A repercussão social e a mídia corroborando para o ferimento de princípios constitucionais

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14/09/2017 às 13:38
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Caso comparado, divergência de penas em crimes semelhantes que tiveram repercussão social com crimes que não tiveram, insegurança jurídica causada pela influência da mídia, ferimento constitucional.

É notória a presença da mídia e da repercussão social nas decisões do juiz penal, mas é importante observar também que tal presença comporta-se predominantemente de forma negativa, mas pode até ocorrer em alguns casos a influência positiva, como por exemplo, várias pessoas são vítimas de crime todos os dias e nem sempre a pessoa que o cometeu está pagando por seu erro, pode-se observar que em alguns casos a pessoa chega a ser recolhida no sistema prisional, sofre o processo, mas logo é colocada em liberdade. A mídia e a repercussão social em um caso desses seria algo parcialmente positivo, visto que, “lembraria” ao juiz e promotor responsável que aquela pessoa cometeu um crime e que precisa pagar por ele de alguma forma.

Neste diapasão, Judson Pereira de Almeida registra:

A mídia, portanto, seleciona e pauta os assuntos que ela considera mais relevantes para a sociedade. A linguagem dos grandes meios (rádio e TV, principalmente) não permite aprofundamentos e grandes reflexões. Esta pauta transforma-se em discussão que tem por base os elementos considerados principais por quem seleciona o que vai ser divulgado. A notícia, desta forma, reflete na formação da opinião pública, constituindo-se, assim, a mídia, uma instância indireta de controle da sociedade na medida em que aponta para os assuntos que devem ser debatidos. As mensagens transmitidas produzem efeitos que se diferenciam de indivíduo para indivíduo, levando-se em conta fatores como classe sócioeconômica, grau de instrução, nível cultural etc. Mas, apesar de não manipular diretamente as pessoas, este espaço público de discussão construído pela imprensa, constitui-se numa atmosfera de pensamento relativamente homogeneizado, tendo-se em vista que a elaboração do pensamento social, da consciência coletiva, da percepção do “homem médio” a respeito de determinados assuntos, tem como um de seus pressupostos os conteúdos veiculados pela imprensa (ALMEIDA, Judson Pereira de, 2007, p. 26-27).

Em oportunidade anterior foram citados muitos princípios feridos, sejam eles constitucionais ou infraconstitucionais, lembrando que eles são feridos pelo esquecimento dos mesmos no decurso da ação penal. Tal esquecimento em hipótese alguma deveria ocorrer, visto que os princípios nada mais são que pilares da estrutura do ordenamento jurídico, imprescindíveis ao intérprete e consequentemente ao operador do direito.

Ocorre que na grande maioria das vezes a influência midiática é negativa, tendo em vista que esta não age de forma equânime, aparecendo em um ou outro caso, fazendo com que alguns crimes sejam inesquecíveis, extremamente cobrados, tenham penas pesadas, e outros crimes sejam completamente esquecidos ou ignorados. Ilustrando assim um ferimento ao princípio da proporcionalidade, visto que, uma pessoa que comete o mesmo crime e com a mesma intensidade e com as mesmas condições da outra deveria pagar da mesma forma, mas infelizmente não é bem assim que ocorre.


1.1 Casos comparados mostrando a influência da Mídia e da Repercussão Social

A fim de se ilustrar profundamente tal ferimento passa-se a um Estudo de Caso, onde serão comparados dois crimes de naturezas parecidas, mostrando o que acontece com um crime exposto pela mídia e pressionado pela repercussão social, o que podemos chamar de um crime célebre, e outro que se tornou incógnito, ou seja, ficou fora dos holofotes.

Um que teve uma repercussão não só social, como também colossal, e que ficará na história do país, é o caso Isabella Nardoni. Tal caso ganhou os holofotes da mídia, e foi televisionado por praticamente todas as emissoras. O caso também foi impresso em jornais e revistas, tornando-se capa das principais revistas do país.

Faz-se importante observar o que foi apurado na fase investigatória:

ALEXANDRE ALVES NARDONI e ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ, qualificados nos autos, foram denunciados pelo Ministério Público porque no dia 29 de março de 2.008, por volta de 23:49 horas, na rua Santa Leocádia, nº 138, apartamento 62, vila Isolina Mazei, nesta Capital, agindo em concurso e com identidade de propósitos, teriam praticado crime de homicídio triplamente qualificado pelo meio cruel (asfixia mecânica e sofrimento intenso), utilização de recurso que impossibilitou a defesa da ofendida (surpresa na esganadura e lançamento inconsciente pela janela) e com o objetivo de ocultar crime anteriormente cometido (esganadura e ferimentos praticados anteriormente contra a mesma vítima) contra a menina ISABELLA OLIVEIRA NARDONI. Aponta a denúncia também que os acusados, após a prática do crime de homicídio referido acima, teriam incorrido também no delito de fraude processual, ao alterarem o local do crime com o objetivo de inovarem artificiosamente o estado do lugar e dos objetos ali existentes, com a finalidade de induzir a erro o juiz e os peritos e, com isso, produzir efeito em processo penal que viria a ser iniciado. (FOSSEN, 2010, p. 1).

Importante observar que se de um lado o Caso Nardoni recebeu da mídia toda a atenção, por outro lado, há o caso do menino Pedro Henrique, que não obteve sobre si os holofotes midiáticos, ou sequer foi citado em grandes canais de veiculação da imprensa. O intrigante é a forma que se assemelha com o caso Isabella Nardoni. No entanto, não teve a mesma exposição e pode-se dizer até que passou despercebido aos olhos da população.

Foi apurado na fase investigatória do caso Pedro Henrique:

Kátia Marques e Juliano Aparecido Gunello foram denunciados como incursos no artigo 1º, inciso II, parágrafo 3º, parte final e parágrafo 4º, inciso II, da Lei nº 9.455/97, combinado com o artigo 61, inciso II, letras “e” e “f”, do Código Penal, porque expuseram à perigo a vida e a saúde da criança Pedro Henrique Marques Rodrigues, com cinco anos de idade, pessoa que tinham sob seu poder e guarda, privando-a de alimentos e cuidados indispensáveis, aplicando castigos pessoais e abusando dos meios de correção e disciplina com violência, e submetendo-a a intenso sofrimento físico e mental, donde adveio a sua morte agônica. Consta da inicial que no dia 12 de junho de 2008, por volta das 11h45min, no Hospital SantaLydia, neste município, a criança faleceu; os acusados Kátia e Juliano justificaram, na ocasião, que a vítima havia ingerido o produto denominado Semorin; todavia, a equipe médica constatou, de início, que não existia indicativo de ingestão de referida substância e que o corpo de Pedro apresentava inúmeras equimoses e fratura no punho direito; médicos legistas realizaram exame necroscópico no cadáver e constataram que a vítima morreu devido à insuficiência respiratória decorrente dos efeitos da embolia gordurosa pulmonar em virtude de politraumatismos característicos de violência contra a criança. Narra, ainda, a inicial que o acusado Juliano torturava a vítima por intermédio de ofensas, humilhação e agressões, estas múltiplas e graves, a título de correção e imposição de disciplina, com o que consentia a acusada Kátia, que a tudo assistia e de nada discordava, pelo contrário, contribuía com sua postura agressiva e intencionalmente omissiva; essa tortura a Pedro prolongou-se por mais de um ano, dela advindo os problemas que deram causa à morte, vez que a diagnosticada síndrome da criança espancada, processo lento e gradual de deterioração da saúde”. (NETO, 2010, p. 01-02)

Ante o exposto cabem agora analisar as semelhanças e diferenças entre os dois casos.

No que tange às semelhanças, pode-se dizer que estas se dão por conta de que ambos os pais eram divorciados e encontrava-se em seu segundo casamento (Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá), (Juliano Gunello e Kátia Marques); as vítimas tinham a mesma idade, 05 (cinco) anos e eram advindas de relacionamentos anteriores, ou seja, no caso Isabela ela era filha de Alexandre e enteada de Anna Carolina Jatobá; no caso Pedro Henrique, ele era filho de Kátia Marques e enteado de Juliano; outra semelhança é que ambos os acusados negam a prática dos crimes.

No que tange às diferenças, percebe-se que os acusados Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá aguardaram o decorrer da instrução processual presos, fato em que se pode dizer que foi decorrente da repercussão social, que na época do ocorrido era de grande reprovação, podendo colocar em risco a vida dos suspeitos. Já os acusados Juliano Gunello e Kátia Marques aguardaram o decorrer do processo em liberdade. No caso Isabella, a condenação de Alexandre Nardoni foi de 31 (trinta e um) anos, 01 (um) mês, e 10 (dez) dias de reclusão, a iniciar-se em regime fechado, sua esposa Anna Carolina Jatobá foi condenada a 26 (vinte e seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão, também a iniciar-se em regime fechado. No caso Pedro Henrique, ambos os acusados, Juliano e Kátia, tiveram a condenação em 07 (sete) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto.

O que consta das investigações realizadas no caso Isabela antes de se dar o ilícito acontecido, a mesma não sofria maus tratos por parte de Alexandre e Anna Carolina Jatobá durante o tempo em que passava com o pai e a madrasta, era possível visualizar na época as imagens de segurança de um supermercado da criança passeando com a madrasta e seus irmãos de mãos dadas com Anna Carolina, era curioso observar nas imagens que Anna Carolina Jatobá andava com uma das mãos dadas à Isabela e a outra dada a um de seus filhos, ao invés de dar a mão ao outro filho, este estava de mãos dadas com a Isabella também.

Constou na sentença que o crime ocorreu após o casal terem passado um dia relativamente tranquilo ao lado da vítima, realizando passeios pela cidade com ela e visitando parentes.

Em entrevista à repórter Patrícia Poeta, da rede Globo, ao Programa “Fantástico”, Ana Carolina Oliveira (mãe de Isabella Nardoni), relatou o seguinte:

[...] a última vez que eu falei com ela (Isabella) foi na sexta-feira por volta das 06:00 horas da tarde, quando havia saído do trabalho, e que ela (Isabella) já tinha ido para a casa do pai, e eu liguei para saber como ela estava, ela atendeu super feliz, ela atendeu com uma voz alegre, e nós conversamos, e eu ainda fiz a pergunta se ela estava feliz, ela falou que “tava” muito feliz [...] ela (Isabella) me falava pouco da relação deles (entre Isabella e Alexandre), o que ela me contava muito do final de semana dela, é que ela tinha dançado, que ela tinha passeado, e dos irmãos (filhos de Alexandre com Anna Carolina Jatobá), os irmãos eram uma coisa que ela contava muito, agora da relação deles, ela não dava ênfase a esse assunto, agora aos irmãos, ela falava sim e muito [...].

Já o menino Pedro Henrique, conforme consta das apurações e exames periciais realizados, sofria da denominada “Síndrome da Criança Espancada”, que nada mais é do que um processo lento e gradual de deterioração da saúde, ou seja, Pedro Henrique era machucado e espancado bem antes de sua morte. Observam-se também alguns trechos narrados na sentença:

Mas, noutro norte - e sem revelar contradição ao acima consignado - houve constatação de que, em boa parte do tempo, Pedro Henrique era privado pela mãe e pelo padrasto dos cuidados indispensáveis a uma criança de cinco anos de idade. Isso porque competiam à mãe e ao padrasto permanentemente dispensarem cuidados básicos, elementares, ao filho/enteado que contava com meros cinco anos de idade, dente eles os de permanecer junto da criança dentro e fora da unidade residencial, na área de lazer do condomínio, possibilitar o pronto ingresso do infante no apartamento, não deixar o filho no frio, sob chuva ou sol, tampouco permitir que tomasse banho sozinho. Confiram-se os depoimentos a seguir que delinearam a privação nos cuidados indispensáveis. [...]RENATA GERALDINI DA SILVA PEREIRA informou: “...Bom, algumas vezes eu cheguei a presenciar o menino ali fora com garoa, com frio, eu até perguntava, eu não tinha um contato de conversa com ele, mas eu perguntava: ‘Você não vai entrar? Está frio aqui fora e tal’, sendo que ele falava: ‘Não, eu não posso entrar agora, eu tenho que esperar a minha mãe me chamar’. O Juliano, ele viajava, então a gente percebia que quando ele estava fora ficava tudo tranquilo, a gente não ouvia discussões, não ouvíamos nada, mas quando ele chegava aí tinha as discussões, sendo que o menino ficava mais tempo para o lado de fora e, realmente, a gente percebia, porque ele chamava, ele ia do lado de fora e chamava: ‘Mãe, abre a porta’. Então ele tinha que esperar, ele não podia entrar”. (fls.869/870). Outra vizinha, ANDRÉA MARTINES RITANO ESCAME, revelou que em duas ocasiões presenciou a criança Pedro Henrique fora do apartamento, faminto e isso num dia frio. Confira-se seu relato: “...na verdade foram duas vezes, sendo que nas duas vezes eu coloquei ele para dentro, uma vez estava frio e eu perguntei: ‘Você está com fome?’ ‘Tô’. ‘Por que é que você não entra?’ ‘Ah, porque a minha mãe falou para eu esperar ela me chamar’, alguma coisa assim, aí eu falei: ‘Você quer que eu abro para você?’ ‘Quero’. Aí eu abri, corri para cima e fiquei olhando para ver a maçaneta, se ia abrir a porta ou não, eu falei: ‘Daí para dentro o problema não é meu’, aí ele bateu a mão na maçaneta e a porta abriu; então, eles estavam em casa e não deixavam o menino entrar.” (fls.876/877). Acrescentou que nas ocasiões que Juliano estava em casa Pedro permanecia “Perambulando para fora, com chuva, com sol, da forma que fosse” (fls.881).[...]CLÁUDIA SPERGE, outra condômina, “Por diversas vezes eu o vi sozinho no condomínio e, também, cheguei a oferecer água, lanche, devido ao tempo que ele ficava em frente a minha varanda, que eu moro no apartamento térreo.” (fls.957/958); denunciou o abandono da criança ao Conselho Tutelar “Pelo fato de sempre ver o Pedro sozinho, em condições às vezes de muito calor, depois às vezes à noite também, ele sentado em frente da minha garagem, ficar muito tempo na minha mureta sozinho e, também, nas vezes que eu o via no corredor, entre os prédios, perguntando se ele poderia entrar em casa, isso em períodos diversos, principalmente à noite, sendo que de final de semana também eu ficava em casa e ouvia ele perguntando se poderia entrar em casa, se poderia abrir a porta para ele. Então eu via que ele ficava fora de casa, até era onde que eu levava um copo d'água, uma bolacha para ele, sendo que isso me motivou a ligar no Conselho” (fls.960). A faxineira do condomínio CRISTIANE APARECIDA JERÔNIMO disse ser comum Pedro ficar na área comum e de lazer, bem como atestou que a porta do apartamento que Pedro morava permanecia sempre trancada; em certa ocasião Pedro caiu, machucou-se e quando se tentou contatar a mãe para o socorro filho, veio a informação de que Kátia estava na manicure; ou seja, deixou o infante de cinco anos de idade sozinho na área de lazer do condomínio e sem supervisão de pessoa que pudesse se responsabilizar por Pedro. Vale conferir fls.891.” (NETO, 2010, p. 17-20).

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Dessa feita podemos observar que o caso de Pedro Henrique ter sido esquecido pela mídia pode ser considerado como bem mais “grave”, pois se toda a repercussão social advinda do assassinato de Isabela Nardoni motivou-se diante o fator “crueldade” este então deveria ter chocado bem mais, visto que além de perder a vida, a criança era constantemente torturada física e psicologicamente, passava longos períodos fora de casa, sofrendo com a fome o frio e o calor, já a menina Isabela, pelo que tudo consta, era bem tratada pelos pais e também pela madrasta.

Outro exemplo que pode ser utilizado para ilustrar a influência da mídia e da comoção social no processo e sentença penal é comparando o caso Suzane Von Richthofen com um similar, o caso Amarildo.

No caso Suzane Von Richthofen, ela que era uma moça de classe média alta chocou todo o país por planejar o assassinato de seus pais Manfred Albert Von Richthofen e Marísia Von Richthofen, engenheiro e psiquiatra respectivamente. O presente caso possui três acusados, quais sejam Daniel Cravinhos de Paula e Silva, Cristian Cravinhos de Paula e Silva e Suzane Louise Von Richthofen. Porém à ré Suzane Von Richthofen, é a única acusada que se enquadra nos crime de parricídio e matricídio, dessa feita foi olhando pelo aspecto da própria filha planejar o assassinato dos pais que a mídia conseguiu sensacionalizar e comover toda a população.

Foi apurado durante a fase investigativa:

Na madrugada do dia 31 de outubro, Daniel e o irmão Cristian aguardaram que Suzane confirmasse que seus pais estavam dormindo e entraram com ela na casa dos Richthofen. Suzane guiou-os pela sala, subiu as escadas na frente e ficou aguardando que entrassem no quarto. Assim que entraram, ela acionou o interruptor de luz para facilitar a locomoção dos assassinos. Nesse ponto, afirma, desceu para a biblioteca. Manfred e Marísia dormiam. O primeiro a atacar foi Daniel, que golpeou Manfred na cabeça com uma barra de ferro. Em seguida, Cristian, com uma barra idêntica nas mãos, atingiu Marísia. Manfred desmaiou logo. Marísia, não. Ao ser atacada, acordou e tentou proteger-se com as mãos. Alguns de seus dedos foram quebrados com a violência das pancadas. Recebeu golpes na cabeça e no rosto. A certa altura, já agonizante, passou a emitir um som “parecido com um ronco”, segundo relatou Cristian à polícia. Na tentativa de silenciá-la, o jovem pegou uma toalha do casal no banheiro e empurrou-a pela garganta da psiquiatra. Um dos ossos do pescoço de Marísia foi quebrado. Depois de constatarem que suas vítimas estavam mortas, Daniel colocou uma arma pertencente a Manfred, perto de seu braço, ao lado da cama. Depois, cobriu o rosto de Manfred com uma toalha. O de Marísia foi envolvido em uma sacola plástica de lixo, que havia sido deixada por Suzane na escada para que os irmãos depositassem as barras de ferro e suas roupas manchadas de sangue. A moça disse à polícia que, enquanto os pais eram mortos, ela permaneceu no andar de baixo da casa, caminhando entre a sala e a biblioteca. Suzane afirma que, na maior parte do tempo, chorou, com os ouvidos tampados com as mãos. Teve, no entanto, suficiente sangue frio para espalhar documentos e contas a pagar pelo chão da biblioteca, também ajudou os irmãos a arrombar, com uma faca, a maleta em que o pai escondia dinheiro e a colocar 8 000 reais e 5 000 dólares na mochila de Cristian. Embora soubesse o segredo da pasta, Suzane deduziu que o arrombamento daria mais veracidade à farsa. Depois do crime, Suzane e Daniel deixaram Cristian perto da casa dele e foram para um motel. No primeiro depoimento que prestaram à polícia, logo após o crime, os dois afirmaram ter mantido relações sexuais naquela noite. Mais tarde, mudaram a versão. Do motel, pegaram o irmão Andreas, que havia sido deixado por eles num ciber-café próximo à casa dos pais. Suzane entrou em casa junto com o irmão. Depois de simular surpresa diante dos indícios do “assalto”, cumpriu o roteiro combinado com o namorado: na frente de Andreas, que nada sabia, ligou para Daniel pedindo ajuda e obedeceu a seu conselho de chamar a polícia. (LINHARES, 2006, p. 109-110).

Observa-se que o caso Amarildo não foi sequer noticiado nas capas de revistas, ou em jornais, muito menos nos “grandes” canais de notícia da televisão.

O que constou na denúncia oferecida pelo representante do Ministério Público:

Noticiam os inclusos autos de inquérito policial que no dia 29 de junho do corrente ano, por volta das 11:30 horas, no local denominado “Abobrinha Loterias”, situado na Av. Presidente Vargas, nº 475, centro, nesta urbe, o indiciado assassinou com um tiro de garrucha, seu próprio pai, AILDO MARTINS BORGES.

Segundo restou apurado até aqui, o estabelecimento era explorado como banca de jogo do bicho e carteado, com nome fantasia de “Abobrinha Loterias”. Ante as notícias veiculadas nos meios de comunicação meses atrás, sobre a pressão que vinha sofrendo esta atividade contravencional em todo país, resolveram desativar o jogo e dividir o imóvel onde funcionava, no endereço já alinhado, construindo um muro de placas ao meio do lote.

Pronto o muro, insatisfeita, a vítima questiona junto ao indiciado, ponderando que o mesmo deveria ter sido construído mais recuado, haja vista ter Amarildo ficado com a melhor parte, o que não concordou este, gerando daí uma discussão.

Afirmam as testemunhas inquiridas pela autoridade policial que no calor da discussão trocaram ofensas recíprocas, até que Aildo disse ao filho que ele não prestava e esta furtando-o, momento em que Amarildo saca de uma garrucha que trazia na cinta e queima roupa, dispara um tiro na altura do ombro direito do seu pai indo o projetil penetrar-lhe o hemitorax direito, causando choque hemorrágico e sua consequente morte, antes de chegar ao hospital para socorro médico.

Como pode ver, não esperava a vítima reação tão violenta do próprio filho, ao lhe atingir mortalmente, colhendo-o de surpresa, portanto. Às fls. 26, percebe-se o auto de exibição e apreensão do objeto material usado no cometimento do crime, ou seja uma garrucha dois canos, marca Rossi, calibre 22, apreendida em poder do indiciado, bem como as fls. 33/36, o exame de corpo de delito (laudo de exame cadavérico) comprovando a materialidade do fato.” (TOCANTINS. Aguinaldo Bezerra Lino. Promotor de Justiça. 1994. Denúncia disponível no Cartório da 1ª Vara Criminal de Rio Verde-GO. Autos nº 9400641400. p. 02/04).

Uma vez apresentados ambos os casos são importantes agora as analises dos mesmos, se observando onde eles se assemelham e onde eles se diferem. Ambos os acusados Amarildo e Suzane cometeram o crime de parricídio, ou seja, atentaram contra a vida do próprio pai. Suzane, por sua vez, também cometeu matricídio, atentando também contra a vida de sua mãe. Os dois acusados são réus primários e ambos confessaram a prática dos crimes.  

Começando a observar as diferenças já entra a participação da mídia, que ocorreu apenas no caso Suzane, interferindo consequentemente na dosimetria da pena, vez que, Suzane foi sentenciada, pela morte de seu pai, com a pena de 19 (dezenove) anos e 06 (seis) meses de reclusão, a iniciar-se em regime fechado. Somando o total de sua reprimenda em 39 (trinta e nove) anos de reclusão e 06 (seis) meses de detenção. Suzane foi condenada, não podendo recorrer da sentença em liberdade, tendo sido expedido de mandado de prisão contra a mesma.

Suzane possuía todos os requisitos objetivos e subjetivos para progredir ao regime semiaberto. No entanto, o Supremo Tribunal Federal simplesmente decidiu não analisar o pedido.

Já Amarildo foi sentenciado pela morte de seu pai com a pena de exatos 06 (seis) anos de reclusão, a iniciar-se em regime semiaberto. Obteve, também, o direito de recorrer em liberdade.

Verifica-se aí a contaminação da repercussão social e da mídia na decisão do juiz, pois crimes bem parecidos obtiveram penas bem distintas, o que não deveria ocorrer em homenagem ao principio da proporcionalidade. Desde o tempo da pena em si até o tipo de regime e o direito de recorrer ou não foi modificado pela influência da mídia e da repercussão social.

É estranho se constatar que alguém que atira no próprio pai a queima roupa ganha uma pena menor do que de alguém que apenas planejou o crime dos pais. Percebe-se, aí, a influência da mídia e da comoção social, que vem contaminando os Tribunais de Justiça.

Conforme Francesco Carnelutti:

Não se pode fazer uma nítida divisão dos homens em bons e maus. Infelizmente a nossa curta visão não permite avistar um germe do mal naqueles que são chamados de bons, e um germe de bem, naqueles que são chamados de maus (CARNELUTTI, 1957. p. 25).

Considerando os casos acima, observando suas semelhanças e diferenças, contata-se, de forma clara, a influência da mídia nas sentenças penais.

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