Mulheres devem usar roupas comportadas para evitar estupros?

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A autopossessão, no contemporâneo arcabouço jurídico pátrio, considera estupro qualquer ato contra a liberdade sexual da mulher e do homem. Mas uma questão sempre vem à tona: a roupa curta incita ao estupro ou o estupro é consequência da "cultura do estupro"? Ou, mais ainda, prática de estupro é consequência da compulsão sexual?

O comportamento feminino incita ao estupro? As roupas das mulheres brasileiras são demasiadamente curtas para justificar estupros?

Lembro-me de duas matérias jornalísticas apenas, por mais que leio sobre psicologia humana, que me causaram perplexo. A primeira era de uma homem que teve que ser socorrido após introduzir seu membro num orifício na piscina. O outro acontecimento, o homem introduziu seu membro sexual no orifício do aro da roda. Isso é tara. Quando a libido é descontrolada, a pessoa não tem controle sobre seus desejos, a vontade é saciar-se. Temos a satiríase.

Sigmund Freud dizia que o ser humano, durante o seu desenvolvimento, desde a fase lactante até a adulta, passa por vários ciclos. O perverso polimorfo na criança, a libido espalhada pelo corpo, pode, sem a devida educação, causar fixação em alguma parte do corpo da criança. De acordo com a intensidade da fixação, a libido pode, no adulto, transformar-se em desvios sexuais, como masturbação excessiva, exibicionismo, sadismo, masoquismo e até o estupro. Cientificamente, a compulsação sexual é chamada de Desejo Sexual Hiperativo (DSH). Essas pessoas precisam de tratamento psiquiátrico. Muitas sofrem, emocionalmente, pelo que são.

Poderia ser o estupro marital uma válvula de escape para os maridos? Acredito que sim. A libido é uma das forças mais poderosas da natureza. O instinto sexual, tanto em homens quanto mulheres, é força impulsionadora aos relacionamentos humanos. Isso não quer dizer que o ser humano não possa ter amor sem sexo; há pessoas assexuadas que vivem muito bem como casais. Assim, o estupro marital, que é condenável e punido por lei, servia como válvula de escape.

Os prostíbulos sempre foram uma válvula de escape para a libido humana. Na rigidez dos dogmas religiosos ocidentais, os prostíbulos eram a salvação para a vontade de potência reprimida. Freud, muito mal compreendido em sua época, trouxe luz científica sobre a libido humana e os padrões repressores, sexuais, causadores de neuroses. Para os dogmáticos, Freud era um pervertido. Contudo, o pai da psicanálise jamais pregou que os seres humanos devem viver conforme seus impulsos sexuais, pois é perigoso. O meio termo, isto é, uma vida saudável pelo equilíbrio.

As revistas pornográficas também servem ao expurgo da libido. O ser humano faz sexo por vários motivos: descarregar suas tensões diárias sejam por motivos laborais, medo da violência urbana; demonstração de poder, ou seja, a capacidade de conquistar. Enfim, a literatura psicanalítica demonstras as várias facetas do comportamento humano quanto à libido.

Depreende-se que a libido, quando descontrolada ou Desejo Sexual Hiperativo (DSH), é um perigo tanto para a própria pessoa quanto à vítima, no caso de estupro. No caso de pessoas abastadas, a prostituição é ótima oportunidade de se desencadear a libido (DSH), pois não há cometimento de crime — pagou, teve o serviço prestado —, muito diferente da pessoa que não tem condições de bancar sua libido (DSH). No entanto, mesmo em casos de pessoas abastada, não há plena satisfação, sexual, de pagar por um programa sexual; é mais prazeroso atacar alguma pessoa na via pública. O susto, o temor, o medo da vítima, todos estes eventos servem como potencializadores à libido do estuprador. É o sadismo!

Há estupradores presos que admitem que não podem mais retornar ao seio social. Não possuem controle sobre seus desejos sexuais. Há deputados propondo castração química para os estupradores contumazes.

Feita esta introdução, a roupa causa ou proporciona o estupro de mulheres? Logicamente que não. No entanto, entrarei em tema espinhoso. Para um estuprador, quanto menos roupa, melhor. Uma praça pública. É noite, há um corredor formado por árvores perfiladas de ambos os lados, a iluminação é precária. O estuprador já conhece o local, sabe do término do horário das aulas na Universidade. Sabe também quem passa ali: quatro mulheres. Uma delas veste uma roupa bem decotada. O estuprador tem uma arma de fogo.

As presas, entrando na mente do estuprador, devem passar na localidade a qualquer momento. As quatro mulheres surgem, o estuprador aparece apontando uma arma, manda que as outras mulheres saem, senão ele atirará. A vítima, com roupas curtas, é pega, levada para dentro da vegetação. Por ter roupas curtas, vestir saia, o ato é consumado o mais rápido possível. Uma mulher com calça daria mais trabalho. É uma construção hipotética. Há casos de mulheres estupradas mesmo usando calças, mas tudo depende de cada caso concreto: circunstâncias mesológicas dos crimes.

Os especialistas em segurança recomendam que os usuários de vias terrestres, os motoristas, não parem próximos do sinal luminoso semáforo, mantenham os vidros das janelas fechadas etc. São medidas de segurança. Diante dos inúmeros estupros, tanto no Brasil quanto em outros países, como a Índia, caso algum especialista em segurança recomendasse que, diante da insegurança pública, as mulheres não andassem pelas vias usando roupas curtas, saias, será que ele é machistas ou propôs comportamento de segurança? Ela recomenda que as mulheres trajem calças, e como acessório íntimo uma permuda sintética. Recomenda, também, que as calças tenham cinto para dificultar a retirada da calça. Absurdo? Também penso.

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Da mesma forma penso que as medidas, exaustivas, de segurança para os usuários de vias terrestres contra os furtos e roubos. Enquanto a criminalidade avança, medidas de segurança tornam a vida das possíveis vítimas, todos somos, insuportáveis. Porém, as medidas de segurança, como evitar entrar em áreas de risco, já que o Poder Público não tem nenhum poder quanto à insegurança pública, tornam-se necessárias e normais. Entenderam, agora, sobre o uso de roupas "decentes" para as mulheres não serem estupradas? Existem pessoas com DSH, mas não são a maioria do povo brasileiro, ou da humanidade.

Em outro artigo, dissertei sobre a autopossessão da mulher: se ela quer ter relações sexuais com mais de dois homens, e somente dois, isto não dá o direito de terceiro forçar pelo motivo "Deu para dois, cabe mais um". A autopossessão, no contemporâneo arcabouço jurídico pátrio, considera estupro qualquer ato contra a liberdade sexual da mulher e do homem. Aquela prática "Dá uns goles para a pessoa ficar na minha mão" constitui crime, caso a pessoa vítima não tenha plena consciência do que faz. O mesmo vale para as mulheres.

Deixo aos leitores refletirem e comentarem: diante da insegurança pública, as mulheres devem vestir roupas "seguras", como calças, para evitarem de serem violadas sexualmente? Ou deve a insegurança pública deixar de existir? Ou a educação nas instiuições de ensino devem ensinar aos meninos que o sexo feminino também tem o mesmo direito de não sofrer agressões?

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

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