E você, aposta no Direito?

01/09/2017 às 14:19
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O estudante de Direito certamente está preocupado com seu futuro emprego – e realmente deveria estar. Não bastasse o fatídico número de 10 milhões de concurseiros no Brasil, também somos campeões na proporção de advogados por habitante.

“Escolhi cursar Direito para ganhar dinheiro, mas pelo que escuto nos corredores da faculdade talvez isso não seja uma certeza. E agora?”

Convoque o seu Buda, o clima está tenso:

 “Conselho do MEC libera cursos de tecnólogo e técnico em Serviços Jurídicos.”

“Total de advogados no Brasil chega a 1 milhão, segundo a OAB.”

“Salários congelados e menos concursos: como a PEC 241 pode afetar o funcionalismo público.”

Diante de manchetes, e outras muitas notícias, o estudante de Direito certamente está preocupado com seu futuro emprego – e realmente deveria estar.

Recentemente li o livro “The Lawyer Bubble: A Profession in Crisis”, escrito pelo advogado estadunidense Steven Harper. A obra aborda a conjuntura do mercado de trabalho da advocacia no cenário norte-americano, alertando para os riscos de formar mais pessoas do que o mercado de trabalho é capaz de suportar.

O drama estadunidense é um pouco mais complicado, muito devido aos problemas de endividamento dos estudantes que investiram no seu futuro as quantias exorbitantes cobradas pelas Faculdades de Direito. Ocorre que nos Estados Unidos, para grande parte dos estudantes, a remuneração das profissões jurídicas simplesmente não está dando conta de bancar as parcelas do financiamento, levando muitos deles a considerar os cursos de Direito como um jogo de sorte (por que não uma má aposta?).

Os estudantes americanos não tardaram em descobrir isso. Nos últimos anos, a procura por cursos jurídicos caiu vertiginosamente, faculdades renomadas, como Berkeley e Cornell, perderam cerca de 30% de interessados.

Percent change in the number of applicants (2011-2015)

Além disso, também caiu bastante o número de estudantes que fizeram o LSAT (espécie de ENEM voltado para as faculdades de Direito):

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Como dito, tal desinteresse deve-se muito ao fato do curso de direito não estar compensando financeiramente: um investimento muito grande sem garantia de retorno.

E no Brasil, esse retorno é garantido? É evidente que a realidade estadunidense é diferente da nossa, mas seria tão diferente assim, em termos de demanda por profissionais da área do direito?

Não bastasse o fatídico número de 10 milhões de concurseiros no Brasil, também somos campeões na proporção de advogados por habitante. E não restava outra, pois como se sabe somos também os campeões em Faculdades de Direito e em número absoluto de advogados falta pouco para chegar lá.

Atualmente há cerca de 750 mil pessoas cursando Direito no Brasil e, por ano, cerca de 105 mil pessoas conseguem seus diplomas.
imagem 3

Soma-se a isso as recentes medidas do governo para conter gastos públicos, como por exemplo a PEC/241 (55), que certamente deve afetar ainda mais a concorrência dos concursos públicos a nível federal.

E os concursos também tem se tornado menos atrativos, pois ao que parece, agora os marajás vão  ganhar somente até o teto, e, se não bastasse, ao que tudo indica também não haverá reajuste tão cedo.

Mas ainda está bom, fique tranquilo, além de enfrentar uma mega concorrência (na casa do milhão), que tal limitar o salário inicial na casa dos 5 mil reais? (o que eu concordo, aliás).

Mas ainda falta a cereja do bolo: o tal do curso técnico. Deixando de lado o corporativismo, acho super interessante a proposta, mas vou deixar para explicar o por que em outra oportunidade.

Fato é: a presença de estudantes com qualificação além da requerida revela o fenômeno caracterizado como overeducation. Esse fenômeno quase sempre ocorre devido a desequilíbrios entre o mercado de trabalho e o sistema educacional.

Nesse sentido, a tendência é  preencher os postos de trabalho, que requerem apenas educação de nível médio, com detentores de título universitário ou pós-graduação, o que demonstra a alocação ineficiente dos recursos públicos combinada a uma falha estrutural do mercado de trabalho.

Agora pensem comigo, se os estudantes norte-americanos “se tocaram” num cenário que, ao que tudo indica, em termos de empregabilidade, é melhor que o nosso, por que ninguém está alertando os futuros ingressos das Faculdades de Direito? Acredito que com mais informação, certamente esses números mudariam. Quem já é vocacionado para o curso, decerto não há de se preocupar com isso, pois o primeiro passo é gostar do que faz.

Quanto àqueles que escolheram pelo dinheiro, dou um sincero conselho: repensem.

Publicado originalmente em: < https://oantijuridico.wordpress.com/2017/08/25/evoceapostanodireito/ > 

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O texto é um desdobramento do projeto de pesquisa realizado na Faculdade de Direito da UFMG sob orientação do professor Dr. Giordano Bruno Soares Roberto.

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