A proteção do meio ambiente como pressuposto dos direitos humanos

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Resumo: O meio ambiente deve ser compreendido como parte fundamental para o alcance da efetivação dos direitos humanos, visto que o direito à vida e ao ambiente ecologicamente equilibrado são peças-chave para se conseguir uma qualidade de vida comum a todos e para o alcance da dignidade da pessoa humana. O equilíbrio ambiental é um dos componentes do almejado desenvolvimento sustentável, que nele inclui também uma economia viável e uma sociedade justa. Este artigo tem por objetivo mostrar como o meio ambiente se enquadra como um dos pressupostos dos Direitos Humanos de terceira dimensão e mecanismo de contribuição para o bem-estar social. Os Direitos Humanos correspondem aos direitos fundamentais de toda pessoa humana, que abrange tanto os aspectos individuais como também seu sentido comunitário.  São direitos indispensáveis para uma vida humana e que se baseia em princípios históricos como liberdade, igualdade e fraternidade, essenciais e indispensáveis a uma vida digna. Com a pesquisa, verificou-se que a proteção do meio ambiente é fator decisivo para a consolidação dos direitos humanos, em que os indivíduos precisam da natureza para se desenvolverem plenamente em sua condição de vida. Além disso, é a partir do desenvolvimento econômico, pautado na busca pela preservação do meio natural, que o resultado social torna-se ainda mais evidente, pois dessa relação ambiente-economia-sociedade todos saem ganhando. Sem o meio ambiente não há vida. Portanto, buscar mecanismo de proteção para a natureza é a forma mais sensata do ser humano se proteger, bem como garantir que outras pessoas no futuro tenham essa mesma oportunidade, ou seja, garantindo esse direito às próximas gerações.

Palavras-chave: Meio Ambiente, Direitos Humanos, Sustentabilidade, Direito Ambiental.


Introdução

Boff (2012) diz que nos dias de hoje o tema sustentabilidade e meio ambiente é um dos assuntos mais comentados em todo o mundo. Não é à toa. Isso mostra a importância que o tema tem alcançado, tanto por parte das pessoas, empresas e governos. Se deve não só pelo afloramento de uma percepção de limitação dos recursos naturais, que já é evidente e que vem se consolidando cada dia mais, mas também pelo entendimento que um meio ambiente é um bem que deve estar disponível a todos de modo indistinto.

 A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 diz que “todo ser humano tem direito à vida”. Da mesma forma, compreende-se que todo ser humano tem direito a ter qualidade de vida. Dentre os muitos aspectos que contribuem para que se alcance esse objetivo e esse direito, o meio ambiente aparece como peça fundamental, sem o qual torna-se impossível a própria vida humana.

 Infelizmente, do mesmo modo que outros direitos fundamentais, sabe-se que esse é um direito alcançado ainda por poucos, embora seja um direito tão importante quanto os outros (ou até mais), com necessidade de ampla proteção.

O presente artigo objetiva mostrar como o meio ambiente se enquadra como um dos pressupostos dos Direitos Humanos de terceira dimensão e mecanismo de contribuição para o bem-estar social. É importante que se compreenda essa dimensão do meio ambiente relacionada aos direitos humanos, haja vista que, comumente, tem-se uma percepção de direitos humanos mais ligados a outros aspectos, como a liberdades e garantias individuais. Por isso, tornam-se importantes outras abordagens envolvendo os Direitos Humanos em suas várias dimensões, intrinsecamente ligados entre si e com papel fundamental para o desenvolvimento de todas elas. Além disso, não há como tratar da vida humana sem considerar a variável ambiental, fundamento de sua própria existência.


Fundamentação Teórica

Comparato (2001) conceitua os Direitos Humanos como os direitos fundamentais da pessoa humana, contemplando não só os aspectos individuais como também seu sentido comunitário.  Para Ramos (2014, p. 23), os Direitos Humanos “consistem em um conjunto de direitos considerado indispensável para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade. Os direitos humanos são os direitos essenciais e indispensáveis à vida digna”.

Direitos Humanos são direitos vinculados à condição da pessoa humana, que sem eles, na visão de Ramos (2015, p. 38), “não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida”. Embora não exista um rol determinado de direitos que o ser humano precise dispor para que tenha uma vida digna, pois sabe-se que as necessidades humanas variam conforme o contexto histórico e cultural, há elementos que ao longo do tempo foram incorporados dentro do que é considerado essencial para que o mesmo se desenvolva plenamente. Historicamente, são marcados pela mutação e constante renovação, desde a Antiguidade aos dias de hoje (RAMOS, 2015), podendo ser considerado um produto da História, conforme preceitua Comparato (2001).

Os Direitos Humanos, segundo Ferreira Filho (2011, p. 57), são classificados em primeira, segunda e terceira geração (ou dimensão), correspondendo, respectivamente, aos direitos à liberdade, igualdade e fraternidade, basicamente o mesmo lema da Revolução Francesa de 1789.

Ramos (2014) explica que os direitos de primeira dimensão correspondem aos direitos de liberdade, que são os individuais, civis e políticos. Os de segunda dimensão são aqueles ligados aos direitos de igualdade, quer sejam econômicos, sociais e culturais, por exemplo.

Conforme Ferreira Filho (Op. Cit.), os direitos classificados em terceira dimensão (ou geração) são os direitos de titularidade da comunidade (solidariedade e fraternidade), que estão ligados à qualidade de vida e solidariedade entre os seres humanos, abrangendo os direitos relativos à paz, ao desenvolvimento, ao patrimônio comum da humanidade e ao meio ambiente.

No entanto, há uma outra corrente doutrinária, defendida por Bonavides (2009), que preconiza a existência de mais duas outras dimensões, quais sejam: uma quarta dimensão dos direitos humanos (que correspondem aos direitos de informação, pluralismo e à democracia) e também de um grupo de quinta dimensão (que corresponde no direito fundamental à paz). Outra corrente, mais além, defende que há uma sexta dimensão, que é o direito à água potável, conforme defendido por Santos (2001).

Em 1948, a Organização das Nações Unidas divulgou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que representou uma conquista para a humanidade no tocante aos seus direitos individuais e universais. Além de todos os direitos postos a partir da declaração, a mesma trouxe em seu art. 3º, que o ser humano tem direito à “vida”, considerando que nela estão incluídas as condições necessárias à sua manutenção, dentre as quais a preservação do meio ambiente surge como um desses requisitos, e sem o qual, inclusive, não seria possível a vida nem dos seres humanos e de nenhum outro ser vivo na Terra.

Interessante observar que na Declaração de 1948 sobre os Direitos Humanos não há nenhuma menção ao meio ambiente. Dessa forma, a observação de Comparato (2001) que os Direitos Humanos são um produto de cada tempo, ou seja, uma evolução histórica, traz à tona que assuntos ligados ao meio ambiente, à época, não tinha tanta importância assim, ou, no mínimo, não estava em evidência. Qual a razão disso? O meio ambiente ainda não era considerado como um bem a ser preservado nem um problema a ser resolvido.

O que se nota nos dias atuais é que a questão ambiental tem ganhado destaque nas discussões em todo planeta e isso se dá porque o ser humano tem percebido o quanto o desgaste do meio natural atinge diretamente suas vidas. A concepção de que os recursos naturais são limitados e cada vez mais em declínio acendeu o sinal de alerta para que as pessoas passassem a adotar uma nova postura e uma nova mentalidade em relação ao meio ambiente, entendendo que a destruição da natureza é, automaticamente, a destruição do próprio ser humano.

Manter o meio ambiente em equilíbrio é condição para o desenvolvimento pleno de todas as sociedades. Isto significa que quando a natureza é considerada para o bem comum, todos saem ganhando. Uma sociedade sadia e equilibrada é aquela que entende que seu bem-estar é alcançado quando se considera nas suas ações não só os impactos que elas podem causar no presente, mas, também, os efeitos que essas ações podem gerar no futuro. Esse é o conceito de “desenvolvimento sustentável”, definido pelo relatório “Nosso Futuro Comum” (também conhecido como Relatório Brundtland, da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1987), que o define como “a habilidade das sociedades para satisfazer às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das futuras gerações de atenderem a suas próprias necessidades” (CMMAD, 199, p. 09).

Contudo, esse entendimento já vinha sendo firmado desde 1972, a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, da qual resultou a Declaração de Estocolmo e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Essa declaração foi também um marco histórico para o Direito Ambiental ao considerar o direito ao meio ambiente como um direito fundamental do indivíduo, equiparando-o a direitos já consolidados na esfera dos direitos humanos, como a liberdade e igualdade (primeira e segunda dimensão). Essa Declaração traz em seu Princípio nº 1 que: “o ser humano tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequada em um meio cuja qualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, e tem a solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras”.

A referida Declaração defende também que quando existe uma relação em que o homem protege a natureza, ambos são beneficiados. Em seu preâmbulo, destaca: “O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente” (ONU, 1972).  No mesmo texto ressalta-se, ainda, que “a proteção e o melhoramento do meio ambiente humano é uma questão fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econômico do mundo inteiro, um desejo urgente dos povos de todo o mundo e um dever de todos os governos” (Op. Cit.). Assim, equilibrar a preservação do meio ambiente, com um desenvolvimento econômico e satisfação da sociedade é um dos grandes desafios postos no cenário global nos últimos tempos.

Quando o conceito de desenvolvimento sustentável aborda a questão das “necessidades”, nele está o conceito-chave que inclui as necessidades essenciais dos pobres do mundo. Dias (2011) explica que o desenvolvimento sustentável é, antes de qualquer coisa, um projeto social e político destinado a erradicar a pobreza, elevar a qualidade de vida da sociedade e satisfazer às necessidades básicas da humanidade. Portanto, a proteção do meio ambiente emerge como um direito humano, cuja responsabilidade é de todos, e isso inclui os Governos, as organizações e a sociedade de modo geral.

O desenvolvimento pleno do ser humano depende de vários fatores, a fim de que possa encontrar a condição adequada para uma vida com dignidade. A ONU, ao desenvolver o conceito de desenvolvimento sustentável, traz com isso uma tentativa de resposta para os problemas ambientais existentes e dos riscos que todo o planeta corre em função dessa problemática.

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Embora pareça fácil, lidar com a questão ambiental não é tão simples assim. Isso porque a própria dinâmica econômica, que é ligada diretamente à utilização de recursos naturais, tem que ser levada em conta, já que ações de impacto econômico trazem também, por consequência, um impacto social imediato. Ou seja, economia, sociedade e meio ambiente encontram-se em uma relação direta. Questões inerentes ao contexto emergem a partir disso, como, por exemplo: é possível reduzir o desgaste na natureza sem afetar a economia? É possível mexer na economia sem atingir a sociedade? Impossível mexer nessas questões sem impactar na vida humana, nas condições de vida da sociedade, no bem-estar dos indivíduos.

Por isso, “para ser sustentável o desenvolvimento deve ser economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente correto” (BOFF, 2012, p. 43). Esse conceito, também defendido por Elkington (2012), denomina-se “Tripé da Sustentabilidade” (Triple Bottom Line), que traz exatamente o equilíbrio entre essas três variáveis. A própria Declaração de Estocolmo (1972) traz que: “O desenvolvimento econômico e social é indispensável para assegurar ao homem um ambiente de vida e trabalho favorável […]” (Princípio nº 8).

Viver em um ambiente preservado, com qualidade de vida e em condições que beneficiem a saúde das pessoas é um direito humano. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 aborda em seu Capítulo VI o Meio ambiente, que, em seu art. 225 declara que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (BRASIL, CF, Art. 225, 1988). Essa posição compartilha a responsabilidade pela garantia dos direitos ambientais não só para o governo, como também com a própria sociedade, que é, ao mesmo tempo, agente transformador do meio ambiente e também quem é mais suscetível nessa transformação.

 Tudo isso parte da percepção de que as ações do homem para com o meio ambiente têm provocado sérias mudanças no planeta, ocasionando diversos problemas, cujos efeitos atingem a todos e no o mundo inteiro, gerando diversas discussões acerca da questão ambiental. É evidente que ao redor do mundo há uma disparidade quanto às oportunidades de se usufruir dos recursos ambientais de maneira igualitária e equilibrada. No entanto, ter um ambiente saudável e acessível a todos é um direito de toda sociedade, na verdade, é considerado um direito humano.

Conclusão

Os Direitos Humanos englobam uma série de direitos, que vão desde o direito à vida, liberdade, igualdade, até temas como o meio ambiente. Classificados em três categorias, denominadas de “dimensões” ou “gerações”, o meio ambiente encontra-se na terceira dimensão desses direitos.

A proteção do meio ambiente, como condição essencial para o direito à vida, coloca esse direito como parte daqueles que alicerçam os direitos humanos.

Ter um ambiente ecologicamente equilibrado e protegido é fundamental para o desenvolvimento econômico, que, por sua vez, é necessário para que a sociedade também se desenvolva em sua plenitude e usufrua de um bem-estar.

É a partir do equilíbrio entre as variáveis econômica, ecológica e social que se tem o desenvolvimento sustentável, resultado conjunto de ações de todas as esferas sociais e cujos benefícios são sentidos não só pelas gerações presentes, mas também pelas futuras gerações.


Referências

ANDRADE, Maria Margarida de. Introdução à metodologia do trabalho científico: elaboração de trabalhos na graduação. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é, o que não é. Petrópoles-RJ: Vozes, 2012.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 01 out. 2017.

CMMAD, Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2001.

DIAS, Reinaldo. Gestão ambiental: responsabilidade social e sustentabilidade. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

ELKINGTON, John. Sustentabilidade, canibais com garfo e faca. São Paulo: M. Books do Brasil Editora Ltda., 2012.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2011.

ONU – Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos - 1948. Rio de Janeiro: UNIC, 2009.

ONU – Organização das Nações Unidas. DECLARAÇÃO SOBRE MEIO AMBIENTE HUMANO (DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO) - 1972. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/acao/meio-ambiente/> Acesso em 01 out. 2017.

Ramos, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2014.

RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

SANTOS, Boaventura de Souza. Crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência . 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

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Sobre o autor
Francisco Cleiton da Silva Paiva

Possui graduação em Direito (FACEP) e Ciências Contábeis (UERN), Especialização em Contabilidade Pública (FINOM) e Direito Tributário (UCAM), Mestrado em Ambiente, Tecnologia e Sociedade pela UFERSA.

Informações sobre o texto

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