Capa da publicação Litigantes habituais, uso patológico do Judiciário e ineficácia das reformas processuais
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A ineficácia das reformas processuais diante do uso patológico do Poder Judiciário pelos chamados “litigantes habituais”

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23/08/2017 às 09:22
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7. Conclusão

O objetivo do presente artigo foi instigar o debate sobre a crise persistente do Poder Judiciário, alertando, inclusive mediante análise de dados estatísticos e dos relatórios da “Justiça em Números” do Conselho Nacional de Justiça, que as modificações da legislação processual imbuídas do intuito de conferir maior celeridade à prestação jurisdicional não constituíram, ao longo da história, remédio adequado à solução dos problemas vivenciados pelo Sistema de Justiça no Brasil. 

Os números apresentados demonstraram, por exemplo, que a técnica de pinçamento de recursos para julgamento de questões repetitivas (como é o caso do recurso especial representativo de controvérsia e do recurso extraordinário com repercussão geral) não acarretou a diminuição de processos nas Cortes Superiores. Ao contrário, os dados destacados demonstraram o enorme congestionamento dos tribunais superiores responsáveis pela definição das teses jurídicas. 

Ou seja, as ondas de reformas processuais, principalmente após a Constituição de 1988, e os Pactos Republicanos por uma Justiça mais célere não trouxeram reflexos concretos para a celeridade e melhoria da qualidade da prestação jurisdicional e, principalmente, não contribuíram para a efetiva diminuição da litigiosidade de massa, em que pese terem representado profunda modificação no direito processual, inclusive com a promulgação da recente Lei 13.105, de 16 de março de 2015, que instituiu o novo Código de Processo Civil. 

O enorme arcabouço legislativo visa apenas passar à sociedade a falsa impressão de que as medidas já foram tomadas pelos entes competentes e de que os problemas serão resolvidos.

É certo, porém, que, antes mesmo do CPC/2015, o Brasil já poderia orgulhar-se de ter uma das mais completas e avançadas legislações em matéria processual civil, inclusive de proteção de interesses supra individuais, de modo que, se ainda é insatisfatória e morosa a tutela dos direitos dos cidadãos, certamente não é a carência de instrumentos processuais que responde por isso. 

É de se ver que o Poder Judiciário e as recentes alterações legislativas trabalham apenas com as consequências do não cumprimento dos direitos, mas dificilmente com as causas, para as quais, em grande medida, haveria a necessidade de políticas públicas mais idôneas promovidas pelo Poder Executivo, em todas as suas esferas na federação, além de medidas concretas e efetivas para prevenir o uso patológico do Sistema de Justiça.  

Nessa toada, não é possível falar-se em diminuição da litigiosidade e em celeridade da prestação jurisdicional sem que se resolva, com prioridade, o problema gravíssimo da litigância habitual patológica no Brasil. 

Os números confirmam, e isso se repetirá ao longo dos anos, que um enorme percentual dos processos em tramitação possui como parte processual alguns poucos sujeitos, entre os quais se destacam os entes públicos, as instituições financeiras e as pessoas privadas prestadoras de serviços públicos. 

A figura do litigante habitual adquire em razão disso enorme relevância para o diagnóstico e o combate à litigiosidade repetitiva. Não se vislumbra, contudo, conforme se destacou, uma maior preocupação com a atuação abusiva do referido agente, que permite a pulverização de demandas de idêntica natureza mesmo diante de posicionamentos contrários já firmados pelos tribunais.

As evidências demonstram que é melhor para os grandes litigantes, sob a ótica financeira, manter sua postura e práticas adotadas extrajudicialmente do que adequá-las aos posicionamentos dos tribunais. Haveria por trás uma lógica econômica perversa que justificaria a conduta dos litigantes habituais, sejam eles agentes privados ou públicos, de insistirem na utilização do Poder Judiciário, retroalimentando a litigiosidade. 

As novas legislações e técnicas de julgamentos com a edição de precedentes, inspiradas inclusive no common law, não combatem diretamente a litigância habitual patológica no Brasil. As medidas de punição são tímidas e praticamente inoperantes, sobretudo em relação aos entes públicos considerados os maiores litigantes. 

Assim, mais do que a publicação de novas leis e a criação de novas técnicas de julgamento seria necessário estabelecer um diálogo institucional aberto e constante entre o Poder Judiciário e os demais poderes da Republica para se modificar a cultura do litígio, de maneira que principalmente o Poder Público – considerado o maior litigante – comece a adotar uma postura coerente com a intenção manifestada de melhoria do Sistema de Justiça. Uma postura de respeito aos posicionamentos firmados pela Justiça, alterando-se as práticas administrativas consideradas ilegais não só em favor daqueles que obtiveram êxito no processo, mas também em favor de todos os administrados na mesma situação, o que, de fato, reduziria a litigiosidade. 


8. Referências: 

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Sobre o autor
Daniel Carneiro Machado

Juiz Federal da 21ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais. Doutor em Direito Processual pela UFMG (2016) e Mestre em Direito Processual pela PUC Minas (2004). Professor titular do curso de graduação em direito do Centro Universitário Newton Paiva, em Belo Horizonte, além de professor de cursos de pós-graduação e preparação para concursos públicos na área jurídica. Ex-Advogado da União e ex-Procurador da Fazenda Nacional em Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Daniel Carneiro. A ineficácia das reformas processuais diante do uso patológico do Poder Judiciário pelos chamados “litigantes habituais”. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5166, 23 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59960. Acesso em: 5 nov. 2024.

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