntado aos autos em 02/05/2014).
EMENTA: TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. RETENÇÃO DE 11% SOBRE NOTA FISCAL OU FATURA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ARTIGO 31 DA LEI Nº 8.212/91. CESSÃO DE MÃO DE OBRA NÃO CARACTERIZADA. O fato gerador da obrigação tributária de reter 11% sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, prevista no artigo 31 da Lei nº 8.212/91, é a colocação de segurados à disposição de um tomador de serviços para trabalho contínuo (cessão de mão de obra), e não a prestação de um serviço específico pela própria empresa contratada.
Nessa mesma sorte, temos o entendimento do E. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A FOLHA DE SALÁRIOS. RETENÇÃO DE 11% SOBRE FATURAS (LEI 9.711/88). EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇO. NATUREZA DAS ATIVIDADES. CESSÃO DE MÃO-DE-OBRA NÃO CARACTERIZADA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1. A ausência de debate, na instância recorrida, dos dispositivos legais cuja violação se alega no recurso especial atrai a incidência da Súmula 282 do STF. 2. Para efeitos do art. 31 da Lei 8.212/91, considera-se cessão de mão-de-obra a colocação de empregados à disposição do contratante (submetidos ao poder de comando desse), para execução das atividades no estabelecimento do tomador de serviços ou de terceiros. 3. Não há, assim, cessão de mão-deobra ao Município na atividade de limpeza e coleta de lixo em via pública, realizada pela própria empresa contratada, que, inclusive, fornece os equipamentos para tanto necessários. 4.
Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. (REsp 488027 / SC, Primeira Turma, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, DJ 14/06/2004 p. 163)
TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A FOLHA DE
SALÁRIOS. RETENÇÃO DE 11% SOBRE FATURAS (LEI 9.711/88). EMPRESAS
PRESTADORAS DE SERVIÇO. NATUREZA DAS ATIVIDADES. CESSÃO DE MÃODE-OBRA NÃO CARACTERIZADA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.1. Não se configura a cessão de mão-de-obra se ausentes os requisitos de colocação de empregados à disposição do contratante, submetidos ao poder de comando deste (art. 31, § 3º, da Lei 8.212/91). Precedente: EDcl no AgRg no REsp 584.890, Relator Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, D.J. de 28.02.2005.2. Recurso especial a que se nega provimento. (STJ, REsp 758.992. Relator Ministro Teori Albino Zavascki, publicado em 22.08.2005).
Dessa forma, demonstrada a ilegalidade da exigência de retenção sobre prestação de serviços que não configurem mera cessão de mão de obra, não resta alternativa senão o reconhecimento da inexigibilidade da retenção as atividades.
Conclusão
Conclui-se, portanto, que os serviços de saúde, vistos que se encontram na modalidade empreitada, não podem, definitivamente, serem alvos da incidência normativa da retenção dos 11% sobre a folha de pagamento de seus funcionários.
Em que pese os funcionários, que prestam o serviço de saúde, estejam no local de serviço da contratante dos serviços, o poder de controle, de fato, encontre-se ainda sob os domínios da contratante, uma vez que, o objeto do contrato deve estar previsto que a sua finalidade é, exclusivamente a execução do trabalho, e não a disponibilidade dos colaboradores.
Desta forma, sem mais, deve-se ater sempre aos conceitos supra expostos, para se chegar a definição mais inequívoca para a retenção de tais valores.
Referencias
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8212cons.htm> Acessado em: 12/07/2017.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm> Acessado em: 12/07/2017.
Disponível em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=15937>
Acessado em: 12/07/2017.