Responsabilidade civil:introdução conceitual

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O presente artigo tem como propósito apresentar o conceito, características, elementos e demais pontos relevantes da Responsabilidade Civil. Baseia-se pela doutrina, jurisprudência e demonstra a aplicabilidade do instituto no ordenamento jurídico.

Introdução

Na vida em sociedade toda atividade que prejudique a outro membro acarreta em um determinado desequilíbrio.

Tal atividade prejudicial pode acarretar prejuízos materiais e morais, portanto, a fim de retomar o equilíbrio harmônico social o autor do dano deve reparar o mal causado.

O dever moral ou jurídico de reparar o dano causado, restaurando o equilíbrio social, de imediato, nos transmite o conceito de responsabilidade, ou seja, o dever de arcar, de se responsabilizar por determinado comportamento ou ação.

No convívio social, em um Estado de Direito, passamos a ter normas de conduta e, com isso, deveres e direitos. Ao infringir o direito de outro, através de um ato ilícito[1], causando dano material ou moral, resta ao causador do dano arcar com os deveres instituídos e regidos pela legislação de determinada sociedade, eis o surgimento da Responsabilidade Civil.


1. Da responsabilidade civil

Diante do exposto, definimos Responsabilidade Civil como sendo a obrigatoriedade de reparar dano material ou moral, causado a outro em decorrência da prática de um ato ilícito.

Conforme os ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves: “A responsabilidade civil tem, pois, como um de seus pressupostos, a violação do dever jurídico e o dano. Há um dever jurídico originário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo ou secundário, que é o de indenizar o prejuízo”[2]

A Responsabilidade Civil pode se dar de duas formas: contratual e extracontratual ou aquiliana. Abordaremos aqui a forma extracontratual, visto que, cabe a esfera das Obrigações (Parte Especial, Livro I do Código Civil 2002) o aprofundamento sobre o tema.

O art. 186 do Código Civil dispõe que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Considera-se ato ilícito, fato jurídico em sentido amplo, o ato contrário ao disposto na legislação do ordenamento jurídico. Produzindo, desta forma, efeito jurídico imposto pela lei.

1.2. Abuso de direito

Disposto no artigo 187 do Código Civil de 2002, tem-se: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelos seus fins econômicos ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

O abuso de direito, vislumbra e abrange a questão social, um dos princípios basilares do nosso ordenamento jurídico, conforme disposto em nossa Lei Maior.

Ao que se refere ao conceito de abuso de direito, com brilhantismo Rubens Limongi França define: “[...]ato jurídico de objeto lícito, mas cujo exercício, levado a efeito sem a devida regularidade, acarreta um resultado que se considera ilícito”.[3]

A natureza jurídica do abuso do direito, em nossa perspectiva, como na da maioria dos doutrinadores, é objetiva. A fim de esclarecer tal perspectiva apresentamos, como exemplificação, o artigo 37 §2° do Código de Defesa do Consumidor que faz referência à publicidade abusiva, conforme segue transcrição:

§ 2.º É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.[4]

Com intuito de alicerçar o entendimento da natureza objetiva do abuso do direito, em conformidade com a exemplificação apresentada, cabe expor o julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Ação civil pública – Publicidade abusiva – Propaganda de tênis veiculada pela TV – Utilização da empatia da apresentadora – Induzimento das crianças a adotarem o comportamento da apresentadora destruindo tênis usados para que seus pais comprassem novos, da marca sugerida – Ofensa ao art. 37, § 2.º, do CDC – Sentença condenatória proibindo a veiculação e impondo encargo de contrapropaganda e multa pelo descumprimento da condenação – Contrapropaganda que se tornou inócua ante o tempo já decorrido desde a suspensão da mensagem – Recurso provido parcialmente.[5]

Introduzindo outro exemplo interessante de abuso de direito, apontado por Maria Helena Diniz, temos:

[...]se o credor requerer maliciosamente arresto de bens que sabia não serem pertencentes ao devedor, mas a terceiros, está agindo no exercício irregular de direito (RT 127/175). O mesmo se diga se requerer a busca e apreensão sem necessidade, pois se trata de medida grave, que se realiza excepcionalmente, logo, se for desnecessária e se a utilidade que representa para o autor puder ser obtida sem ela, haverá abuso de direito.[6]


2. Elementos da responsabilidade civil

Para ensejar uma conduta, ato ilícito, que cause dano ou prejuízo a outrem são necessários 3 (três) elementos, ou também denominados por alguns doutrinadores de requisitos: culpa; nexo de causalidade; e dano.

2.1. Ação ou omissão

O ato de ação ou omissão do agente é o fator gerador da Responsabilidade Civil, caso a pessoa faça ou deixe de fazer algo que deveria ter feito e, com isto, derive um determinado dano.

Destarte, que a ação (conduta positiva) ou omissão (conduta negativa) se trata de conduta humana, e por consequência elemento subjetivo da responsabilidade civil, de tal forma, que se torna indissociável da culpa, portanto tornando-se um único elemento.

Segundo o ensinamento de Marton: “a responsabilidade é necessariamente uma reação provocada pela infração a um dever preexistente. A obrigação preexistente é a verdadeira fonte da responsabilidade”[7].

De extrema relevância é o dano por omissão, pois para que este se configure requer prova da qual aponte que diante de determinada conduta o dano poderia ser evitado. Citaremos dois exemplos para ilustrar a situação de omissão: acidente de trânsito onde o causador do dano omite socorro; curatelado que sofre dano devido à conduta omissa do curador.

2.2. Culpa lato sensu (genérica)

Mediante a descrição de culpa voluntária apontada no art. 186 do Código Civil, esta configura-se como dolo.

Definiremos dolo, no que concerne a responsabilidade civil, como a vontade e a realização de prejudicar terceiro.

O grau de culpa restará disposto nos artigos 944 e 945 do Código Civil, momento pelo qual o dano se apresenta consumado. A verificação do grau de culpa tem como intuito a avaliação para a respectiva indenização dada a responsabilidade civil do autor. Como leciona Flavio Tartuce: “Em suma, presente o dolo, a indenização a ser paga pelo agente deve ser integral”[8].

2.2.1 Culpa stricto sensu

Trata-se de um desrespeito a um dever existente e pode ocorrer de três formas: imprudência; negligência; e imperícia.

A imprudência caracteriza-se pela falta de dever de cuidado em determinada conduta positiva (ação).

No caso da negligência é caracterizada pela falta de dever de cuidado em relação a determinado procedimento de forma negativa (omissão).

Por fim, a imperícia ocorre pela falta de qualificação do agente na realização de determinada conduta.

2.3. Nexo de causalidade

É o liame entre a causa e o efeito, elemento imaterial da responsabilidade civil. Sérgio Cavalieri Filho com brilhantismo conceitua: “O conceito de nexo causal não é jurídico; decorre das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado”[9]. 

O nexo de causalidade acarreta a dois tipos de responsabilidades, as quais são: subjetiva (culpa) e objetiva (conduta).

No que tange a responsabilidade subjetiva (culpa), como visto, pode se dar de duas formas lato sensu (genérica) ou stricto sensu.

A responsabilidade objetiva, por sua vez, o sujeito se torna responsável pela conduta praticada não havendo necessidade de comprovação de culpa ou atividade de risco.

2.4. Dano

Em regra geral, não podemos abordar responsabilidade civil sem dano ou prejuízo. Para a indenização do dano ou prejuízo, se faz necessário comprovação de culpa (lato ou stricto sensu) e, costumeiramente, a comprovação do dano seja ele patrimonial ou extrapatrimonial.

Vale ressaltar que, em certos casos, cabe a inversão do ônus da prova do dano ou prejuízo, p.ex., relações de consumo.

O Código Civil nos remete a dois tipos possíveis de danos: materiais e morais. De modo que estes podem ser pleiteados concomitantemente pela vítima.

2.4.1. Danos materiais

Os danos materiais caracterizam-se por causar dano a determinado bem jurídico dotado de valor econômico. São divididos em dois subgrupos: danos emergentes (danos positivos); e os lucros cessantes (danos negativos).

Danos emergentes são constituídos pelo prejuízo sofrido diretamente de maneira imediata, redução do patrimônio, ou de maneira mediata, está caracterizada por despesas indevidas. A fim de ilustração dos danos emergente usaremos, como exemplo, um acidente de trânsito onde ocorra o dano no automóvel. O dano causado ao veículo é um dano material emergente, visto que, imediatamente houve redução no patrimônio da vítima. Por seu turno, o custo de guincho para retirada do veículo, caracteriza uma despesa indevida, mediata, pois a vítima não terá de imediato seu patrimônio afetado.

Lucros cessantes se dá pela perda da possibilidade de aumento patrimonial, ou seja, valores que a vítima deixa de auferir em decorrência de determinada conduta ilícita. Para melhor esclarecimento segue jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Responsabilidade civil – Lucros cessantes – Taxista – Aquisição de veículo zero quilômetro – Veículo batido – Substituição não ocorrida dentro do trintídio legal – Impossibilidade de exercer a profissão – Cálculo elaborado segundo tabela fornecida pelo sindicato da classe – Admissibilidade – Ressarcimento daquilo que comprovadamente deixou de lucrar – Sentença de procedência mantida – Recursos improvidos[10]

O cálculo para ressarcimento de lucros cessantes, em regra, se dá através da média mês de rendimentos da vítima, porém, em certos casos, deve se atentar ao princípio da razoabilidade.

2.4.2. Danos morais

Referem-se aos danos não ligados a questões econômicas ou patrimoniais, desta forma, tem característica de dano aos direitos da personalidade (honra, liberdade, imagem, entre outros) da vítima.

Conforme a doutrina de Flavio Tartuce:

[...]não há no dano moral uma finalidade de acréscimo patrimonial para a vítima, mas sim de compensação pelos males suportados. Tal dedução justifica a não incidência de imposto de renda sobre o valor recebido a título de indenização por dano moral, o que foi consolidado pela Súmula 498 do Superior Tribunal de Justiça, do ano de 2012.[11]

No que tange a indenização por danos morais, em regra, de acordo com a recorrência de julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), é que a fixação em salários mínimos é inconstitucional, como segue:

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Responsabilidade civil – Manutenção indevida de inscrição no SPC – Dano moral – Valor indenizatório – Razoabilidade – Estipulação em salários mínimos – Inviabilidade. O valor arbitrado a título de danos morais pelo Tribunal a quo não se revela exagerado ou desproporcional às peculiaridades da espécie, não justificando a excepcional intervenção desta Corte para rever o quantum indenizatório. ‘Inadmissível a fixação do montante indenizatório em determinado número de salários mínimos’(REsp 443.095/SC, relatado pelo eminente Ministro Barros Monteiro, DJde 14.04.2003). Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.[12]


3. Responsabilidade civil indireta ou por ato de terceiros

Como visto, a responsabilidade civil se dá a pessoa que através do cometimento de um ato ilícito provoca dano a outrem.

A responsabilidade civil de terceiros está disposta no artigo 932 do Código Civil, que traz em seu conteúdo as hipóteses em que uma outra pessoa, não aquela causadora do dano, será responsabilizada pela respectiva indenização.

Desta feita, este terceiro, assume a responsabilidade civil sobre aquele dano causado, mesmo que não tenha praticado o ato ilícito, p.ex., responsabilidade dos pais sobre os atos dos filhos menores que estiverem sob sua autoridade ou companhia.

A fim de esclarecer, de forma mais adequada a responsabilidade civil de terceiros, o Código Civil adotou a denominada teoria do risco, a qual independe de culpa.

Vale ressaltar, que se faz necessário prova de efetivo ato ilícito do autor do dano.

Diante disto, conforme disposto no artigo 933 do Código Civil que nos remete a Responsabilidade Civil indireta, caracterizada pela culpa daqueles pelos quais são responsáveis.


4. Responsabilidade civil por danos causados por animais (semoventes)

Cristalino o artigo 936 do Código Civil quando aponta a responsabilidade pelo dano (ato) de seu animal o dono ou detentor do mesmo, salvo culpa da vítima ou força maior. Para fins didáticos, exemplificaremos da seguinte maneira: cachorro que escapa da casa e por infelicidade morde e acaba ferindo um passante. A responsabilidade pelo ato do animal será do dono ou detentor do mesmo.


5. Excludentes do nexo de causalidade

O nexo de causalidade é um dos elementos que caracterizam a responsabilidade civil. Sua excludentes são: culpa exclusiva da vítima; culpa exclusiva de terceiro; e caso fortuito e a força maior.

A doutrina não é unânime ao tratar de caso fortuito e força maior, no que se refere as suas semelhanças e, ou diferenças. Adotaremos, neste artigo, a lição de Flávio Tartuce: “caso fortuito como o evento totalmente imprevisível decorrente de ato humano ou de evento natural. Já a força maior constitui um evento previsível, mas inevitável ou irresistível, decorrente de uma ou outra causa”[13].

Quanto a excludente devido a culpa exclusiva da vítima, a questão passa a ser abordada a partir da jurisprudência.

A seguir entendimento de culpa exclusiva da vítima em julgado no Tribunal de Justiça de São Paulo:

Indenização – Ato ilícito – Pedido de indenização por danos morais – Afogamento de filho menor em piscina de clube – Saneador não impugnado pelos meios e prazos próprios – Preclusão – Ausência de culpa ‘in vigilando’ do requerido – Menor que entrou clandestinamente nas dependências de clube, sem ser sócio, para nadar em piscina em construção, cercada por fios de arame farpado – Culpa exclusiva da vítima, extensiva como culpa ‘in vigilando’ de seus pais, porque menor impúbere – Recurso não provido.[14]

De igual maneira segue entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

Responsabilidade civil – Acidente ferroviário – Queda de trem – ‘Surfista ferroviário’ – Culpa exclusiva da vítima. I – A pessoa que se arrisca em cima de uma composição ferroviária, praticando o denominado ‘surf ferroviário’, assume as consequências de seus atos, não se podendo exigir da companhia ferroviária efetiva fiscalização, o que seria até impraticável. II – Concluindo o acórdão tratar o caso de ‘surfista ferroviário’, não há como rever tal situação na via especial, pois demandaria o revolvimento de matéria fáticoprobatória, vedado nesta instância superior (Súmula 7/STJ). III – Recurso especial não conhecido” (STJ, Acórdão: REsp 160.051/RJ (199700923282), 471515, Recurso especial, Data da decisão: 05.12.2002, Órgão julgador: Terceira Turma, Relator: Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.[15]

No que se refere a excludente de culpa exclusiva de terceiro, podemos observar em jurisprudência relacionada a acidente de trânsito, conforme segue:

Responsabilidade civil – Acidente de trânsito – Veículo abalroado em estacionamento por coletivo que o invadiu – Ônibus da ré teve seu livre trânsito interceptado por um caminhão, não tendo sido possível ao seu motorista evitar o choque – Culpa exclusiva de terceiro evidenciada – Ação improcedente – Recurso improvido.[16]

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Sobre o autor
Paulo Byron Oliveira Soares Neto

Professor Especialista em Matemática; Bacharel e Licenciado em Matemática pela Universidade Ibirapuera; Especialista em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica (Uniasselvi); Pós graduado em Direito Tributário; Graduando em Direito (Unip); Graduando em Engenharia de Produção (UNIVESP); Pós graduando em Filosofia (Unifesp); Mestrando em Direito e Negócios Internacionais (Universidad del Atlantico).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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