Tutela específica das obrigações de dar

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29/09/2017 às 14:06
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Aborda-se a obrigação de dar coisa e a sua tutela específica. Este tipo é caracterizado pela obrigação do devedor de entregar ao credor determinado bem.

Introdução

Cumpre esclarecer, inicialmente, que a obrigação de dar compõe uma relação jurídica, assentada entre o devedor e o credor, tendo necessariamente como caráter a transitoriedade, e como objeto, a prestação pessoal devida pelo devedor ao credor, garantindo o cumprimento mediante o seu patrimônio. Não cumprindo a obrigação por parte do devedor, o juiz irá conceder a tutela específica, fixando o prazo para o seu cumprimento. A execução para a entrega de coisa realiza-se com fundamentos nos título executivos judiciais ou extrajudiciais.

As obrigações conseguintes de um título executivo (judiciais ou extrajudiciais) são caracterizadas, pela sua natureza, em três tipos, sendo elas:

 - Obrigação de dar coisa

- Obrigação de fazer e não fazer

- Obrigação de pagar quantia certa.

Neste artigo, será abordado o primeiro tipo, qual seja: a obrigação de dar coisa e a sua tutela específica. Este tipo é caracterizado pela obrigação do devedor de entregar ao credor determinado bem. E a sua Tutela específica sendo a busca de resolver a obrigação, que seria alcançada com o adimplemento do compromisso por parte do devedor. 

 A obrigação de dar é repartida em coisa certa ou coisa incerta, que pode incidir de um título executivo judicial ou extrajudicial. A regulamentação legal das referentes obrigações são os artigos 461-A e parágrafo 1º do CPC relativo ao título executivo judicial e 621 a 631 da mesma legislação atinente ao título executivo extrajudicial.

Com a criação do novo instituto processual da tutela específica, a regra da conversão da obrigação em perdas e danos antes seguida passou a constituir-se em exceção, assumindo a execução específica a regra geral. Com esse novo regulamento processual é permitido o convertimento da tutela específica em perdas e danos somente no caso de existir pedido anunciado pelo autor da demanda ou de impossibilidade material da execução específica.

Com o propósito de permitir o cumprimento específico da obrigação de dar, impedindo o seu convertimento em perdas e danos, é dado ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, formas de coerção a fim de compelir o inadimplente ao cumprimento da obrigação acordada, concedendo-lhe, para isto, prazo razoável.


2. TUTELA ESPECÍFICA DAS OBRIGAÇÕE DE DAR

De acordo com a história, não eram constantes as execuções serem lastreadas no patrimônio do devedor. A execução no direito romano admitia que o devedor ou o seu próprio corpo fosse objeto da execução, sendo o Réu convertido em escravo, ou inclusive seu corpo esquartejado e partilhado entre seus credores, onde era chamada “manus iniectio”, nas Leis das XII Tábuas.

A manus iniectio na Lei das XII Tábuas: Nesta época era uma lei rimitiva e rude que determinava a morte ao devedor se não sanasse a dívida ele próprio ou alguém em seu lugar. Este alguém era o uindex, um parente ou amigo que contradissesse a validade do pedido do autor sabendo que se perdesse seria obrigado a pagar o dobro da dívida inicial.”

Em face do tempo, após a quebra do antigo regime aristocrático, não existia valor a prestigiar que seria mais importante do que a liberdade cujo caráter quase absoluto passou a dominar a teoria dos negócios jurídicos. Dessa maneira, todos eram livres para exprimir suas vontades e, assim, dispor de seus bens e adquirir obrigações. O regimento contratual encontrou como alvo culminante a consignação do pacta sunt servanda. O contrato, proveniente da vontade livre do contratante, era lei a ser respeitada e cumprida, sem aversão.

O Direito processual vai se transformando e atinge a França, com o Código Napoleônico, efetivando-se com a proibição de que o corpo do Réu seria o objeto da execução. Passa a existir então, um novo andamento histórico em que a execução restringia-se em abordar apenas o patrimônio do Réu. O princípio predominante era no sentido de que todo aquele que se obriga pessoalmente fica sujeito a suportar as conseqüências de sua obrigação sobre todos os seus bens presentes e futuros.

Neste sentido, descumprindo o Réu sua obrigação, tornando-se inadimplente, não poderia ser pessoalmente forçado a quitar sua obrigação, sendo a única maneira de sanção a que incidisse sobre o patrimônio do devedor.   

Por fim, o direito processual exercia inteiramente seu papel em face das obrigações de dar, visto que a execução forçada proporcionada pela tutela estatal cumprisse in natura, alcançava o patrimônio do devedor, sem precisar coagi-lo pessoalmente, sendo apreendidos os bens em lide e, entregues ao credor, ou mesmo transformando-os em dinheiro, atingia-se a satisfação do detentor de direitos.

 2.1 Conceito de Tutela Específica

Antes de qualquer coisa, devo aqui apresentar o conceito de Tutela específica, ou seja, aquela que procura resolver a obrigação que naturalmente teria sido alcançada com o adimplemento da obrigação por parte do devedor.

A tutela específica consiste na condenação do devedor ao cumprimento de uma obrigação de dar (coisa certa ou incerta), fazer (fungível ou infungível) e não fazer. Diz-se que a tutela é específica, porquanto, ao contrário das perdas e danos, corresponde, justamente, àquilo que o credor almeja daí seu caráter de especificidade, diferentemente das perdas e danos, que são estabelecidas quando não mais possível sua obtenção.

Baseado e tais concepções todos devem respeitar os direitos de outrem. Se não há a consecução desse dever de abstenção, através daquela forma de provimento, a questão se resolve em perdas e danos. Dessa forma a execução específica entende-se que seja aquele processo de execução coagida que afeta a esfera patrimonial do devedor em busca de proporcionar ao credor exatamente o mesmo bem que, segundo o vínculo obrigacional, deveria ter sido entregue ou restituído por meio do voluntário cumprimento da prestação devida. É o que também se denomina execução in natura.

Sucessivas reformas processuais suprimiram o processo de execução fundado em sentença, tornando-o mera fase posterior do processo cognitivo (cumprimento da sentença), eis por que o uso das expressões, processo sincrético e sincretismo processual.

 2.2 Execução da Obrigação de Dar e a sua Tutela Específica: (art.461-A do CPC)

A metodologia da execução da obrigação de dar coisa deve ser analisada em caráter do título executivo, pois o Código de Processo Civil determinou regras distintas para essa fase. Os títulos podem ser executivos judiciais ou extrajudiciais.

Na ocorrência de execução das obrigações de entregar coisa (certa ou incerta), existe um cumprimento de sentença condenatória, ou seja, o juiz condena o réu a entregar a coisa, devendo ser aplicada de maneira subsidiaria o artigo 475-R do Código de Processo Civil no cumprimento da sentença. Além disso, o juiz possui a capacidade de definir um prazo para cumprimento da obrigação, tendo como fundamento legal o artigo 461-A, caput do CPC, pode estabelecer astreintes (multas periódicas pelo atraso do cumprimento da obrigação) ou qualquer outra forma de coerção, incluindo a possibilidade de coerção ex officio, como previsto pelo artigo 461-A, §3º combinado com o §5° do CPC.

Nas palavras de Humberto Theodoro Jr.

 “A multa, outrora específica das obrigações de fazer e não fazer passou a  ser medida de coerção executiva aplicável também às prestações de entrega de coisa (art. 287, com redação da lei n. 10.444/02). (..) A multa de que cogitam os artigos 461 e 461-A são as astreintes impostas para coagir o executado ao cumprimento específico das prestações de fazer ou de entregar coisa.”

Esta medida tem em vista privilegiar a tutela específica da coisa, pois inicialmente deve-se, de toda forma, tentar o cumprimento da obrigação. A multa é uma estrutura que permitiu maior contentamento das obrigações de dar coisa, pois em sua peculiaridade, a obrigação de dar, pode encontrar dificuldades para seu cumprimento. A multa é eficiente, pois consegue coibir o devedor ao cumprimento da obrigação.

Dessa forma, expressa Luiz Fux, “intimado, o devedor pode assumir as seguintes atitudes: a) entregar a coisa, hipótese em que extingue o processo, salvo se ainda houver resíduo referente a frutos ou danos a favor do credor (art. 624 do CPC), transmudando-se o cumprimento na modalidade de “execução judicial” (cumprimento) por quantia certa destas parcelas; b) depositar a coisa, para impugnar a execução (art. 622 do CPC), ou c) manter-se inerte, hipótese em que o juízo pode usar dos meios de sub-rogação indicados (imissão na posse ou busca e apreensão)” para se atingir a tutela específica da coisa e dar maior efetividade ao processo.

No caso do devedor não entregar a coisa devida, poderá ser estabelecida pelo credor uma possível ação autônoma de perdas e danos. Ademais, há também a possibilidade da coisa ser perdida e por esta razão será convertido em execução de pagar a quantia. E por último, pode acontecer o descumprimento da sentença e o juiz poderá expedir um mandado de busca e apreensão para os bens móveis ou imissão na posse para os bens imóveis, como previsto no artigo 461-A,§2º do CPC.

“Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz,  ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002) § 1o Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e quantidade, o credor a individualizará na petição inicial, se e lhe couber a escolha; cabendo ao devedor escolher, este  a gará entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)§ 2o Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido, expedir-se-á  em favor do credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na , posse conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel. (Incluído pela Lei  nº 10.444 de 7.5.2002)§ 3 Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1o a 6o . Do art. 461. .(Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002).”

Considerando o dito acima, a execução das obrigações de dar coisa certa pode se deparar com algumas dificuldades, pois é possível que esta se perca (por exemplo, seja destruída) ou que a mesma já não se localize mais nas mãos do devedor (exemplo em que o devedor aliena a coisa).

Sobre estas duas hipóteses argumenta o ilustre processualista José Carlos Barbosa Moreira

“É concebível que não se encontre a coisa nas mãos do executado, r por havê-la este alienado. Se a alienação tiver ocorrido depois que a  coisa se tornara litigiosa, e a pretensão do credor se fundar em  direito real a hipótese é de fraude à execução (art. 593, I). Em tal   caso possa valer entre o devedor e o terceiro adquirente, o ato de  alienação à ineficaz em face do credor, de modo que o bem continua , sujeito à execução como se ainda integrasse o patrimônio do executado (art. 592, V). Permite a  lei, por isso, que o exeqüente reclame a coisa do terceiro; (...) trata-se de mera faculdade do exeqüente, a quem é lícito preferir uma alternativa: recebimento do valor da coisa mais perdas e danos (cf. art. 627). A opção é livre ao exeqüente; se este o requerer, expedir-se-á mandado contra o terceiro adquirente, que não “será ouvido”-isto é, não poderá legitimamente oferecer embargos sem antes depositar a coisa (Art. 626).”

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Sobre o perecimento da coisa, Barbosa Moreira leciona: “(...) torna-se materialmente impossível a execução específica, restando à possibilidade de convertê-la em execução genérica (pecuniária). A igual solução recorre-se quando a coisa se tiver deteriorando e, por isso, o exeqüente se recuse a recebê-la; e bem assim quando, alienada a terceiro, não venha aquela a reclamá-la deste (art. 627, caput).”

Deste modo o título executivo judicial não possui um processo autônomo e o meio de defesa empregado nesta ocasião, ou seja, o recurso cabível é a impugnação. Podemos perceber também que o há um fortalecimento do poder dos magistrados, pois estes possuem amplos poderes para fixar medidas coercitivas, como as citadas anteriormente.

Na execução de entregar coisa incerta não se distingue muito da execução de entregar coisa certa, sendo a principal diferença o fato de ser necessária a definição, especificação da coisa incerta para que se possa realizar a execução. Esta tarefa compete ao devedor, em regra, pois pode caber também ao credor. O devedor não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor (artigo 244 CPC).

A respeito do procedimento de execução de obrigação de dar coisa incerta instrui também Barbosa Moreira: “Em se tratando de coisas determinadas pelo gênero e quantidade”, se a escolha couber ao exeqüente, este a manifestará na própria petição inicial; se couber ao executado, o credor há de requerer-lhe a citação não apenas para escolher, mas desde logo para proceder à entrega das coisas, obviamente individualizadas. Ao examinar a inicial, deve o juiz verificar a quem compete a escolha, segundo o título, e indeferir a citação ao devedor para entregar as coisas acaso indicadas pelo exeqüente, se não é este, mas aquele, que tem o direito de escolher.”

O outro procedimento diz respeito à execução de obrigação de titulo executivo extrajudicial. O processo é autônomo e o recurso cabível para se defender desta situação são os embargos à execução. Neste caso, o juiz receberá a petição inicial juntamente com o título e sendo assim deverá citar o réu à entregar a coisa no prazo de dez dias como previsto no artigo 621 do CPC. Não obstante, poderá ser instituída pelo juiz uma multa no caso de ocorrer atraso no cumprimento da obrigação, como previsto pelo artigo 621,§único do CPC. É possível também o juiz expedir um mandado de busca e apreensão para os bens móveis ou imissão na posse para os bens imóveis, de acordo com o artigo.

 2.3 Conversão do dever de entregar a coisa em perdas e danos: (art.461-A, § 3º, c/c art. 461, §1º, do CPC)

A partir dos dispositivos mencionados acima, admite-se que o credor no momento em que se tornar impossível a obtenção da tutela específica, poderá requerer a conversão da obrigação em perdas e danos.

O autor Marcelo Abelha Rodrigues, traz para o debate a questão se é possível que o autor opte por receber o valor relativo às perdas e danos em vez de receber a coisa devida, em seus dizeres: “O questionamento se mostra pertinente pelo fato de que, enquanto a obrigação de fazer ou não fazer, para a qual foi criada a regra no § 1º, o objeto da obrigação ainda não existe fisicamente, pois o comportamento esperado exige uma realização concreta por parte do devedor (salvo quando o comportamento é tolerar ou abster), na obrigação de entrega de coisa o bem já existe e esta indevidamente na posse do devedor ou terceiro. Ademais por que optar por  perdas e danos se o bem existe e pode ser restituído?”.

A questão trazida torna-se de fundamental importância, pois percebemos que o credor não poderá livremente optar por ao invés de receber a coisa receber o valor relativo em perdas e danos. Ou seja, o cumprimento desse instituto não deve ser aplicado como regra.

Nos casos em que há o consentimento do devedor para a conversão da obrigação em perdas e danos ou em que a coisa se perdeu ou se deteriorou, essa conversão somente poderá ocorrer como dispõe o art. 627, do CPC (JÚNIOR, Fredie Didier, Curso de Direito Processual Civil, Vol. 2, 2ª Edição, Editora Podivm, pág. 437):

1. Quando o devedor foi exortado a entregá-la e não a entregou, caso em que, mais inadimplemento, tem-se verdadeira recusa do cumprimento de ordem judicial;

2. Se a coisa não for encontrada;

3. Se a coisa se deteriorou; ou

4. Quando não for reclamada do poder de terceiro adquirente.

Assim como nas obrigações de fazer ou não fazer, a conversão da obrigação de entregar coisa em perdas e danos exigira, necessariamente, a instrução de um incidente cognitivo durante a fase de execução do julgado.

Todavia, as questões aqui resolvidas serão outras, quais são:

1. Existência, ou, inexistência de culpa do devedor em relação a perda ou deterioração da coisa;

2. Boa a má-fé do réu possuidor, e a contraprova que lhe é facultado fazer nos casos em que estiver de má-fé;

3. Valor equivalente à coisa cuja entrega restou frustrada, bem assim as perdas e danos decorrente de sua eventual deterioração.

O valor da indenização deverá seguir o procedimento de efetivação das decisões que impõem obrigações de pagara quantia (art.465-J, do CPC).

Isso posto, percebemos que nos casos em que devedor possa ver seu direito frustrado, seja por destruição, deterioração, perda, alienação perante terceiros, o executante estará protegido, pois a obrigação de dar coisa certa ou incerta poderá ser convertida em perdas e danos.

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Sobre o autor
Francineto Silva

Experiências Profissionais: Monitor de Direito Civil. Local: Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA) 3º Vara dos Feitos da Fazenda e Registros Públicos. Local: Fórum da Comarca de Palmas. Central de Execuções Fiscais. Local: Fórum da Comarca de Palmas. Juizado Especial Federal. Local: Justiça Federal do Tocantins. Ministério Público Federal. Local: Procuradoria da República no Tocantins. Escritório de Advocacia. Local: D' Freire Advocacia e Consultoria.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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