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Competência tributária do ISS:

lei versus jurisprudência

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14/01/2005 às 00:00
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III – COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA DO ISS – LEI VERSUS JURISPRUDÊNCIA

O Brasil, em sua atual conjuntura econômica, passa por um momento difícil. A União, conjuntamente com os Estados e Municípios oneram, ao máximo, o contribuinte com impostos, taxas e demais contribuições e, mesmo possuindo uma das maiores arrecadações tributárias do mundo, não consegue manter seus cofres positivos e pagar todas as suas dívidas.

O que sucede é que administram mal suas entidades, as quais gastam mais do que arrecadam e, conseqüentemente, acabam decretando suas próprias falências. Isso agravou-se, diante da Lei de Responsabilidade Fiscal, a qual tanto os Estados, quanto os Municípios vêm tentando, com muita dificuldade, se adequar.

Neste sentido, é muito importante para os Municípios e seus contribuintes que se determine o local preciso para o recolhimento do imposto sobre serviços, ou seja, qual é realmente, o Município competente para cobrar o imposto. Isso viria evitar a cobrança indevida do imposto por parte dos municípios e o pagamento em local incorreto por parte dos contribuintes.

Está claro que a Constituição Federal vigente outorga competência para instituir o ISS, ao Município. Contudo, muitas são as divergências sobre a qual Município é devido o imposto, pois a própria legislação infraconstitucional provoca distorções em sua interpretação.

Partindo dessa premissa, surgem as seguintes indagações: - Qual o Município competente para efeitos de incidência do ISS: a) aquele onde o serviço foi efetivamente prestado? ou b) aquele onde foi firmado o contrato? ou c) aquele onde está o domicílio ou estabelecimento do prestador do serviço? ou d) aquele onde o serviço foi concluído? ou, ainda, e) aquele onde as notas foram emitidas? ou aquele onde se situa a sede da empresa? ou aquele onde se situa outro estabelecimento da mesma empresa?

Contudo, a questão é muito mais complexa. Pensemos, por exemplo, no caso em que a prestação do serviço teve início em um determinado local e se concretizou em outro. Onde deverá, nesse caso, o contribuinte efetuar o recolhimento do tributo? Ou, então, na situação na qual o serviço foi executado em localidade onde não existe estabelecimento da empresa prestadora. Qual seria o sujeito ativo da obrigação tributária ?

O Decreto-lei nº 406, de 31.12.1968, ao dispor sobre a matéria, não considerou relevante o princípio territorial para a incidência do ISS. Adotou como regra principal, o da incidência do imposto municipal em razão do estabelecimento prestador, e deixou como regra excepcional, a da incidência do ISS em razão do local onde se realiza a prestação de serviços. Vejamos:

"Art. 12. Considera-se local da prestação do serviço:

a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador;

b) no caso de construção civil, o local onde se efetuar a prestação.

c) no caso do serviço a que se refere o item 101 da Lista Anexa, o Município em cujo território haja parcela da estrada explorada."

Passemos a analisar cada uma das regras contidas no citado Decreto-lei.

1-) EM RAZÃO DO ESTABELECIMENTO DO PRESTADOR.

Preceitua o art. 12, "a" do Decreto-lei 406, que o imposto municipal será devido no local onde se situa o estabelecimento prestador de serviço, desde que não se trate da hipótese de construção civil.

Neste sentido, assim têm se posicionado os nossos Tribunais, conforme verifica-se em várias ementas, dentre as quais destacamos:

"Tributário. ISS. Competência para sua exigência. Sede do estabelecimento Prestador. A competência para exigir Iss é do município onde estabelecida a empresa prestadora. Recurso improvido." (STJ, Recurso Especial nº 17.648-0 – SP, Relator Min. César Asfor Rocha).

"Imposto – Serviços de qualquer natureza – Paisagismo – Município de Campinas – Obra concluída – Tributo devido no local onde se situa o estabelecimento prestador e não no local da prestação dos serviços. Recurso especial conhecido e provido." (Recurso especial, nº 16.033-0-SP).

"ISS. O local da prestação do serviço é o do estabelecimento prestador (art. 12 "a" do D.L. nº 406/68). Não nega vigência esse dispositivo acórdão que, em face das circunstâncias de fato e de direito, considera que a empresa tem filiais no exterior e que foram estas que prestaram o serviço ali, não sendo portanto, devido o ISS à prefeitura do Município onde está situada a sede. Questão preliminar que não é decidida à luz do citado preceito legal. Recurso Extraordinário não conhecido." (Votação unânime. Rel. Moreira Alves. Rec. 11 PP- Ano 88, p. 12100).

Partindo desse posicionamento, podemos formular os seguintes exemplos:

- se A que tem estabelecimento no Município de Araraquara, prestar serviços neste mesmo Município, o imposto será devido na própria cidade, não havendo o que se discutir.

- se A que tem estabelecimento no Município de Araraquara, prestar serviços no Município de Matão, o ISS será devido ao Município de Araraquara, que é o local onde se situa o estabelecimento do prestador, não importando onde o serviço foi executado. E aí surge um problema: como pode um município tributar serviços que foram prestados fora de sua base territorial?

Vejamos. Se o prestador de serviço utilizou-se dos benefícios estruturais do Município onde o serviço foi efetivamente prestado, por que pagar o imposto em outra cidade, apenas pelo fato de estar lá situado o seu estabelecimento?

Ademais, vale dizer que várias empresas com base em tal dispositivo, se instalam nos Municípios onde as alíquotas são inferiores, porém prestam serviços, em toda aquela região, pagando o tributo de acordo com o local onde se encontra seu estabelecimento.

Isso, a toda evidência, é altamente prejudicial àqueles Municípios que oferecem toda infra-estrutura para a execução de serviços enquanto que, serão os Municípios onde se localizam as prestadoras desses serviços, quem arrecadarão os tributos aos seus cofres.

Oportuno lembrar que o art. 12 do Decreto-Lei 406/68 foi revogado pela LC 116/03, mas a norma nele contida foi mantida. Aqui, vale mencionar que um ponto positivo que se verifica na recente lei complementar, consiste na definição de estabelecimento prestador.

Nos dispositivos anteriores atinentes ao ISS, grande falta fazia a elaboração do conceito do que fosse estabelecimento prestador, o que dava margem a diversas interpretações sobre o tema. Agora, a Lei Complementar nº 116/03 veio suprir essa falta de definição, por meio de seu art. 4º, ao dispor:

"Art. 4º Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas."

Deste modo, não mais se permitirá às empresas recolher o imposto onde desejarem, como vinha acontecendo em alguns Municípios. Ainda que na cidade onde o serviço foi prestado, haja mero contato ( posto de atendimento, por exemplo) é para este Município que o imposto será devido.

2 -) EM RAZÃO DO DOMICÍLIO DO PRESTADOR

Esta é a segunda regra contida na alínea "a", do artigo 12, do Decreto-lei 406, em referência à incidência do ISS: o imposto será devido onde se situa "o domicílio do prestador de serviço".

É a regra que deve ser aplicada a todos os casos de prestação de serviços onde o contribuinte não possua estabelecimento prestador.

Para o Código Tributário Nacional, o domicílio da pessoa natural "é a sua residência habitual, ou sendo esta incerta ou desconhecida, o centro habitual de sua atividade" (art. 127. I). Adotou o Código, o conceito da doutrina que considera domicílio, o lugar onde a pessoa estabelece a sua residência, com ânimo definitivo ou o faz centro habitual de suas ocupações.

Nesta hipótese, se A tem seu domicílio em Araraquara, mas presta serviços em Matão, o ISS será devido em Araraquara, local do domicílio do prestador, não importando também o local onde o serviço foi prestado.

As duas primeiras regras são semelhantes, pois domicilio e estabelecimento são usados na Lei num sentido próximo.

3 –) EM RAZÃO DO LOCAL DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.

A terceira está contida na alínea "b", do artigo 12, do Decreto-lei 406 e dispõe que: o imposto municipal é devido onde se efetuar a execução de obras de construção civil. Ou seja, a incidência do ISS não será determinada nem pelo local do estabelecimento prestador e nem pelo domicílio do prestador, mas sim pelo local onde o serviço é prestado.

Nesta hipótese, mesmo se A, possuindo domicílio ou estabelecimento em Araraquara, efetuar serviços em Matão, o ISS será devido na cidade de Matão, pois o que importa é o local onde se efetuou a prestação de serviços, não necessitando, assim, de estabelecimento ou domicílio para a ocorrência do fato gerador.

Oportuno ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça - STJ, a pretexto de evitar certas práticas fraudulentas referentes à ocorrência do fato gerador onde se encontra o estabelecimento ou domicílio do prestador, tem admitido que o imposto seja recolhido no local onde foi efetivamente prestado o serviço, não apenas em relação à construção civil, mas em outros serviços constantes da lista. Neste sentido, trilha predominantemente a jurisprudência, em inúmeras ementas, dentre as quais julgamos oportuno transcrever:

"Embora a lei considere local da prestação de serviços, o do estabelecimento prestador, ela pretende que o ISS pertença ao Município em cujo território se realizou o fato gerador. É o local da prestação do serviço que indica o Município competente para a imposição do tributo - ISS, para que se não vulnere o princípio constitucional implícito que atribui àquele município o poder de tributar as prestações ocorridas em seu território. A lei municipal não pode ser dotada de extraterritorialidade, de modo a irradiar efeitos, sobre um fato ocorrido no território de município onde não pode ter voga. Recurso provido" (STJ - Ac. Unân. da 1ª T., publ. em 24.04.94 - RESP 41.867-4 - Rel. Min. Demócrito Reinaldo - SELTEC - Empresa Nacional de Serviços X Município de Pelotas - Adv. Renato Donadio Munhoz e Pedro Orestes Sorondo). (grifo nosso).

"Para fins de incidência do ISS – Imposto Sobre Serviços, importa o local onde foi concretizado o fato gerador, ou seja, onde foi prestado o serviço, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário. – Agravo regimental improvido." (STJ – AGRESP – 299838 – MG – 1ª T. – Rel. Min. Francisco Falcão – DJU 15.10.2001 – p. 00236) (grifo nosso).

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"Nega-se provimento ao agravo regimental em face das razões que sustentam a decisão agravada, sendo certo que a Primeira Seção desta Corte já pacificou o entendimento de que, para fins de incidência do ISS, importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor do art. 12, alínea "a", do Decreto-Lei nº 406/68." (STJ – AGA – 336041 – MG – 1ª T. – Rel. Min. Francisco Falcão – DJU 17.09.2001 – p. 00124) (grifo nosso).

"TRIBUTÁRIO – ISS – PRESTADORA DE SERVIÇOS – COMPETÊNCIA PARA TRIBUTAÇÃO DOS SERVIÇOS PRESTADOS – LOCAL DE SUA PRESTAÇÃO – Não tem sentido que uma empresa que seja sediada numa cidade e vá prestar serviços em outra recolha o serviço daquela prestação na localidade onde está sediada, por prejudicar o município onde ela (prestação de serviços) se realizou. A competência tributária deve fixar-se pelo local da prestação do serviço." (TJMG – EI 000.179.095-5/01 – 4ª C.Cív. – Rel. p/o Ac. Des. Hyparco Immesi – J. 21.03.2002) (grifo nosso).

Vê-se claramente, que estamos diante de uma situação divergente, onde os Tribunais têm decidido em sentido contrário à literalidade da lei.

Isso porque, apesar desta nova tendência jurisprudencial, esta norma, de acordo com a letra "b" do artigo 12, do Decreto-lei 406/68, só se aplica na hipótese de construção civil.

Entendemos, contudo, que, embora o serviço de construção civil demande maior tempo, maior número de homens e de maquinários - motivo pelo qual o legislador determinou que nesse serviço a incidência do imposto se dê no local da efetiva prestação - também os demais tipos de serviços deveriam seguir a mesma regra.

Primeiramente, porque essa é a norma implícita na Lei Maior. Portanto, a lei infraconstitucional, ao determinar como regra, que competente para cobrar o ISS é o Município onde está estabelecido ou domiciliado o prestador, sem levar em consideração onde está sendo exteriorizado o fato imponível, a exteriorização do fato gerador do imposto, está flagrantemente ferindo preceitos constitucionais, pois está fazendo tábua rasa do princípio da territorialidade constitucionalmente previsto.

Sob outro prisma, porque se esta fosse a regra geral quanto à prestação de serviços, as demandas entre os municípios seriam menores, pois na dúvida quanto aos diversos estabelecimentos, aplicar-se-ia a incidência do imposto onde efetivamente ocorresse o fato gerador da obrigação.

Por oportuno, cabe observar que o mencionado art. 12 do Decreto-Lei nº 406/68, foi objeto de revogação pela já mencionada Lei Complementar nº 116/03, publicada no Diário Oficial da União de 1º de agosto de 2003.

Todavia, a norma nele contida foi mantida. Assim, não ficam prejudicadas as alegações transcritas com base no que ele dispunha. Isso porque, a recentíssima Lei Complementar nº 116/03, ao disciplinar a matéria, mantém como regra que o imposto é devido ao Município do estabelecimento prestador. E, amplia as exceções a essa regra, de forma que além da atividade de construção civil, outras ficarão sujeitas ao recolhimento do imposto no Município onde o serviço for efetivamente prestado. Estabeleceremos maiores detalhes sobre esta nova disciplina no próximo Capítulo.

4 –) EM RAZÃO DO TERRITÓRIO ONDE SE ENCONTRE A RODOVIA EXPLORADA.

Esta regra surgiu com a Lei Complementar 100/99, que acrescentou novo item a lista de serviços, permitindo a cobrança do imposto na exploração de rodovias, face à crescente privatização do serviço. O imposto, neste caso, será devido no território do município onde se encontrar a rodovia explorada.

Oportuno lembrar que, embora a Lei Complementar 100/99 tenha sido revogada pela Lei Complementar nº 116/03, a norma nela contida foi mantida pelo art. 3º, § 2º, da mesma lei.

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Sobre o autor
André Luiz Vetarischi

Advogado em Araraquara/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VETARISCHI, André Luiz. Competência tributária do ISS:: lei versus jurisprudência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 556, 14 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6090. Acesso em: 28 mar. 2024.

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