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A redefinição do papel do Estado e a introdução de novas figuras jurídicas no Direito brasileiro

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20/12/2004 às 00:00
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4. AS AGÊNCIAS NO DIREITO BRASILEIRO

No Brasil, as Agências Reguladoras foram constituídas como autarquias de regime especial integrantes da administração indireta, criadas para realizar as tradicionais atribuições da Administração Direta, na qualidade de Poder Público concedente, atuando na regulação e fiscalização da prestação dos serviços públicos pelo concessionários, permissionários e autorizados.

A grande novidade das Agências Reguladoras consiste em sua maior independência em relação ao Poder Executivo, apesar de fazer parte da Administração Pública indireta, tendo como características a independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade, com a conseqüente impossibilidade de demissão "ad nutum" de seus dirigentes e autonomia financeira.

Somente duas agências tiveram sua criação prevista na Constituição Federal. Por meio das Emendas à Constituição de número 8 e 9 de 1995, previu-se a criação de um órgão regulador para o setor de telecomunicações (CF, art. 21, XI) e outro para o setor de petróleo (CF, art. 177, § 2º, III), o que foi implementado pelas leis 9472/97 (conhecida por Lei Geral de Telecomunicações – LGT) e 9478/97, as quais instituíram a Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL e a Agência Nacional do Petróleo - ANP, respectivamente. Porém, a primeira agência reguladora brasileira tem origem infraconstitucional. Trata-se da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, instituída pela Lei 9427/96.

A partir daí diversos órgãos de mesma natureza foram instituídos por normas infraconstitucionais. Assim, o caso da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, originada pela Medida Provisória 1791/98 e convertida na Lei 9782/99, voltada ao controle de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária. Em 2000, a Lei 9961 instituiu a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e a 9984, a Agência Nacional de Águas – ANA, destinada a implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos e coordenar o Sistema Nacional de Geranciamento de Recursos Hídricos. No ano seguinte a Lei 10.233 criou a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT e a Agência Nacional de Transportes Aquáticos – ANTAQ.

A proliferação destas agências reguladoras não se fez acompanhar da elaboração de um regime jurídico aplicável a todas elas, indicando a falta de coordenação da atividade econômica e de uma superestrutura regulatória. A comparação entre cada uma das atividades reguladas acaba por suscitar dúvidas, por exemplo, sobre possíveis diferenças entre os órgãos previstos na Constituição Federal e os que contam apenas com disciplina infraconstitucional.

4.1. Características

Muito embora não exista um modelo obrigatório que uniformize as agências reguladoras, uma vez que contam com tratamento casuístico em cada lei de criação, que define suas peculiaridades de acordo com o setor da economia a ser regulado, há algumas semelhanças que caracterizam estas agências, dentre elas : forma autárquica, autonomia e especialidade técnica.

Forma autáquica

As agências reguladoras foram inseridas, pela legislação federal, entre as autarquias, integrantes da Administração Indireta, permitindo-lhes exercer poderes de autoridade pública por força de sua personalidade de Direito Público. A fim de diferenciá-las das demais autarquias criadas em 1967 pelo Decreto-lei 200, foi prevista a sujeição a regime especial.

O "regime especial" ao qual se submetem compreende, principalmente:

a) maior autonomia em relação à Administração direta; b) estabilidade de dirigentes, os quais gozam de mandato fixo; c) caráter final de suas decisões, insuscetíveis de apreciação por outros órgãos da Administração.

Formalmente, essas características não significam uma grande novidade, visto que todas as autarquias são entidades independentes. O Próprio Decreto-lei 200, em seu artigo 5°, I, conceituou autarquia como "o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada."

O aspecto que merece destaque refere-se à estabilidade de seus dirigentes, cujos mandatos podem ter um prazo superior a um mesmo período governamental.

Em síntese, a designação "autarquia sob regime especial", destina-se apenas a frisar a independência que se quer conferir aos órgãos reguladores, sem que a forma autárquica represente inovação.

Autonomia

Para o desenvolvimento de suas atividades, as agências reguladoras gozam de autonomia administrativa, financeira e técnica.

A autonomia administrativa implica na capacidade de autogestão, no que lhe é peculiar e singular dentro dos limites da lei de criação.

Marçal Justen Filho observa:

"A atribuição de autonomia à agência pressupõe a existência de competências privativas. Se determinados assuntos forem de competência comum à agência e a outro ente, ao qual incumbe escolher se e quando exercitará seus poderes, não existirá uma agência reguladora independente. Nessa hipótese, a outra entidade imporá à agência um vínculo de subordinação prejudicial ao exercício de suas competências.

Portanto, um pressuposto essencial para a configuração de uma entidade autônoma consiste na existência de competências exclusivas, determinadas legislativamente, de modo a excluir o poder jurídico ou político de outro órgão para determinar as hipóteses em que caberá sua atuação." (12)

Outra forma de garantir a autonomia das agências é o modo de nomeação de seus dirigentes, os quais exercem mandato fixo, com a impossibilidade de demissão ad nutum pelo Chefe do Poder Executivo. Para melhor garantir a autonomia das agências, a escolha desses dirigentes pelo Presidente da República deveria ser feita com base em critérios capacitários previstos em lei, a fim de diminuir-se a ingerência política das nomeações.

Outro aspecto importante para caracterizar a independência das agências, é a autonomia financeira, assegurada pela disponibilidade de recursos humanos e infra-estrutura material fixados em lei, além da previsão de dotações consignadas no orçamento geral da União, créditos especiais, transferências e repasses que lhe forem conferidos.

A autonomia técnica, por sua vez, está ligada ao princípio da eficiência. Refere-se à especialização de cada agência em relação à sua atribuição técnica. Este grau de especialização técnica das agências, empregado em suas decisões, fundamenta não só a criação da a própria agência, como também boa parte do poder normativo a ela conferido.

Especialidade técnica

A terceira característica a ser ressaltada liga-se ao princípio da eficiência e à exigência de racionalidade do poder na Administração Pública. Refere-se à especialização de cada agência em relação à sua atribuição técnica.

É justamente do grau de especialização técnica empregado nas decisões destes órgãos que se valem muitos autores para defender uma margem de discricionariedade técnica às entidades reguladoras. Trata-se de um conceito bastante controvertido que basicamente expressa a competência para tomar decisões que não sejam propriamente discricionárias, mas que se encontram fora o campo do controle jurisdicional pela especificidade da matéria envolvida, a qual só seria conhecida pelos administradores, técnicos, salvo nos casos de desrespeito aos standards contidos em lei.

Na verdade, a especialização explica boa parte do poder normativo das agências. Todavia, não configura uma competência discricionária. Se discricionária fosse, somente justificaria decisões tomadas perante casos concretos, nunca poderia se referir a estatuições gerais e abstratas.

Por fim, deve-se notar que dificilmente existirão duas soluções técnicas equivalentes, de modo que quanto mais técnica for uma decisão, menos discricionariedade haverá. Além disso, a necessidade de se verificar se os atos regulatórios são feitos com base em critério puramente técnicos constitui o principal argumento em defesa de um acompanhamento rígido sobre estas decisões.

4.2. As funções exercidas pelas agências reguladoras

Os entes reguladores brasileiros são competentes para regular e fiscalizar as atividades econômicas em sentido amplo, isto é, serviços públicos e atividades econômicas em sentido estrito.

O critério empregado na eleição de um setor a ser regulado reside na existência de reflexos (positivos ou negativos) relacionados a esta atividade. No caso de serviços públicos privilegia-se a eficiência e a racionalidade de sua prestação, além de zelar por sua universalização. Já as atividades econômicas em sentido estrito são reguladas com o fito de preservar um ambiente concorrencial e o interesse dos consumidores.

Em ambos os casos, o fim último da regulação é implementar um programa regulatório (política pública de regulação) mediante: a) elaboração de regras gerais que disciplinem a atividade sob sua tutela (regulamentando a prestação de serviços públicos, definindo tarifas etc); b) controle da execução das atividades, recebendo e investigando denúncias e reclamações; c) aplicação de sanções aos agentes sob sua vigilância, nos termos da Constituição Federal, da Lei de Processo Administrativo (Lei 9784/99) e de outras leis específicas; d) solucionando conflitos e questões controversas postas a seu encargo.

Nas hipóteses de regulação de serviços públicos, somam-se ainda as tarefas exercidas pelo poder concedente, saber: a) realização de licitações para escolha do concessionário, permissionário ou autorizatário; b) encampação da atividade; c) rescisão do contrato; e d) reversão de bens ao término do prazo de vigência do contrato.

Além das competências administrativas comuns, em que a atuação da agência não se diferencia muito de qualquer outra entidade da Administração indireta, merece destaque as competências específicas a elas atribuídas pela legislação. Tais competências, que se relacionam com a própria competência regulatória, podem se exteriorizar de duas maneiras : mediante a edição de normas gerais e abstratas ou por via de normas concretas e individualizadas.

Desta forma, como meio de efetivação de sua autonomia decisória, de agilização de sua atuação, a especialização necessária e uma certa distância em relação aos órgãos políticos, as agências contam com o poder de editar normas concernentes à atividade cuja regulação lhes é atribuída.

Este poder normativo foi conferido pelas leis que instituíram as agências reguladoras em nosso ordenamento jurídico. Tal possibilidade, à primeira vista, parece colidir com o princípio da separação dos poderes e o da legalidade, tendo em vista que competiria, exclusivamente, ao Poder Legislativo o exercício da atribuição em comento.

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Enfrentando a dúvida sobre a legalidade dessa atividade, há doutrinadores que situam-na no campo da delegação legislativa e outros que a tratam como competência regulamentar. A discussão sobre o assunto é muito ampla, não sendo objeto deste trabalho examinar, com maior profundidade, a função normativa das agências reguladoras há vista do princípio da separação de poderes.

Mesmo porque, como bem coloca Marçal Justen Filho, é inviável discutir-se a competência normativa das agências sem antes definir norma jurídica, nem examinar sua estrutura e principais características. [13]

Merece destaque, entretanto, a observação feita por José Gustavo Athayde sobre o tema:

"Tendo em vista a novidade e a complexidade do tema, poderia ser prematura qualquer conclusão definitiva sobre a natureza jurídica dos regulamentos editados pelas agências reguladoras, se autônomos ou não, até porque a doutrina ainda diverge inclusive quanto à classificação de tais atos normativos. Em qualquer posição que se adote, a de Carlos Ari Sundfeld ou a dos que definem como regulamentos autônomos os atos em estudo, é pacífica a existência de limites ao poder normativo dos órgãos reguladores, até mesmo como decorrência dos princípios da separação dos poderes e o da legalidade.

Identificando tais limites, reconhece-se que a tais regulamentos não é permitido contrariar as leis e evidentemente a Constituição. Outra conclusão a que se chega é que tais atos normativos não podem inovar de forma absoluta na ordem jurídica, criando direitos e deveres às pessoas envolvidas sem algum tipo de respaldo em lei. Osvaldo Aranha Bandeira de Melo sustentava que os regulamentos não podem ampliar, restringir ou modificar direitos ou obrigações legais, pois tais tópicos consistem em matéria reservada à lei. Outro limite detectado é a proibição da edição de regulamento quando for exigido processo legislativo certo e específico, bem como nos casos de competência legislativa constitucional. Dos artigos 5º, XXXIX, 149, 150, I e 195 da Carta Fundamental extrai-se que não podem os regulamentos criar crimes, prever penas, sanções, tributos ou encargos de qualquer natureza. Os regulamentos não podem retroagir para beneficiar determinado grupo de pessoas em detrimento de outras, não podem deixar de ser motivados, são passíveis de controle por parte do Poder Judiciário, tanto na via concentrada quanto na difusa, conforme o caso. " [14]


5. CONCLUSÃO

A Reforma do Estado brasileiro tem como fundamento o desenvolvimento de uma nova política de organização do estado, baseada na descentralização da ação estatal nos setores não exclusivos de estado, mantendo a proposta de centralização apenas para o núcleo estratégico do governo (a administração direta), responsável pela formulação e avaliação das políticas públicas.

A principal mudança trazida por esta reforma é a nova maneira de prestação de serviços públicos: o Estado passa a não ser mais o único provedor destes serviços, pois com a quebra do monopólio estatal, estes foram delegados à iniciativa privada.

O processo de desestatização se caracterizou, portanto, pelo incremento da prestação indireta de serviços públicos, sob forma de delegação através de quatro diferentes modalidades: concessão, permissão, autorização e terceirização. Outra forma de retirada do Estado da prestação de serviços públicos é a chamada privatização. A privatização não pode ser considerada uma forma de delegação, pois, nesta modalidade, o Estado se retira por completo da prestação do serviço.

Para atingir os objetivos propostos na reforma, foram introduzidas novas figuras jurídicas, como soluções alternativas para a execução de atividades de interesse público, não exclusivas do Estado. São elas : organizações sociais e organizações da sociedade civil de interesse público.

As organizações sociais e as organizações da sociedade civil de interesse público não são pessoas da Administração Indireta, mas sim organizações particulares com as quais o Poder Público mantém parcerias, com o objetivo de intensificar a participação social na prestação efetiva de atividades que beneficiam a sociedade como um todo. O Poder Público e as organizações têm, assim, interesses comuns, que se acrescentam.

As agências executivas são formadas por autarquias ou fundações públicas que celebram contrato de gestão com o respectivo Ministério supervisor, visando conceder-lhes maior autonomia e agilidade.

As agências reguladoras, que tiveram seu modelo baseado nas agências norte-americanas, são os grandes ícones deste novo modelo de Estado, uma vez que foram criadas com o objetivo de normatizar os setores dos serviços públicos delegados e de buscar equilíbrio e harmonia entre o Estado, usuários e delegatários.

São também objeto dos maiores debates e reflexões, devido ao grande impacto por elas causado. Boa parte das polêmicas e das discussões doutrinárias se deve à constatação de que as agências reguladoras – entidades da Administração Indireta – são detentoras de largas parcelas de competência normativa, por meio das quais podem inovar o ordenamento jurídico, expedindo normas gerais e abstratas que vinculam os agentes reguladores e impõem-lhes obrigações.

Trata-se de uma questão bastante intrincada, que envolve os princípios em que se encontra a base do Estado Democrático de Direito como a separação de poderes, a legalidade e a legitimação democrática.

Cabe ressaltar, por fim, que a disciplina jurídica dessas novas entidades precisa ser aperfeiçoada, para o fim de atingir plenamente os objetivos propostos, de conferir agilidade e eficiência na prestação dos serviços públicos.

No que concerne às organizações sociais e às organizações da sociedade civil de interesse público, existe a necessidade de aperfeiçoamento da lei para a inclusão de exigências de patrimônio ou qualificação técnica especial para a candidatura de uma entidade ao título de organização social, por ser preciso estimular o oferecimento de contrapartidas, pela entidade, ao apoio do Estado, juntamente com o desenvolvimento de mecanismos para que a escolha das entidades não seja feita de forma discricionária.

As agências executivas, na verdade, não constituem um modelo totalmente novo, podendo serem consideradas, basicamente, uma forma de revitalização do antigo modelo autárquico, acrescido de um controle de gestão por resultados.

Quanto às agências regulatórias, deve-se levar em conta que não basta a simples importação do modelo norte-americano, mas é necessário adaptá-lo à realidade brasileira, principalmente considerando a grande diferença existente no Direito Administrativo de ambos os países. Além disso, apesar de gozar de maior autonomia, as agências devem estar submetidas ao controle dos Poderes constituídos, em face da necessária manutenção dos sistemas de freios e contrapesos caracterizador da idéia de separação de Poderes e a manutenção da centralização governamental.

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Sobre a autora
Adriana Maurano

procuradora do Município de São Paulo (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAURANO, Adriana. A redefinição do papel do Estado e a introdução de novas figuras jurídicas no Direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 531, 20 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6073. Acesso em: 23 dez. 2024.

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