UM EXEMPLO DE CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE
Rogério Tadeu Romano
Relata a imprensa que um homem foi agredido por guardas municipais no calçadão do Arpoador no dia 8 de setembro do corrente ano por filmar uma abordagem dos agentes. O empresário paulista Wilson Gomes, morador do Rio há cinco anos, levou o filho de 19 anos e outros dois amigos para um passeio na praia e, na hora do pôr do sol, começou a fazer uma transmissão ao vivo para mostrar a paisagem.
Noticiou o site do jornal O Globo, do dia 12.9.2017:
"Depois de cinco minutos de gravação, postada na íntegra no Facebook, ele cruzou com guardas municipais que realizavam uma abordagem no calçadão a um adolescente que portava 2,9 gramas de maconha. A partir daí, começou a confusão.
Um dos guardas pergunta o que ele está filmando. Wilson responde: "Estou mostrando a praia para o pessoal. Tem algum problema, amigão?". O agente diz que iria conduzi-lo à delegacia pelo simples fato de ter filmado a abordagem. Wilson não havia presenciado o motivo da apreensão. Outros guardas chegam e mandam apagar o vídeo, intimidando-o. Ao se recusar apagar a gravação, ele é jogado no chão e levado para a 14ª DP (Leblon) no mesmo veículo do adolescente apreendido. Ficou cerca de cinco horas na delegacia para registrar o boletim de ocorrência. Em seguida, fez o exame de corpo de delito no Instituto Médico-Legal.".
Trata-se de mais um caso concreto de crime de abuso de autoridade.
No Brasil, há a chamada Lei de Abuso de Autoridade, Lei 4.898/65.
A objetividade jurídica do crime de abuso de autoridade é o interesse concernente ao normal funcionamento da administração pública, pois ela está para servir com eficiência à sociedade e não com subserviência.
Sendo assim a Lei 4.898/65 determina que constitui abuso de autoridade qualquer atentado: à liberdade de locomoção, à inviolabilidade do domicílio, ao sigilo de correspondência, à liberdade de consciência e de crença, ao livre exercício do culto religioso, à liberdade de associação, ao direito de reunião, ao livre exercício do direito de voto, à incolumidade física do indivíduo e aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício da profissão.
Pratica o crime de abuso de poder aquele que faz abordagens desmotivadas, que executa prisões, de forma dolosa, objetivando mera averiguação.
De outra parte, há abuso de autoridade se o agente político, fora de suas atribuições, prende alguém, fora das formalidades legais, em afronta ao direito de locomoção. Responde, por abuso de autoridade, o policial que, sem amparo na lei, detém cidadão e o conduz à Delegacia de Polícia.
Os crimes subsidiários de abuso de poder só têm aplicação quando não constituem elementares ou qualificadoras de outros crimes.
Sem autorização judicial prévia, é plenamente razoável admitir que ter acesso a fotos, vídeos, agenda telefônica e mensagens privadas de qualquer indivíduo é um atentado contra sua intimidade e vida privada. Tal conduta pode se configurar abuso de autoridade e até mesmo gerar dano moral à vítima, desdobrando-se em necessidade de reparação (com indenização, por exemplo).
Se o abuso de poder é elemento constitutivo ou circunstância qualificadora de outro crime, aplica‐se a norma incriminadora deste, mesmo que comine pena de menor gravidade.
Sendo assim, sendo o abuso de poder elemento constitutivo de um crime autônomo, aplica‐se a norma do crime autônomo; o abuso de poder constitui circunstância legal específica (qualificadora) de outro crime, quando não se aplica a lei, mas a norma de outro crime, não incidindo a agravante genérica; o ato abusivo constitui um crime autônomo que não contém o abuso de poder nem como elementar nem como qualificadora e pode ser praticado por outro particular, quando é desprezada a norma subsidiária da Lei 4.898/65, aplicando‐se a norma autônoma com a agravante (é o caso do crime de lesão corporal, onde não se aplica o artigo 3, ¨i¨, da Lei 4.898/65).
Tais garantias protegidas estão fulcradas em cláusulas pétreas, de forma que imodificáveis, a preservar a cidadania contra a tirania do poder. Censura‐se a prisão arbitrária e as medidas tomadas, com absoluto excesso pelas autoridades, em violação a garantias constitucionais.
A falta de representação do ofendido não obsta a iniciativa do Ministério Público para a ação penal nos crimes definidos na Lei 4.898/65, dispensando‐se o inquérito policial para instruir a denúncia (JUTACRIM 76/150).
O artigo 271 do Anteprojeto do Código Penal prevê o crime de abuso de autoridade, com pena de dois a cinco anos, sendo efeito da condenação a perda do cargo, mandato ou função, quando declarada motivadamente na sentença, independente da pena aplicada.
É crime que, pela pena mínima, pode ser objeto de transação penal. Censura‐se a pena máxima in abstrato prevista, pequena, que causa a possibilidade de incidência frequente de prescrição da pretensão punitiva, artigo 110 do Código Penal, contribuindo, decisivamente, para a impunidade na matéria.
O crime de abuso de autoridade exige dolo, não se demandando o dolo específico, um fim ulterior, extrínseco ao ato.
Consuma‐se o delito com a prática do atentado ou das ações ou omissões do artigo 4º, não se exigindo dano, bastando o perigo de dano. Nos casos do artigo 3º é impossível a tentativa.
Sendo assim, a Lei 4.898/65 determina que constitui abuso de autoridade qualquer atentado à liberdade de locomoção, à inviolabilidade do domicílio, ao sigilo de correspondência, à liberdade de consciência e de crença, ao livre exercício do culto religioso, à liberdade de associação, ao direito de reunião, ao livre exercício do direito de voto, à incolumidade física do indivíduo e aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício da profissão.
A conduta narrada merece exemplar punição.