O Sistema dos Juizados Especiais para a conciliação, o julgamento e a execução das causas cíveis de menor complexidade (art. 98, I, da CF/88), o qual é composto pelas Leis nº 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009, possui princípios e regras próprias.
Aqui se propõe a analisar sobre a consequência legal quanto ao reconhecimento da incompetência dos Juizados Especiais Fazendários e a sugerir alteração legislativa.
Pois bem, prevê a Lei nº 9.099/1995 em seu art. 51 o seguinte:
Art. 51. Extingue-se o processo, além dos casos previstos em lei:
[...]
II - quando inadmissível o procedimento instituído por esta Lei ou seu prosseguimento, após a conciliação;
III - quando for reconhecida a incompetência territorial;
IV - quando sobrevier qualquer dos impedimentos previstos no art. 8º desta Lei;
Constata-se que se o caso concreto não se tratar de causa cível de menor complexidade e, consequentemente, não ser possível a adoção do microssistema processual do Sistema dos Juizados Especiais, o juiz deve declarar a incompetência absoluta dos Juizados Especiais Fazendários, e extinguir o processo, com fulcro art. 98, I, da Constituição Federal, c.c. art. 51, II, da Lei nº 9.099/1995 e art. 1º da Lei nº 10.259/2001; ou art. 27 da Lei nº 12.153/2009. O mesmo se dá, no caso de exclusão legal (art. 3º, § 1º, da Lei nº 10.259/2001 e art. 2º, § 1º, da Lei nº 12.153/2009).
Constata-se, ainda, que se a incompetência for relativa (territorial), do mesmo modo haverá a extinção do feito, com fulcro no art. 51, III, da Lei nº 9.099/1995 c.c. art. 1º da Lei nº 10.259/2001; ou art. 27 da Lei nº 12.153/2009.
Constata-se, outrossim, que se sobrevierem qualquer fato que impeça o trâmite do procedimento sumariíssimo, também será o caso de extinção do processo, com fundamento nos arts. 8º (no que for cabível) e 51, IV, da Lei nº 9.099/1995 c.c. art. 1º da Lei nº 10.259/2001; ou art. 27 da Lei nº 12.153/2009.
Na nossa visão, o inc. IV do art. 51 da Lei nº 9.099/1995 não deixa de ter ligação imediata com o inc. II, do mesmo diploma legal, visto que, da mesma maneira, torna-se inadmissível o prosseguimento do feito (incompetência). De qualquer forma, a solução é a mesma: extinção do processo.
Sobre o assunto em comento, há o Enunciado nº 24 do FONAJEF:
Reconhecida a incompetência do Juizado Especial Federal, é cabível a extinção do processo, sem julgamento de mérito, nos termos do art. 1º da Lei n. 10.259/2001 e do art. 51, III, da Lei n. 9.099/95, não havendo nisso afronta ao art. 12, § 2º, da Lei 11.419/06. (Nova redação – V FONAJEF).[1]
José Eduardo Carreira Alvim e Luciana Gontijo Carreira Alvim Cabral entendem pela possibilidade de remessa do processo, quando o outro juízo competente também compuser o Sistema dos Juizados Especiais. Vejamos:
Se vier, porém, a causa a ser proposta perante o juizado, não sendo sua a competência para processá-la e julgá-la, deve o juiz indeferir a petição inicial, por incompetência absoluta do juizado, extinguindo o processo sem julgamento do mérito, salvo se se tratar de ação proposta perante um juizado, sendo de outro a competência, caso em que poderá ser remetido ao juizado competente.[2]
Joel Dias Figueira Júnior admite, excepcionalmente, a remessa dos autos à justiça comum, se a razão derivou da complexidade da matéria probatória e a petição inicial e a contestação tenham sido redigidas por advogados habilitados. Vale citar a respeito:
Sem embargo do que já afirmamos até aqui, circunstâncias poderão surgir em que a petição inicial, assim como a peça contestatória, tenham sido redigidas por advogados habilitados, em estrita observância aos requisitos formais insculpidos na Lei 9.099/95 c/c a Lei 12.153/2009, somados os definidos no Código de Processo Civil, sendo que a razão unida da impossibilidade de prosseguimento da matéria processo, perante a justiça especializada reside na complexidade da matéria probatória, que emergiu após o oferecimento de resposta, não raramente robustecida por pedido contraposto, passando a exigir um instrumento mais adequado para viabilizar com maior amplitude o contraditório – provavelmente o procedimento sumário ou, quiçá, o ordinário.
Diante dessas circunstâncias, parece-nos muito mais plausível e em sintonia com os princípios da celeridade e economia processual que os autos sejam remetidos à Distribuição e Contadoria, para pagamento das custas iniciais e encaminhamento para uma vara comum (ou vara da Fazenda Pública), na qual o juiz togado concederá prazo às partes para as adequações das peças já oferecidas ao novo rito, com aproveitamento de todos os atos praticados e provas produzidas, sem prejuízo da renovação de qualquer ato que entender se faça necessário para a formação de seu convencimento.
Em síntese, a regra insculpida no art. 51 da Lei 9.099/95 é a extinção do processo, nada impedindo que, em determinadas situações excepcionais, verificadas as particularidades do caso concreto, opte o magistrado pela redistribuição, por interpretação analógica e sistemática com o Código de Processo Civil, particularmente o art. 113, § 2º[3], c/c o art. 311[4], ambos da Lei Adjetiva Civil e em harmonia com os princípios insculpidos no art. 2º da Lei dos Juizados Especiais Estaduais e art. 98, I, da Constituição Federal.[5]
Concordamos, em parte, com esse entendimento. Realmente na situação versada, a remessa dos autos ao juiz competente seria a solução mais condizente com os princípios da celeridade, da economia e da razoável duração do processo. Vamos além, se competente fosse outro juizado, de qualquer maneira a melhor solução seria a remessa do feito. Se competente fosse o juízo comum, bastaria a existência de petição inicial redigida por advogado para que a remessa dos autos fosse obrigatória. O mesmo deveria ocorrer nas hipóteses de exclusão legal e nas hipóteses de incompetência em razão de fato superveniente.
De fato, o Código de Processo Civil prevê a remessa dos autos ao juízo competente, seja no caso de incompetência absoluta, seja da incompetência relativa (art. 64, § 3º).
E essa, a nosso juízo, seria a melhor alternativa. Imaginemos, por exemplo, um processo com a antecipação dos efeitos da tutela deferida para o fornecimento contínuo de medicamentos, e que na fase probatória se constate uma prova intrincada, cujo prosseguimento do feito, em virtude do procedimento sumaríssimo e dos princípios regentes do sistema, não se mostre possível (art. 98, I, da Constituição Federal). Nesse caso, não resta dúvida de que a extinção do processo não será a melhor solução, mas, sim, a remessa dos autos ao juízo competente, a fim de que o postulante não seja prejudicado, além de homenagear os princípios da celeridade, da economia e da razoável duração do processo.
Entretanto, firme na existência do Sistema dos Juizados Especiais, entendemos que o Código de Processo Civil só pode ser aplicado subsidiariamente, se: a) a lei de regência expressamente determine (por exemplo, o art. 6º da Lei nº 12.153/2009); b) não haja previsão legal para a hipótese nas Leis nº 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009; e c) exista norma específica para a Fazenda Pública no referido diploma legal, sem que sejam violados os princípios regentes do sistema. No caso em apreço, o Sistema dos Juizados Especiais contém disciplina própria, qual seja a extinção do processo, nos termos do art. art. 51 da Lei nº 9.099/1995.
Porém, dependendo do caso concreto e para se evitar danos irreparáveis ao postulante (como no exemplo supracitado), a solução para afastar a extinção do processo (art. 51 da Lei nº 9.099/1995) será aplicar a Constituição Federal, especialmente o art. 5º, LXXVIII, o qual assegura a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, remetendo-se, pois, os autos ao juízo competente. Note-se que a solução advém da interpretação da Constituição Federal e não da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.
Leonardo Greco chega a afirmar a inconstitucionalidade do art. 51 da Lei nº 9.099/1995 por impedir a continuidade do processo. Aduz citado doutrinador que:
[...] nos nossos juizados especiais, em que há dispositivo expresso de lei impedindo a continuidade do processo e determinando a sua extinção (Lei 9.099/1995, art. 51, II), será forçoso reconhecer a inconstitucionalidade desse preceito por violar a garantia da tutela jurisdicional efetiva inscrita no art. 5º, XXXV, da CF, ou, de modo menos traumático, a sua revogação pelo subsequente advento da garantia do inc. LXXVIII do mesmo artigo, introduzida pela EC 45/2004.[6]
Frise-se que não vislumbramos qualquer dificuldade para a remessa dos autos ao juízo competente, ainda que se trate de processo informatizado, pois a Lei nº 11.419/2006 contempla sobre a remessa dos autos.
Art. 12. A conservação dos autos do processo poderá ser efetuada total ou parcialmente por meio eletrônico.
[...]
§ 2o Os autos de processos eletrônicos que tiverem de ser remetidos a outro juízo ou instância superior que não disponham de sistema compatível deverão ser impressos em papel, autuados na forma dos arts. 166 a 168 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, ainda que de natureza criminal ou trabalhista, ou pertinentes a juizado especial.
§ 3o No caso do § 2o deste artigo, o escrivão ou o chefe de secretaria certificará os autores ou a origem dos documentos produzidos nos autos, acrescentando, ressalvada a hipótese de existir segredo de justiça, a forma pela qual o banco de dados poderá ser acessado para aferir a autenticidade das peças e das respectivas assinaturas digitais.
§ 4o Feita a autuação na forma estabelecida no § 2o deste artigo, o processo seguirá a tramitação legalmente estabelecida para os processos físicos. (grifo nosso)
Desse modo, de lege ferenda, entendemos que à luz dos princípios da celeridade, da economia e da razoável duração do processo, a melhor solução, no caso de incompetência (absoluta ou relativa), será a remessa do processo ao juízo competente, quer adentre ou não no Sistema dos Juizados Especiais, ou mesmo que se trate de processo eletrônico, desde que esteja em condições para o normal prosseguimento do feito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Obras jurídicas
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GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. 1º Volume. São Paulo: Saraiva, 2004.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outros interesses difusos e coletivos. 12ª edição. São Paulo: Saraiva, 2000.
SANTOS, Marisa Ferreira; CHIMENTI, Ricardo Cunha. Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais e Estaduais. Volume 15, tomo II. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2004.
SOUZA, Marcia Cristina Xavier de. Juizados Especiais Fazendários. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
Artigo on-line
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Os Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei nº 12.153, de 22.12.2009). Disponível em: <http://bd.tjmg.jus.br/jspui/bitstream/tjmg/668/1/palTJ-OSJ.pdf>. Acesso em: 24 de abril de 2017.
Notas
[1] Disponível em: <http://www.ajufe.org/static/ajufe/arquivos/downloads/fonajef-enunciados-compilados-i-ao-xiii-definitivo-1151152.pdf>. Acesso em: 25 de abril de 2017.
[2] Comentários à Lei dos Juizados Federais Cíveis. 4ª edição. Curitiba: Juruá, 2010, p. 27-28.
[3] Corresponde ao art. 64, § 3º, do atual CPC.
[4] Corresponde ao art. 64, § 3º, do atual CPC.
[5] Juizados Especiais da Fazenda Pública: comentários à Lei 12.153, de 22 de dezembro de 2009. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 291-292.
[6] GRECO, Leonardo apud CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 8ª edição. São Paulo: Dialética, 2010, p. 684.