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Herodotus e os sofistas.

Uma fantasia sobre o saber, o ensino e a reprodução do conhecimento

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Erón, o Incansável

Erón era um herói bárbaro, cuja lenda atribuía as suas vitórias ao seu fôlego espantoso. Entre outras qualidades, eram atributos imbuídos pela sua paternidade, supostamente divina. No entanto, desprezando o que seria a sua origem, querendo atribuir a si próprio as suas vitórias, maldisse as divindades olímpicas. Por julgar não ser aconselhável que um deus desfizesse o trabalho de outro, Zeus tonante, para puni-lo, lhe atribuiu uma novidade: Erón era o Incansável porque o seu corpo não conhecia a dor, por obra do deus dos deuses, Erón transmudou-se em Insensível, porque não era capaz de sentir mais o prazer da carne. Porém, os desejos do herói não haviam se apagado, estavam latentes, apenas não podia saciá-los. Por isso, Erón, o Insensível, logo se transformou em Erón, o Insaciável.

A agonia deslocou a sua ambição, e Erón agora agia em função das suas vontades rápidas, seguindo eternamente Tique e Pluto. Incapaz de sentir a dor e o prazer, não era mais capaz de agir sobre si mesmo.


Erón e o Pássaro de Ouro

O Insaciável lutara guerras por toda a Grécia, colacionando fortuna em nome de diversos reinos. Como se nada bastasse, pensou em um ardil para comover os deuses. Havia um pássaro de penugem dourada que habitava não muito longe dali e era consagrado a Apolo. Pensou poder barganhar respostas com a captura do pássaro.

Chegando a cidade, arquitetou um estratagema para não ser surpreendido. Mesmo assim, à noite, no templo do deus sol, encontrou um velho a sua espera.


Adrastos, o Sábio

A presença de Erón havia sido em muito comentada por toda a cidade. O seu porte físico avantajado, queixo avançado e cabelos pretos claros já havia circulado por toda aquela região em forma de figuras comemorativas que um rei qualquer mandou fazer em honra das suas próprias vitórias militares. As intenções do ganancioso herói não eram claras e foi o velho Adrastos o único a pensar no Templo, ou ao menos, a querer impedi-lo.

- Ó Erón, o Incansável, sei do teu cruel destino. Quem vos fala é Adrastos, o deus sol sinalizou por sua ilustre visita.

O herói hesitou, o que valeu Adrastos a continuação:

- Erón, embora me falte a força para fazê-lo cumprir com a vontade dos deuses, é certo que o deus sol o impedirá. Lembrai-te bem da passagem do tripé dourado, e dos outros que também afrontaram o poderoso deus.

Adrastos era pequeno, sua coluna era curva e a sua barba branca era longa, o que parecia lhe inspirar grande sabedoria. Apesar disto, conseguiu intimidar Erón, que temia Apolo e o seu temperamento. Não era possível fugir do olhar deste deus, nem o próprio Hermes foi capaz de escapar a sua previsão, tão pouco era possível esquivar-se das suas flechas fulminantes, que já haviam matado Aquiles, e como os deuses não podiam morrer, Nice estaria sempre junto ao deus. Erón quase não usava palavras, por isso, não era possível conhecer exatamente o que o movia, senão pelos seus atos. E mesmo que usasse a sua voz, demonstraria o seu ser com algo que partilha dos outros e do mundo das coisas, que apesar de ser entendido e condicionado pelo seu ser, teria a forma das coisas e dos outros para que pudesse ser falado e entendido, coisas que não eram fruto do seu ser.

As pessoas daquela região não tinham mais o hábito de se comunicar pelo seu ser, e por isso, não era possível a eles conhecer os outros senão superficialmente, na observação das coisas que eles faziam e/ou que mandavam fazê-las. Adrastos tinha o dom de desvelar o ser das pessoas sem precisar ver o que elas faziam. Sabíamos que do ser não brotava a nobreza, e Erón era a personificação deste ser.


As Vontades de Erón

"Ele deve ser convencido pelos seus próprios desejos", pensou Adrastos, por isso, alertou Erón que a sua condição seria mais favorável se, ao invés de zangar os deuses, os exultasse. A princípio, Erón fez temer Adrastos pela sua vida, mas concordou, ao final.

Neste tempo, a conversa lhes fez descuidar o pássaro, que voou pela entrada aberta por Erón na parede. Adrastos previu nisto a ruína da cidade, e por isso deveriam recapturá-lo, mas, em verdade, a cidade dependia das peregrinações ao Templo.

O velho não era capaz de dizer se o ocorrido o era por vontade de Apolo ou pelo seu próprio desleixo. Preferiu a primeira hipótese, e lhe era muito mais útil que acreditasse na simples e pura providência divina... pelo menos foi por esta razão que Erón resolveu acompanhá-lo.


Adrastos e Erón no Monte Eudora

Seguiram ao norte, por onde acreditavam que o pássaro havia seguido. Era o costume dos pássaros que fugiam seguir naquela direção. Não foi necessário viajar muito, em pouco tempo chegaram a uma região na qual o sol brilhava de forma diferente. De qualquer maneira, era o momento de repor as forças.

Perceberam que não muito distante havia uma construção que se assemelhava ao templo de Apolo da cidade de Adrastos. Estava no monte que os locais chamavam de Eudora, lar e escola de sofistas. Enquanto descansavam, a curiosidade natural de Erón fê-lo perguntar aos nativos sobre o pomposo edifício.

Antigamente, havia sido o lar de filósofos. Como estes não queriam vender o edifício aos sofistas por um preço razoável, os últimos desafiaram os valores dos primeiros para um debate. Acordaram que o vencedor permaneceria no edifício. Liderados por Momo, e após vários dias de embate, os sofistas saíram vitoriosos. Não sabiam os antigos moradores que estes novos não desejavam a verdade senão como subterfúgio para as suas próprias vontades. O seu poder não estava nos interiores das paredes, onde a batalha era travada, pois, sendo julgados por homens escolhidos dentre o povo, era fácil convencê-los na medida das suas próprias ambições e vontades. A verdade se mostrou pouco atraente e assim foi repelida.

No monte Eudora, os novos donos ergueram paredes ainda mais altas, e no seu interior resplandeciam fogueiras que não eram dedicadas a Héstia, mas iluminavam os bustos dos sofistas, cuja escultura havia sido encomendada aos melhores artesões. Havia estatuas dos deuses, é verdade, mas estas eram mantidas apenas para que servissem de adornos, ou, para que ao seu lado se fizessem estátuas ainda maiores, representando os mestres que ali ensinavam. Na posição cômoda em que se colocavam, os sofistas não faziam as devidas oferendas. Por isso, e por muito mais, eram odiados pelos deuses.

Ainda orgulhosos da sua primeira vitória, há tempos os sofistas mantinham o desafio original, mas apenas para as visitas mais ilustres. Não se fazia como na "disputatio", como esta foi mais tarde cunhada pelos medievais, pois nesta discussão o fim era didático, enquanto os debates dos sofistas tinham outro propósito, serviam para render fama, e a fama rendia alunos, os alunos rendiam poder e o poder rendia a autoridade para vencer os debates.

Erón, o Insaciável, foi atingido por um desejo atroz de ter o Monte para si. Como a sabedoria de Adrastos lhe era útil, transformou o seu companheiro em escravo dos seus caprichos. Adrastos, que era incapaz de convencer Erón senão pela sua própria vontade, não conseguiu modificar os seus desígnios, senão fazê-lo zelar pela sua proteção, selando o acordo com um juramento pelo Egisto.

O sábio e o bruto se encaminharam para o monte Eudora. Em nome de Apolo, pediram entrada, pelo que não foram recebidos, estavam todos muito ocupados para receber sacerdotes. Como o sol demorava a descer, imaginou Adrastos que eram observados pelo deus sol, em seu carro solar. A medida que o dia escaldava, os sofistas abriram as portas para fazer ventilar, o que, aliás, era comum naquela hora do dia. Foi desta forma que os aventureiros fizeram a entrada.


Os Sofistas

A ingenuidade dos forasteiros divertiu Momo, que decidiu atendê-los pessoalmente. A arrogância deste homem não era clara, mas precisa. Quis logo impressionar os convivas, mas como o bruto não era capaz de compreender o seu diálogo, por estar centrado na sua própria consciência, e o sábio parecia acreditar mais no ser das coisas que em simples palavras, este logo se desinteressou pelos forasteiros.

Podíamos perceber que, a medida que o tempo passava, desde o desafio original, a falta de convicção dos sofistas fê-los proferir discursos cada vez menos rematados. A estranha confiança parecia provir dos fracos desafios a que eram submetidos, todos empunhados por homens de igual caráter, formados na mesma cátedra. E eram os sofistas os responsáveis pela formação de conselhos e soberanos. Os reflexos dos seus perniciosos ensinamentos se faziam sentir nitidamente.


Erón, o Indestrutível

Erón era desejoso de tomar o monte a força. Incapaz de entender razoavelmente o que Adrastos tentava lhe explicar, não ouvia aos seus gritos e as suas súplicas. Não que vivesse apenas na sua própria consciência, porque isso era impossível, pelo menos enquanto estivesse no domínio dos seus sentidos. As pessoas próximas podiam ouvir claramente os alertas de Adrastos: se tomassem pela força, pela força teriam que mantê-lo, e nada se mantém assim por muito tempo. Não que a força lhes fosse inútil, mas era necessário que a força fosse exercida de uma forma que pudesse reunir os outros.

Tomado por um ímpeto incontrolável, Erón tentaria tomá-lo mesmo assim, arrastando Adrastos pelo caminho, que também provavelmente não seria poupado. Uma última prece foi feita a Apolo.


O Nascimento de Herodotus

Conta a tradição que Apolo, compadecido pelos clamores de Adrastos, resolveu ajudar os convivas pela melhor forma que podia, unindo ambos sobre um mesmo corpo. Foi desta forma que nasceu Herodotus. Algumas fontes atribuem a este o nome de Sophronius, porque assim se fez representar perante Momo. Existem ainda alguns que negam completamente a saga deste novo herói e asseveram pela morte do sábio e do bruto, que ocorreu por ordem de Pankratios, o rei daquela cidade.


O Pássaro Dourado

A transformação não impediu o rumo, que continuava sendo em direção ao Templo. No caminho, avistaram uma série de pássaros dourados voando próximo aos habitantes daquela cidade. Era próprio de Erón perguntar, mas desta vez não houve perguntas. Herodotus se conteve. Parecia estranho porque, se antes ambos se interessavam pelo pássaro, Herodotus não demonstrava grande interesse. Aliás, a sua aparência era diferente do que poderia se supor da união do sábio e do bruto, para um homem novo, já nascera velho, com barba branca, o seu porte ainda lembrava o de Erón, se não fosse pela curvatura de Adrastos.


O Saber e o Poder dos Sofistas

A população que cercava a comunidade não chegava a apreciar o que ocorria no monte Eudora. Para muitos o templo representava uma distração para os mais afortunados, e eram incapazes de entender que naquele monte se ensinava principalmente a arte de confundir pelas palavras, ou, também, de pensar a partir destas. Os discípulos sofistas aprendiam a fazer relações complicadas, quando lhes era proveitoso, e a simplificá-las, quando o contrário não convinha. No entanto, estes mesmos não pareciam compreender as razões que os levavam a tanto, acreditavam que a complicação não era destes, mas dos assuntos que exigiam mais ou menos. Muitas vezes enxergavam aquilo como um rito que deveria se cumprir para se dizer certas coisas, ou uma pompa que tornavam corretas as idéias que assim se pronunciavam.

Mas se as idéias eram de fato complicadas, ao mesmo tempo, nenhum trabalho se despendia em ensinar ou informar estes assuntos nos lugares dedicados aos mais humildes ou menos instruídos, pois lá deveriam aprender algo que fosse proveitoso para os seus ofícios, e que, de alguma forma, na verdade, não eram. A obrigação do cidadão de conhecer os costumes da sua cidade era praticada em poucos lugares, e na terra dos sofistas, os soberanos faziam questão de fazê-las esquecê-las. Sabíamos de cidades mais antigas que cantavam as suas leis, no entanto, isto foi se tornando impossível a medida que se multiplicavam os livros que se dedicavam ao assunto.

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Por vezes, as vozes dos sofistas eram adocicadas como o néctar servido aos deuses. Alguns deles pareciam se aproximar do povo, exaltando o que clamavam ser igualdade e harmonia. No entanto, estes falsos sábios apenas eram desejosos do poder que as palavras podiam lhe dar, e quando soavam mais justos, era porque queriam o poder mais próximo, mais intenso, conquistando-o junto ao povo.

Não obstante, a aliança entre os poderosos, e em especial Pankratios, o rei daquela cidade, e os sofistas dava aos fortes o que era necessário para o governo, e aos sofistas, voláteis como a água, os cargos e posições de destaque que tanto apreciavam.

Ao final, eram aos sofistas que o povo era obrigado a recorrer para se fazer ouvir nos Conselhos, porque Pankratios proibiu o povo que falasse. Como ainda eram capazes de falar, e o poder do soberano não alcançava tanto, este se recusava a ouvir o povo diretamente. Para o Conselho, estes não possuíam o dom da dom da palavra, o que não era verdade, já que o "dom" da palavra apenas não lhes era ensinado. Era assim que o soberano, que se apoiava sobre o povo, não dava as condições para que o povo falasse, ao contrário, limitava as palavras dos queixosos através dos sofistas. Outros, que falavam mais ao povo de uma forma mais próxima, não buscavam ajudá-los diretamente. Julgavam-se muito nobres, e a sua nobreza exigia que fizessem o bem apenas em pomposos cargos, ou, pelo menos, sobre determinadas condições que dificilmente sucediam. No meio tempo, tratavam de engordar. Percebemos que não era à toa que os mestres sofistas estavam quase todos acima do peso.

Por sua vez, se as palavras dos sofistas pareciam dizer algo, deveríamos procurar entendê-los pelos seus próprios atos. Os sofistas ensinavam como pensar em algo e fazer diferente, assim como o de idolatrar vários deuses, que, no entanto, não poderiam ser postos lado a lado. Talvez houvesse, fora deste Templo, e em outros lugares, outros homens que, apesar da palavra, pudessem dizer outras coisas, mas certamente não eram ouvidos, porque as pessoas pareciam não conhecê-las.

As aulas eram ministradas mais em favor dos sofistas que dos seus alunos. Não parecia ser o objetivo dos primeiros dar os instrumentos para que os segundos pudessem cogitar as palavras dos seus mestres, ao contrário, mesmo quando pareciam criticar, entregavam aos seus discípulos fórmulas prontas, que deveriam copiosamente utilizar se desejavam melhor sorte dentro da Escola. Por certo, poderiam até admitir um outro algo, desde que os seus alicerces estivessem nas longas listas de observações que estes escreviam e vendiam. Os seus discípulos que, por algum motivo, não se formavam nesta arte de repetir fórmulas, eram incapazes de fazer qualquer outra coisa, e se conseguiam inovar, o eram de forma bastante tosca, freqüentemente recorrendo ao que pensavam os sofistas de outras cidades. Era compreensível, porque não eram iniciados no longo caminho que levava a conhecer as coisas através de outras.

Os sofistas geralmente dominavam os recursos da palavra e os outros recursos que, por sua vez, não usavam letras. Quando falavam, pareciam cantar e dançar! Freqüentemente, criavam resistência no seu próprio público, para que pudessem desmembrá-los em um suplício verbal, que logo servia de exemplo a quem quisesse se opor.


Os Jogos de Hermes

Herodotus foi ao monte desafiar os sofistas. Os seus motivos não eram certos, mas provavelmente seria por obra de Erón. O bruto sábio fez-se representar por um ilustre rei, na figura de Sophronius, pois apenas os ilustres podiam ser recebidos para um debate. Não os sábios, mas os ilustres, porque os sábios não faziam espetáculo e era o desejo de Momo impressionar os soberanos de outros países, e com isso aumentar o seu poder.

Momo já estava acostumado àquelas rivalidades, por isto simplificou o processo, que um dia consistia em dias de debates, para agora finalizar com quatro perguntas. Afinal, ele mesmo era um senhor de idade e não era mais afeito a longas disputas, ou melhor, nas más línguas, longas disputas não prendiam o olhar do público.

O processo era simples. O primeiro inquirido deveria escolher dois campos do saber, entre os muitos: dialética, gramática, aritmética, geometria, retórica, astrologia, mitologia, harmonia, medicina e leis. Após, o inquiridor deveria formular uma pergunta que envolvesse ambos. A resposta se seguia pela refutação, que era seguida pela réplica da negação, que deveria por sua vez ser treplicada, e finalmente, o inquirido deveria formular uma conclusão.

Enfim, era um processo de sofistas, já que o opositor nunca poderia concordar com o oponente. E em potência, estes diálogos permitiam qualquer coisa, portanto, nem sempre o seu desenlace servia para explicar a pergunta que o causava. Não raramente os debatedores não percebiam as suas contradições e faziam bonecos de palha de si mesmos. Era uma demonstração de erudição, e o trânsito entre os temas era um recurso freqüente para confundir o público, e assim, convencê-lo.

Para julgar os argumentos, formou-se um corpo de jurados, composto por alguns habitantes locais. Segundo contava a tradição popular, eram livres para decidir, desde que o fizessem em favor dos sofistas. Era este tipo de processo obscuro que garantia vitórias obscuras a Momo e aos seus aliados.


Sobre a Justiça dos Sofistas

Para a primeira pergunta, Herodotus a lei e a dialética. Momo formulou a seguinte pergunta:

- As leis não devem ser injustas?

Respondeu, por sua vez, Herodotus, que se passava por Sophronius:

- Certamente que não.

Momo iniciou então a sua réplica:

- Se as leis devem respeitar a justiça, e cada homem pensa conforme a sua formação e liberdade, não seria conveniente pensar que existem várias justiças? É possível que, sobre os olhos de uns, todas as leis pudessem ser justas, e sobre os olhos de um outro, nenhuma delas o fosse? É possível que uma lei garanta a ordem, e mesmo assim, seja considerada injusta por uma das justiças, sabendo que ela atende por diversos nomes? A lei deve atender as necessidades de um povo, mas nem sempre pode garantir a sua felicidade. Mesmo assim, deve prevalecer, seja considerada justa ou injusta, porque as primeiras vontades de um povo os levam a sua própria mazela. Da mesma forma, mesmo que o soberano seja considerado bom ou mal, não é a sua bondade ou a sua maldade que irão produzir boas ou más obras.

- Se as palavras que usamos tem significados diferentes, conforme a nossa formação e liberdade, não seria coerente que falássemos as coisas sem sermos entendidos? Se em alguns casos existem palavras que podemos escolher o significado, não é certo que para outras possa não haver dúvidas quando as usamos de determinada forma? E se as leis dizem sobre questões em que não se pesa a justiça, não estaria a lei agindo de forma injusta, limitando os homens além do necessário? Os homens podem viver e se relacionar de diferentes formas, mas se alguma delas é favorecida, não por questões de justiça, mas por conveniência, mais tarde, o que era por conveniência, virará também questão de justiça. No entanto, se o que estiver escrito na lei não for útil nem conveniente, e tão pouco justo, a lei estará tratando do que não deve... Mas se a vontade dos homens os levar a legislar oportunamente visando algo útil, da forma correta, poderemos dizer que estará agindo com justiça, desde que a utilidade seja aquela favoreça a maior quantidade de cidadãos possíveis. E, desta forma, as leis justas não se conformarão com as injustas, e provavelmente se aplicará umas em favor de outras, porque as leis justas não podem conviver com as injustas, e em outros casos, as leis justas serão lidas como injustas, e desta forma serão aplicadas. Se o homem decide instaurar uma nova ordem de leis, que são todas injustas, e por isso podem conviver entre si, não haveria um povo que pudesse ser mantido sobre elas! A lei injusta, assim como o fato injusto, é a que aniquila a organização da sociedade, a que distribui os bens de forma errada entre os homens diferentes, assim como a que destrói a relação entre os homens em pares.

- Os deuses não fazem a ordem, tão pouco os homens, seja como se organizem. Quem diz a ordem é o soberano, que faz as leis, e se no seu julgamento, decide que uma ordem é justa e a transforma em lei, deverá o juiz aplicá-la, porque se o soberano é a ordem, o descumprimento da lei do soberano é a subversão da própria ordem e também de qualquer ordem, ao mesmo tempo, porque a ordem do soberano é a única possível. Não parece correto dizer que a sociedade é capaz de dizer a justiça, e mesmo se pudesse, haveria de se fazer como faz o soberano, se comunicando, e com a intenção de fazer novas leis, e essas leis deveriam ser aplicadas assim como a são pelo soberano. E como existem tantas justiças quanto existem homens na terra, quando se decide por uma destas justiças, se estará decidindo por uma destas vidas, e não por todas.

- O julgador não deve sempre aplicar a lei, porque a lei é geral e nem sempre a sua aplicação cumpre com a justiça. Nestes casos, quando a lei não cumpre com a sua razão, deve-se proceder pela equidade. Mesmo que argumentasse que as leis aproveitem a ordem do soberano, não deverias dizer que o soberano queria vê-la aplicada a todos os casos, sem ajustes! Ao contrário, existem casos em que a aplicação da lei vai contra a sua vontade, e nestes, os homens, que sofrem os efeitos da sua nefasta conseqüência, inspirados pela deusa Têmis, devem saber julgar sempre cumprindo com a justiça. E não basta aos homens, para que se faça justiça, que se comuniquem apenas, mas que ao se comunicarem, se refiram também as coisas, sem esquecê-las, porque a comunicação não desempenha o seu papel se o homem não é capaz de observar com critérios e pensar. É esta a observação que o levará a melhor justiça, observando a realidade e o que se escreve na lei, porque, é importante que as pessoas se comuniquem, mas não importa a forma como as pessoas se comuniquem, seja esta melhor ou pior, seja esta fixa, pelo soberano ou pelos sofistas, nunca poderá ser melhor que quando as pessoas tentam fixar o dever-ser observando o ser.

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Sobre o autor
Alessandro Rafael Bertollo de Alexandre

acadêmico de Direito na Universidade Federal do Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALEXANDRE, Alessandro Rafael Bertollo. Herodotus e os sofistas.: Uma fantasia sobre o saber, o ensino e a reprodução do conhecimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 522, 11 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6013. Acesso em: 24 abr. 2024.

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