Introdução
O aborto apresenta-se para a sociedade com varias vertigens, sendo tratado de formas diferentes também, devendo ser considerado que em alguns países, como no caso do Brasil, é considerado crime.
A prática abortiva é, em regra, proibida no Brasil, conforme se vê nos artigos 124 a 126 do Decreto Lei nº 2.848/40, comumente conhecido como Código Penal Brasileiro:
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque
Pena - detenção, de um a três anos.
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de três a dez anos.
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.” (Decreto lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940)
Conforme se pode observar, o Código Penal trata de punir de formas diferentes dois personagens que estão envolvidos no aborto, sendo eles a gestante e o terceiro que nela realiza as manobras abortivas. Além disso, não define claramente o aborto, ficando a cargo da doutrina definir e esclarecer a expressão “provocar aborto”.
Doutrinariamente, entende-se por aborto a prática de interrupção da gravidez provocando a morte do produto. Como o exposto a seguir:
“Aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. É a morte do ovo, embrião ou feto, não implicando necessariamente sua expulsão. O produto da concepção pode ser dissolvido, reabsorvido pelo organismo da mulher ou até mumificado, ou pode a gestante morrer antes da sua expulsão. Não deixará de haver, no caso, o aborto” (Fabbrini Mirabete).
Contudo, deve-se considerar que o Código Penal é um decreto lei de 1940, que foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, portanto, foi escrito em um cenário social e político totalmente diferente da realidade atual. Era uma sociedade controlada pelo Estado, e que era extremamente influenciada pela igreja católica. Portanto, apesar de tais artigos terem sido recepcionados pela Constituição Federal de 1988, ainda há grandes discussões a respeito desse assunto.
No Brasil as discussões acerca da legalização do aborto já ultrapassam décadas, e isso se dá, principalmente, porque é de conhecimentos de todos que, apesar de criminalizada, tal prática é cotidiana em nosso país, além do mais um dos regimes que regem o Direito Penal Brasileiro é o Princípio da Intervenção Mínima, ou seja, o sistema de proteção aos bens jurídicos só está legitimado quando todos os outros ramos e setores do direito não forem eficientes para a proteção e controle social, sendo assim, não caberia ao direito penal legislar sobre tal assunto que, aliás, muito se aproxima de um problema de saúde pública ou um problema social.
A condenação da prática do aborto no Brasil traz algumas excludentes previstas no artigo 128 do código penal, que são as tratadas como aborto necessário ou no caso de gravidez resultante de estupro. Recentemente também, em decisão de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), O STF autorizou o aborto de feto anencefálico (vide ADPF 54).
Desenvolvimento
Analisando o contexto histórico da criminalização do aborto observa-se que as leis que proíbem o mesmo entraram em vigor na década de 40, onde o ultrassom foi utilizado pela primeira vez pela medicina, por Karl Theodore Dussik, neuropsiquiatra, na Universidade de Viena, sendo que, na época, o aparelho não era capaz de responder a questões de alta complexidade, revelando que não era possível contar com grandes avanços tecnológicos na época quanto se pode contar hoje em dia. Diante disso devemos nos atentar que “o direito acompanha a sociedade”, pelo que o direito legislativo tende a criar um sistema de leis que deve ser cumprido e que apresenta a aprovação de determinadas ações, atos ou circunstâncias, em contrapartida, desaprovam outras que afetam as normas estabelecidas e vigentes e que, ao mesmo tempo, reflitam os interesses da sociedade. Fato que não acompanha mais a lei, tendo em vista as mudanças ocorridas da década de 40 até os dias de hoje.
No Brasil, a gravidez é obrigatória, sendo assim, o aborto é permitido apenas em casos de risco de vida para gestante, nos casos fetos anencefálicos e estupro. Fora disto a pratica é expressamente proibida, por assim ser todos os anos várias mulheres são forçadas a levar adiante uma gestação que não as fazem felizes e geram várias consequências psicológicas e físicas.
Por outro lado, a criminalização do aborto não reduz sua incidência, ao contrário, traz como consequência a realização da prática em condições de insegurança, através de procedimentos clandestinos, ocasionando um alto índice de mortalidade de mulheres no Brasil.
Segundo dados da saúde, o gasto com mulheres que se submetem a clínicas clandestinas ou a métodos caseiros para a prática abortiva são muito maiores que aqueles que seriam empregados para o atendimento de mulheres que decidam abortar:
“Do ponto de vista econômico, segundo o ginecologista Jefferson Drezett, coordenador do Ambulatório de Violência Sexual e de Aborto Legal do Hospital Pérola Byington, em São Paulo, “os recursos que gastamos para tratar as graves complicações do aborto clandestino são muito maiores que os recursos de que precisaríamos para atender as mulheres dentro de um ambiente seguro e minimamente ético e humanizado” (Drauzio Varella – Aborto: Um Problema de Saúde Pública).
O processo de abortamento é causador de inúmeras mortes de mulheres no Brasil e, em razão disso, pode-se afirmar que o Estado não tem conseguido garantir a vida dessas mulheres, sobretudo, às mulheres que têm condições financeiras e sociais menos favoráveis, tendo em vista que são obrigadas a procurar meios alternativos para a prática.
A realidade brasileira é muito desigual, e, quando se olha os números de abortos, principalmente, por mortes de mulheres que praticaram o aborto, entende-se que a criminalização da prática é também um problema de descriminação social, tendo em vista que as mulheres que podem pagar altos preços pelo procedimento conseguem realizá-lo com uma segurança mínima, enquanto que aquelas que não têm as mesmas condições, estão sujeitas a práticas de alto risco e que acabam não dando certo. Além do mais, a criminalização da prática só atinge a essas mulheres (pobres/subalternas), uma vez que elas são “descobertas” e responsabilizadas pelo ato ao procurar atendimento na unidade de saúde.
“Os casos que chegam para nós são bem parecido: mulheres pobres, sozinhas, com filhos, sem antecedentes criminais, que praticam o aborto inseguro em um momento de desespero e que são denunciadas pelos profissionais que as atendem nos hospitais públicos. Os companheiros não existem, nem aparecem seus nomes nestes processos.” (Juliana Belloque - Defensora Pública).
O aborto não deve ser utilizado como método anticoncepcional, a descriminalização trata-se de dar ao o Estado o dever de garantir políticas públicas de conscientização, além de acompanhamento multidisciplinar daquelas que decidam fazer o aborto, tendo em vista que não se encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro para que se mantenha criminalizada uma prática comum, que merece uma atenção muito mais especial que aquela dada, em outros âmbitos, que não o Código Penal.
Os países que descriminalizaram o aborto tiveram um número de abortos diminuído e, consequentemente, das mortes de mulheres em decorrência de práticas clandestinas.
Alguns países autorizam o aborto sem qualquer justificativa até a 12ª semana de gravidez, como o caso do México, tendo em vista que, nesse período ainda não pode se falar que o feto é um ser pensante, pois é apenas um aglomerado de células, não havendo a formação do sistema encefálico. A partir dessa fase, alguns países vão adotar métodos de indicação, pelos quais haverá um trabalho de equipe multidisciplinar para orientação da mulher.
Já no Uruguai, após a lei de interrupção da gravidez ser aprovada no final de 2012, houve um grande aumento de desistência da prática.
‘’O que nos surpreendeu foi o aumento de desistências, o que demonstra que a lei vem cumprindo seu papel. Não é uma lei que promove o aborto, mas a reflexão. Isso demonstra que muitas mulheres que solicitam o aborto não têm certeza e que as consultas obrigatórias com a equipe interdisciplinar, formada por psicólogos e assistentes sociais, além do ginecologista, estão sendo efetivas’’ (Letícia Rieppi, ginecologista e ex diretora de saúde sexual e reprodutiva do Ministério da Saúde).
Além disso, O código penal de 1940, assim como toda a legislação brasileira, deve ser interpretado à luz da Constituição de 1988, Carta Magna que institui princípios que devem ser observados por toda norma infraconstitucional, e que traz para o individuo garantias e direitos individuais, como uma forma de proteção ao cidadão para que este não tenha sua liberdade suprimida. Sendo assim, deve ser garantido à mulher o direito de escolha sobre seu corpo e sua sexualidade, suas escolhas.
O que se pode observar, com a insistente criminalização da prática abortiva no Brasil, é uma supressão a essa liberdade feminina de decisão sobre seu próprio corpo, que sofrerá todas as transformações atinentes a uma gestação. Se é garantido a todos direitos que versam sobre sua intimidade, sua honra, sua privacidade e liberdade, não estaria, então, o Código Penal suprimindo a mulher do exercício desses seus direitos previstos constitucionalmente, preso a princípios morais e religiosos? Pois, vejamos o que diz a Constituição a esse respeito:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros residentes no país a inviolabilidade do direito a vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política. (Constituição Federal de 1988)
Além disso, a IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as mulheres aprovou a Plataforma de Ação de Pequim em 1955, que afirma o seguinte:
96. Os direitos humanos das mulheres incluem os seus direitos a ter controle sobre as questões relativas à sua sexualidade, inclusive sua saúde sexual e reprodutiva, e a decidir livremente a respeito dessas questões, livres de coerção, discriminação e violência. A igualdade entre mulheres e homens no tocante às relações sexuais e à reprodução, inclusive o pleno respeito à integridade da pessoa humana, exige o respeito mútuo, o consentimento e a responsabilidade comum pelo comportamento sexual e suas conseqüências.
Pois bem, como se percebe, é reconhecido como direito da mulher a liberdade de decisão sobre questões relativas à sua reprodução, então, o Brasil, enquanto membro da ONU, e enquanto um Estado garantidor dos direitos humanos, não deveria punir as mulheres pela sua escolha, mas, sim, garantir a elas acesso a informações atinentes a um planejamento familiar responsável.
Conforme muito bem explana Marcos Antonio Duarte da Silva, estudioso do assunto, “ser livre é um estado de espírito, cada vez mais difícil de ser alcançado para quem já nasce em uma sociedade com padrões de comportamentos estabelecidos”.
Conclusão
Diante do exposto, conclui-se que a descriminalização do aborto é necessária, pelo fato de que, como falado anteriormente, existindo ou não leis que o proíbam, o aborto continua a ser praticado, devendo ser considerada como questão de saúde pública, para que o Estado pare de violentar mulheres através de suas leis, tirando de tais a liberdade de escolha de seu futuro.
Referencias bíblicas
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CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial, volume II. 6 ed.São Paulo: Saraiva, 2006.
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GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume II: introdução à teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa. 9. ed. Niterói: Impetus, 2012.
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DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-01-2002) São Paulo: Saraiva, 2002.
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RODRIGUES.silvio. direito civil. Volume 1parte geral São Paulo 2007.
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http://www.g1.com.br.
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http://noticiasterra.com.
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http://www.diariodocentrodomundo.com.br/sete-razoes-para-ser-a-favor-da-descriminalizacao-do-aborto-por-nathali-macedo/
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https://jus.com.br/artigos/34988/o-aborto-e-seu-contexto-historico