Testemunhas de Jeová

legitimidade de escolha

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Resumo:


  • O direito à vida e à liberdade religiosa são garantidos pela Constituição Federal de 1988, assegurando a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, inclusive para Testemunhas de Jeová em relação à recusa de transfusões de sangue.

  • As Testemunhas de Jeová fundamentam a recusa de transfusões de sangue em interpretações bíblicas, como a passagem de Deuteronômio 12:23-25, e na liberdade de crença garantida constitucionalmente, considerando a transfusão uma violação de seus princípios religiosos.

  • O respeito à autonomia do paciente é um princípio ético e jurídico fundamental, e a vontade do indivíduo em relação ao seu próprio tratamento médico deve ser respeitada, inclusive quando este se recusa a receber transfusões de sangue por motivos religiosos, como é o caso das Testemunhas de Jeová.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

6.SANGUE ALTERNATIVO

Como foi demonstrado, as transfusões de sangue são um procedimento médico utilizado, principalmente em cirurgias, porém diferentemente do que ocorre com qualquer medicamento, o sangue nunca passou por testes de segurança e eficácia. Segundo a FDA, que detém normas rígidas, caso o sangue fosse um medicamento, dificilmente seria liberado por esse órgão para uso na população em geral.

Em relação à segurança do sangue a OMS diz o seguinte:

 “Transfusões de sangue têm o potencial de levar a complicações agudas ou de efeito retardado, além de poder transmitir infecções. Os riscos associados à transmissão podem ser reduzidos pela minimização no número de transfusões desnecessárias…”.

A OMS também reconhece que a segurança do paciente transfundido com sangue alogênico (doado) fica seriamente comprometida, de plasma e derivados, transfusões não seguras e erros transfusionais. O órgão defende a pratica da conservação do sangue do paciente através do programa PBM (Pacient Blood Management).

Para tanto a OMS utiliza três pilares para gestão do sangue do paciente:

  • Tomar todas as medidas para otimizar a massa eritrocitária do paciente;
  • Minimizar a perda de sangue do paciente;
  • Otimizar, cooperar com a tolerância fisiológica de cada paciente à anemia.

Hospitais em todo mundo buscam instituir protocolos para racionar o uso de sangue e isso tem se tornado um critério de qualidade hospitalar perseguido por órgãos de certificação como por exemplo o JOINT COMMISSION INTERNACIONAL. Um hospital com esse selo tem o compromisso de reduzir a pratica transfusional.

Desta forma, a OMS tenta diminuir os riscos causados pelas transfusões de sangue e conservar o sangue do próprio paciente que conserva o DNA e as características próprias de cada indivíduo.

 Milhares de médicos em todo o mundo começaram a usar técnicas de conservação de sangue para realizar cirurgias complexas sem transfusão com a ajuda da ACTJ (Associação Cristãs da Testemunhas de Jeová). Essas opções terapêuticas são usadas até mesmo em países em desenvolvimento e são solicitadas por muitos pacientes que não são Testemunhas de Jeová. Uma parte da comunidade médica, porém, continua crítica em relação à opção religiosa, recusando-se por ser mais rentável o uso de sangue, ou não tendo condições de dar tratamento ao paciente ou submetê-lo a cirurgias a menos que seja permitida a transfusão sanguínea. Isto obriga estes pacientes a buscar tratamento em outros hospitais ou buscar um médico disposto a utilizar as diversas técnicas disponíveis para se evitar transfusões. As Testemunhas de Jeová sim, buscam ajuda, não permitindo seus filhos ou parentes morrerem, mas sim lhes dando tratamentos melhores e de recuperação mais rápida do que aqueles que tomam sangue. É muito dito por quem não conhece que é ordem da organização, porém sabe-se muito bem que em Atos 15:28,29 o Deus Jeová, manda abster-se ou seja não ter nenhum tipo de contato com sangue.


7.BIOÉTICA

A Bioética é a ética aplicada à vida, abrange temas que vão desde a relação interpessoal até fatores que interferem na vida do planeta.

O termo bioética foi usado a primeira vez pelo, por volta dos anos 70, pelo oncologista Van Rensselaer Potter, e teve como principais razões as novas técnicas que apresentam questões inéditas como a clonagem de seres humanos, experimentos com animais e questões ligadas ao código de ética, que não acompanhava o avanço tecnológico.

Esses avanços podem afetar a sociedade e até o planeta de maneira positiva ou negativa.

Desta forma, foram criados comitês, com profissionais de cada área para que esses avanços fossem regrados.

Os princípios básicos que regem a bioética são: o princípio da liberdade, o princípio da beneficência e o principio da justiça distributiva, a saber:

  • O princípio da liberdade: baseia-se na relação médico paciente. O paciente deve ser informado do seu estado, detalhes do tratamento prescrito e tem toda a liberdade de escolher se quer ou não o tratamento. As pessoas tem o direito de decidir questões relacionadas ao seu corpo e sua vida. Nos casos dos intelectualmente incapazes ou menores, o exercício da autonomia deve ser praticado pela família ou responsável legal.

  • O princípio da beneficência ou não maleficência: toda e qualquer tecnologia deve trazer benefícios ao paciente e a sociedade como um todo. O profissional deve ter a maior convicção e informação técnica possível de que o ato médico será benéfico ao paciente.

  • O princípio da justiça: estabelece como condição fundamental a equidade. Cada indivíduo deve ser tratado conforme o que é moralmente correto e adequado. O médico deve atuar com imparcialidade, evitando aspectos sociais, religiosas, financeiros ou culturais que interfiram na relação médico paciente.


8.O DIREITO

Notoriamente sabido, os direitos fundamentais encontram-se positivados na Constituição Federal, mais precisamente em seu Art. 5º e seus incisos.

Doravante, este artigo elencará o referido artigo além de outros tantos constantes da Carta Magna, para justificar e fundamentar a legitimidade da recusa das Testemunhas de Jeová em não serem hemotransfundidos.

O avanço Constitucional deve-se a afirmação dos direitos fundamentais.

Sendo o Direito uma ciência humana, ou seja, criada pelo e para o homem, é o Direito por excelência, dinâmico e evolutivo. Desta forma conclui-se que o Direito tem como finalidade, além de normatizar a sociedade, amoldar-se às suas transformações.

A sociedade é formada desses homens com anseios e entendimentos diferentes, é formada por grupos e comunidades com ações e costumes próprios e o Direito deve atender a todos sem distinção.

Garantir que o direito de cada um seja atendido, de forma plena e satisfatória, sem contudo que o direito do outro seja rechaçado, é uma das prerrogativas do Art. 5º.

Para que isso ocorra deve-se levar em consideração a dignidade da pessoa humana, tão inerente quanto a vida.

Trazer sob o olhar constitucional dois direitos tão complementares e aplica-los não é somente uma evolução, é antes um dever.

Dessa forma, temos que o direito à vida deve ser interpretado em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana, ou seja , a Constituição Federal garante o direito à vida digna, com todos os seus desdobramentos.

O ministro do STF, Luiz Roberto Barroso, discorre sobre esse fundamento de forma elucidativa:

Na sua expressão mais essencial, a dignidade exige que toda pessoa seja tratada como um fim em si mesma, consoante uma das enunciações do imperativo categórico kantiano. A vida de qualquer ser humano tem um valia intrínseca.(parecer).

Por essa ótica, podemos entender que é a dignidade que dá sentido ao viver.

Esse sentido está justamente na liberdade de poder escolher como viver, e aqui esbarramos com outro direito, o da autonomia, positivado no artigo 5º, inciso II da Constituição Federal, onde se lê: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma senão em virtude de lei”.

Tal princípio visa combater o poder arbitrário do Estado, sendo assegurada ao particular a possibilidade de recusar as imposições estatais que não respeitarem o processo legislativo.

O doutor Álvaro Vilaça Azevedo vai além do princípio da autonomia, incluindo ainda o direito da personalidade elencado no mesmo artigo com disposição no inciso X:

Os direitos da personalidade são as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim as suas emanações e prolongamentos.

Os direitos de personalidade estão abarcados no ordenamento jurídico, além da Constituição, no Código Civil, nos artigos de 11 a 21, deixando claro que são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

Ainda nesta seara, ao analisarmos o Código Civil, nos deparamos com o art. 15, que determina que:

“Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.”

Em seu brilhante parecer, o doutor Álvaro Vilaça Azevedo, define este artigo de forma clara e precisa:

Não há dúvidas que tal dispositivo é uma manifestação da dignidade da pessoa humana, porquanto prima pela autonomia de vontade. O texto é claro em respeitar a oposição do paciente frente a um tratamento médico, principalmente se este apresentar risco à sua saúde ou à sua vida.

Este artigo obriga os médicos, nos casos mais graves, a não atuarem sem prévia autorização do paciente, que tem a prerrogativa de se recusar a se submeter a um tratamento perigoso. Para isso é necessário que o paciente seja informado da necessidade e importância detalhada do seu estado de saúde e do tratamento a ser seguido, para que a autorização ou não possa ser feita de maneira consciente dos riscos existentes.

Em que pese todo um interesse em manter a vida do paciente, há que se cuidar para que a vontade do mesmo seja respeitada, para isso temos todo um ordenamento jurídico que garante essa escolha.


9.CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA E O DIREITO

A ética médica avalia os aspectos éticos referentes à medicina, levando em consideração os atos praticados por esses profissionais. Esses atos vão desde a utilização de animais em laboratório ao tratamento de seus colegas e pacientes.

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O código de ética médica contém vários capítulos e um deles é dedicado aos Direitos Humanos.

Nesse capítulo especificamente, pode-se ler vários artigos os quais determinam o que é vedado ao médico.        

  • Art. 22- Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte. (grifo nosso).
  • Art.23 - Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto. (grifo nosso).
  • Art. 24 - Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.
  • Art. 26 - Deixar de respeitar a vontade de qualquer pessoa, considerada capaz fisica e mentalmente, em greve de fome, ou alimentá-la compulsoriamente, devendo cientificá-la das prováveis complicações do jejum prolongado e, na hipótese de risco iminente de morte, tratá-la.

Claramente expressos no próprio Código de Ética Médica, encontramos a marca indelével da dignidade da pessoa humana e a autonomia de vontade, preconizados, positivados na Constituição Federal e demonstrados anteriormente neste estudo.

Mais adiante, ainda no CEM, encontramos o capítulo V, a relação médico-paciente – familiares.

Neste capítulo ainda com relação a vedação a procedimento do médico, os artigos 31, 32 e 34 cuidam para que essa autonomia de vontade, garantida tanto no Código Civil como na Constituição, seja efetivada.

Quanto ao Art.22 do CEM, mais precisamente sobre o grifo, analisa o doutor Álvaro Vilaça Azevedo em seu parecer:

Ao correr os olhos sem prestar a detida atenção no dispositivo, poderia concluir-se que na hipótese “ risco iminente de morte”, a decisão do paciente pode ser desconsiderada pelo médico. Todavia, o dispositivo deontológico deve ser interpretado corretamente.

Resguardadas demais considerações continua o jurista na análise do artigo:

A primeira parte do artigo 22 ,refere-se a duas condutas de fundamental importância e obrigatórias no atendimento médico: (a) esclarecer o paciente sobre o procedimento a ser realizado e (b) obter o seu consentimento. Estes devem obedecer a qualquer intervenção cirúrgica ou terapêutica.

Destarte, não se deve confundir a ressalvada segunda parte do art. 22 do CEM  com as situações em que o paciente esteja inconsciente e apesar do caráter emergencial, este já fez sua escolha e já exerceu esta manifestação de vontade através de documento ou representante legal.

Além do art. 22 do CEM, o art. 31 do mesmo código contempla a mesma ressalva, porém isso não significa dizer que o médico pode ir contra a vontade pré-determinada do paciente, mesmo porque o CEM é um regramento de caráter deontológico[1] e não está em harmonia com a atual legislação brasileira.

Os seguidores da crença Testemunhas de Jeová contam com uma rede de Comissões de Ligação nos Hospitais, conhecida como COLIHs, que interagem quando solicitados ou permitido, com os médicos, administradores e assistentes sociais, além de membros do Judiciário, para apoiar espiritual e emocionalmente os pacientes internados em hospitais.

Desta forma tratar um paciente dessa ordem religiosa por meio de métodos que não utilizam ou evitam utilizar a transfusão de sangue está em harmonia com o dever médico, o que implica cuidar do paciente levando em consideração os recursos disponíveis e que lhe são aceitáveis.

A manifestação de vontade do paciente ou de qualquer outro sujeito não desaparece pelo simples fato de encontrar-se incapacitado, exemplo disso é o testamento, desde que esteja dentro da lei o documento é válido.

As Testemunhas de Jeová maiores e capazes levam consigo um documento denominado “ Instruções e Procurações para Tratamento de Saúde” (cópia acostada ao final do artigo). Nos EUA e em Portugal existe legislação para  regular esse tipo de documento.

No Brasil, ainda não há dispositivos específicos para regulamentar o documentos de antecipação de vontade, devendo ser analisado pelo Código Civil.

Segundo, o jurista Álvaro Vilaça Azevedo, o ato ou negócio jurídico é a manifestação de vontade, em razão da qual a relação jurídica, que é um complexo de direitos e de deveres, nasce, modifica-se e se extingue.

A manifestação de vontade, em geral expressa, pela palavra falada ou escrita, tácita, por gesto ou pelo silêncio em situações especialíssimas.

O Código Civil a partir do artigo 104 estabelece os requisitos para a validação do negócio jurídico, quais sejam: agente capaz, objeto lícito, possível e determinado ou determinável, forma prescrita ou não defesa em lei.

À luz do CC o objeto do documento é lícito e possível, pois se trata do direito de escolha do tratamento que o paciente deseja receber, é determinável, pois pode se tratar de evento futuro e determinado quanto ao fato da recusa à transfusão de sangue. Não existe forma prescrita ou defesa em lei, mas a mais segura é a escrita.

Desta forma, o documento portado pelas Testemunhas de Jeová é válido juridicamente.

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Sobre os autores
Solange Brito Santos

estudante do 4º semestre de Direito

Sandra Aparecida dos Santos

estudante do 4º semestre de Direito

Diego Pouza

estudante do 4º semestre de Direito

Altino Gomes Santos Junior

estudante do 4º semestre de Direito

Jose Tarciso Santos Junior

estudante do 4º semestre de Direito

Adilio Debone

estudante do 4º semestre de Direito

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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