Eficácia horizontal dos direitos fundamentais e a autonomia privada solidária nas relações de trabalho

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[1] Neste sentido, a Constituição da Espanha, em seu art. 53, n.1, dispõe que “Los derechos y libertades reconocidos en el Capítulo II del presente Título vinculan a todos los poderes públicos. Sólo por ley, que en todo caso deberá respetar su contenido esencial, podrá regularse el ejercicio de tales derechos y libertades, que se tutelarán de acuerdo con lo previsto en el artículo 161, 1, a).” Por sua vez, a Constituição de Portugal, ao tratar da sua força normativa, no art. 18, n. 1, estabeleceu que “os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”.

[2] Ao comentar o Direito Mexicano, Miguel Carbonell defende que os direitos fundamentais estabelecem relações jurídicas entre particulares, considerando, ainda, autoridade, todas as pessoas que dispõe de autoridade pública e que exerçam atos públicos, pelo fato de que a força envolvida decorre de uma força pública. CARBONELL, Miguel. Los derechos fundamentales en México. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2004. p. 132-133.

[3] GOMES CANOTILHO, José Joaquim. Direito constitucional e teoria da constituição, 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1399.

[4] BASTIDA FREIJEDO, Francisco; et al. Teoria general de los derechos fundamentales en la Constituición española de 1978, Madrid: Tecnos, 2004, p. 183.

[5] DIÉZ-PICAZO PONCE DE LEÓN, Luis Maria. La jurisprudencia constitucional de dos derechos fundamentales. Fuerza normativa e interpretación de los derechos fundamentales. Efectividad de los derechos fundamentales, en particular, en relación del poder legislativo. In: LÓPEZ PINA, Antonio (coord.) et al. La garantía constitucional de los derechos fundamentales. Alemania, España, Francia e Italia. Madrid: Civitas, 1991, p 290.

[6] Em 1940, o famoso diretor de cinema, Veit Harlan produziu um filme de propaganda antissemita, intitulado Jud Süβ (o Judeu Süβ). Após a Segunda Guerra Mundial, um tribunal ordinário da Justiça alemã considerou que Harlan, por meio do filme, teria praticado crime contra a humanidade, devido a influência tendenciosa exercida por seu filme sobre o público ao promover a perseguição aos judeus. No entendimento do tribunal, o autor conhecia essa característica do filme, assim como suas consequências racistas. Contudo, o autor restou absolvido por sua conduta, visto que não poderia recusar uma ordem do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels, nem poderia produzir o filme de modo menos impressionante ou eficaz para o público sem que colocasse sua própria vida em perigo. Depois da sua absolvição e logo após o início do primeiro filme de pós-guerra de Veit Harlan, Erich Lüth, o presidente de clube de imprensa de Hamburgo, durante uma palestra, convocou os empresários e a produtores cinematográficos presentes a boicotar o produtor do filme Jud Süβ. Lüth afirmava que a absolvição de Harlan teria sido apenas formal, persistindo na fundamentação da sentença uma condenação moral, o que exigia dos empresários e dos proprietários das salas de cinema um comportamento moralmente digno. Em seu pronunciamento, Lüth, reafirmando sua antiga posição, afirmava, em carta aberta, ser um direito e uma obrigação de todo alemão decente colocar-se à disposição da luta contra estes indignos representantes do filme alemão (...) como também a favor do boicote (Menzel, Jörg (org.). (Verfassungsrechtsprechung, p. 97). Posteriormente, em razão de uma ação promovida pela produtora do novo filme de Veit Harlan, Unsterbliche Geliebte (Amada Imortal), em que se pedia a condenação de Erich Lüth a omitir-se de expressar suas opiniões, resultou na proibição, pela Justiça estadual de Hamburgo, de que Lüth se manifestasse sobre o boicote do filme. Por conta disso, a Justiça de primeiro grau, em Hamburgo, com base no Código Civil alemão, arbitrou em desfavor de Lüth uma sensível pena pecuniária, caso descumprisse a decisão (BVerfGE 7, 198, 199, 203). Erich Lüth, então, interpôs recurso de apelação perante os tribunais superiores e, posteriormente, recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde) perante o Tribunal Constitucional (BVerfGE 7, 199/203). Por sua vez, o Tribunal Constitucional, fazendo prevalecer o sentido dos direitos fundamentais sobre as normas do Direito ordinário, a partir de um juízo de ponderação de bens, reformou a decisão do tribunal inferior, impondo o entendimento de que, a partir de então, toda a ordem jurídica deveria ser interpretada à luz do Direito Constitucional, especialmente a partir dos direitos fundamentais, ainda que se cuidasse, como no caso, de relações jurídicas entre particulares.

[7] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 12. ed. Porto Alegra: Livraria do Advogado, 2015, p. 277.

[8] Nipperdey aplicou a tese desenvolvida em seu ensaio sobre a igualdade salarial da mulher (Gleicher Lohn der Frau für gleiche Leistung), abordando pela primeira vez a eficácia dos direitos fundamentais, e no caso indicado, com ênfase no princípio da igualdade no âmbito das relações de trabalho voltado à defesa da igualdade salarial para mulheres de mesmo desempenho. AMARAL, Júlio Ricardo de Paula. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas. 2. ed. São Paulo: LTr. 2014, p. 72

[9] AMARAL, Julio Ricardo de Paula. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas. 2. ed. São Paulo: LTr. 2014, p. 86

[10] Autores que defendem teorias intermediárias, ou seja, defendem a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais com fundamento nas relações de domínio entre sujeitos iguais (relações privadas). MOREIRA, Teresa Alexandra Coelho. Da esfera privada do trabalhador e o controlo do empregador. Coimbra: Coimbra, 2004, p. 56.

[11] No Brasil, dentre os exemplos da corrente divergente, no sentido de que a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares é indireta, podem ser citados Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo: RT, 2007, p. 104 e ss. No direito português, a contraposição mais enfática e consistente de uma eficácia direta foi promovida por Jorge Reis Novais. Direitos Fundamentais: Trunfos contra a maioria. Coimbra: Coimbra Editora, 2006.

[12] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 12. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2015, p. 387.

[13] ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 236-237.

[14] CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Tradução de Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2003. p. 30-31, 240-241.

[15] AMARAL, Julio Ricardo de Paula. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas. 2. ed. São Paulo: LTr. 2014. p. 86.

[16] SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006, p. 220.

[17] MOREIRA, Teresa Alexandra Coelho. Da Esfera Privada do Trabalhador e o Controlo do Empregador. Coimbra: Coimbra, 2004, p. 58-60.

[18] MOREIRA, Teresa Alexandra Coelho. Da esfera privada do trabalhador e o controlo do empregador. p. 60

[19] CAUPERS, João. Os direitos fundamentais dos trabalhadores e a constituição. Coimbra: Livraria Almedina, 1985, p. 173-175.

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[20] BORBA, Joselita Nepomuceno. Eficácia dos direitos fundamentais e a revalorização do contrato de trabalho. Revista LTr. São Paulo, v. 75, nov. 2011, p. 1353.

[21] AMARAL, Júlio Ricardo de Paula. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas. 2. ed. São Paulo: LTr. 2014. p. 105.

[22] Terminologia adotada por João José ABRANTES em sua obra Contrato de trabalho e direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2005. p. 107.

[23] AMARAL, Júlio Ricardo de Paula. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas. 2. ed. São Paulo: LTr. 2014. p. 103.

[24] Termo adotado por ABRANTES, José João. Op. Cit., p. 106.

[25] PALOMEQUE LÓPEZ, Manuel Carlos. Los derechos laborales inespecíficos. Minerva - Revista de Estudos Laborais. Coimbra, n. 2, 2003. p. 173-194.

[26] ALMEIDA, Renato Rua de. Direitos laborais inespecíficos dos trabalhadores. Revista TRT 8ª Região. Belém. v. 46, n. 90, jan/jun 2013,  p.151-154.

[27] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. trad. Virgílio Afonso da Silva. Malheiros: São Paulo, 2015, p. 90.

[28] ABRANTES, José João. Contrato de trabalho e direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2005, p. 233.

[29] MOREIRA, Teresa Alexandra Coelho. Da esfera privada do trabalhador e o controlo do empregador. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 60.

[30] CAUPERS, João. Os direitos fundamentais dos trabalhadores e a constituição. Coimbra: Almedina, 1985, p. 171-174.

[31] ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 251.

[32] CAUPERS, João. Os direitos fundamentais dos trabalhadores e a constituição. Coimbra: Almedina, 1985, p. 171.

[33] ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 247-252.

[34] CAORSI, Juan J. Benítez. Solidariedade contratual: noção pós-moderna do contrato. Porto Alegre: Núria Fabris. 2016, p. 27.

[35] NETO, Domingos Franciulli, MENDES, Gilmar Ferreira, MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva (coord). O Novo Código civil: homenagem ao professor Miguel Reale. MARTINS-COSTA, Judith. O adimplemento e o inadimplemento das obrigações no novo Código civil e o seu sentido ético e solidarista. 2.ed. São Paulo, LTr, 2006, p.366-367.

[36] CAORSI, Juan J. Benítez. Solidariedade contratual: noção pós-moderna do contrato. Porto Alegre: Núria Fabris. 2016, p. 40 e 47.

[37] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 18

[38] TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Célia Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 17.

[39] LÔBO, Paulo. Direito civil: Contratos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 67.

[40] NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. Curitiba: Juruá, 2001, p. 139.

[41] TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. Curitiba: Juruá, 2007, p. 17 e 49.

[42] MARIGUETTO, Andrea. O acesso ao contrato: sentido e extensão da função social do contrato. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 105, 107 e 124.

[43] ALMEIDA, Renato Rua de. Direitos laborais inespecíficos dos trabalhadores. Revista TRT 8ª Região. Belém. v. 46, n. 90, jan/jun 2013,  p.153. Nesse sentido também MARTINS-COSTA, Judith. O adimplemento e o inadimplemento das obrigações no novo Código civil e o seu sentido ético e solidarista, in O Novo Código civil: homenagem ao professor Miguel Reale. 2.ed. São Paulo, LTr, 2006, p.362-373.

[44] CAORSI, Juan J. Benítez. Solidariedade contratual: noção pós-moderna do contrato. Porto Alegre: Núria Fabris. 2016, p. 109.

[45] HENTZ, André Soares. Ética nas relações contratuais à luz do código civil de 2002. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2007, p. 25 e 92.

[46] TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos. 2. ed. São Paulo: Método, 2007, p. 202 e 243.

[47] CAORSI, Juan J. Benítez. Solidariedade contratual: noção pós-moderna do contrato. Porto Alegre: Núria Fabris. 2016, p. 268.

[48] XAVIER, José Tadeu Neves. A nova dimensão dos contratos no caminho da pós-modernidade. UFRGS, Porto Alegre,  2006, p. 130 e 174.

[49] SCHIER, Flora Margarida Clock. A boa-fé como pressuposto fundamental do dever de informar. Juruá: Curitiba, 2007, p. 40.

[50] CAORSI, Juan J. Benítez. Solidariedade contratual: noção pós-moderna do contrato. Porto Alegre: Núria Fabris. 2016, p. 317.

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Sobre o autor
Jefferson Alexandre da Costa

Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP; Pós Graduado em Ciências Jurídicas, Pós-Graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil, Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho; Graduado em Análise e Desenvolvimento de Sistemas pela Unicsul. Consultor Jurídico. Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo decorrente de ensaio acadêmico realizado durante debates no curso de Direito do Trabalho em nível de mestrado na PUC-SP.

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