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Defensoria pública: instituição imprescindível ao combate da impunidade

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O artigo traz uma nova visão sobre a Defensoria Pública, colocando-a como instituição imprescindível no combate da impunidade, pois é peça fundamental na triangularização do processo penal.

1. Defensoria Pública (conceito):

A Defensoria Pública é a instituição essencial à função jurisdicional, com a incumbência de orientar juridicamente e a defender, em todos os graus e em todos os tribunais, os necessitados.

No ano de 2009, houve a edição da Lei Complementar nº 132/09, que alterou a redação do artigo 1º, da Lei Complementar Federal nº 80/94, estabelecendo que:

“Art. 1º A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal.” (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

Desse novo dispositivo, extraem-se três pontos de destaque:

1º) Expressão e instrumento do regime democrático;

2º) Promoção de direitos humanos;

3º) Defesa de direitos individuais e coletivos.

Em relação ao primeiro ponto, tem-se que regime democrático é aquele que possibilita a participação da população nas decisões políticas da nação, por intermédio de forma direta (plebiscito, referendo) ou indireta (eleições). Assim sendo, a Defensoria Pública é o órgão que torna possível a camada mais carente da população de obter acesso à justiça, sendo a instituição predestinada ao respeito da democracia.

Nesse sentido, trago à baila a lição de Paulo Galliez, Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro:

“A Defensoria Pública é, sem dúvida alguma, o grande baluarte do Estado de Direito, pois sua função precípua é a de neutralizar o abuso e a arbitrariedade da luta de classes” (Galliez, 2006, p. 7)

Destarte, nesse contexto, a Defensoria Pública democraticamente evita, nesse cenário, a impunidade, pois é direito do acusado, no processo penal, ser assistido por defensor de sua confiança, caso tenha condições financeiras [sem imiscuir aqui na situação de vulnerabilidade que fica para uma próxima discussão] ou ser assistido por defensor público no caso de hipossuficiência nos termos da lei.

Por outro lado, a missão da Defensoria Pública é a promoção dos direitos humanos, uma vez que é a instituição que mais lida com violação aos direitos humanos, como, por exemplo, a violência policial contra os cidadãos comuns, as violações aos direitos humanos dos presos, entre outras atividades importantes.

Os direitos humanos aqui não podem ser compreendidos como aqueles que vulgarmente a imprensa noticia diariamente, ou seja, que os direitos humanos protegem apenas bandidos.

Isso não é verdade, uma vez que os direitos humanos dirigem-se a todo o ser humano sem distinção, inclusive as vítimas de crimes.

Tanto é verdade, que o defensor pode assistir em juízo o assistente técnico, porquanto a missão é compatível com as atribuições institucionais da Defensoria.

O principal papel da instituição é o de garantir acesso à justiça ao ser humano, não apenas assistência judicial, mas também extrajudicial, contribuindo para a consolidação da cidadania dos mais carentes.

No Processo Penal, a Defensoria atua como ator social, evitando possível prescrição e oportuniza um processo penal justo com efetiva defesa do assistido no exercício do contraditório e da ampla defesa.

Sem a Defensoria, muito provavelmente, o processo penal estaria fadado a maiores chances de se esvaziar, já que o magistrado em comarca com escassez de advogados ou de advogados dativos que tenham aversão a determinado tipo de causa poderia ter problemas no curso da ação penal que, inevitavelmente, acarretaria uma prescrição ou outra incidência de limite temporal para a aplicação do direito penal.

Por fim, a legitimidade para propositura da ação civil pública, consagrada expressamente na Lei Orgânica da Defensoria Pública, fato que já havia iniciado com a edição da Lei 11.448/07, que alterou a Lei de Ação Pública, inserindo a Defensoria Pública como órgão legitimado a propositura da Ação Civil Pública.

Ninguém pode negar esse importante papel concedido à  Defensoria Púlica para buscar a proteção dos direitos difusos e coletivos do cidadão e até mesmo os direitos homogêneos individuais dos necessitados.

Assegurar direitos e garantias fundamentais a todos os cidadãos carentes é compromisso da Defensoria, principalmente aqueles grupos sociais vulneráveis que merecem a especial proteção normativa do Estado, para promoção e efetivação da implementação concreta de uma igualdade substancial perante o Poder Judiciário.

A Lei Complementar Federal nº 132, de 07 de Outubro de 2009, na mesma direção da lei 7347/85, atribuiu à Defensoria Pública a missão de promover a mais ampla defesa dos direitos e interesses fundamentais das pessoas vulneráveis, como por exemplo crianças, adolescentes, idosos, pessoas portadoras de necessidades especiais, moradores de ruas etc.

Estatui o art. 4º, Inciso XI, dessa novel legislação complementar:

“Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

(...)

XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado.”

Em especial, os grupos sociais vulneráveis estão a merecer a proteção diferenciada do Estado, e aqui dentro da ótica dos direitos coletivos, a Defensoria é essencial.


2. Natureza Jurídica

É uma função essencial à justiça inserida no titulo IV, da Constituição Federal de 1988, sendo que as instituições inseridas no aludido capítulo provocam o poder judiciário, em face da inércia que o caracteriza. Ou seja, a jurisdição não atua espontaneamente, não atua por iniciativa própria.

A Defensoria Pública é uma das procuraturas constitucionais. Assim, ao comentar tal expressão, o juiz catarinense Sérgio Luiz Junkes diz o seguinte:

“Por essa expressão quer se designar as carreiras jurídicas públicas, previstas na Constituição, às quais se atribui o exercício das funções essenciais à justiça, e que defendem determinados interesses publicamente relevantes.” (JUNKES, 2005, p. 80)

Tem como missão primordial a assistência, tanto na esfera judicial, quanto na esfera extrajudicial dos hipossuficientes. Assim sendo, a atuação da Defensoria Pública não se limita à assistência judiciária. O inciso LXXIV, do artigo 5º, da Constituição Federal prevê a assistência jurídica, nos seguintes termos: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

Tal conceito compreende a prestação de assessoria jurídica tanto dentro, quanto fora do Poder Judiciário.

Nesse sentido, em relação a essa atuação ampla da Defensoria Pública, vale a pena transcrever as lições de Guilherme Freire de Melo Barros, ex- Defensor Público do Estado do Espírito do Santo:

“O conceito de assistência jurídica é mais amplo do que assistência judiciária, pois compreende a assessoria dentro e fora do Poder Judiciário. Atualmente, a atuação da Defensoria Pública inegavelmente transborda os limites dos processos judiciais, o que se justifica pelo aumento da utilização de instrumentos não-judiciais de tutela de direitos.” (BARROS, 2010, p. 27)


3. Defensoria Pública como sendo um órgão predestinado à tutela dos princípios da ampla defesa e do contraditório:

A Defensoria Pública é um órgão vocacionado à defesa dos princípios do contraditório e da ampla defesa, mormente no Processo Penal, uma vez que possui profissionais tecnicamente preparados para realizar a defesa técnica eficaz da maioria dos acusados no Processo Penal.

Em primeiro lugar, o princípio do contraditório é aquele que traduz no binômio ciência e participação, conferindo às partes o poder de influenciar no convencimento do magistrado, estabelecendo a oportunidade de participação e manifestação sobre os atos processuais.

Noutra diapasão, temos o princípio da ampla defesa, que é a possibilidade de utilização dos meios processuais e recursos disponíveis.

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Dessa maneira, a Defensoria Pública é a instituição predestinada para a salvaguarda desse último princípio, uma vez que seus profissionais são preparados para realizar a defesa técnica dos acusados desprovidos de recursos no Processo Penal.

Exemplificando a aplicação prática do princípio acima citado, temos a seguinte situação: o acusado tem direito a liberdade provisória. Em caso de indeferimento desta, o Defensor Público deverá ingressar com o habeas corpus caso se convença da possibilidade de obter uma liberdade no Tribunal respectivo. Isso que sintetiza a ampla defesa, ou seja, a possibilidade de esgotar todos os meios defensivos possíveis em prol do assistido.

Como temos o Ministério Público, órgão composto por promotores de justiça investidos por um concurso de provas e títulos, com estrutura de funcionários próprios e orçamento condizente com suas atribuições, necessitamos de uma Defensoria Pública forte, equipada e que os governos destinem a ela orçamento suficiente para realizar uma defesa técnica justa e eficiente, a fim de dar sentido real ao princípio da igualdade material no Processo Penal, previsto no artigo 5º, caput, da Constituição Federal.

Comentando a respeita da necessidade dos governos destinarem recursos necessários para a Defensoria Pública, trago à baila as preciosas lições de Paulo Galliez:

“Por outro lado, por mais desempenho que a Chefia Institucional possa imprimir no seu aperfeiçoamento, a verdade é que a palavra final, isto é, poder de decisão, cabe ao governante e à sua vontade política momentânea.

O modo de se eliminar, ou neutralizar essa instabibilidade, pode ser alcançado pela previsão em lei de critérios rígidos a serem observados por qualquer governante, independentemente de sua vontade política. Tais critérios concernem basicamente à percepção de salário digno, considerando que este tem sido o motivo de maior êxodo dos Defensores Públicos para outras carreiras; e as instalações adequadas ao desenvolvimente de seu trabalho”. (GALLIEZ, 2006, p. 61).

Nessa mesma linha, transcrevo as palavras dos doutrinadores Nestor Távora e Rosmar Antonni, que, em obra de Processo Penal, comentam sobre a necessidade de aparelhamento da Defensoria Pública, passo imprescindível para dar vida ao princípio da igualdade processual:

“Também tratado como princípio da paridade de armas, consagra o tratamento isonômico das partes no transcorrer processual, em decorrência do próprio art. 5º, caput, da Constituição Federal. O que deve prevalecer é a chamada igualdade material, leia-se os desiguais devem ser tratados desigualmente, na medida de suas desigualdades. O referido princípio ganha força com as alterações introduzidas no art. 134 da Constituição Federal assegurando a a autonomia da Defensoria Pública.

Seria fictícia a paridade, se o órgão ministerial, acusador oficial, desfrutasse da estrutura e condição digna e necessária de trabalho, ao passo que os defensores, assoberbados pelas demandas que se acumulam, ficassem na condição de pedintes, subjugados a boa vontade do Executivo para que pudessem galgar um mínimo de estrutura para desempenhar as suas funções. Foi um pequeno passo, porém ainda há muito a se fazer.” (TÁVORA; ANTONNI, 2009, p. 47).

Enfim, é impensável a plena eficácia dos princípios da ampla defesa e do contraditório em estado como o de Goiás, tendo em vista que, até o presente momento, mencionado estado da Federação não concretizou o funcionamento da Defensoria Pública. Com isso, processos criminais de crimes graves, como latrocínio, homicídio qualificado e estupro ficam aguardando a boa vontade da elaboração de defesas por advogados dativos, que, muitas vezes, não realizam a defesa da forma correta, visto que não são tecnicamente habilitados para a defesa da população carente, permitindo que estes acusados sejam colocados em liberdade por excesso de prazo.

Sem contar que, muitas vezes, esses causídicos elaboram defesas que eles mesmos repugnam o seu próprio conteúdo, sendo que os réus ficam desassistidos e o juiz não declara tal fato.

Por isso, a nossa Carta Magna incumbiu tal mister à iniciativa exclusiva da Defensoria Pública. Assim, onde não há Defensoria Pública ocorre a paralisação de processos que envolvem crimes graves, ocasionando em muitos casos a prescrição penal por ausência da realização de atos privativos da defesa.

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Sobre os autores
Joaquim Júnior Leitão

Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso. Atualmente lotado no Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECO). Graduado pela Centro de Ensino Superior de Jataí-GO (CESUT). Ex-Diretor Adjunto da Academia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Ex-Assessor Institucional da Polícia Civil de Mato Grosso. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colaborador do site jurídico Justiça e Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JÚNIOR LEITÃO, Joaquim ; SOUZA, Carlos Eduardo Freitas. Defensoria pública: instituição imprescindível ao combate da impunidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5207, 3 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60394. Acesso em: 28 mar. 2024.

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