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Do direito ao desenvolvimento

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SUMÁRIO: 1. Considerações acerca dos Direitos Fundamentais da Humanidade. 2. Do Direito Fundamental ao Desenvolvimento Econômico e Social. 3. A Atividade Estatal de Fomento ao Desenvolvimento Econômico e Social. 3.1 Estado e Economia. 3.2 A Ordem Econômica na Constituição da República de 1988. 3.3 Os Princípios e as Regras Constitucionais que dispõem sobre a Ordem Econômica e Social da República – A Questão da Efetividade. 4. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.


1. Considerações acerca dos Direitos Fundamentais da Humanidade

Os direitos fundamentais dizem respeito diretamente à dignidade da pessoa humana.

Acontecimentos que marcaram a evolução dos povos rumo à constitucionalização dos direitos humanos fundamentais podem ser rememorados desde o fortalecimento comercial na Alta Idade Média, passando pela retomada da urbanização do ocidente cristão, como também pela necessidade de solidificação dos estamentos de mercadores e burgueses, rumo à conscientização sobre a importância de se ampliar os direitos inerentes à personalidade humana, juntamente com as garantias de respeito, ou de acatamento em relação a esses direitos por parte dos detentores do poder. Fatos que, sem dúvida, colaboraram efetivamente para que as reivindicações sociais neste sentido de amplitude das liberdades do homem fossem levadas a efeito.

A partir de então, as reivindicações em prol do reconhecimento e da respectiva tutela sobre os direitos humanos ganham força, como sendo aqueles direitos inerentes à própria espécie humana, direitos que constituem a base jurídica da vida humana, portanto, seus direitos fundamentais. Compreensão esta cujo significado traduz o processo de racionalização moral, social e jurídica por que vem passando a humanidade desde o século XVIII; e que constitui a premissa maior da organização jurídico-política do Poder do Estado e que orientaria e constituiria o fundamento de todo o movimento constitucionalista vindouro.

Em 1770, a expressão "direitos fundamentais" aparece pela primeira vez na França, no movimento político e cultural que culminou na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.

De acordo com a própria evolução da sociedade humana, identificam-se categorias ou grupos distintos que dispõem sobre os direitos humanos em momentos diferentes da história dos povos, marcadas por gerações de direitos que, com o passar dos tempos, se interagem sucessivamente, sem que a anterior seja substituída pela próxima.

Assim, identificam-se os direitos tidos como de primeira geração, por caracterizarem, precipuamente, o estabelecimento de limitações ao Poder do Estado, com o intuito de se garantir a liberdade do cidadão, a esfera íntima da vida humana, tais como, o direito à vida, à liberdade e à propriedade.

Após, advêm os direitos conhecidos como de segunda geração, compostos pelas conquistas econômicas e sociais do homem, na medida em que surge a necessidade de se garantir a promoção social da coletividade a ser implementada pelo Estado, como garantidor do desenvolvimento social do ser humano. Trata-se, portanto, do reconhecimento jurídico de direitos à prestação positiva do Estado, cujos documentos que mais se destacaram foram as Constituições Mexicana, em 1917 e Alemã, em 1919. Representam esta categoria o direito ao trabalho, à saúde, à moradia e à educação, dentre outros.

A humanidade vivenciaria, ainda, o advento dos direitos humanos denominados de terceira geração, conhecidos doutrinariamente, como direitos de solidariedade. São representados pelo direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, o direito à paz, o direito ao desenvolvimento.

Vive-se, na contemporaneidade, a quarta geração dos direitos humanos, caracterizados pelas conquistas científicas nos campos da biotecnologia e da genética, como também, em função do fenômeno da globalização.

As disposições constitucionais brasileiras consagram o direito ao desenvolvimento, sendo sua implementação e proteção prerrogativas de toda a população, como direito social fundamental do ser humano.

No entanto, como bem ensina Jorge Miranda, não há direitos fundamentais em Estado totalitário. E, da mesma forma, não há verdadeiros direitos fundamentais sem que as pessoas estejam em relação imediata com o poder, beneficiando de um estatuto comum, numa política integrada, e não separadas em razão dos grupos ou das condições a que pertençam. (1)

Hoje, há entendimento no sentido de que a proteção dos direitos humanos não se reduz mais ao plano interno de cada Estado. Isto porque se trata de direitos vinculados ao próprio destino da humanidade como um todo. A partir desta conscientização, a noção tradicional de soberania estatal encontra-se relativizada, admitindo-se intervenções externas e responsabilização internacional, sob a compreensão de que o indivíduo, por ser sujeito de direitos, é destinatário de proteção internacional também.

Neste sentido, os direitos humanos, hoje, são concebidos como uma unidade interdependente, inter-relacionada e indivisível. Portanto, não há que se falar em direito à liberdade quando não seja assegurado o direito à igualdade material e vice-versa.

Contudo, a questão que se coloca diz respeito à efetividade dos direitos humanos fundamentais, constitucionalmente consagrados; mais precisamente, quanto à eficácia social dos mesmos, a ruptura com o mero aspecto formal.

Indubitavelmente, referida eficácia decorrerá das interpretações axiológicas, dos valores que lhes atribuírem as funções do Poder do Estado, principalmente da aplicabilidade que lhes conferir a função jurisdicional do Poder Estatal. Haja vista que a concepção moderna de Constituição, enquanto norma fundamental do Estado, reside na sua nova estrutura de funções e competências postas a serviço do ser humano.

"No âmbito do constitucionalismo contemporâneo, a realização dos direitos humanos e dos direitos sociais constitui-se em condição legitimadora de qualquer ordem jurídica estabelecida. (...) A função dos sistemas de direito, na realidade contemporânea, deve ser orientada instrumentalmente para a tradução de princípios e previsões normativas em ações públicas e judiciais vertidas para sua realização. (...) O Estado Constitucional pretende que seus textos se façam realidade, que se cumpram ‘socialmente’; ‘reivindica’ a realidade para si: sua normatividade deve converter-se em normalidade." (2)


2. Do Direito Fundamental ao Desenvolvimento Econômico e Social

Dos direitos tidos como "de solidariedade", pertencentes à terceira geração dos direitos humanos, o direito ao desenvolvimento foi o primeiro a ser reconhecido como integrante desta categoria.

Assim, no plano jurídico-formal, há um direito fundamental do ser humano ao desenvolvimento, conclamado mundialmente desde 1972. No âmbito da Organização das Nações Unidas, em 1977, a Comissão dos Direitos do Homem o mencionou expressamente em relação à necessidade de cooperação internacional. Também, em 1977, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas o reconheceu como tal e a UNESCO, em 1978, fê-lo constar na Declaração sobre a raça e os preconceitos raciais. Em 1981 a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, através da Resolução 36/133 estabeleceu que o direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável. Em 1983 estipulava que sua Comissão de Direitos Humanos deveria adotar as medidas necessárias a sua promoção. E, em 1986, foi ele consagrado plenamente pela ONU, através da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, cujo artigo 1º dispõe: "O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados".

Contudo, a Resolução 41/128 da Assembléia Geral da ONU, realizada em dezembro de 1986 dispôs sobre o direito ao desenvolvimento "como processo econômico, social, cultural e político abrangente, que visa ao constante incremento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e significativa no desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios daí resultantes".

Todavia, a possibilidade de exercício pleno dos direitos civis e políticos anteriormente consagrados na ordem internacional é precária e, até mesmo, impossível, apartada do gozo dos direitos econômicos e sociais. Trata-se, portanto, do reconhecimento da necessidade de promoção das potencialidades do homem em prol do aprimoramento de sua personalidade como também da satisfação de suas necessidades.

Desta forma, o direito ao desenvolvimento é, concomitantemente, um direito individual, inerente a todo ser humano e, também, um direito de todos os povos. Direito a ser observado e concretizado por todos os Estados nos planos interno e internacional. Daí a obrigação de o Estado formular e implementar políticas públicas aptas a concretizar, na sua plenitude, tal direito.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo XXII consagra que "toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade".

Entretanto, não basta crescer economicamente. Em muitos casos, isto é tão necessário quanto insuficiente. Imprescindível é aumentar os graus de acesso das pessoas não só à renda, mas à riqueza em si, ao conhecimento, à capacidade e à possibilidade de influir nas decisões públicas. Há que se buscar, efetivamente, o resgate da dignidade de muitos seres humanos.

No âmbito interno, o ordenamento jurídico brasileiro contempla o direito humano fundamental ao desenvolvimento econômico nacional em regime jurídico próprio instituído no nível constitucional, conforme estabelecido no Título VII da Constituição da República de 1988. E, como tal, como toda norma constitucional pressupõe poder normativo, impõe obrigações, às quais não se podem furtar os poderes públicos legitimamente constituídos.

Ainda, o legislador constituinte brasileiro elegeu o desenvolvimento nacional como um dos objetivos da República, conforme dispõe o artigo 3º da Lei Fundamental. Portanto, condição imprescindível para a realização dos fins republicanos, que delimita, por sua vez, a interpretação de todas as disposições constitucionais de 1988.

As normas constitucionais pertinentes à ordem econômica expressam que o desenvolvimento das riquezas e dos bens de produção nacionais deve ser compatível com a aquisição de qualidade de vida da população brasileira, na medida em que as camadas sociais tenham possibilidade de igualdade de condições no acesso a este desenvolvimento. Pois, a produção de riquezas deve orientar-se pelo princípio distributivo da atuação do Estado na seara econômica. Trata-se do conteúdo político da Constituição, bem como de sua funcionalidade na realidade social concreta. Sua sintonia com os interesses do todo social que confere legitimidade à organização política de um Estado a partir do momento em que produz a eficácia social pretendida, a efetividade de suas proposições normativas.

"É fundamental a atuação do Estado para a materialização destes princípios e de todos os que visam a um maior equilíbrio nas relações sociais e integração de seus partícipes, que ao longo dos dois últimos séculos assume papel complementador das relações de produção, pautadas originalmente na satisfação de interesses individuais. O Estado coloca-se a fim de melhor organizar a produção e para neutralizar tensões inerentes ao processo produtivo, entre o que seja público e privado, entre democracia e capitalismo, conforme já diagnosticou Habermas." (3)

Contudo, é fundamental ter em mente que o desenvolvimento econômico deve garantir, de maneira ampla, um melhor nível de vida, tanto no aspecto material em si, quanto e, principalmente, no sentido de proporcionar condições de vida mais saudáveis. Desenvolvimento, pois, a serviço do homem. Distribuição dos bens produzidos, mediante a possibilidade de aquisição deles por todo o meio social, ao contrário da mera quantidade da produção.

Neste sentido é que as disposições do artigo 174 da Constituição da República necessitam ser compreendidas, ou seja, revelam um direito humano fundamental ao desenvolvimento econômico nacional, a ser planejado pelo Poder Público e, ao mesmo tempo, estabelecem a obrigação do Estado em promovê-lo, observada a qualidade de vida de cada cidadão.

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3. A Atividade Estatal de Fomento ao Desenvolvimento Econômico e Social

3.1 Estado e Economia

Analisar a questão da presença ou da atuação do Estado no campo da economia jamais foi tarefa fácil, em que pese seja aceito que tal sempre ocorreu, na medida em que o fenômeno do poder se fez presente nas antigas civilizações e ganhou vulto, sobretudo, a partir da concepção jurídica e política de Estado. Fato é que a influência do Poder Político na esfera econômica está inserida na própria evolução da humanidade, embora tenha ou não acontecido de forma juridicamente ordenada.

Todavia, a presença do Estado no âmbito econômico foi relegada a um plano secundário em virtude do paradigma constitucional do Estado Liberal, circunstância que somente mudaria com o advento do Estado Social de Direito. De fato, rememorando os aspectos históricos, sobreleva-se o impacto causado pelas revoluções francesa e norte-americana, juntamente com os ideais iluministas, cujas repercussões resultaram numa concepção econômica própria, consagrada pelo Estado Liberal, onde prevalecia o liberalismo econômico; cujo princípio básico residia na completa abstenção do Estado sobre as relações sócio-econômicas de produção e distribuição de bens.

Seria, no entanto, correta a concepção liberal se os homens fossem dotados de igual capacidade. Mas, como o liberalismo pautava-se pela igualdade formal e abstrata, na verdade, encobria-se uma brutal realidade de desigualdades – econômicas, sociais e políticas, que se traduzia, na prática, em liberdade de opressão sobre os mais fracos.

"O liberalismo de nossos dias, enquanto liberalismo realmente democrático, já não poderá ser, como vimos, o tradicional liberalismo da Revolução Francesa, mas este acrescido de todos os elementos de reforma e humanismo com que se enriquecem as conquistas doutrinárias da liberdade. Recompô-lo em nossos dias, temperá-lo com os ingredientes da socialização moderada, é fazê-lo não apenas jurídico, na forma, mas econômico e social, para que seja efetivamente um liberalismo que contenha a identidade do Direito com a Justiça." (4)

De todo modo, porém, em sentido amplo, toda atuação do Estado no âmbito da economia pode ser entendida como uma forma de intervenção, admitindo-se por atuação qualquer tipo de atividade institucional que reflita a participação direta ou indireta do Estado nesta seara. Por outro lado, em sentido restrito, referida intervenção somente ocorreria tendo em vista condições específicas e limites determinados em sua Lei Fundamental.

Sob a ótica da juridicidade, o Direito Econômico surgiu após a Primeira Guerra Mundial. De todo modo, os institutos jurídicos que permitiram o desenvolvimento autônomo do Direito Econômico ampliaram sua abrangência na medida em que o próprio Poder Público também teve maior incidência no campo da economia.

"Com maior ou menor intensidade, o Estado se converteu, paulatinamente, em protagonista da cena econômica, e os sistemas jurídicos vieram refletir esta situação, sobretudo com o advento das doutrinas socializantes. Estas preconizam desde a mera interferência pública na economia privada até a inteira substituição desta por aquela, embasadas em premissas filosóficas que trouxeram para todo o século XIX, com repercussões materiais importantes no século XX, um acirrado debate entre tais idéias e a concepção liberal então prevalecente, submetida a pressões analíticas que acabaram por amenizar a rigidez de seus fundamentos, conforme advinda dos séculos anteriores." (5)

Incidência esta que, por vezes, revelou-se sob a forma de normatização, outras, mediante o desenvolvimento de atividades econômicas, ora através de incentivos, ora mediante a realização das mesmas. De todo modo, o Direito Econômico teve por objeto disciplinar a presença do Estado na esfera da economia, na medida em que estabeleceu as normas reguladoras das relações entre o interesse público, representado pelo Estado, e a atividade econômica, exercida tanto pelo setor privado quanto pelo público. Neste sentido, referido ramo da ciência jurídica passa a ser conhecido como o Direito da Economia.

"O Direito Econômico tem como objetivo o estudo das normas que dispõem sobre a organização econômica de um país, é dizer, as leis que regem a produção, a distribuição, a circulação e o consumo de riquezas, tanto no plano nacional como no internacional. Trata-se, portanto, do estudo das leis econômicas que regem os preços, a moeda, o crédito e o câmbio. É assim, o Direito da Economia. O Direito Econômico tem como objeto o estudo da base da organização jurídico-econômica e está voltado para o controle do poder econômico." (6)

Assim sendo, surge a noção de ordem econômica, representando o regramento jurídico incidente sobre os elementos que agem e interagem na esfera econômica do Estado, quais sejam, seus agentes, públicos ou privados que, direta ou indiretamente, realizam a produção, a distribuição, a circulação ou o consumo de bens e serviços.

"Cabe ponderar que a referência doutrinária feita ao direito econômico como aquele destinado a levar a cabo uma determinada política econômica, deve ser encarada sob o prisma da elaboração de normas ou de atos administrativos decorrentes dos preceitos (princípios e regras) elencados na ordem econômica constitucional." (7)

Em todo caso, o Direito Econômico, consagrado no texto fundamental da República, é o responsável pela delimitação de toda a vida econômica do Estado, independentemente da ideologia político-econômica implementada pelas diversas administrações. Destina-se a traduzir, através de suas normas, os instrumentos de realização da política econômica do Estado.

3.2 A Ordem Econômica na Constituição da República de 1988

A ordem econômica contemplada pela Constituição da República Federativa Brasileira de 1988 constitui um meio para a construção do Estado Democrático de Direito no Brasil, conforme definido em seu artigo 1º. E, embora não se refira expressamente ao Estado de Direito Social, a interpretação da totalidade dos princípios que conformam a ordem econômica indica-o como objetivo a ser atingido. Principalmente, ao atribuir à sociedade brasileira, legitimidade para reivindicar a realização de políticas públicas e, portanto, conferir-lhe a prerrogativa de um Estado efetivamente agente responsável pela promoção do bem-estar social.

Assim, o Título VII da Constituição Brasileira contempla a ordem econômica e financeira, dispondo sobre os princípios gerais da atividade econômica, sobre a política urbana, agrícola e fundiária, sobre a reforma agrária e, finalmente, sobre o sistema financeiro nacional.

Realmente, todo o Direito Econômico brasileiro está fundamentado na Constituição da República; decorrente, pois, dos preceitos constitucionais inseridos na ordem econômica formal, como também de outros, esparsos em todo o texto e que dizem respeito à matéria econômica, principalmente no tocante às competências dos entes federados. Portanto, a ordem econômica constitucional brasileira é muito mais ampla do que o contemplado no Título VII. Haja vista os desdobramentos que as inúmeras atividades do Poder Público podem levar a efeito, no desempenho geral da economia.

A Constituição Brasileira de 1988 é marcantemente principiológica, na medida em que dispõe sobre regras e princípios. Como tal, seus artigos 1º, 3º e 170 assumem uma importância significativa. Conseqüentemente, ela assume também um caráter programático, na medida em que enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados tanto pelo Estado quanto pela sociedade brasileira. Neste sentido, não há que se falar em dissociação entre a esfera política e a social; ambas devem caminhar juntas em prol da realização dos mesmos fins.

O artigo 1º dispõe sobre os fundamentos da República, quais sejam: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. O 3º enuncia seus objetivos fundamentais: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais e regionais; a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, de raça, de sexo, de cor, de idade e de quaisquer outras formas de discriminação. E o artigo 170 dispõe que a ordem econômica brasileira é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por finalidade assegurar a todos existência digna, de acordo com os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: a soberania nacional, a propriedade privada, a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis nacionais, cuja sede e administração sejam no Brasil.

Portanto, a Constituição Brasileira de 1988 assume um modelo econômico de bem-estar, conforme dispõem seus artigos 1º, 3º e 170. Referido modelo vincula as funções de Poder do Estado, assumindo um caráter conformador e impositivo. Trata-se da assunção de que o Brasil possui uma Constituição dirigente, na medida em que o conjunto de diretrizes, programas e fins enunciados num plano global normativo devem ser realizados tanto pelo Estado quanto pela sociedade brasileira.

Por sua vez, a "ordem econômica" diz respeito a uma parcela da ordem jurídica posta (e imposta), dispondo, pois, sobre um conjunto de normas, as quais institucionalizam uma certa ordem econômica.

As normas constitucionais brasileiras que compõem a ordem econômica passam a funcionar como instrumento de implementação de políticas públicas. O Estado, por sua vez, assume um novo papel, passando a atuar como agente de implementação dessas políticas. Isto fica bem demonstrado, principalmente pelas disposições do artigo 174 da Constituição, ao contemplar que a expressão "atividade econômica" traduz a necessidade de atuação do Estado como agente normativo e regulador desta atividade.

Neste sentido, referida atuação normativa impõe atividade estatal de fiscalização, de maneira a assegurar a eficácia e a efetividade das disposições. Por sua vez, a atuação reguladora reclama a necessidade de incentivo e planejamento por parte do Estado, o qual deva ser determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Planejamento este que não significa dirigismo estatal, mas sim reflete uma atitude flexível de intervenção com vistas a estimular a economia e a definir suas regras básicas.

As disposições do artigo 170 da Constituição da República Federativa Brasileira devem ser compreendidas, de acordo com o entendimento exposto por Eros Roberto Grau (8), de maneira que todas as atividades econômicas devam estar fundadas na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios que enuncia.

Isto porque, à ordem econômica, constitucionalmente consagrada, são vinculados os princípios constitucionais que a conformam e que servem de base a sua interpretação, quais sejam: a dignidade da pessoa humana como fundamento da República e como fim da ordem econômica; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos da República e a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa como fundamentos da ordem econômica; a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza, da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais como objetivos fundamentais da República e este último também como um dos princípios da ordem econômica; e, por fim, a sujeição da ordem econômica aos ditames da justiça social.

O artigo 174 da Constituição da República preceitua que o Estado é o agente normativo e regulador da atividade econômica. E, como tal, deverá exercer funções de fiscalização, incentivo e planejamento dessa atividade. Sendo, dito planejamento, indicativo para o setor privado e determinante para o setor público.

Neste sentido é que o Estado – compreendendo-se a União Federal, os Estados-membros e os Municípios – deverão atuar no sentido de dispor e regular a atividade econômica que lhe seja afeta. Normatização esta que, necessariamente, deverá possibilitar a concretização dos princípios que informam a ordem econômica estipulada constitucionalmente.

Verdadeiramente, a função de planejamento que a Constituição incumbe ao Estado, na medida em que deva ser determinante para o setor público e indicativa para o privado, revela-se em poder-dever de planejar, juntamente com as atividades de fiscalização e incentivo. Planejamento este que diz respeito ao desenvolvimento econômico nacional, mas que, de fato, exige que se contemple o planejamento da ação estatal propriamente dita, conforme elucida a doutrina de Eros Roberto Grau ao dispor que:

"O planejamento, como salientei anteriormente, neste ensaio, quando referida a atuação em relação à atividade econômica em sentido estrito – intervenção – apenas a qualifica, não configura modalidade de intervenção, mas simplesmente um método mercê de cuja adoção ela se torna sistematizadamente racional. É forma de ação racional caracterizada pela previsão de comportamentos econômicos e sociais futuros, pela formulação explícita de objetivos e pela definição de meios de ação coordenadamente dispostos." (9)

Ademais, ainda na esteira do entendimento do jurista citado, a ordem econômica constitucional possui uma configuração peculiar, na medida em que adotou como modelo econômico o sistema capitalista, mas postula um modelo de bem-estar social, cuja incumbência está adstrita ao Estado, sob a reivindicação da sociedade quanto à criação e implementação de políticas públicas que possam concretizá-lo, na medida em que a promoção do bem-estar é entendida como verdadeira missão do Estado.

Neste sentido, tem-se que a ordem econômica, juridicamente institucionalizada, não se encerra no nível constitucional. Por certo, é necessário que as normas infraconstitucionais pertinentes também a contemplem segundo as diretrizes impostas. Mesmo porque, a própria dinâmica constitucional permite e favorece tais medidas, haja vista que a ordem econômica constitucional brasileira é reconhecidamente uma ordem econômica aberta a ser complementada pelo legislador infraconstitucional, de maneira a promover a concreção dos princípios constitucionais.

De fato, o artigo 174 da Constituição da República demonstra, inexoravelmente, a mudança paradigmática quanto à concepção liberal de ausência do Estado na seara econômica para uma concepção onde vige a necessidade da sua presença efetiva. Presença esta exigida, a começar pelas disposições do artigo 3º da Constituição, ao estabelecer os objetivos fundamentais da República, os quais, por sua vez, precedem os próprios objetivos políticos. E, como tais, limitam e vinculam juridicamente a liberdade conformadora do legislador.

Neste sentido é que se diz que o direito ao desenvolvimento econômico é um direito fundamental da pessoa humana, cujos preceitos devem orientar as funções constituídas do Poder do Estado, a saber: sua função administrativa, legislativa e jurisdicional.

"Uma constituição econômica, para ser eficaz na realidade social necessita de ma série de normas jurídicas (leis, decretos, portarias, resoluções), advindas dos poderes legislativo e executivo, inclusive para viabilizar algumas de suas normas programáticas. No Brasil, os municípios também têm o poder/dever de dar vida a constituição econômica." (10)

É importante frisar a competência do Município para legislar sobre Direito Econômico, bem como para intervir no domínio econômico, de acordo com as disposições constitucionais dos artigos 30, incisos I e II e 24, inciso I e V. Assim, incontestavelmente, o Município brasileiro sempre terá a oportunidade de suplementar a legislação federal e estadual, no que couber, para atender ao interesse local, nas matérias de competência concorrente (artigo 24, incisos I e V da Constituição da República), assim como legislar nas matérias de suas competências exclusivas (artigo 30).

Referida competência constitucionalmente estabelecida ao Município tem o propósito de efetivar exatamente as determinações da norma suprema da nação brasileira quanto à realização da Constituição Econômica, ou seja, a Administração Pública local tem o poder/dever de concretizar o que apregoam as normas contidas nos artigos 170 a 192 da Lei Fundamental, em prol da realização da justiça social. Daí a extrema importância da atuação municipal no domínio econômico para a efetivação dos princípios e normas da ordem econômico-constitucional brasileira.

"Dentro do nosso federalismo ditado pelo texto constitucional de 1988, também não são possíveis quaisquer tipos de políticas econômicas por parte da união e dos estados-membros que aniquilem a autonomia do município e/ou que inviabilizem a sua política econômica endógena. Qualquer das posturas acima devem ser questionadas junto ao judiciário pelos municípios munícipes e a sociedade civil organizada local afim de que o município uma das células da sociedade cumpra e tenha garantido o seu papel constitucional na esfera econômica." (11)

3.3 Os Princípios e as Regras Constitucionais que dispõem sobre a Ordem Econômica e Social da República – A Questão da Efetividade

Os princípios revelam a ideologia adotada pela Constituição, ao passo que suas normas definem um instrumento jurídico a ser utilizado tanto para estabelecer a estrutura, quanto a organização política da sociedade. Contudo, a Constituição hoje, além da importância dos seus elementos essenciais, é concebida também em razão da sua funcionalidade.

De fato, o texto constitucional é feito na perspectiva de sua aplicação, com vistas à produção de efeitos práticos, de eficácia social.

Por sua vez, os princípios assumem papel preponderante na medida em que se constituem em elementos lógico-estruturais os quais revelam a teleologia das normas e, por conseguinte, orientam o intérprete do direito quanto à aplicabilidade delas.

Especificamente, quanto às normas constitucionais brasileiras que dispõem sobre o direito ao desenvolvimento econômico nacional, na medida em que exigem que os poderes públicos legitimamente constituídos a cumpram, através do planejamento de políticas públicas concernentes à sua realização prática, efetiva, pertencem à categoria das normas constitucionais cuja implementação depende, exclusivamente, da vontade política dos governantes.

"Há duas ordens de normas constitucionais que estão a merecer maior atenção na atualidade. Uma parcela, que é constituída de normas que jamais passam de programáticas e são praticamente inalcançáveis pela maioria dos Estados; e uma outra sorte de normas que não são implementadas por simples falta de motivação política dos administradores e governantes responsáveis. As primeiras precisam ser erradicadas dos corpos constitucionais, podendo figurar, no máximo, apenas como objetivos a serem alcançados a longo prazo, e não como declarações de realidades utópicas, como se bastasse a mera declaração jurídica para transformar-se o ferro em ouro. As segundas precisam ser cobradas do Poder Público com mais força, o que envolve, em muitos casos, a participação da sociedade na gestão das verbas públicas e a atuação de organismos de controle e cobrança, como o Ministério Público, na preservação da ordem jurídica e consecução do interesse público vertido nas cláusulas constitucionais." (12)

A indagação que se faz é: Quais seriam, portanto, os instrumentos jurídicos constitucionais disponibilizados para que, legitimamente, possa o Poder Público ser cobrado no sentido de desempenhar, efetivamente, os papéis políticos necessários a tal efetividade?

Entende-se que os direitos fundamentais, dentre eles o direito ao desenvolvimento, originariamente são concebidos como direitos públicos subjetivos, oponíveis em face do Estado. De tal sorte que este mesmo Poder Público do Estado está atrelado aos preceitos consagradores dos direitos e garantias fundamentais. E, como tal, a disposição do parágrafo primeiro do artigo 5º da Constituição Brasileira, no sentido de que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, na verdade revela que os entes estatais estão totalmente vinculados à concretização desses direitos. Deste modo, a função dos sistemas jurídicos consiste em instrumentalizar o Poder Público, mediante políticas públicas e decisões judiciais, de maneira a promover a concretização e a realização prática dos princípios e das normas definidoras daqueles direitos.

"Propõe-se, portanto, que o direito fundamental de se contrastar políticas públicas eleitas para a realização do desenvolvimento nacional seja objeto de enquadramento no tipo legal das normas principiológicas coercitivas de programas de políticas públicas em regime de obrigatoriedade do regime constitucional específico." (13)

Posto que, além de o desenvolvimento ser um direito fundamental de todo ser humano, foi eleito também como um dos objetivos a serem alcançados pelo Estado brasileiro, conforme as determinações expressas no ordenamento constitucional pátrio.

De tal sorte que esta Norma Suprema compromete-se a realizar, em nome da soberania nacional, do Estado de Direito e da democracia representativa, os objetivos fundamentais elencados no artigo 3º do Título I, que dispõe sobre os Princípios Fundamentais da República. E, dentre os quais, consta a pretensão de se construir uma sociedade justa, erradicar a pobreza, promover o desenvolvimento nacional e o bem de todos e reduzir as desigualdades sociais e econômicas. Desenvolvimento este que deverá ser, além de quantitativo, também qualitativo, em prol da realização dos preceitos fundamentais da República.

Mesmo porque, o direito ao desenvolvimento deve ser compreendido como uma síntese dos direitos fundamentais em si, na medida em que congrega a possibilidade de todo ser humano poder desenvolver suas potencialidades de maneira integral, através do acesso ao conhecimento em sentido amplo.

Portanto, é imperioso que o Estado efetivamente atue na economia, em prol do interesse público inerente ao desenvolvimento nacional como direito fundamental, sempre que sua ação ou omissão puder comprometer a realização deste desenvolvimento.

Assim é que as normas de Direito Econômico, muitas vezes assumem um caráter de coerção, de imperatividade que conduzem, inexoravelmente, a iniciativa privada a estruturar-se de modo a contribuir para como o desenvolvimento nacional e com a própria justiça social em si.

"O Estado Social e democrático de Direito cobra sentido e se preenche de conteúdo mediante o reconhecimento e concreção dos valores através de uma ação legislativa, administrativa e judicial que sintoniza com os sentimentos do direito e do justo na sociedade. (...) A Constituição estabelece regras para a atuação e decisão políticas, submetendo as pautas de orientação política, ainda que eventualmente não a constitua. É função da Constituição escrita racionalizar e estabilizar, garantir e fazer possível, construir e limitar, um processo político livre e ademais assegurar a liberdade individual." (14)

Portanto, a questão da efetividade, passa pela utilização adequada, eficiente, dos instrumentos normativos disponibilizados para a atuação do Estado de maneira a concretizar os fins colimados no artigo 3º da Constituição da República. No caso, o instrumento mais importante de que dispõe o Poder Público, contemplado constitucionalmente, inclusive, é o planejamento da atividade econômica que disciplina toda a atuação estatal.

Indubitavelmente, a eficiência administrativa perpassa por este plano e, neste sentido, são importantes os seguintes dizeres:

"Agora a eficiência é princípio que norteia toda a atuação da Administração Pública. O vocábulo liga-se à idéia de ação, para produzir resultado de modo rápido e preciso. Associado à Administração Pública, o princípio da eficiência determina que a Administração deve agir, de modo rápido e preciso, para produzir resultados que satisfaçam as necessidades da população. Eficiência contrapõe-se a lentidão, a descaso, a negligência, a omissão." (15)

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Sobre a autora
Maria Heliodora do Vale Romeiro Collaço

advogada em Araxá (MG), professora na UniAraxá, pós-graduada em Direito Público Lato Sensu pela PUC Minas, pós-graduada em Direito das Relações Econômico-Empresariais Stricto Sensu pela Unifran

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COLLAÇO, Maria Heliodora Vale Romeiro. Do direito ao desenvolvimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 521, 10 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6038. Acesso em: 18 abr. 2024.

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