IV - O DIREITO DE RESGATE
Da mesma forma, a propriedade resolúvel também se extinguirá se o alienante exercer seu direito de resgate sobre o imóvel alienado.
Dita o artigo 506 e parágrafo do Código CIvil:
Art. 506. Se o comprador se recusar a receber as quantias a que faz jus, o vendedor, para exercer o direito de resgate, as depositará judicialmente.
Parágrafo único. Verificada a insuficiência do depósito judicial, não será o vendedor restituído no domínio da coisa, até e enquanto não for integralmente pago o comprador.
Assim, se o adquirente se recusar a devolver o prédio, negando-se a receber, dentro do prazo para resgate do imóvel, que lhe foi alienado, o quantum a que tem direito (artigo 505 do Código Civil), o alienante, para exercer seu direito, estipulado no contrato de readquirir o imóvel por ele vendido, deverá depositá-lo em juízo. E, se, porventura, o vendedor vier a consignar em juízo uma quantia inferior à devida, apenas lhe será restituída a propriedade do bem quando, dentro de prazo razoável determinado pelo juiz, pagar integralmente o comprador, complementando o numerário que lhe é devido.
Se o comprador se recusar, sem justa causa, a receber o valor da restituição do preço e o devolver o prédio, o vendedor poderá promover uma notificação para a ressalva dos direitos, consignando em juízo as importâncias exigidas pelo Código Civil, artigo 505, podendo até usar ação reivindicatória para obter de volta o imóvel, como preceitua o artigo 1.359 do Código Civil. O resgate resolve a venda, operando a reaquisição do domínio pelo vendedor.
Quanto ao prazo de 3 (anos) anos, estabelecido pelo artigo 505 do Código Civil, Maria Helena Diniz (Curso de direito civil brasileiro, 24ª edição, pág. 205) lecionou que "nada obsta que os contratantes reduzam esse prazo, visto que só lhes será vedado aumentá-los. E, além do mais, será preciso nao olvidar que, apesar da omissão do novo Código Civil, esse prazo decadencial do retrato prevalecerá ainda contra relativamente incapaz (RT, 542:100: RJTJSP, 137: 253) , mas não contra absolutamente incapaz".
O artigo 508 do Código Civil estabelece que, se a duas ou mais pessoas couber direito de retrato sobre o mesmo imóvel, e só uma o exercer, poderá o comprador fazer intimar as outras, para nele acordarem, prevalecendo o pacto em favor de quem haja efetuado o depósito, contanto que seja integral. Mesmo que os vendedores originais sejam condôminos de imóvel indivisível, com o exercício do direito de retrato por um deles, com o consenso dos demais, fará com que a propriedade do imóvel resgatado pertença, por inteiro, ao que efetuou o depósito integral do montante devido ao comprador (proprietário resolúvel). Se houver resgate conjunto pelos titulares das frações ideais, cada um só poderá readquirir a sua quota alienada. Se o imóvel for divisível, livre será a venda das quotas de cada condômino, e, se feita com a cláusula de retrato, cada vendedor poderá resgatar o que veio a transferir resoluvelmente.
V - A SITUAÇÃO JURÍDICA DO ALIENANTE
O alienante pendente condicione não é proprietário sob condição suspensiva da coisa vendida.
Para Lacerda de Almeida, estudando a propriedade fiduciária, o vendedor a retro tem apenas a expectativa de direito. Disse ele: "O fideicomissário é um expectante do direito radicado no fiduciário; para elle neque cessit, imo magis, neque venit die. O fiduciário está na posição do comprador a retro. A propriedade fiduciária é antes uma propriedade resoluvel, tal qual a propriedade adquirida com aquela cláusula (Direito das cousas, volume I, § 9, pág. 78)".
Para o ministro Moreira Alves (obra citada, pág. 166), o direito do vendedor, sobre a coisa vendida, pendente condicione, é um direito eventual, e não uma simples expectativa de direito. Tem ele um direito futuro não defendido, porquanto sua aquisição depende de fato falível.
Assim são suas consequências:
a) é permitido ao vendedor exercer os atos destinados a conservar o seu direito eventual;
b) pode o vendedor intentar contra o comprador ação cominatória para não deixar que este danifique o imóvel ou nele reailze melhoramentos que dificultem o exercício do direito de retrato;
c) se o vendedor alienar o imóvel, ocorrerá venda de coisa alheia;
d) o vendedor não pode constituir direitos reais limitados sobre o imóvel.
VI - O PREÇO E A RETROVENDA
Vem a pergunta: a convenção que estabelece, para o retrato, preço maior ou menor do que o pago na compra e venda primitiva desnatura, ou não, a retrovenda?
No passado, Corrêa Telles dizia, no Digesto Portuguez (III, n. 373, pág. 55): 373 - O pacto que o vendedor está obrigado a remir por meio do preço que recebeu laudêmio e siza, é usuário.
M.I. Carvalho de Mendonça (Código Civil brasileiro interpretado, XVI, pág. 192 - 3) admitiu a existência de cláusulas dessa natureza. Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, XXXIX, § 4.295, 5, pág. 169) foi dessa mesma opinião, aludindo que a restituição do preço e ao reembolso das despesas do comprador e das empregadas em melhoramentos do imóvel é dispositiva e não cogente.
No ensinamento de José Carlos Moreira Alves (A retrovenda no direito brasileiro, 2ª edição, pág. 152), a natureza jurídica da retrovenda é uma condição resolutiva potestativa, o preço a restituir tem de ser o mesmo que o da compra e venda primitiva. Na Alemanha, a retrovenda não se apresenta como condição resolutiva, do que se lê do BGB, no parágrafo 497, quando se diz que os pactos são admitidos, estabelecendo-se que o preço pelo qual a coisa foi vendida, vale, na dúvida, para a retrovenda.
Cita, para tanto, a lição de Bugnet (Les ouvres de Pothier, III, n. 278, pág. 184) quando disse, criticando a tese oposta de Pothier:
"Nós não compreendemos como Pothier pode conciliar essa decisão com o princípio, que ele mesmo acaba de enumerar de que a retrovenda era uma simples resolução da venda que foi feita: não se pode resolver senão o que ocorreu, e sobre os elementos que constituíam a venda. Toda mudança ao que é da essência doi contrato, circa substantiatia contractus, levará a uma operação nova que não pode ser a resolução da primeira".
Para o ministro José Carlos Moreira Alves (obra citada, pág. 149), no silêncio das partes prevalecia o disposto no artigo 1.140 do Código Civil de 1916, já revogado, tendo o vendedor de restituir o preço, e reembolsar as despesas feitas pelo comprador e as empregadas em melhoramentos do imóvel, até ao valor por estes melhoramentos acrescentado à propriedade. Por sua vez, Carvalho Santos (Código Civil brasileiro interpretado, XVI, pág. 192) assim explanou: "o Código Civil fazendo expressa menção e referência à obrigação de devolver a importância das despesas feitas pelo comprador, parece-nos que outra será a solução".
Aliás, podem as partes contratantes apor à retrovenda cláusulas que lhe modifiquem os efeitos normais.
Pergunta-se se deve prevalecer o valor da venda na época do contrato ou no momento do retrato. Aplica-se o artigo 505 do Código Civil, pois ali se fala em preço recebido.
No entendimento de Coviello (Della Transcrizione, volume II, n. 278, pág. 164), "quando for convencionada a restituição de um preço maior ou menor do que aquele pago na venda, ou de um peço variável segundo as circunstâncias, é de presumir que se tenha entendido concluir um contrato preliminar de revenda, e não apor uma simples condição resolutiva".
Para o ministro Moreira Alves (obra citada, pág. 153) nada há que impeça às partes contratantes de convencionar que as despesas feitas pelo comprador e as empregadas em melhoramentos do imóvel não serão reembolsadas ao comprador por ocasião do exercício do direito de retrato.
No silêncio das partes, o vendedor deve restituir o preço, e reembosar as despesas feitas pelo comprador e as empregadas em melhoramentos do imóvel, até ao valor por esses melhoramentos acrescentado à propriedade.
VII - AS CLÁUSULAS DA RETROVENDA E O CASO FORTUITO
Admite-se a aposição de todo e qualquer pacto à retrovenda, desde que não a desnature, nem infrinja dispositivo legal.
As partes, quando da celebração da venda a retro, podem convencionar:
a) que, exercido o direito de retrato, o vendedor terá que pagar juros sobre o preço ao comprador, estando este, por sua vez, obrigado a restituir àquele o equivalente pelos frutos colhidos, durante o período em que foi proprietário resolúvel do imóvel;
b) que o direito de retrato, dentro do prazo de resgate (prazo decadencial), só poderá ser exercido a partir de determinado momento (termo inicial), ou se ocorrer acontecimento futuro e incerto (condição suspensiva), ou, então, até que se verifique evento futuro e incerto (condição resolutiva);
c) que o direito do retrato é intransmissivel, mortis causa ou inter vivos;
d) que a coisa objeto da venda a retro será inalienável até que o vendedor exerça o direito de retrato, ou se extinga esse direito; e
e) a alteração de direitos e deveres de ambas as partes - vendedor e comprador - antes e/depois do exercício do direito do retrato.
Fala-se assim que o direito de resgate é intransmissivel, não sendo suscetível de cessão por ato inter vivos, por ser personalíssimo do vendedor, mas passa a seus herdeiros e legatários. Logo, o exercício de retrovenda é cessivel e transmissível por ato causa mortis. Nesse sentido, leia-se o artigo 507 do Código Civil. Logo, se vier a vender o imóvel, na pendência daquele prazo, o novo adquirente recebê-lo-á com o ônus, pois só terá propriedade plena se não houver exercício do direito de resgate, como apontou Maria Helena Diniz (obra citada, pág. 206). Esse exercício poderá dar-se, portanto, até mesmo contra terceiro, por quem estiver autorizado a tanto. O vendedor, na retrovenda, conserva sua ação contra terceiro adquirente da coisa retrovendida, mesmo que ele, eventualmente, não conheça a cláusula de retrato, pois o comprador tem a propriedade resolúvel do imóvel. Se o vendedor fizer uso de seu direito de retrato, resolver-se-á a posterior alienação do imóvel feita pelo adquirente a terceiro.
Se a coisa vier a perecer em virtude de caso fortuito ou força maior, extingui-se o direito de resgate, uma vez que houve perda do bem para o comprador, sem que ele seja obrigado a pagar o seu valor, e do direito para o vendedor. Se o imóvel se deteriorar, o vendedor não terá direito à redução proporcional do preço, que deverá restituir ao comprador.
Ainda o comprador, enquanto detiver a propriedade sob condição resolutiva, terá direito aos frutos e rendimentos do imóvel, não respondendo pelas deteriorações surgidas dentro do prazo reservado para o resgate, salvo se agir de forma dolosa. Se a cláusula de retrovenda for nula, tal nulidade não afetará a validade da obrigação principal (CC, artigo 184; RF: 67:299).
Na retrovenda, o vendedor conserva a sua ação contra os terceiros adquirentes da coisa retrovendida, ainda que eles não conhecessem a cláusula de retrato (artigo 507, Código Civil), pois o comprador tem propriedade resolúvel do imóvel (artigo 1.359 do Código Civil). Desse modo, se o vendedor fizer uso do seu direito de retrato, resolver-se-á a posterior alienação do imóvel feita pelo adquirente a terceiro, mesmo que o pacto de retrovenda não tenha sido averbado no registro imobiliário. Aliás, o ministro José Carlos Moreira Alves (A retrovenda, 1967, pág. 9, 161, 212 e 214) entende que o direito de retrovenda é potestativo; seu registro não gera direito real, mas eficácia erga omnes.
Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, XXXIX, § 4.296, 5, pág. 174) acentuou que "se o comprador se obrigou a não alienar, e aliena, responde por perdas e danos oriundos da infração dessoutro pacto".
VIII - O IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS
Discute-se, na matéria, se cabe a exação do imposto de transmissão.
Se duas ou mais pessoas tiverem o direito de recobrar a mesma coisa e só uma a exercer, poderá o comprador intimar as outras para que se manifestem o seu acordo, e se o não couber, não fica o adquirente obrigado a admitir o retracto parcial; ou o interessado entra com a importância global e resgata a integralidade do imóvel ou caducará o direito de todos.
Novo imposto seria devido se o alienante, depois, comprasse de volta a coisa, sem exercer o direito de retrovenda. O direito de retrato é implemento de condição resolutiva prevista no contrato. Isso se respeitado o exercício do direito de retrato.
Ensinou Clóvis Beviláqua (Comentários ao Código Civil) que o resgate tem o efeito essencial de operar a resolução da venda, com a reaquisição do domínio pelo vendedor, a quem a coisa será restituída com seus acréscimos e melhoramentos.