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Parcerias público-privadas:

as realidades de um sonho

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23/12/2004 às 00:00
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Capítulo 4: As realidades do sonho

            Da Exposição de Motivos do PL Federal das PPP, apresentada pelo governo por intermédio de Guido Mantega e Antonio Palocci Filho, extrai-se o reconhecimento do governo brasileiro de que necessita de um programa de PPP por dois motivos, quais sejam, pela "falta de disponibilidade de recursos financeiros e aproveitamento da eficiência de gestão do setor privado."

            Além disso, considera o governo Lula, ser a PPP "indispensável" para o nosso crescimento econômico, "em face das enormes carências sociais e econômicas do país, a serem supridas mediante a colaboração positiva do setor público e privado."

            Neste sentido, o Plano Plurianual – PPA estima o preço do sonho da PPP e prevê a necessidade de investimentos de cerca de 21,7% do PIB – Produto Interno Bruto, até 2007 para que se viabilize o retorno do crescimento econômico do país.

            Por outro lado, os capitalistas não perdem o foco de alguns pontos preocupantes, pois reais. Empresários capitalistas monitoram as realidades econômicas, políticas, legais, sociais e culturais, pois, em última instância, a decisão de gastar ou investir tem de estar revestida pela segurança, pelo risco bem calculado, pelo plano B (alternativo) detalhadamente delineado, como o comprova o paradoxo de Allais (ad tempora), que demonstra a preferência pela segurança na vizinhança da certeza, na prova neobernoulliana, realizada com empresários, com alta soma de dinheiro a investir.

            A velocidade de comercialização, a dinâmica e escala da atividade negocial, que nesta fase de e-business e automatização de controles e negócios proporcionam um giro de valores financeiros há pouco tempo inimaginável, faz com que o mundo empresarial fique especialmente sensível a custos sem fundamentos claros e à maximização de lucros, que ao menor descuido podem causar lesões irreversíveis no organismo empresarial, comprometendo a sua sobrevivência. A composição de parcerias se justifica plenamente neste contexto, onde a colaboração ou compartilhamento na pesquisa e no desenvolvimento, na comercialização ou na administração de custos indiretos dão vigor às alianças estratégicas, importantes para a permanência e fortalecimento de suas atividades nacionais ou supranacionais. Desse modo, todas as realidades econômicas, políticas, jurídicas, sociais e culturais devem ser consideradas pelos empresários, pois acabam repercutindo em sua confiança ou em sua segurança em investir, estimulando ou desmotivando o direcionamento de seu capital para determinados setores da economia ou áreas geográficas.

            As realidades a seguir comentadas não se esgotam em forma ou conteúdo nesta despretensiosa monografia, que se satisfaz em apontá-las de modo a contribuir para futuros estudos de acompanhamento e avaliação da política de PPP no Brasil.

            Realidade 1 – Poder do Príncipe: A confiança do empreendedor privado nas atitudes e valores dos governantes é de fundamental importância para o sucesso das parcerias buscadas pela Administração Pública. A confiança está intimamente ligada à percepção do risco do negócio.

            A negociação entre capitalistas e governantes, mesmo no domínio da ética, requer um certo grau de compatibilidade ideológica. Os valores políticos não podem apresentar tanta dissonância, como aconteceria se os ocupantes dos cargos executivos estatais questionassem os fundamentos filosóficos da legitimidade da propriedade privada dos meios de produção.

            Neste aspecto, mesmo sendo o governo Lula reconhecido como de "esquerda", seu discurso não é o do confronto com o capital e sua prática econômica, pragmática, tem oscilado entre a ortodoxia monetarista e os anseios desenvolvimentistas keynesianos, o que, em termos teleológicos, não soa estranho aos ouvidos dos empreendedores capitalistas.

            A insegurança provém da instabilidade regulatória e tributária. As tendências de centralização de decisões políticas e ingerências administrativas (18) de âmbito econômico setorial, como nas ações para a restrição de atuação das agências reguladoras (que devem ter independência e autonomia), fundamentais para a estabilidade regulatória, conforme o entendimento generalizado do capital. A efervescência tributária leva insegurança ao empresário, pois seus custos de produção ou da dinâmica do negócio (custo financeiro do prolongamento da realização da venda) restam afetados. Adicionalmente, deve ser lembrado que a possibilidade de "quebra de contrato" também cinde a confiança e eleva os risco, assim o Efeito Requião (19) pode causar dificuldades para o estabelecimento de parcerias eficazes (20).

            No entanto, a história política brasileira é marcada por instabilidades e mudanças significativas no Poder, com reflexos nas prioridades assumidas por um determinado governo. Isso leva qualquer um a concluir que um período de 30 anos está eivado de riscos, pois as agendas públicas são projetos de governos e não de Estado. Além disso, tais agendas correm sempre o risco de serem ardilosamente manipuladas pelas tecnoburocracias que constituem a máquina administrativa, como se viu no "paradoxo do voto". O poder do príncipe (e da burocracia estatal) sobrepõe-se ao Estado, sua vontade justa ou não pode levar a quebra de contratos legítimos.

            Apesar de disso, há sinais de confiança na política nacional de PPP, como se depreende do recente empréstimo de US$ 505 milhões de disponibilizado pelo Banco Mundial para ajudar no crescimento do país, podendo ser aproveitados nas PPP. (21)

            Falar da confiança no sentido contrário, ou seja, dos governantes nos parceiros privados não é tão importante, uma vez que aqueles devem orientar-se pelos Princípios da Administração Pública e leis decorrentes, que impõem rigores na apuração da idoneidade do ente privado, antes da celebração de qualquer contrato.

            Realidade 2 - Corrupção: O Brasil não tem ocupado posições confortáveis nos rankings internacionais de organismos que se dedicam ao monitoramento deste comportamento que desagrega a confiança em qualquer parceria. Segundo relatório da World Audit (22), o Brasil ocupa a 47a posição entre 125 países, em que os EUA ocupam a 15a. No Perfil de Competitividade do Fórum Econômico Mundial (23), o Brasil apresenta um Índice de Instituições Públicas (composto pelos sub-índices corrupção e legislação e contratos) de 45/100. Segundo O Relatório Global da Corrupção 2003 – América Do Sul, da Transparência Brasil da Transparency International (24):

            A administração de Fernando Henrique Cardoso teve, a seu favor, o fato de ter feito importantes avanços na luta contra a corrupção. A Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, que aumenta o controle e o monitoramento dos gastos públicos, entrou em vigor em 2002; o órgão responsável pela fiscalização das finanças internas saiu do Ministério da Fazenda e tornou-se mais independente.

            Mas grande parte desse progresso é invisível a muitos brasileiros. Em uma pesquisa realizada em meados de 2002, 51% dos entrevistados responderam que a corrupção federal tinha aumentado durante os últimos dois anos; 41% disseram que tinha aumentado nos estados; e 40% deram a mesma resposta sobre a corrupção nos municípios.

            Os críticos culpam a rede complexa e obscura das alianças políticas brasileiras. A lealdade política está por toda a parte, em nome de resultados eleitorais e, assim, esses "casamentos

            de conveniência" prejudicaram os esforços contra a corrupção empreendidos pelo governo Fernando Henrique Cardoso; qualquer ofensiva mais séria comprometeria pessoas de seu próprio partido.

            A corrupção deve ser combatida, de forma sistemática, em todas as esferas administrativas brasileiras, pois ela abala qualquer confiança para parcerias e "encarece" (pela cobrança de propinas de intermediação, facilitação, preferência, agilização etc) qualquer projeto, anulando todo o ganho de eficiência produtiva almejada.

            Realidade 3 – Agenda Pública: A despeito da crença do presidente do BNDES de que o agente público decisório tem a capacidade de ver e pensar a longo prazo e "expressar a vontade de uma nação" (25), a experiência nacional mostra dissintonias de interesses muito sérias no seio da nação, evidenciadas pelos altos níveis de exclusão social e violência SEIBEL (2004).

            Há a preocupação de que como alguns projetos serão politicamente mais populares que outros, os governos poderão tratar projetos de maneira diferente em para auferir ganhos eleitorais ou em épocas de crise (controle inflacionário, por exemplo), exercerem prioridades econômicas, afrontando a agenda pública e compromissos firmados.

            A definição e a gestão dos projetos de PPP devem levar em conta, através de consultas, os desejos e possibilidades de seus usuários, além dos interesses trabalhistas e sindicais, pensados no longo prazo, pois as experiências internacionais (26) indicam a necessidade de preocupação com esses aspectos. Isto significa, na prática, uma proteção contra riscos políticos, por meio da condução de projetos viáveis e alinhados com interesse público de crescimento econômico, reduzindo a gama de potenciais respostas políticas negativas. A preocupação com os efeitos do paradoxo do voto (WESSELS, 2003, p. 439) e das distorções da ordem preferencial do processo decisório (SENN, 1992, p. 62) devem nortear a escolha e a implementação dos projetos de PPP harmonizados com uma agenda pública legítima e dinâmica é outro desafio a ser enfrentado pelo governo.

            Realidade 4 – Efeito Placebo e Inadimplemento: Todas as esferas de governo têm se utilizado das discussões das PPP para afinar a percepção social, mormente dos empreendedores capitalistas, para a necessidade do país investir em projetos de infra-estrutura para poder crescer economicamente.

            O empreendedor capitalista passa a compartilhar o "sonho" do administrador público, diante de um quadro de política e de ações legislativas, com desenhos de operações econômico-financeiras, respaldadas pela tecnicidade de projetos de desenvolvimento, uma vez que é o desejo de todos ter um país pujante. A realidade da viabilização fática do sonho pode fica obscurecida pela luz do sonho, o que pode levar à realização de investimentos motivados pela satisfação da expectativa do efeito do crescimento, tal qual num efeito placebo: as coisas podem funcionam por que confio que assim seja.

            Como disse recentemente o presidente Luís Inácio Lula da Silva, "Agora é só apresentar projetos como o PPP para que os empresários brasileiros e internacionais se sintam atraídos para investimentos" (27), Este comportamento pode não considerar que a massa de usuários que pagará a tarifa ou preço público está a cada ano, nas últimas duas décadas, empobrecida pelo baixo crescimento do PIB, pelo aumento de desempregados, pela queda do montante tributário arrecadado, pelas metas assumidas juntos aos organismos de financiamento internacional (o que impõe contingenciamentos).

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            A iniciativa privada poderá se ver entre duas situações críticas, levando ao inadimplemento do contrato de parceria: seu cliente sem capacidade de compra (crise de demanda) e seu parceiro sem capacidade ou disposição de compor o valor do preço do serviço ofertado (crise de margem).

            Realidade 5 – Cultura Gerencial: Numa relação negocial de parceria entre a Administração Pública e o agente privado os aspectos dos modelos administrativos não podem ser ignorados quando do estabelecimento de contratos e da organização da dinâmica da prestação de serviços contratada.

            A Administração Pública brasileira pauta suas ações orientada por princípios básicos à luz do art. 37 da Constituição Federal, que são:

            - Legalidade: o administrador deve realizar o que é previsto em lei;

            - Impessoalidade: sua atuação deve pautar-se pelo atendimento impessoal, neutro;

            - Moralidade: a atividade administrativa devem atender a um só tempo à lei, à moral; à equidade e aos deveres da boa administração;

            - Publicidade: é obrigatório e cogente divulgar e fornecer informações de todos os atos da Administração, interna ou externamente; e

            - Eficiência: que impõe que o administrador adote critérios profissionais que assegurem o melhor resultado possível, inclusive na organização da entidade em que atua.

            Caracterizada a violação de qualquer princípio básico da Administração estarão inibidos os efeitos do ato viciado.

            Para o exercício de suas funções socorrem a Administração Pública alguns poderes, que não dispensam a correspondência poder-dever, ou seja, o poder só pode ser exercido com uma finalidade específica, subordinando-se ao dever.

            Assim, o Poder Vinculado indica que sua atuação só é lícita se estiver conforme ao comando legal; o Poder Discricionário, de modo diverso da atividade vinculada, possibilita um grau de liberdade de ação para o administrador, desde que esta discricionariedade esteja prevista ou delimitada por lei; o Poder Hierárquico que permite que a Administração estruture sua organização, dentro dos limites de competência previstos em lei, do que decorrem prerrogativas como delegar e avocar atribuições, emitir comandos, fiscalizar, controlar etc; o Poder Disciplinar que corresponde ao dever de punir faltas funcionais cometidas por agentes públicos; o Poder Regulamentar, ou normativo, que permite a edição de regulamentos e decretos complementares à lei, de modo a explicitá-la ou prover sua execução; e o Poder de Polícia que confere à Administração o dever de impor limites ao exercício de direitos e de atividades individuais em função do interesse público.

            Portanto, observando-se os princípios e os poderes da Administração Pública pode-se inferir o quanto seu aparato administrativo se ajusta a uma estrutura burocrática weberiana (OLIVEIRA, 1999, p. 41), pois:

            i. A organização dos cargos obedece aos princípios hierárquicos, com definição de papéis a serem desempenhados no cargos descritos. Cada funcionário respondendo por suas responsabilidades;

            ii. O Poder Hierárquico estrutura a Administração, dentro dos limites da lei, num sistema coerente de regras administrativas abstratas, consistindo sua aplicação na especificidade, nos casos particulares;

            iii. O Poder Disciplinar atua para punir e para proteger o funcionário contra arbitrariedades, garantindo-lhe uma estabilidade corporativa, que no Brasil nem sempre é eficaz no desenvolvimento do espírito de equipe por conta dos baixos salários, da limitada capacidade administrativa dos administradores e da exagerada influência de correntes político-partidárias nos gabinetes da Administração, causadoras de "rachas" nas equipes;

            iv. As atividades normais estão bem dimensionadas e distribuídas de modo estável e uniforme, numa divisão de trabalho onde os serviços são simples, rotineiros e interativos.

            Em suas considerações sobre a reforma do estado brasileiro, BIZELLI (2002) comenta sobre o posicionamento do MARE – Ministério da Administração e Reforma do Estado, implantado em 1995 pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, que vislumbrava uma administração pública gerencial, respondendo "ao aumento das funções econômicas e sociais do Estado, e, de outro, ao desenvolvimento tecnológico e à globalização". Na análise do modelo brasileiro, Luiz Carlos Bresser Pereira, então ministro do MARE, concluiu que a atual Constituição Federal reforça e amplia o controle administrativo burocrático, diminuindo a flexibilidade operacional e contribuindo para a cristalização de interesses corporativos. As reformas propostas pelo MARE tiveram como finalidade dar agilidade à esfera pública, afastando-se de um modelo regulador keynesiano da vida sócio-econômica para a atuação "em parceria com o setor privado e com as organizações não governamentais (ONGs)"

            Na atual administração federal, não está clara a opção pelo modelo proposto pelo MARE, uma vez que há pontos de dissonantes, pois para o fortalecimento da economia nacional, o Programa de Governo do PT para o Brasil, preconizava em seu item 33 a concepção de um Estado articulador e coordenador da economia, numa postura de planejamento estatal keynesiano (contrário às receitas do MARE ao marco regulatório e política de concessões do último governo), mas contando com parcerias (34 c) contratadas com o setor privado (que prevêem, no projeto de lei do governo, o controle de desempenho, como forma de gestão).

            A atividade empresarial privada vive administrativamente outra situação, não lhe ajustando o perfil mecanicista da burocracia estatal. Premido pelas exigências da competição, pela disputa por margens com fornecedores, distribuidores, governos e trabalhadores e pelas demandas por qualidade, respeito ambiental e práticas de responsabilidade social, o empresário busca incessantemente modos administrativos alternativos que otimizem a eficiência e a eficácia de seus negócios, não lhe sendo adequada a dinâmica racionalmente estruturada da burocracia estatal.

            As estruturas empresariais privadas tendem a ser orgânicas, com estrutura hierárquica dinâmica, respondendo rapidamente às modificações e demandas do meio ambiente externo. As variáveis organizacionais são dependentes das variáveis ambientais. Estas são dinâmicas e influem na estabilidade daquelas.

            Assim, não interessam, à iniciativa privada a assunção de obrigações que engessem sua capacidade de reagir, cortando custos, investindo em tecnologias, mudando equipes e procedimentos, pautando-se pela máxima informalidade não desagregadora. Chega-se ao ponto de, numa visão imediatista, questionar a garantia de direitos trabalhistas como estabilidade de emprego, benefícios, irredutibilidade de salários, salários predefinidos, limitação de jornada, promoção por tempo de serviço etc.

            No jogo da maximização de lucros, aumento de rendas e conquistas de maiores fatias de mercado, interessa ao capital privado não ter amarras legais com obrigações trabalhistas e sociais, sendo mesmo intolerante ao cumprimento das obrigações tributárias.

            A superação dos estilos é necessária para a viabilização dos projetos PPP. Para tanto, os contratos devem ter um espaço especial para o regramento das entradas e saídas de caráter macro-operacional.

            O contrato de parceria não deve, portanto, prever operações conjuntas na viabilização da prestação de serviços ou ofertas de bens públicos

            Realidade 6 – Sigilo e Publicidade: A proposição, seleção, contratação e supervisão dos projetos devem ter normas detalhadas em bem definidas para garantir e harmonizar dois direitos aparentemente contraditórios; quais sejam, a obrigação-direito "publicidade" e o direito-obrigação de não revelação de informações confidenciais, os non-disclosure agreements - NDA (sigilo, segredo ou confidencialidade), de extrema importância no mundo empresarial.

            A garantia do sigilo é corrente no dia a dia dos negócios empresariais, uma vez que, numa proposta de projeto há informações tecnológicas e metodológicas que têm valor pecuniário importante no ambiente de competição. Deste modo, para que o empreendedor privado possa apresentar propostas originais e criativas, sem a garantia de contratação (uma vez que para a consecução de um contrato de parceria não será dispensável o processo licitatório), haverá que se criar instrumentos procedimentais que padronizem a extensão e profundidade das propostas, sem revelar segredos tecnológicos ou diferenciais competitivos. A publicidade obrigatória pode inibir a criatividade das propostas e afetar a qualidade da seleção de alternativas de projetos mais eficientes e eficazes.

            Realidade 7 – Existência de Recursos: A questão mais evidente é quanto à disponibilidade física de recursos internos e externos para os investimentos necessários e desejados.

            Angariar centenas de bilhões de reais ou dólares não é tarefa simples, uma vez que se tratam de recursos escassos, nas mãos de capitalistas (que visam o retorno do investimento segundo taxas remuneratórias – lucratividade -, baseadas na clássica avaliação da utilidade ou benefício marginal do projeto), portanto sujeitos aos dilemas de trade off. Assim, deve o governo, a cada projeto dar garantias líquidas e certas de que haverá retorno, com boa lucratividade e segurança contratual e comercial, em todo o longo prazo do projeto de parceria.

            Neste sentido, cabe a discussão da capacidade do Estado cumprir com as cláusulas econômicas de um contrato de parceria (longo prazo) e a legalidade de se assumir compromissos que obrigarão futuras administrações, podendo afrontar a Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF, principalmente quanto ao art. 5o §1º do Projeto de Lei de PPP Federal:

            A remuneração do parceiro privado poderá sofrer atualização periódica com base em fórmulas paramétricas, conforme previsto no edital de licitação.

            Quando a LRF considera não autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não levem em conta o impacto orçamentário-financeiro e não sejam incompatíveis com a lei orçamentária e não podendo afetar as metas de resultados fiscais; tendo seus efeitos financeiros compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução de despesas. Aqui cabe, uma vez mais a questão da mediocridade do crescimento econômico dos últimos anos e a exaustão da carga tributária, limitando a Administração Pública na assunção responsável de obrigações de longo prazo.

            Por outro lado, a vinculação do mercado brasileiro ao dólar americano o torna particularmente sensível aos movimentos da economia americana. Os EUA passam por uma situação de preocupante déficit orçamentário e fiscal. A sua economia tem tido desempenhos preocupantes, mormente após a assunção do governo George W. Bush e dos atos terroristas de 11 de setembro de 2001. Os juros básicos da economia americana caíram a patamares ínfimos, numa estratégia do banco central americano (FED), buscando aquecer o mercado de consumo interno. Como conseqüência, o Brasil e os países emergentes tiveram a oportunidade de atrair capitais (que buscam maiores ganhos) para seus mercados. Tal efeito, entendido como "bolha" por uns economistas ou "minibolha" pelo ex-diretor do Fundo Monetário Internacional, Claudio Loser (28), preocupa pois pode significar que, com a elevação dos juros americanos (possibilidade próxima), há chance de fuga de capitais do Brasil e, mais, caso haja um enfraquecimento do dólar, talvez a competitividade obtida pelos produtos brasileiros no comércio internacional não gere capitais suficientes para compensar a maior dificuldade (custos mais elevados) de obtenção de recursos e capitais financeiros (além da concorrência representada pela China, Índia e Coréia do Sul), afetando investimentos produtivos e de infra-estrutura (PPP).

            Realidade 8 – Empobrecimento e Capacidade de Contratar: Se nas últimas décadas o desempenho econômico nacional mostrou-se ridículo, deprimente foi o PIB de 2003, que indicou o empobrecimento brasileiro, em números absolutos de 0,2%. O consumo das famílias declinou 3,3% e o IBGE comenta (29) que houve queda na arrecadação de impostos oriundos dos setores com maior incidência tributárias (1,7%), entre os quais o de vestuário, bebidas, produtos farmacêuticos, queda no ICMS (1,4%) e II (5,6%). Está claro que as famílias estão sem dinheiro para consumir e estão obrigadas a reprogramar suas cestas de consumo, alterando suas escolhas. As famílias, destinatárias naturais dos serviços e bens produzidos nos projetos de parceria estão sem dinheiro para comprar. O Estado, parceiro público, está sem dinheiro para bancar compromissos responsáveis de longo prazo e estará obrigado com os pagamentos previstos nos inc. I a V e do § 2º, do art. 5º do Projeto de Lei de PPP do governo federal:

            A contraprestação da administração pública nos contratos de parceria público-privada poderá ser feita por:

            I - pagamento em dinheiro;

            II - cessão de créditos não tributários;

            III - outorga de direitos em face da administração pública;

            IV - outorga de direitos sobre bens públicos; ou

            V - outros meios admitidos em lei.

            ...

            § 2º Os contratos previstos nesta Lei poderão prever o pagamento ao parceiro privado de remuneração variável vinculada ao seu desempenho na execução do contrato, conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade previamente definidos.

            Há a possibilidade de se prever nos contratos de PPP

            a complementação de tarifas ou preços públicos pelo Estado (30). Isto é uma garantia à atratividade do negócio e o alívio de custos para os usuários, por meio de shadow tolls (aplicada em rodovias), onde o governo assume pagar uma parcela da receita do empreendedor, o que pode afrontar a LRF. De qualquer forma, é necessário ampliar o PIB, o que significa crescer e para crescer é necessário dispor de infra-estrutura (rodovias, portos, ferrovias etc), onde as PPP são um importante alternativa do governo, que necessita de recursos (PIB) para participar dos negócios.

            Realidade 9 – Garantia e Fraude: A garantia dada pelo Projeto de Lei de Parceria Federal de precedência do parceiro privado em relação às demais obrigações contratuais da Administração Pública (§ 3º do art. 5o), garantida, entre outras providências, pela transferência de bens e ativos da União (inc. II e III do art. 9o ), caso permaneça na lei a ser aprovada, causará um número significativo de ações judiciais, um vez que o Estado é inadimplente contumaz de créditos judiciais, sendo que a transferência de bens para privilegiar um potencial credor caracteriza fraude (31). Esta "garantia" é uma ameaça ao programa de PPP.

            Realidade 10 – Lisura nas Negociações: A liberdade contratual na esfera pública, ao longo do tempo, vem sofrendo importantes restrições. Os contratos têm se apresentado de modo tão rígido, tal e qual contratos de adesão. O interesse social sobrepõe-se à liberdade contratual, por razões de ordem pública. O dirigismo contratual estatal, se por um lado confere proteção ao trabalhador, ao inquilino e ao consumidor, por outro, restringe a autonomia da vontade, pela fixação de "princípios mínimos que os contratos não podem afastar" (WALD, 2004).

            A questão da compatibilização de contratos de PPP, que se caracterizam pela "affectio contractus", dos contratos de colaboração, onde os contratantes buscam uma relação equilibrada e eqüitativa, com a atenuação de obrigações quando houver modificações substanciais nas situações das partes (cláusula "rebus sic stantibus"), com a rigidez e os rigores da legislação vigente e com os princípios da Administração Pública é bastante intrigante.

            A flexibilidade que o Projeto de Lei de PPP Federal permite ao Poder Público na modelagem de cada negócio, como diz Mantega, "cada caso é um caso", abre a questão do grau de discricionariedade, transparência, igualdade, eqüidade e o controle da corrupção. Quanto maior o leque de alternativas de contratos (e assim recomenda a racionalidade administrativa moderna), maior é a dificuldade de fiscalização, pelas complexidades inerentes a contratos grandiosos, como os de PPP, mormente afeitos a grandes obras de infra-estrutura pública, como se pode comprovar nos inúmeros processos administrativos e judiciais em curso, que trazem como investigado ou réu, administradores públicos de todos os níveis de governos.

            O problema reside entre a montagem do projeto e sua captação pela Administração Pública, que permitirá a atração de toda classe de consultorias legítimas ou legitimadas ("de fachada"). A consultoria legítima acrescenta valor ao projeto, pois cumpre uma função necessária em sua viabilização. A consultoria ilegítima (legitimada ou "de fachada") encarece o projeto sem acrescer-lhe valor ou utilidade, e sim, ineficiências, apenas servindo para ganhos ilícitos de corruptores e corruptos na articulação de fraudes que oneram o erário público.

            O relator do Projeto de Lei da PPP, deputado federal Paulo Bernardo, do Partido dos Trabalhadores do Paraná, entende que direcionamentos de contratos de PPP poderiam ser evitados com a "fiscalização do governo, da sociedade, da imprensa e das empresas" (32) que tenham participado do certame, situação já encontrada hoje nos contratos licitados em toda as esferas públicas administrativas no país, onde abusos não faltam, bastando pesquisar os processos em tramitação nos Tribunais de Contas, municipais, estaduais e da União. No entanto, no mesmo sentido de posição do deputado, LUDOVICI (1992, p. 175) entende que mecanismos de alarme (denúncias), com efeitos punitivos, poderiam "paradoxalmente" resolver a corrupção em áreas críticas da Administração.

            A dificuldade, no Brasil, está de fato na punição clara e justa e tempestiva, que – ausente alguma dessas condições – alimenta o caldo de cultura das negociatas com a "coisa" pública e o gosto pelo risco que tanto atrai os corruptos. Até que grau a colaboração estabelecida entre a Administração e o empresário será revestida de lisura e redundará em ganhos sociais, pautados pela negociação transparente e flexível, orientada pelos ideais de fraternidade, justiça e espírito público, é um aspecto a ser acompanhado de perto pela sociedade.

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Sobre o autor
Mario Cesar da Silva

Professor universitário, advogado, especialista em gestão Pública, Mestre em engenharia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Mario Cesar. Parcerias público-privadas:: as realidades de um sonho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 534, 23 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6087. Acesso em: 19 abr. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada à Faculdade de Ciências e Letras do Campus de Araraquara da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como parte dos requisitos para conclusão do Curso de Especialização, em nível de pós-graduação lato sensu, em Gestão Pública e Gerência de Cidades. Araraquara, 2004

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