A Lei de Alienação parental e o superior interesse da criança

cuidado necessário na aplicação do mencionado dispositivo legal

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15/10/2017 às 23:41
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A Lei 12.318/10 tem como origem e base a Síndrome de Alienação Parental, criada pelo médico Richard Gardner. Sua aplicação deve ser cuidadosa por quaisquer operadores de direito, para que não sirva de instrumento de defesa de pedófilos.

1 - Do ativismo pedófilo no mundo; da indústria da pedofilia

Pedofilia é a atração sexual primária por indivíduos impúberes. Não é necessariamente crime, porquanto a lei penal não alcança os desejos, mas sim a externalização deste desejo. A fim de exemplificar a distinção, é possível usar o paralelo com o racismo: ser racista não é crime, muito embora seja moralmente repulsivo. Já externalizar esse racismo pela linguagem escrita, falada ou simbólica e gestual constitui fatos tipificados como crime na lei penal brasileira (Lei 7.716/89 e artigo 140 do Código Penal). O mesmo ocorre com a pedofilia: o indivíduo ter tais desejos é condição médica (CID 10 F 65.6) e enquanto tais desejos se mantiverem no campo interior, não são alcançados pela lei penal, mas a externalização de tais desejos, quer seja pela manutenção de vídeos expondo crianças ou até mesmo abusando sexualmente delas (dentre outras condutas), são tipificadas na lei (Código Penal, artigo 217 A e Lei 8069/90).

Esta distinção entre o que pode ser alcançado pela lei penal (ações criminosas) e o que cairia no campo do expurgo moral (meros desejos sem ações para concretização material) tem sido utilizada por indivíduos para defender o ativismo pedófilo. O objetivo é mudar as legislações ou jurisprudência nos mais diversos países de forma a permitir que adultos tenham contato sexual com crianças. O ativismo pedófilo[1] é o conjunto de ações, escritos e declarações de aceitação social ou simples apoio à essa prática danosa contra incapazes.

Nascido em 1950 nos Baíses Baixos, por meio da atividade do psicólogo clinico Frits Bernard e do senador Edward Brongersma, surgiram grupos em idos de 1970. Na década de 1980, por razões óbvias e pelo forte repúdio social às atividades de tais grupos, eles começaram a arrefecer, mas não desapareceram.

No mundo todo diversas organizações foram acusadas de acobertar escândalos de pedofilia: a Igreja Católica[2], uma das mais profícuas neste sentido, não só escondeu os casos para proteger o nome da instituição, como também atuou ativamente em prol da proteção dos abusados. E não apenas esse ramo religioso foi afetado: pululam denúncias de pedofilia também em igrejas pentecostais. Para se ter uma ideia, uma busca no Google resulta em 281.000 resultados apenas em português[3]. Grupos políticos também foram pegos se beneficiando da prostituição infantil[4], e os casos são tantos que cansativo relatá-los um a um.

A pedofilia é  uma condição médica que no lugar de ser tratada por aqueles que à possuem, são materializadas por estes. O doente não busca tratamento mas sim a concretização de seus desejos, mesmo que tais concretizações constituam crime. E há aqueles que auferem enormes lucros explorando essa demanda: estima-se que a indústria da exploração sexual infantil lucre mais do que a indústria armamentista[5].

Existem fóruns com audiência gigantesca onde criminosos compartilham entre si material onde crianças são abusadas das piores formas possíveis:

Infelizmente, porém, a maioria dos casos de abuso sexual infantil ocorrem dentro dos lares, por pessoas íntimas ou conhecidas das vítimas[6]. O problema se acentua quando se tem em mente que os casos de abusos sexuais são subnotificados[7] no Brasil por conta da falta de credibilidade que se dá à palavra da vítima criança. Sobre o assunto, Claudia Balbinotti, no texto ‘A violência sexual infantil intrafamiliar: A revitimização da criança e do adolescente vítimas de abuso’[8] anotou que:

“....A ausência de credibilidade da criança se estende não só dentro do âmbito familiar, quanto no sistema legal. A crença de que ‘crianças mentem e adultos falam a verdade’ ou de que ‘a comunicação das crianças é menos válida ou menos confiável’ traz prejuízos no processo judicial....”

O ativismo pedófilo, como dito, concentra suas atuações na ‘desmistificação do pedófilo’ tentando, com isso, retirar o forte repúdio social contra esses indivíduos, fazendo com que eles obtenham simpatia social, para influenciar legisladores e juristas, para que adultos tenham acesso sexual às crianças.


2 – Richard Gardner; a Síndrome da Alienação parental e o ativismo pedófilo:

Richard Gardner, nascido em 28/04/1931 e falecido em 25/05/2003, era um psiquiatra americano que atuou em vários litígios envolvendo guarda de crianças nos EUA. Em 1985, enquanto atuava em um caso como perito técnico judicial, nomeou pela primeira vez uma série de condutas que as crianças apresentavam como ‘Síndrome da Alienação Parental’. Gardner atuou em mais de 400 casos de disputas de crianças.

Sobre Richard Gardner, a jurista e magistrada Portuguesa Maria Clara Sotomayor[9] disse que:

“....GARDNER criou as suas teses para defender ex-combatentes acusados de violência contra as mulheres e/ou de abuso sexual dos filhos, tendo feito a sua carreira profissional como perito, em processos de divórcio ou de regulação das responsabilidades parentais, a defender homens acusados de abusar sexualmente dos seus filhos, através da estratégia de desacreditar as vítimas para inverter as posições e transformar o acusado em vítima.

As teorias de GARDNER têm uma origem sexista e pedófila, na medida em que o seu autor, em trabalho publicado em 1992, intitulado “True and false accusations of child sex abuse”, entendia que as mulheres eram meros objectos, receptáculos do sémen do homem, e que as parafilias, incluindo a pedofilia estão ao serviço de exercitar a máquina sexual para a procriação da espécie humana. Na verdade, a SAP [Síndrome da Alienação Parental] revelou ser uma interpretação misógina da recusa da criança em conviver com o progenitor não guardião, que presume a maldade, o egoísmo e a irracionalidade das mulheres, gerando situações de risco para as crianças e provocando um retrocesso nos direitos humanos das mulheres e das crianças .

RICHARD GARDNER, nas primeiras edições dos seus trabalhos, mostrava ser tolerante com a pedofilia e com o abuso sexual de crianças, tendo feito afirmações públicas no mesmo sentido, divulgadas pelo Independent: «A pedofilia, acrescentou GARDNER, “é uma prática generalizada e aceite entre literalmente biliões de pessoas”. Interrogado, novamente, por um entrevistador sobre o que devia fazer uma mãe, se a sua filha se queixasse de abuso sexual por parte do pai, Gardner respondeu: “O que deve ela dizer? Não digas isso sobre o teu pai. Se o disseres, eu bato-te”.

No seu livro auto-publicado, intitulado True and False Allegations of Child Sexual Abuse, GARDNER adoptava o discurso legitimador e desculpabilizante da pedofilia, afirmando que “o incesto não é danoso para as crianças, mas é, antes, o pensamento que o torna lesivo, citando Shakespeare: “Nada é bom ou mau. É o pensamento que o faz assim”. “Nestas discussões, a criança tem que perceber que, na nossa sociedade Ocidental, assumimos uma posição muito punitiva e moralista sobre encontros sexuais adulto- -criança”. “O pai abusador tem que ser ajudado a dar-se conta de que, a pedofilia foi considerada a norma pela vasta maioria dos indivíduos na história do mundo.

Deve ser ajudado a perceber que, ainda hoje, é uma prática generalizada e aceite entre literalmente biliões de pessoas” . GARDNER afirmava, ainda, contrariando todos os conhecimentos científicos sobre o sofrimento das vítimas, que qualquer dano causado pelas parafilias sexuais não é o resultado das parafilias em si mesmas, mas sim do estigma social que as rodeia: “O determinante acerca de saber se a experiência será traumática é a atitude social em face desses encontros»46 , defendendo que «as actividades sexuais entre adultos e crianças são “parte do repertório natural da actividade sexual humana”, uma prática positiva para a procriação, porque a pedofilia “estimula” sexualmente a criança, torna-a muito sexualizada e fá-la “ansiar” experiências sexuais que redundarão num aumento da procriação.»

Trata-se de uma concepção, que considera a criança objecto dos adultos, nega o seu sofrimento e os efeitos negativos, a longo prazo, na vida das crianças, com alterações do seu equilíbrio bio-psicológico para sempre. Esta visão do abuso sexual ignora as várias fases do desenvolvimento do ser humano e as necessidades específicas das crianças, assim como o direito da criança ao livre desenvolvimento da personalidade. As afirmações de GARDNER significam uma crença numa sociedade patriarcal assente na propriedade do homem, como chefe de família, sobre as crianças e as mulheres, e numa aprovação da pedofilia, ideologia que nega à criança o estatuto de pessoa autónoma e livre, considerando-a um objecto dos adultos do sexo masculino, submetido ao poder e livre arbítrio destes. GARDNER terá tido, na hora da morte, sentimentos de culpa, tendo-se suicidado de forma violenta, esfaqueando-se a si mesmo, conforme informa a imprensa norte-americana, com base no relatório da autópsia publicado no New York Time”.

O texto da ínclita magistrada supracitada, não ressoa como única voz a proclamar as motivações do médico autor da SAP, muitas outras se somam a elas[10] [11] [12] [13], como a do juiz Argentino Carlos Rozanski[14], que diz explicitamente que:

A SAP é um embuste criado por um pedófilo norte americano, Richard Gardner, medico, no desespero diante do avanço de investigações acerca do fenômeno do abuso infantil.

Durante séculos não foi necessário inventar teorias como essa porque se desqualificava diretamente (as denúncias) dizendo que as crianças mentiam, e isso bastava. Quando há décadas, começou-se a investigar melhor o fenômeno, descobriram que crianças até certa idade não podem fantasiar sobre situações visuais não vividas, que não mentem sobre esses temas, surge a preocupação dos pedófilos, dos que fazem negócio com a pedofilia e dos que se identificam com os pedófilos, e ai então criam-se teorias, nesse caso uma falsa teoria. A Síndrome da Alienação Parental é inexistente, onde o que se faz, em vez de dizer ‘as crianças mentem, que já não é plausível, é dizer: as mães fazem lavagem cerebral nas crianças para que acreditem que foram abusadas”

Também está disponível na internet um vídeo onde o próprio autor da SAP fala sobre ela[15].

A teoria criada pelo Gardner, por sua vez, não é reconhecida em lugar nenhum do mundo como uma teoria científica pois não tem base empírica, trata-se de mera hipótese, sobre a qual seus autores e defensores falharam em encontrar provas científicas. Por este motivo, ela não é incluída nos manuais de diagnóstico oficiais (DSM-IV e CID-10). Portanto, não há o que se falar na existência de uma síndrome real, quando esta não é reconhecida pela área a que supostamente pertenceria.  Apesar de não ser aceita enquanto síndrome, referida teoria, sem base científica alguma e criada como meio para defender homens acusados de abusos de crianças, ganhou corpo em vários países (exemplo: Brasil), enquanto tem sido fortemente repudiada por outros (Canadá, EUA, Reino Unido). No México, a lei de alienação parental foi revogada por ser considerada inconstitucional[16].

Grupos masculinistas (essencialmente, grupos de ódio contra o gênero feminino, racistas e homofóbicos) em suas páginas de discussões (os chamados ‘chans’, dos quais o atirador da UnB, denominado ‘Engenheiro Emerson’[17] era assíduo frequentador) defendem o uso da Alienação Parental para que seus membros possam vencer contendas judiciais (ações de fixações de alimentos e guarda). deste modo, a lei deve ser cuidadosamente aplicada pelo operador de Direito, com o fim de não referendar tais condutas.

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3 – Paternidade, Maternidade e Desigualdade de gênero no Brasil

Nosso pais tem mais de 5,5 milhões de pessoas sem o nome do pai no registro de nascimento; as mulheres, denominadas ‘mães solteiras’, sofrem com pesado estigma social: além de terem de criar a prole sozinhas, ainda enfrentam preconceitos de toda sorte.

Quando a mulher grávida, conhecendo quem é o pai, busca alimentos gravídicos (Lei 11.804/2008), o que se vê é o uso, pelo apontado pai, de defesa lastreada no sexismo e preconceito de gênero; ocorre amiúde de a honra da mulher ser atacada como forma de defesa pelos requeridos. O processo, por sua vez, tem seu trâmite estendido até que a criança nasça, quando então a ação é convertida em investigação de paternidade cumulada com alimentos e, durante todo o lapso temporal decorrido, a grávida e posteriormente mãe, fica obrigada a carregar sozinha sobre seus ombros o peso financeiro da maternidade. E como se tal não bastasse, ainda lhe é imputada a culpa por ter ‘escolhido mal’ o parceiro.

Ignora-se, por vezes, que se a mulher adota algum critério para escolher o parceiro, é qualificada de interesseira e preconceituosa e, quando não adota, lhe cabe com exclusivamente o ônus desta escolha. A mulher, no fim, sempre é a prejudicada.

Quando finalmente a mulher consegue o reconhecimento da paternidade e a condenação do pai ao pagamento de alimentos, não raro a batalha judicial continua, posto que o pai não paga e tem de ser movida nova ação, agora de cobrança, denominada ‘cumprimento de sentença’.

Quando o pai paga os alimentos corretamente e exerce o direito de visitas, não raramente a sociedade o qualifica como um pai excelente, quando a paternidade não se resume a visitas sazonais (ou quinzenais), mas sim as obrigações como guarda, criação, educação, alimentação e outros fatores. Praticamente toda a carga fica sobre os ombros da mulher, e o pai, a cada 15 dias, acaba colhendo os louros do aplauso social enquanto que à mãe resta a adjetivação de que ‘não faz mais do que sua obrigação’.

Nas famílias ainda unidas pelo casamento ou união estável, melhor sorte não socorre à mulher, já que que ela continua a carregar sozinha a maior parte do trabalho de cuidado e criação dos filhos. Apesar de em grande parte dos lares brasileiros as mulheres trabalharem, ainda estão elas submetidas a dupla jornada, já que todas as tarefas domésticas ficam a seu encargo. O estudo ‘Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça’[18], publicado pelo IPEA, constatou que a mulher trabalha 7,5 horas por semana a mais que os homens por conta dessa dupla jornada.

Em casais separados, quando recrudescem às disputas, geralmente a guarda fica com a mãe, já que pelo contexto social em que vivemos, a responsabilidade pelos cuidados com a prole é associada ao gênero feminino. Então, enquanto aos homens é dada opção de serem pais ativos na vida dos filhos, às mães isso é obrigatório. Em inúmeros casos os pais simplesmente não pagam alimentos, não visitam os filhos, e não participam minimamente.

Mas quando acionados na Justiça por abandono afetivo, nossos tribunais tem entendido pelo descabimento, posto que não entendem como ilícito a ausência de vínculo afetivo (ApelCiv 5995064900 TJSP, 4ª Turma de Direito Privado, desembargador Maia da Cunha); quando acionados ao pagamento de alimentos pelo rito da coação pessoal (prisão), alegam não terem recursos; quando acionados pelo rito da constrição patrimonial não se encontram bens sujeitos à penhora. Não raro, ao estabelecerem nova família e prole acabam pedindo revisional de alimentos em total inobservância da paternidade responsável. Por fim, as batalhas judiciais tornam-se tão cansativas e inexitosas que as genitoras muitas vezes optam pela desistência.

Tem-se, portanto, que mulheres e crianças, tanto no contexto social quanto jurídico, são a parte mais fraca.

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