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Contrato de depósito

01/08/1999 às 00:00
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INTRODUÇÃO

O objetivo maior deste trabalho é o estudo da legislação acerca do depósito legal, fundada no art. 1283 do CC, que vem colocando o depositário, independentemente de sua vontade, em situações de perigo de prisão civil por dívidas, alargando a hipótese excepcional prevista na Carta Política. Neste estudo será analisada especificamente a figura do depositário infiel de valores pertencentes à Fazenda Pública, introduzida pela Lei nº 8.866/94.


DEFINIÇÃO

O contrato de depósito pela própria natureza é uma estipulação intuitu personae, porque fundada nas qualidades pessoais do depositário, como a honradez e estrita probidade conforme assevera Washington de Barros Monteiro(1) com apoio em Cunha Gonçalves.

Consoante disposto no art. 265 do CC, o depósito é um contrato em que uma das partes (depositário) recebendo de outra (depositante) uma coisa móvel, se obriga a guardá-la, temporariamente, para restituí-la no momento aprazado, ou quando for reclamada pelo depositante. A gratuidade é uma característica deste contrato, porém, a estipulação de uma gratificação a favor do depositário, como permitida pelo parágrafo único do citado art. 265, não o desnatura. Mas o depositante é obrigado a pagar ao depositário as despesas feitas com a coisa depositada, bem como ressarci-lo dos eventuais prejuízos oriundos do depósito (art. 1.278), sob pena de retenção da coisa depositada (art. 1.279).


CARACTERÍSTICAS

São características do depósito segundo o Código Civil Brasileiro: a) a entrega da coisa pelo depositante ao depositário; b) a natureza móvel do bem depositado; c) a entrega da coisa para o fim de ser guardada; d) a restituição da coisa quando reclamada pelo depositante; e) a temporariedade e gratuidade do depósito.

A exigência da entrega da coisa ao depositário pelo depositante confere ao depósito a natureza de contrato real. A tradição da coisa depositada é indispensável ao aperfeiçoamento do contrato salvo, evidentemente, quando a coisa já estiver em poder do depositário, isto é, se a tradição, por uma razão ou outra houver ocorrido anteriormente à celebração do contrato. A natureza móvel da coisa depositada é da essência do contrato, embora doutrinadores estrangeiros admitam o depósito de imóveis.

No contrato de depósito a guarda da coisa é essencial. A custodia rei intervém no contrato como fim primacial e nunca em caráter subsidiário como ocorre, por exemplo, no mandato, no comodato, na locação etc. Em todas essas hipóteses a guarda da coisa simplesmente decorre de outro contrato perfeito e acabado que não o de depósito. No comodato, por exemplo, o comodatário recebe a coisa para uso seu e não para guardá-la, como acontece no depósito.

Restituição da coisa se constitui no elemento moral do contrato, cuja inobservância pode acarretar sanções civis e penais ao depositário.

Finalmente, a gratuidade integra esse contrato como decorre do parágrafo único ao art. 265 do CC.

Da exposição feita pode-se acrescentar, ainda, a infungibilidade da coisa móvel depositada como elemento essencial desse contrato. Realmente, se a guarda e conservação da coisa depositada, para oportuna restituição ao depositante, é elemento estrutural do contrato segue-se que os bens móveis fungíveis como dinheiro, cereais, vinhos etc. não se prestam a figurar como objetos do contrato de depósito. Aliás, o art. 1280 do CC remete às disposições acerca do mútuo em se tratando de depósito de coisas fungíveis.


ESPÉCIES DE DEPÓSITO

O depósito pode ser voluntário ou necessário. O voluntário está disciplinado nos artigos 1265 a 1281 do CC. Resulta da convenção das partes caracterizando-se como um contrato formal, por depender de prova por escrito. Trata-se de negócio fundado na confiança. O depósito necessário está disciplinado nos artigos 1282 a 1287 do CC podendo a sua existência ser provada por qualquer meio (parágrafo único do art. 1283). Independe da vontade das partes. Logo, não se trata de negócio fundado na confiança. Diz-se legal quando o depósito decorre de imposição legal (art. 1282, I) e miserável quando decorre de algumas calamidades como as exemplificadamente referidas no art. 1282, II do CC.


DEPÓSITO NECESSÁRIO

Interessa-nos neste estudo o exame do depósito que se faz no desempenho de obrigação legal (art. 1282, I do CC). Washington de Barros Monteiro enumera os casos de depósito legal incluindo as hipóteses dos artigos 603, parágrafo único, 793, 984, 1046, parágrafo único, 1276, todos do CC; do art. 17, parágrafo único do Decreto-lei nº 58/37; e do art. 17, parágrafo único do Decreto-lei nº 3079/38(2).

É claro que essas hipóteses legais são meramente exemplificativas, pois outros casos de depósito legal podem ser instituídos segundo prescreve o art. 1283 do CC. Frisa esse dispositivo que o depósito necessário decorrente de obrigação legal "reger-se-á pela disposição da respectiva lei, e, ao silêncio, ou deficiência dela, pelas concernentes ao depósito voluntário". Pergunta-se, o artigo estaria autorizando o legislador a instituir o depósito necessário sem observância das características fundamentais do depósito, como regulado no Código Civil? Essa questão é de suma importância não só porque o art. 1287 do CC sujeita o depositário infiel à pena de prisão, seja voluntário ou necessário o depósito, como também, porque a Constituição Federal limita a prisão civil por dívidas apenas aos casos de inadimplemento da pensão alimentícia e de depositário infiel (art. 5º, LXVII da CF).

Somente as duas hipóteses acima referidas foram recepcionadas pelo Texto Magno.


O EXAME DA LEI Nº 8.866/94

Feitas as considerações retro, examinemos o texto da Lei nº 8.866, de 11 de abril de 1994, fruto da conversão da MP nº 427/94, que dispõe sobre o depositário infiel de valor pertencente à Fazenda Pública. Transcrevamos o seu texto:

          "Art. 1º - É depositário da Fazenda Pública, observado o disposto nos arts. 1.282, I, e 1.283 do Código Civil, a pessoa a que a legislação tributária ou previdenciária imponha a obrigação de reter ou receber de terceiro, e recolher aos cofres públicos, impostos, taxas e contribuições, inclusive à Seguridade Social.

§ 1º - Aperfeiçoa-se o depósito na data da retenção ou recebimento do valor a que esteja obrigada a pessoa física ou jurídica.

§ 2º - É depositário infiel aquele que não entrega à Fazenda Pública o valor referido neste artigo, no termo e forma fixados na legislação tributária ou previdenciária.

Art. 2º - Constituem prova literal para se caracterizar a situação do depositário infiel, dentre outras:

I - a declaração feita pela pessoa física ou jurídica, do valor descontado ou recebido de terceiro, constante em folha de pagamento ou em qualquer outro documento fixado na legislação tributária ou previdenciária, e não recolhido aos cofres públicos;

II - o processo administrativo findo mediante o qual se tenha constituído crédito tributário ou previdenciário, decorrente de valor descontado ou recebido de terceiro e não recolhido aos cofres públicos;

III - a certidão do crédito tributário ou previdenciário decorrente dos valores descontados ou recebidos, inscritos na dívida ativa.

Art. 3º - Caracterizada a situação de depositário infiel, o Secretário da Receita Federal comunicará ao representante judicial da Fazenda Nacional para que ajuíze ação civil a fim de exigir o recolhimento do valor do imposto, taxa ou contribuição descontado, com os correspondentes acréscimos legais.

Parágrafo único - A comunicação de que trata este artigo, no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, caberá às autoridades definidas na legislação específica dessas unidades federadas, feita aos respectivos representantes judiciais competentes; no caso do Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS, a iniciativa caberá ao seu presidente, competindo ao representante judicial da autarquia a providência processual de que trata este artigo.

Art. 4º - Na petição inicial, instruída com a cópia autenticada, pela repartição, da prova literal do depósito de que trata o art. 2º , o representante judicial da Fazenda Nacional ou, conforme o caso, o representante judicial dos Estados, Distrito Federal ou do INSS requererá ao juízo a citação do depositário para, em dez dias:

I - recolher ou depositar a importância correspondente ao valor do imposto, taxa ou contribuição descontado ou recebido de terceiro, com os respectivos acréscimos legais;

II - contestar a ação.

§ 1º - Do pedido constará, ainda, a cominação da pena de prisão.

§ 2º - Não recolhida nem depositada a importância, nos termos deste artigo, o juiz, nos quinze dias seguintes à citação, decretará a prisão do depositário infiel, por período não superior a noventa dias.

§ 3º - A contestação deverá ser acompanhada do comprovante de depósito judicial do valor integral devido à Fazenda Pública, sob pena de o réu sofrer os efeitos da revelia.

§ 4º - Contestada a ação, observar-se-á o procedimento ordinário.

Art. 5º - O juiz poderá julgar antecipadamente a ação, se verificados os efeitos da revelia.

Art. 6º - Julgada procedente a ação, ordenará o juiz conversão do depósito judicial em renda ou, na sua falta, a expedição de mandado para entrega, em 24 horas, do valor exigido.

Art. 7º - Quando o depositário infiel for pessoa jurídica, a prisão referida no § 2º do art. 4º será decretada contra seus diretores, administradores, gerentes ou empregados que movimentem recursos financeiros isolada ou conjuntamente.

Parágrafo único - Tratando-se de empresa estrangeira, a prisão recairá sobre seus representantes, dirigentes e empregados no Brasil que revistam a condição mencionada neste artigo.

Art. 8º - Cessará a prisão com o recolhimento do valor exigido.

Art. 9º - Não se aplica ao depósito referido nesta Lei o art. 1.280 do Código Civil.

Art. 10 - Ficam convalidados os atos praticados com base na Medida Provisória nº 427, de 11 de fevereiro de 1994".

Como se vê, o art. 1º dessa lei considera como depositário da Fazenda Pública a pessoa a que a legislação tributária imponha a obrigação de reter ou receber de terceiro tributos, e recolher aos cofres públicos.

Apesar de determinar a observância dos artigos 1.282, I e 1283 do CC, na verdade, estabeleceu uma inovação no conceito de depósito. Nos termos da lei civil, só se caracteriza o depósito quando alguém recebe um bem infungível para guardá-lo, e restituí-lo na ocasião aprazada ou quando lhe for reclamado pelo depositante.

Ora, reter não é o mesmo que receber; e receber tributo de terceiro não é o mesmo que receber do depositante que, no caso, seria a Fazenda Pública; finalmente, tributo não é bem infungível. Exatamente porque o depósito de coisas fungíveis, como o dinheiro, caracteriza mútuo, e não depósito, a lei sob comento determinou a inaplicação do art. 1.280 do CC (art. 9º). Conforme a indigitada lei aperfeiçoa-se o depósito na data da retenção ou recebimento do tributo (§ 1º do art. 1º); será depositário infiel aquele que não entregar à Fazenda Pública o tributo retido ou recebido, no prazo e forma fixados na legislação tributária (§ 2º, do art. 1º). Caracterizada a situação de depositário infiel a Fazenda Pública poderá ajuizar ação civil requerendo que o depositário recolha ou deposite o valor do tributo retido ou recolhido, sob pena de prisão por período não superior a 90 dias, vedada a contestação sem o comprovante de depósito integral do valor reclamado (arts. 3º e 4º e seus parágrafos). Em se tratando de pessoa jurídica a prisão será decretada contra seus diretores, administradores, gerentes ou empregados que movimentem recursos financeiros, isolada ou conjuntamente (art. 7º).

Entendemos que é inconstitucional tal instrumento normativo por ofensa do art. 5º, LXVII da CF. Realmente, se a lei infraconstitucional pudesse equiparar situações diversas à figura do depósito de nada adiantaria a enumeração taxativa da carta Magna, que limita a prisão civil por dívidas a duas hipóteses. A Carta Política de 1988, ao expurgar de seu texto a expressão contida na Constituição Federal antecedente – na forma da lei – vedou ao legislador ordinário a possibilidade de estender os conceitos como fez essa indigitada lei. A faculdade contida no art. 1283 do CC não pode ser exercitada, pelo legislador tributário, de forma a desnaturar a definição civil de depósito, acolhida pela Magna Carta. Não é permitido ao legislador ordinário, por via indireta, alargar o conceito de infiel depositário, com o fito de dilatar a hipótese excepcional de prisão por dívidas, prevista na Constituição Federal. E mais ainda, certos conceitos universalmente aceitos, porque integrantes da Teoria Jurídica, não podem ser atingidos em seus elementos constitutivos ou em seus efeitos essenciais. Não se concebe, por exemplo, a compra e venda sem o seu elemento estrutural, que é o preço, ou sem o efeito que lhe é próprio, qual seja, a transmissão da propriedade do bem alienado.

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Igualmente, não foi recepcionado pela Carta Política de 1988 o Decreto-lei nº 911/69, que dispõe sobre alienação fiduciária, prescrevendo em seu art. 4º que "se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos autos, em ação de depósito".

Ora, se há efetiva transmissão da propriedade não cabe falar em guarda da coisa recebida para ulterior restituição, assim que reclamada. Permitir a conversão do pedido de busca e apreensão para o de depósito, como previsto no indigitado art. 4º, é o mesmo que, por meio de artifício legal, estender a prisão civil fora das hipóteses constitucionais. Absolutamente atípica, no caso, a condição de depositário infiel. O mesmo acontece naquela outra hipótese de mútuo com penhor mercantil. É regra elementar de hermenêutica de que normas restritivas de direito, como a que abre exceção ao princípio constitucional que veda a prisão civil por dívidas, deve ser interpretada restritivamente. De outro lado, deve interpretar-se de forma ampla as normas asseguradoras de direitos e garantias fundamentais. Por isso guarda perfeita sintonia com a nova ordem constitucional a jurisprudência que restringe a aplicação da pena de prisão civil às "hipóteses em que haja verdadeiro depósito, afastadas as situações a ele equiparadas pela legislação ordinária" (RT-696/193).

Outrossim, se o nosso País subscreveu o Pacto de São José da Costa Rica, que veda a prisão por dívidas, e que se acha em vigor entre nós desde novembro de 1992, não poderia abrigar em sua legislação interna uma lei em sentido contrário.

Por tais razões, o E. 1º TAC decidiu pela inconstitucionalidade da prisão do depositário infiel de que cuida o Decreto-lei nº 911/69 (RT 665/107). Em sentido contrário vem decidindo o Colendo STF conforme se depreende da ementa abaixo:

          "PRISÃO CIVIL – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – DEPOSITANTE INFIEL – CONSTITUCIONALIDADE – PACTO DE SÃO JOSÉ DE COSTA RICA – INAPLICABILIDADE.

Recurso extraordinário. Alienação fiduciária em garantia. Prisão civil. Esta Corte, por seu Plenário (HC 72.131), firmou o entendimento de que, em face da Carta Magna de 1988, persiste a constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel em se tratando de alienação fiduciária, bem como de que o Pacto de São José da Costa Rica, além de não poder contrapor-se à permissão do artigo 5º, LXVII, da mesma Constituição, não derrogou, por ser norma infraconstitucional geral, as normas infraconstitucionais especiais sobre prisão civil do depositário infiel" (Ac. un. da 1ª T. - RE 200.385-9-RS - Rel. Min. Moreira Alves, j. 02-12-97, DJU de 06-02-98, p. 38).

Da leitura da ementa supra é possível vislumbrar três teses sustentadas pelo Excelso Pretório Nacional: a) normas de tratados e convenções internacionais não podem se sobrepor aos textos constitucionais; b) essas normas de natureza internacional situam-se na mesma posição hierárquica das leis ordinárias; c) as normas supervenientes de caráter geral quer sejam de natureza interna, quer sejam de natureza internacional não revogam as normas infraconstitucionais de caráter especial, como as que cuidam da prisão civil do depositário infiel.

No que se refere especificamente à Lei nº 8.866, na ação direta de inconstitucionalidade movida pela Confederação Nacional da Indústria, apenas o Min. Marco Aurélio deferiu a liminar para suspender, até final decisão, a eficácia da lei guerreada. Por maioria de votos, a Corte Suprema limitou-se a suspender liminarmente os efeitos dos §§ 2º e 3º do art. 4º e das expressões "ou empregados" e "empregado" constantes no art. 7º e no seu parágrafo único, respectivamente (Adin nº 1055-7/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 13/6/97, p. 26.689).

Como se sabe, o Colendo STF vem sufragando a tese de paridade entre as normas de tratados e convenções internacionais e as da legislação ordinária. Logo, em matéria tributária, por exemplo, não teria sido recepcionado pela Carta Magna o art. 98 do CTN que assim dispõe:

          "Art. 98 – Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha".

Dessa forma, aplicar-se-ia o princípio de que a lei nova revoga a anterior em sentido oposto. Isso quer dizer que até mesmo uma Medida Provisória, ainda que provisoriamente, poderia neutralizar os efeitos de um tratado internacional. Nada impediria, por exemplo, que determinado presidente da República, oriundo da oposição, começasse a esvaziar o conteúdo do Tratado de Assunção, firmado sob a égide do governo anterior. Isso seria, de certa forma, permitir o desenvolvimento de uma ação contrária aos elevados objetivos de integração latino-americana previstos no parágrafo único do art. 4º da CF:

          "Parágrafo único – A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações".

Outrossim, esse posicionamento da alta Corte de Justiça do País cria empecilhos ao esforço nacional de desenvolvimento dentro de uma economia globalizada, onde as fronteiras geográficas praticamente desaparecem. A soberania não pode continuar sendo considerado como um dogma político abstrato, intangível. A imperiosidade de formação de blocos econômicos regionais e plurirregionais para a própria preservação do Estado como ente soberano, impõe a sua conceituação à luz das relações jurídicas multilaterais, livremente estabelecidas pelos Estados nacionais, que passam a sofrer naturais limitações no exercício da soberania, como resultado da superposição parcial de normas do Direito Comunitário, naquelas áreas abrangidas por Tratados e Convenções internacionais.

Enfim, parece ser imprescindível a revisão do posicionamento da Corte Suprema sobre o assunto, sob pena de provocar atritos permanentes com os países membros do Mercosul, do GATT, hoje OMC e demais potências estrangeiras com as quais o Brasil mantém tratados bilaterais.


CONCLUSÕES

1. O depósito é um contrato pelo qual uma das partes (depositário) recebe de outra (depositante) uma coisa móvel para guardá-la e restituí-la na ocasião aprazada ou quando o depositante a reclamar. Aperfeiçoa-se com a entrega da coisa.

2. Só pode ser objeto de depósito coisa móvel infungível. O depósito de dinheiro, na verdade, caracteriza contrato de mútuo.

3. Com o advento da Constituição Federal de 1988 não é mais possível ao legislador ordinário permitir acesso à ação especial de depósito, atribuindo a condição de depositário a quem verdadeiramente não é ou não pode ser, através de equiparação ou extensão de conceitos, porque essa faculdade foi retirada do texto constitucional vigente.

4. A faculdade conferida ao legislador pelo art. 1283 do CC, no que se refere ao depósito necessário, não pode implicar alteração dos elementos estruturais do depósito, com o fito de alargar o conceito de depositário infiel, uma das duas hipóteses excepcionais de prisão civil por dívidas, prevista na Carta Magna.

5. O art. 1º e parágrafos da Lei nº 8.866/94, que dispõem sobre depositário infiel de tributos retidos ou recebidos de terceiros, pertencentes à Fazenda Pública, extrapolam dos limites da faculdade contida no art. 1.283 do CC, recepcionado pela carta Magna, ofendendo o disposto no art. 5º, LXVII da CF.

6. Consequentemente, não poderá ser decretada prisão civil com fundamento na Lei nº 8.866/94, mesmo porque isso afrontaria o Pacto de São José da Costa Rica firmado pelo nosso País.

7. As normas provenientes de tratados e convenções internacionais devem pairar acima das normas ordinárias internas. Elas só figuram abaixo das normas constitucionais. As normas de tratados e convenções internacionais em confronto com os textos constitucionais devem ser declaradas inconstitucionais. No caso de inconstitucionalidades supervenientes deve ser denunciado o tratado segundo as normas do direito das gentes.


BIBLIOGRAFIA

HARADA, Kiyoshi – Direito financeiro e tributário. São Paulo: Atlas, 1998.

MONTEIRO, Washington de Barros – Curso de Direito Civil, vol. 5/. São Paulo: Saraiva, 1962.

RODRIGUES, Silvio – Direito Civil, vol. 3. São Paulo: Saravia, 1978.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Contrato de depósito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 34, 1 ago. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/600. Acesso em: 22 dez. 2024.

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