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O direito à educação nas penas privativas de liberdade no Brasil

21/11/2017 às 12:00
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O atendimento educacional ao condenado e ao preso provisório não abrange totalmente nem sequer os indivíduos que, conforme a legislação, obrigatoriamente deveriam estar estudando.

Introdução

A execução da pena tem como objetivos dar efetividade às disposições da decisão judicial e promover a adequada integração social do condenado. Entre as penas possíveis no direito brasileiro, destacam-se as privativas de liberdade, consistentes em restrições na liberdade do indivíduo, gerando no Estado o dever de promover-lhe a assistência necessária. Entre as diversas formas de assistência a serem prestadas à pessoa privada de sua liberdade, está a assistência educacional.

Do ponto de vista do direito positivado, optou-se na legislação brasileira por tratar a educação como instrumento de ressocialização. Entretanto, o atendimento a tais disposições pode ainda não ser compatível com os objetivos apontados pelo legislador. Assim, o presente estudo busca resposta para o questionamento: as políticas educacionais, como direitos da pessoa submetida à pena privativa de liberdade, têm sido aplicadas nos estabelecimentos penitenciários de maneira que se permita atender ao seu fim, qual seja, a reintegração social do indivíduo?

Para responder a tal questionamento, utiliza-se de pesquisa descritiva, predominantemente bibliográfica, legislativa e jurisprudencial. Inicia-se pelo estudo introdutório da relação entre a pena privativa de liberdade e a educação, avançando, em seguida, pela demonstração do tratamento legislativo dado ao tema no Brasil. Por fim, apresenta-se os dados disponíveis acerca da educação do preso no Brasil, de maneira que se possa responder ao questionamento proposto.

A pena privativa de liberdade NO BRASIL

A pena pode ser conceituada como

a espécie de sanção penal consistente na privação ou restrição de determinados bens jurídicos do condenado, aplicada pelo Estado em decorrência do cometimento de um a infração penal, com as finalidades de castigar seu responsável, readaptá-lo ao convívio em comunidade e, mediante a intimidação endereçada à sociedade, evitar a prática de novos crimes ou contravenções penais. (MASSON, 2011, p. 538).

No conceito de Nucci (2011, p. 391), a pena “é a sanção imposta pelo Estado, através da ação penal, ao criminoso, cuja finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção a novos crimes”. No que se refere à prevenção, o mesmo autor indica que esta se dá em dois contextos principais: geral e especial. Entende-se por prevenção geral a expectativa de que, em uma sociedade politicamente organizada na qual os indivíduos compartilham a ideia de que o direito penal é eficaz, a possibilidade de penalização iniba a prática de condutas criminosas. Por prevenção especial, entende-se que a pena exerce intimidação direta sobre o condenado, de forma que, se adotadas as adequadas medidas para sua reintegração social, diminui-se as chances de que esse volte a delinquir.

No Brasil, as penas são privativas de liberdade, restritivas de direitos e de multa. As primeiras privam o indivíduo principalmente da sua liberdade de locomoção e dos direitos que são incompatíveis com o seu recolhimento a um estabelecimento penitenciário. As segundas, conhecidas geralmente como penas alternativas, restringem o exercício de determinado direito, evitando o encarceramento do condenado que pode, por exemplo, prestar serviços à comunidade. Por fim, a multa no contexto penalista é sanção de natureza marcadamente patrimonial.

Conforme o Código Penal, as penas privativas de liberdade são reclusão, detenção ou prisão simples. A pena de reclusão pode ser inicialmente cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A pena de detenção permite o regime de cumprimento inicialmente semiaberto ou aberto, existindo, porém, a possibilidade de transferência para o regime fechado. A prisão simples, cumprida em regime semiaberto ou aberto, sem possibilidade de transferência ao regime fechado, é a pena destinada ao condenado pela prática de contravenção penal.

O regime de cumprimento de pena, ou seja, o conjunto de regras que se aplicam ao condenado, pode ser, do mais rígido ao mais brando, fechado, semiaberto ou aberto. Assim, a pena é cumprida progressivamente, de maneira que o indivíduo parte do alojamento individual e das restrições rígidas previstas para o regime fechado, passa pelo alojamento coletivo, com mais benefícios que permitem a reaproximação com a sociedade, no regime semiaberto, até atingir a situação de albergado, com o cumprimento da pena em regime aberto.

Do ponto de vista jurídico, a execução penal é regulada principalmente pela Lei n. 7.210 de 1984, conhecida como Lei de Execução Penal. No texto estão as principais orientações acerca dos procedimentos a serem adotados durante o cumprimento das diferentes penas, com determinações acerca da estrutura dos estabelecimentos, da assistência ao condenado, dos benefícios e da disciplina.

A citada lei indica, em seu Art. 1º, aquilo que foi considerado pelo legislador brasileiro como objetivos da execução penal, ao determinar que a execução penal objetiva “efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (BRASIL, 1984).

Entende-se, assim, que a legislação brasileira acolhe o entendimento de que a execução da pena tem por objetivo, primeiramente, fazer com que se cumpra a decisão judicial na qual se estabeleceu que certo indivíduo seria submetido a uma sanção penal. Nesse processo, a execução deve também possibilitar que o sujeito se integre socialmente. Dessa forma, os procedimentos adotados durante o cumprimento da pena se baseiam, também, na necessidade de ressocializar o indivíduo.

Cabe ressaltar que as normas de execução penal no direito brasileiro não se aplicam apenas ao condenado. Há também a figura do preso provisório, que é o indivíduo contra o qual ainda não existe sentença condenatória irrecorrível, mas que se encontra recolhido a estabelecimento penitenciário durante o curso da investigação ou do processo penal.

Também existem normas de execução penal aplicáveis aos submetidos a uma medida de segurança. Todavia, tal espécie de sanção penal não se adequa ao conceito de pena, pois se direciona aos que, apesar de absolvidos em razão da sua imputabilidade, são submetidos à medida em razão de sua reconhecida periculosidade.

Importante conceito acerca da execução da pena, e do direito penal como um todo, é o princípio da individualização da pena, nas palavras de Nucci (2011, p. 86):

Significa que a pena não deve ser padronizada, cabendo a cada delinquente a exata medida punitiva pelo que fez. Não teria sentido igualar os desiguais, sabendo-se, por certo, que a prática de idêntica figura típica não é suficiente para nivelar dois seres humanos. Assim, o Justo é fixar a pena de maneira individualizada, seguindo-se os parâmetros legais, mas estabelecendo a cada um o que lhe é devido.

Nesse contexto, tem-se individualização da pena até mesmo na fase executória. Em outras palavras, dois indivíduos que receberam a mesma pena, quantificada de maneira igual, não cumprirão a sansão de maneira idêntica. Dessa forma, as características subjetivas, como personalidade e comportamento, serão determinantes para maneira com que se dará o seu procedimento de execução.

Ao se analisar os direitos do condenado, sobretudo o direito à educação, que se encontra no centro deste trabalho, levar-se-á em consideração que o seu mérito e a sua colaboração terão influência direta sobre a eficácia dos métodos adotados com objetivo de promover a sua integração social, com base no princípio da individualização da pena. Assim sendo,

O mérito do condenado é um juízo de valor incidente sobre a sua conduta carcerária passada e futura (diagnóstico e prognóstico), dando conta de que cumpriu, a contento, sem o registro de faltas graves no seu prontuário, a sua pena no regime mais rigoroso, além de estar preparado a enfrentar regime mais brando, demonstrando disciplina, senso crítico sobre si mesmo, perspectiva quanto ao seu futuro e ausência de periculosidade. O mérito não deve, jamais, ser avaliado segundo o crime praticado e o montante da pena aplicada, pois não é essa a finalidade da disposição legal. Por seu crime, o sentenciado já foi sancionado e cumpre pena, não podendo carregar, durante toda a execução, o estigma de ter cometido grave infração penal. (NUCCI, 2011, p. 404).

Considerando ser a Lei de Execução Penal a principal norma reguladora dos procedimentos adotados durante a permanência do condenado ou do preso provisório nos estabelecimentos prisionais, tratar-se-á, a seguir, das disposições dessa norma e do ordenamento jurídico como um todo acerca da educação da pessoa sob privação da liberdade.

Educação na execução da pena na legislação brasileira

A educação é compreendida entre os direitos humanos na atual ordem internacional. Coloca-se entre os chamados direitos de segunda geração, ou seja, direitos que exigem do estado uma prestação positiva, uma ação em prol da sua observância. Tal direito se estende aos reclusos, como se nota nas Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos, adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 14 de dezembro de 1990. Conforme tal documento, que deve ser observado por todos os Estados membros da Organização das Nações Unidas,

Instrumentos devem ser criados para promover a educação de todos os presos que possam se beneficiar disso, incluindo instrução religiosa, em países onde isso é possível. A educação de analfabetos e jovens presos deve ser compulsória, e a administração prisional deve destinar atenção especial a isso. Na medida do possível, a educação dos presos deve ser integrada ao sistema educacional do país, para que após sua liberação eles possam continuar seus estudos sem maiores dificuldades. (BRASIL, 2016, p. 41).

Nota-se que, a exemplo do disposto no Art. 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a educação fundamental é obrigatória, sobretudo para os analfabetos e os jovens presos.

A Lei de Execução Penal, inspirada nos compromissos internacionais assumidos pela República Federativa do Brasil, apresenta disposições semelhantes ao tratar da assistência educacional:

Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado.

Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa.

Art. 18-A.  O ensino médio, regular ou supletivo, com formação geral ou educação profissional de nível médio, será implantado nos presídios, em obediência ao preceito constitucional de sua universalização.

§ 1º O ensino ministrado aos presos e presas integrar-se-á ao sistema estadual e municipal de ensino e será mantido, administrativa e financeiramente, com o apoio da União, não só com os recursos destinados à educação, mas pelo sistema estadual de justiça ou administração penitenciária. (BRASIL, 1984).

Buscou o legislador possibilitar o acesso à educação formal por parte da pessoa privada da sua liberdade. Tal direito tem dupla finalidade, uma vez que possibilita ao indivíduo ampliar as oportunidades quando, ao fim do processo executório, tiver que se estabelecer no mercado de trabalho; além de fortalecer a disciplina no interior dos estabelecimentos, através da disponibilização de uma ocupação proveitosa para o preso.

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Nesse contexto, conforme Marcão (2015, p. 55),

A assistência educacional tem por escapo proporcionar ao executado melhores condições de readaptação social, preparando-o para o retorno a vida em liberdade de maneira mais ajustada, conhecendo ou aprimorando, certos valores de interesse comum. E inegável, ainda, sua influência positiva na manutenção da disciplina do estabelecimento prisional.

Os estudos do condenado são realizados no interior do estabelecimento, em estrutura adequada que fará parte do sistema de educação pública da unidade federada. Assim, por exemplo, se o estabelecimento é administrado por um estado da federação, a educação ministrada no estabelecimento fará parte da rede estadual de ensino. Há, entretanto, a possibilidade de que o preso estude em local comum, fora do estabelecimento penitenciário. Assim, aquele que cumpre pena em regime fechado poderá obter o benefício da saída temporária para frequentar curso supletivo profissionalizante, bem como ensino médio ou superior.

A Lei de Execução Penal prevê também, como benefício ao submetido à pena privativa de liberdade, a possibilidade de remição. Com origem no latim redimere, que apresenta a ideia de compensar ou ressarcir, a remição é a possibilidade de redução do tempo de cumprimento de pena pela dedicação às atividades laborais ou estudantis (MARCÃO, 2015). O sentenciado que estuda conseguirá remição de um dia da pena a cada doze horas de estudo distribuídas em pelo menos três dias.

Existe ainda a previsão de que, se concluir curso de ensino fundamental, médio ou superior, o condenado terá um terço de acréscimo sobre os dias remidos com estudo. Destaca-se que o tempo remido conta como tempo de pena cumprido para todos os efeitos, o que incluir o cálculo para obtenção de benefícios. Busca-se, assim, estimular a continuidade dos estudos, de maneira a viabilizar o ingresso no mercado de trabalho quando o indivíduo for colocado em liberdade.

Ainda sobre a remição pelo estudo, o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido em sua jurisprudência a possibilidade de aplicação do benefício ainda que fora da educação formal. Nesse sentido:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. FALTA DE CABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO DA PENA PELA LEITURA. ART. 126 DA LEP. PORTARIA CONJUNTA N. 276/2012, DO DEPEN/MJ E DO CJF. RECOMENDAÇÃO N. 44/2013 DO CNJ. [...]

2. A norma do art. 126 da LEP, ao possibilitar a abreviação da pena, tem por objetivo a ressocialização do condenado, sendo possível o uso da analogia in bonam partem, que admita o benefício em comento, em razão de atividades que não estejam expressas no texto legal [...].

3. O estudo está estreitamente ligado à leitura e à produção de textos, atividades que exigem dos indivíduos a participação efetiva enquanto sujeitos ativos desse processo, levando-os à construção do conhecimento. A leitura em si tem função de propiciar a cultura e possui caráter ressocializador, até mesmo por contribuir na restauração da autoestima. Além disso, a leitura diminui consideravelmente a ociosidade dos presos e reduz a reincidência criminal.

4. Sendo um dos objetivos da Lei de Execução Penal, ao instituir a remição, incentivar o bom comportamento do sentenciado e sua readaptação ao convívio social, a interpretação extensiva do mencionado dispositivo impõe-se no presente caso, o que revela, inclusive, a crença do Poder Judiciário na leitura como método factível para o alcance da harmônica reintegração à vida em sociedade.

5. Com olhos postos nesse entendimento, foram editadas a Portaria conjunta n. 276/2012, do Departamento Penitenciário Nacional/MJ e do Conselho da Justiça Federal, bem como a Recomendação n. 44/2013 do Conselho Nacional de Justiça. [...] (BRASIL, 2015).

Admite-se, assim, a remição através da leitura, aplicando uma interpretação extensiva à Lei de Execução Penal em benefício do condenado que pode não contar a estrutura necessária para se inserir na educação formal.

Não obstante a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 não tenha tratado especificamente da educação no contexto da execução pena, buscou-se suprir o vazio legislativo através do Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2001). O plano, instituído pela Lei n. 10.172 de 2001, estabelece como sua décima sétima meta a implantação, em estabelecimentos prisionais e naqueles que recebam adolescente e jovens infratores, programas de educação de jovens e adultos de nível fundamental, médio e de formação profissional.

Em termos legais, conforme se demonstrou, a educação se estabelece não como benefício, mas como direito e política de ressocialização inseparável da execução penal. Apresentada a disciplina jurídica acerca da matéria, torna-se necessário demonstrar se as disposições legislativas acerca da matéria têm sido efetivamente observadas.

Aspectos atuais da educação no sistema penitenciário brasileiro

O último relatório elaborado pelo Departamento Penitenciário Nacional (BRASIL, 2014) acerca das informações penitenciárias da Brasil indica a existência de aproximadamente 622.202 indivíduos submetidos a alguma medida privativa de liberdade, o que representa um aumento de 167,32% em catorze anos. Dessas pessoas, 32% estão na condição de presos provisórios, ou seja, não foram ainda definitivamente condenadas. A população carcerária masculina representa 94,22% do total, e feminina 5,78%. Destaca-se que os dados do último levantamento são de 2014.

No que se refere à escolaridade, pessoas analfabetas representam 8,66% da população carcerária, sendo que um total 68,7% não chegou a completar o ensino fundamental. Indivíduos que apenas completaram o ensino fundamental são 14,34%. As pessoas que chegaram a cursar ou terminaram o ensino médio e a educação superior representam 24,92%.

O citado relatório, ao tratar do direito à educação no interior dos estabelecimentos penitenciários indica que, no ano de 2014, 13% das pessoas privadas da sua liberdade estavam envolvidas em alguma atividade educacional. Os envolvidos em atividades educacionais formais são 11%, e 2% em atividades informais.

Do total de envolvidos em atividades educacionais formais, 17% estão em processo de alfabetização, 51% cursam o ensino fundamental e 19% cursam o ensino médio. O percentual de presos cursando o ensino superior é estatisticamente irrelevante. Estão matriculados em curso técnico 1% dos indivíduos, e em curso de formação inicial e continuada, 12%.

Os envolvidos em atividades informais de educação, como já mencionado, representam 2% do total de pessoas inseridas no sistema. Tais atividades consistem principalmente na prática da leitura e do esporte, interpretados como atividades educacionais, apesar de não integrarem o conceito formal de ensino.

Conforme foi demonstrado, o ensino fundamental é obrigatório para a pessoa privada da sua liberdade. Feita tal consideração, percebe-se que a quantidade de presos inseridos na educação formal (11%) se distancia do total de indivíduos que ainda não completaram o ensino fundamental (68,7%) e necessariamente deveriam estar estudando, conforme a disposição da Lei de Execução Penal.

Surge o questionamento acerca das razões que levam o alcance efetivo das políticas educacionais a estar aquém das metas propostas pela norma. Nesse contexto, pode-se apontar como primeira dificuldade para o exercício do direito à educação a questão de estrutura física e a escassez de profissionais da área aptos a lidar com o sistema.

Os citados apontamentos foram apresentados no relatório de pesquisa Reincidência Criminal no Brasil, elaborado no ano de 2015 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em convênio com o Conselho Nacional de Justiça. Conforme conclui o relatório:

Um problema geral apontado pelos operadores da execução penal dizia respeito ao baixo interesse de profissionais bem preparados em lecionar no sistema prisional. Além disso, a ausência de infraestrutura para atender presos condenados e provisórios inviabilizava o acesso de todos à educação, sendo dada prioridade aos condenados. (IPEA, 2015, p. 112).

Considerando o déficit de vagas no sistema, que chega a 250.318 (BRASIL, 2014), percebe-se a existência de um problema estrutural, que tem como uma de suas consequências a falta de espaços dedicados ao exercício das atividades educacionais. Nesse contexto:

na própria arquitetura prisional, geralmente não é previsto e não existe espaço para o desenvolvimento de atividades educativas nas unidades prisionais. Enquanto atualmente se discute a necessidade de criação de espaços para atividades laborativas no cárcere, espaços para a educação, artes e esporte não são considerados artigos de primeira necessidade, são totalmente desconsiderados em uma política de execução penal, literalmente colocados em segundo plano, são verdadeiros “artigos de perfumaria”. (JULIÃO, 2010).

A evidência do fato citado, conforme o mesmo autor, é a ausência de diretrizes centralizadas das políticas educacionais no ambiente de privação da liberdade. Alguns estados nem sequer possuem normas regulamentadoras da educação nos estabelecimentos sob a sua administração. As ações aplicadas são precárias e aplicadas de forma isolada.

  O cenário é de omissão por parte principalmente da União, visto que as normas das unidades federadas guardam simetria com a legislação federal e com as políticas adotadas pelo Governo Federal. Nesse sentido,

Sem orientações claras do Ministério da Educação, a educação penitenciária vem sendo implementada, ou não, de acordo com a vontade política dos governos estaduais. [...] A invisibilidade da educação destinada às pessoas encarceradas também pôde ser observada na produção acadêmica que, apenas recentemente, a partir de 2005, vem se ocupando do tema. (GRACIANO; SCHILLING, 2008, p. 112).

Assim sendo, nota-se que, não obstante as previsões legislativas gerais, nas quais se estabelece a educação como direito e como mecanismo apto a promover a ressocialização do indivíduo, o tema carece de regulamentação detalhada e da elaboração de políticas concretas e práticas.

Considerações Finais

Durante a pesquisa, notou-se a ausência de dados concretos disponíveis acerca da educação nos estabelecimentos penitenciários. Esse cenário reforça a hipótese levantada de que a matéria carece de regulamentação por parte do Governo Federal. As garantias legais do direito à educação e aos benefícios a ela relacionados se tornam inócuas quando se verifica a inexistência de políticas elaboradas de maneira direcionada, com orientações claras acerca do investimento e da estrutura que deve ser garantida pelo Poder Público.

A Lei de Execução Penal prevê o ensino fundamental obrigatório. Os dados apresentados demonstram que mais de três quintos dos indivíduos submetidos a medidas privativas de liberdade (68,7%) deveriam estar cursando ao menos os anos iniciais da educação formal. Entretanto, o sistema atende atualmente 11% do total de pessoas presas.

O problema estrutural apresentado, provável resultado de um cenário político no qual se opta por não priorizar investimentos relacionado à educação, tem como uma de suas consequências a busca por formas alternativas de acesso à educação nos estabelecimentos penitenciários. Em certos casos, como se demonstrou, o Poder Judiciário chega a autorizar que a leitura individual e a prática esportiva sejam consideradas atividades educativas para fins de concessão de benefícios.

Conclui-se, assim, que em termos quantitativos, o atendimento ao condenado e ao preso provisório não abrange totalmente nem sequer os indivíduos que, conforme a legislação, obrigatoriamente deveriam estar estudando. Tal fato, aliado à ausência de políticas públicas centralizadas que observem as necessidades e peculiaridades da educação nos estabelecimentos penitenciários, prejudica o propósito ressocializador da educação.

Referências

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Regras de Mandela: Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2016.

BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em 14 ago. 2017. Acesso em: 5 set. 2017.

BRASIL. Lei n. 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm>. Acesso em: 5 set. 2017.

BRASIL. Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984.          Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm>. Acesso em: 5 set. 2017.

BRASIL. Ministério da Justiça. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - INFOPEN. Dezembro de 2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/documentos/infopen_dez14.pdf >. Acesso em: 5 set. 2017.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 312.486/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 9 de junho de 2015, publicado em 22 de junho de 2015. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista /inteiroteor/?num_registro=201403390781&dt_publicacao=22/06/2015 >. Acesso em: 5 set. 2017.

GRACIANO, Mariângela; SCHILLING, Flávia. A educação na prisão: hesitações, limites e possibilidades. Estudos de Sociologia, v. 13, n. 25, p.111-132, 2008.

IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, IPEA. Relatório de pesquisa: Reincidência Criminal no Brasil. Relatório final de atividades da pesquisa sobre reincidência criminal, conforme Acordo de Cooperação Técnica entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ipea. 2015. Disponível em: <http://cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/07/577d8ea3d35e53c27c2ccc265cd62b4e.pdf>. Acesso em: 5 set. 2017.

JULIÃO, Elionaldo Fernandes. Uma visão socioeducativa da educação como programa de reinserção social na política de execução penal. Repositório UFSJ, p. 01-18, 2010.

MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado, parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2011.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral e especial. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de dezembro de 1948, por meio da Resolução 217 A (III). 1948. Disponível em: <http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf>. Acesso em: 5 set. 2017.

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Sobre o autor
Alexander Luiz Durães

Possui graduação em Direito pelas Faculdades Santo Agostinho, atuando como advogado desde o ano de 2008. Possui duas pós-graduações, em "Análise da Criminalidade, Violência e Segurança Pública no Norte de Minas", pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e em "Ciências Criminais", pela Universidade Cândido Mendes. Atualmente cursa nova especialização, em "Didática e Metodologia do Ensino Superior", pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e exerce a advocacia, com ênfase em Direito Público. Já se dedicou a funções públicas junto ao Instituto Municipal de Previdência dos Servidores Públicos de Montes Claros (PREVMOC), no qual ocupou os cargos de Advogado, Procurador Jurídico Geral e Diretor-Presidente, entre os anos de 2013 e 2015. Cursou a disciplina Gênero e Subjetividade e cursa a disciplina Imaginário e Liturgias Políticas, ambas do Programa de Pós-Graduação em História da Unimontes. Em 2013 foi reconhecido como Personalidade do Ano na área da advocacia pela Gazeta Norte Mineira, Revista Tempo e TV Geraes.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DURÃES, Alexander Luiz. O direito à educação nas penas privativas de liberdade no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5256, 21 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61327. Acesso em: 5 nov. 2024.

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