A pena de morte nos sistemas democráticos

26/10/2017 às 12:58
Leia nesta página:

Apesar de a pena de morte ter sido eliminada em muitos Estados, assistimos hoje a constantes discursos para reintroduzi-la como sanção legítima. O que pensar sobre esta situação?

Resumo: O dia 10 de Outubro é o dia universal contra a pena de morte. Muitos sistemas legais ainda aplicam a pena de morte como sanção criminal. Não existe uma separação rígida entre o reconhecimento da pena de morte como sanção criminal e o tipo de sistema político vigente. Isto significa que podemos encontrar a pena de morte em sistemas legais de países democráticos e não democráticos. Esta situação é sustentada por algumas convenções internacionais que reconhecem a pena de morte como uma possibilidade legal. Contudo, a situação foi alterada, nomeadamente, na União Europeia, mas não em definitivo, e não internacionalmente, pois muitos governos atendem às reivindicações da população por penas mais gravosas. Reintroduzir a pena de morte nos sistemas democráticos é possível, especialmente se um partido de extrema-direita defensor da pena de morte ganhar poder nas assembleias legislativas ou no governo. Para evitar tais situações, o que é importante relembrar é a história e as consequências da pena de morte como forma de perseguição e opressão contra a dignidade humana.


1.      Direito Internacional e a Pena de Morte

As recentes campanhas legislativas na Europa especialmente na França, Alemanha e Portugal revelaram as intenções políticas dos partidos extremistas sobre o futuro do direito criminal nas sociedades democráticas: a necessidade de reintroduzir a pena de morte. Qual a razão para a defesa da pena de morte nos novos discursos políticos? Ganhar votos.

Na verdade, atualmente temos assistido a um crescimento dos discursos políticos de radicalização, discriminação, e medo associados ao aumento da imigração e às crises econômicas. Nestes contextos, a pena de morte é reivindicada como resposta securitária para garantir o controle público.

Apesar de o direito à vida ser reconhecido como um direito fundamental e um direito humano, algumas convenções internacionais ainda admitem expressamente a possibilidade da pena de morte, conferindo autoridade aos discursos políticos que a reivindicam e legitimidade à morte como sanção criminal necessária na lei, nomeadamente:

- O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos no seu artigo 6º (1) defende o direito à vida, mas admite a pena de morte nos casos de crimes graves e desde que não aplicáveis a menores de 18 anos de idade ou a mulheres grávidas de acordo com os artigos 6º (2) e 6º (5);

- A Convenção Europeia dos Direitos do Homem no seu artigo 2º (1) defende que o direito à vida é protegido na lei, mas admite a pena de morte desde que prevista na lei e aplicada por um tribunal;

- A Convenção Americana dos Direitos Humanos no seu artigo 4º reconhece o direito à vida, mas admite a aplicação da pena de morte. Contudo, proíbe a pena de morte por motivações políticas e a reintrodução da pena de morte nos Estados que anteriormente a eliminaram como sanção criminal.

Igualmente importante, nesta matéria, é o Protocolo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos referente à abolição da Pena de Morte, pois o seu artigo 1º proíbe a aplicação da pena de morte. 

- Na União Europeia a proibição da pena de morte está consagrada na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2010/C 83/02) no seu artigo 2º (1).


2.      Pena de Morte: O que pensar?

A discussão sobre a pena de morte envolve argumentos a favor e contra. Os mais comuns são:

a)      Razões a favor da pena de morte:

. A segurança coletiva é um princípio superior à vida de um ser humano;

. A necessidade de manter a ordem e a paz pública;

. A necessidade de prevenção de comportamentos semelhantes.

b)      Razões contra a pena de morte:

. Os erros judiciais. Estes erros são muito comuns como têm demonstrado os testes de ADN realizados nos casos de condenação à pena de morte.

. A pena de morte tem sido aplicada de forma desproporcionada contra as minorias, os pobres e as pessoas com patologia mental.

     . A pena de morte é uma resposta ao medo e à intolerância, logo pode conduzir a erros de julgamento baseados em preconceitos, estereótipos e discriminação.

     . A pena de morte é comum em sistemas políticos repressivos principalmente em ditaduras como forma de eliminar “legalmente” os opositores do regime.


3.   Conclusões

1.      A pena de morte foi aplicada no passado principalmente como forma de eliminar opositores políticos, e não por motivos de segurança e bem-estar das sociedades.

2.      O que torna legítima uma sentença não é a liberdade do juiz na análise da prova, mas os valores subjacentes à decisão, de acordo com os direitos fundamentais.  

3.      O princípio fundamental presente no debate da pena de morte é o princípio da dignidade humana.

4.      A pena de morte é uma pena cruel, a qual incute sofrimento psíquico e físico extremo. Este sofrimento não conduz a nenhuma consequência positiva em termos securitários para a sociedade.

5.       Não existe coerência legal na defesa da pena de morte num sistema político defensor da dignidade humana.

6.      Outras sanções criminais podem ser aplicadas para alcançar o que a pena de morte pretende alcançar. 

7.      Atualmente, os comportamentos humanos podem ser controlados com a ajuda da ciência, pelo que a pena de morte já não deveria ser equacionada como necessária.

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8.      Cientificamente é possível concluir que os erros judiciais são uma forte possibilidade, logo, ao se admitir a possibilidade de erro também se admite a possibilidade de violar o direito à vida.

9.      As convenções internacionais que aceitam a pena de morte como sanção criminal não estão em consonância com o estado do conhecimento atual das ciências. Legitimando a morte como sanção criminal, estes diplomas aceitam a criação de um sistema penal opressor, ignorando o erro na decisão sobre a vida. Consequentemente, a possibilidade legal da pena de morte deveria ser proibida expressamente por todas as convenções internacionais.


Referências:

Amnesty International. Death Penalty, https://www.amnesty.org/en/what-we-do/death-penalty/

Aurélie Delmas , Kim Hullot-Guiot et Tristan Berteloot, Libération. Des mesures toujours ancrées à l’extrême droite, 5 février 2017, http://www.liberation.fr/france/2017/02/05/des-mesures-toujours-ancrees-a-l-extreme-droite_1546523

BBC. The death penalty - the arguments for and against, http://www.bbc.co.uk/newsround/15007511

 Lincoln Caplan, The New Yorker. A Strong Argument Against Capital Punishment, August 14, 2015,  https://www.newyorker.com/news/news-desk/a-strong-argument-against-capital-punishment

 Made for minds, media center. The NPD: on Germany's extreme right, http://www.dw.com/en/the-npd-on-germanys-extreme-right/a-15572610

Oregonians for Alternatives to the Death Penalty. The Facts: 13 Reasons to Oppose the Death Penalty, https://oadp.org/facts/13-reasons

Richard C. Dieter, Esq. Executive Director, Death Penalty Information Center. International Perspectives on the Death Penalty: A Costly Isolation for the U.S, https://deathpenaltyinfo.org/international-perspectives-death-penalty-costly-isolation-us

Valérie Igounet. FN et peine de mort: oú en est-ou?. Derrière le Front, http://blog.francetvinfo.fr/derriere-le-front/2016/01/12/fn-et-peine-de-mort-ou-en-est-on.html

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Sobre a autora
Susana C. Monteiro

Mestrado em Direito Internacional e Europeu

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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