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Nudez da mulher, atos obscenos e a sociedade diante de seu tempo

03/10/2017 às 15:40
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O artigo discute a efetividade do crime de ato obsceno diante de caso concreto.

Dita o artigo 233 do Código Penal: 

Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa. 

Trata-se de um crime de menor potencial ofensivo em que é cabível a transação penal.  

O núcleo objetivo do tipo penal consiste em praticar e executar, levar a efeito ou realizar ato obsceno. 

Qualquer pessoa poderia cometer esse crime que tem como elemento subjetivo o dolo específico, consistente na vontade particular de ofender o pudor alheio. 

O que é obsceno? É o que fere o pudor ou a vergonha. Trata-se de algo que a choca a sociedade, que, durante o dia, pela mídia e pelos diversos meios de comunicação moderna está exposta a cenas que há alguns anos atrás escandalizavam e hoje não mais. É ato que deve ser visto pela sociedade diante de seu tempo. 

O tipo penal exige que o ato seja feito em lugar público ou aberto ou exposto ao público. Ensinou Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, volume VIII, pág. 311) que local público é o local de aberta frequência das pessoas, como ruas, praias, avenidas etc. 

Lugar aberto ao público é um cinema, um teatro, um parque, dentre outros. É um lugar que mesmo sendo de natureza privada consegue chegar às vistas do público. 

É crime comum, formal, comissivo e excepcionalmente omissivo impróprio (comissivo por omissão). 

Observe-se o caso concreto veiculado pelo site Justificando, em setembro do corrente ano de 2017, bem distante da época das passeatas em nome da sagrada família: 

 "Diversas entidades da sociedade civil assinam manifesto que lançado nesta segunda-feira (4) para chamar atenção para o caso de Roberta da Silva Pereira, condenada em julho de 2016 em primeira instância a três meses de detenção pela prática de “ato obsceno em lugar exposto ao público”.

O processo que resultou na condenação foi aberto sob a alegação de que Roberta teria exposto seus seios durante manifestação realizada pela Marcha das Vadias em junho de 2013, em Guarulhos (SP). A pena foi convertida em multa no valor de mil reais.

Após a condenação, Roberta teve seu recurso negado pelo Colégio Recursal de Guarulhos em maio, e agora sua defesa acionará o Supremo Tribunal Federal alegando a violação de um direito constitucional, no caso, o da liberdade de expressão.

O manifesto lembra que o “ato obsceno é interpretado de acordo com os valores sociais e culturais do julgador”, o que permitiria interpretações tendenciosas que resultam na “criminalização de expressões minoritárias e já tradicionalmente marginalizadas na sociedade”.

O documento enfatiza ainda que o caso configura um “desrespeito aos direitos constitucionais à liberdade de expressão e reunião, na medida em que a nudez parcial constitui, neste caso, elemento essencial da mensagem que o protesto buscava transmitir”.

Outro ponto que criticado é o avanço do fundamentalismo religioso no sistema político e jurídico, que “carrega em si a ideia de que a exposição do corpo feminino, quando não está no contexto de maternidade e de outras funções socialmente aceitas e impostas, é pecado e deve ser punido”.

Lembro a lição de Nelson Hungria(Comentários ao Código Penal, volume VIII, pág. 311) quando expôs para exame do tipo: "Basta que o ato seja potencialmente escandaloso". 

Para Guilherme de Souza Nucci (Código Penal comentado, 8ª edição, pág. 912) a publicidade é essencial à figura típica. Nesse entendimento não tem cabimento punir-se o agente que pratica o ato obsceno em lugar público por natureza, mas complementamente longe das vistas de qualquer pessoa. Seria um crime impossivel. Seria ainda possível o crime envolvendo o ato de urinar no meio de uma rua deserta, ainda que exibindo ostensivamente seu órgão sexual. Isso porque sem público não pode haver obscenidade. 

Já se entendeu que urinar em lugar público, aberto ou exposto ao público, configura o crime do artigo 233 do CP (TACrSP, RT 763/598). Por outro lado, entendeu-se que urinar de costas para a rua, sem exibir o pênis, é grosseria, mas não tipifica o crime do artigo 233 (TACrSP, Julgados 67/494). Ainda se julgou no sentido de que urinar, de madrugada, de maneira discreta, sem a presença de pessoas e de frente para a parede, não configura o delito deste artigo 233 (TACrSP, RJDTACr 21/84). 

Destaco, para o exame, texto apresentado na defesa: 

"Este caso também reflete o avanço do fundamentalismo religioso em nosso sistema político e jurídico, que carrega em si a ideia de que a exposição do corpo feminino, quando não está no contexto de maternidade e de outras funções socialmente aceitas e impostas, é pecado e deve ser punido. O fundamentalismo religioso é um movimento violento de tomada de poder que, para disfarçar sua intransigência e suas ações destruidoras de direitos, se reveste de autoridade moral e espiritual. No caso de Roberta, o discurso moral que a condena reforça a opressão autoritária e fundamentalista contra todas as mulheres que ousam protestar usando seus corpos."

Leve-se em conta que vivemos em uma sociedade democrática, onde a liberdade de manifestação é aberta. Numa sociedade democrática não há censura prévia. Muitos diriam: É proibido proibir. 

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A nudez parcial utilizada no ato foi um mero meio de expressão para a mensagem que se procurava apresentar à sociedade. 

Não estamos vivendo uma sociedade fundamentalista onde o pecado, se existe, deve ser punido. Isso exprimia a célebre fase de Nelson Rodrigues: "Toda nudez será castigada". 

O pecado fica na órbita da consciência religiosa, mas não da consciência social, que convive com escândalos diariamente. 

Exige-se que o tipo penal traga uma reação da sociedade a algo que a violente. 

Não é o caso do nu. 

A nudez em campanha publicitária até com elementos eróticos é  um dia a dia. Elas acontecem nas ruas, nas praças etc. Veja-se o caso de locais de acesso público como as danceterias. 

Uma onda moralista e teocrática somente levaria a excessos da parte do Estado. 

O tipo penal exposto demonstra absoluta falta de efetividade jurídica e por conta disso esses casos devem ser entendidos dentro do princípio da intervenção mínima do Estado e ainda da insignificância. 

De toda sorte, o Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal, assim estipulou: "Praticar, em lugar público, aberto ou exposto ao público, ato obsceno que cause escândalo". Para Guilherme de Souza Nucci (obra citada, pág. 912) e ainda outros autores seria aconselhável que o delito estivesse sujeito à representação de alguém. 

Disse bem Waldir Miguel dos Santos Júnior (Sexualidade e configuração do crime de ato obsceno): "Enfim, a única certeza possível é que o art. 233 do Código Penal como espécie de crime, encontra-se totalmente perdido e carente de uma nova roupagem que o recicle diante das exigências da sociedade moderna. Sendo imprescindível à releitura da necessidade desse tipo penal, nos dias em que a tolerância às coisas do sexo aumenta vertiginosamente, e, mais que isso, se torna cada dia mais comum na sociedade."

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Nudez da mulher, atos obscenos e a sociedade diante de seu tempo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5207, 3 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60303. Acesso em: 15 nov. 2024.

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