A imunidade tributária religiosa como extensão do direito fundamental à liberdade de consciência e crença

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30/10/2017 às 23:36
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A imunidade tributária é matéria constitucional e, por isso, apesar das outras formas de limitação ao poder de tributar, não se trata de renúncia do Poder Público.

1. Imunidade como direito constitucional

De acordo com o art. 150, VI da Magna Carta, a Imunidade é considerada uma limitação constitucional ao poder de tributar, sendo expressamente contida no texto da nossa lei maior.

Alexandre de Moraes concorda que “tanto os princípios constitucionais tributários quanto as regras definidoras de imunidades tributárias são garantias fundamentais do indivíduo enquanto contribuinte (...)” (MORAES, 2010, p. 889).

Diante de uma análise jurídica, existem regras que não possuem discussão quanto às imunidades. A professora Misabel Abreu Machado Derzi esclarece que:

Do ponto de vista jurídico, em geral, todos se põem de acordo em que a imunidade: (i) é regra jurídica, com sede constitucional; (ii) é delimitativa (no sentido negativo) da competência dos entes políticos da Federação, ou regra de incompetência; (iii) obsta o exercício da atividade legislativa do ente estatal, pois nega competência para criar imposição em relação a certo fatos especiais e determinados; (iv) distingue-se da isenção, que se dá no plano infraconstitucional da lei ordinária ou complementar (DERZI, 2010, p. 98).

Convém elencar os principais conceitos de imunidades, a fim de adentrarmos ao inciso VI, alínea b do art. 150 da Constituição Federal:

No tradicional conceito de Aliomar, são “Vedações absolutas ao poder de tributar certas pessoas (subjetivas) ou certos bens (objetivas) e, às vezes, uns e outras. Imunidades tornam inconstitucionais as leis ordinárias que as desafiam” (BALEEIRO, 2002, p. 35).

No conceito de Hugo de Brito Machado:

Imunidade é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado. A imunidade impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune. É limitação de competência (MACHADO, 2004, p. 190).

É imprescindível destacar os esclarecimentos de Luciano Amaro, no que tange as limitações do poder de tributar:

Mas os limites do poder de tributar definidos pela Constituição não se esgotam nos enunciados aí contidos. Várias imunidades tributárias encontram-se dispostas fora da seção das "Limitações do Poder de Tributar". Requisitos formais ou materiais, limites quantitativos, características específicas deste ou daquele tributo permeiam todo o capítulo do Sistema Tributário Nacional, sendo ainda pinçáveis aqui ou ali, em normas esparsas de outros capítulos da Constituição, como o dos direitos e garantias individuais, da seguridade social e da ordem econômica. Ademais, a Constituição abre campo para a atuação de outros tipos normativos (lei complementar, resoluções do Senado, convênios), que, em certas situações, também balizam o poder do legislador tributário na criação ou modificação de tributos, o que significa que os limites da competência tributária não se resumem aos que estão definidos no texto constitucional. (Grifo do autor) (AMARO, 2006, p. 106).

 Além disso, Luciano pontua que:

A imunidade tributária é, assim, a qualidade da situação que não pode ser atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional que, à vista de alguma especificidade pessoal ou material dessa situação, deixou-a fora do campo sobre que é autorizada a instituição do tributo (Ibidem, p. 151).

    Nota-se, portanto, que não pode haver tributação, visto que tais situações (especificadas na Constituição) estão “fora” da incidência tributária, ou seja, não existe condição, simplesmente não fazem parte do campo de instituição do tributo.

    Há, dessa forma, o sentido de proibição, supressão ou vedação do poder de tributar. O legislador excluiu determinadas situações do campo tributável, isso porque ele não quer que incida tributo (Ibidem).

   Roque Antonio Carrazza afirma que: “Nem o legislador, nem o administrador fazendário, nem mesmo o juiz, podem torna-las inócuas; muito menos, diminuir-lhes o alcance ou suprimi-las” (CARRAZZA, 2015, p. 6).

    No mesmo sentido, o referido Autor insiste:

Insistimos que as imunidades tributárias possuem assento constitucional e, deste modo, seu alcance não pode ser amesquinhado, nem muito menos destruído, por normas infraconstitucionais (...) tudo converge, pois, no sentido de que as imunidades tributárias, plasmadas pela Constituição, não podem ser neutralizadas, nem pela lei, nem, muito menos, por quem a aplica (de ofício ou contenciosamente) (Ibidem, p. 19).

Após demonstração dos conceitos e esclarecimentos acerca das imunidades, convém elencar as vedações contidas no art. 150, VI da Constituição Federal:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão; e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser (BRASIL, 1988).  

Assim, considera-se vedado a incidência de imposto sobre as pessoas e certos bens, ou até mesmo, uns e outras.


2. Diferença entre isenção e imunidade

Há que se registrar a ampla diferença entre isenção e imunidade, no qual muitos ainda confundem e erram na discussão tributária acerca do que é imune. A isenção está prevista no art. 176 do Código Tributário nacional:

Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.

Parágrafo único. A isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares.

Observa-se que a isenção depende de lei para que aconteça. Hugo de Brito Machado conceitua isenção como “a exclusão, por lei, de parcela da hipótese de incidência, ou suporte fático da norma de tributação, sendo objeto da isenção a parcela que a lei retira dos fatos que realizam a hipótese de incidência da regra de tributação” (MACHADO, 2004, p. 153).

Roque Antonio Carrazza, a definir isenção, cita Paulo de Barros Carvalho: “Isenção é a limitação do âmbito de abrangência de critério do antecedente ou do consequente da norma jurídica tributária, que impede que o tributo nasça (naquele caso abrangido pela norma jurídica isentiva) ”[1]

Dessa forma, não deve, de forma alguma, ser confundido isenção e imunidade, pois a isenção se trata da possibilidade dos entes federativos de concederem a dispensa do pagamento do tributo por expressa disposição legal e não constitucional (MORAES, 2010, p. 892).

É nesse sentido o entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca do tema: “A criação de imunidade tributária e matéria típica do texto constitucional enquanto a da isenção é versada na lei ordinária (...)”[2]

    No mesmo entendimento, com esclarecimento eficaz, aduz Carrazza:

Ora, se os entes políticos, não podendo tributar pessoas imunes, não têm porque as isentar. Também não lhes é dado ignorar ou costear situações de imunidade tributária, nem tampouco, atropelar, por meio de interpretações restritivas, os comandos constitucionais que tratam do assunto (CARRAZZA, 2015, p. 19).

    Não há que se falar em isenção de algo que não existe incidência. As pessoas e bens elencados no art. 150, VI da Constituição, são imunes de tributação. Estão fora da esfera tributária de imposto.


3. Imunidade Tributária dos Templos

    Eis o tema principal do presente artigo, a imunidade tributária religiosa, tratada no art. 150, VI, b, da Constituição, dizendo que os templos de qualquer culto são imunes à tributação por meio de impostos.

Carrazza esclarece que, deve-se entender por templos todas as instalações e anexos do edifício do culto, desde que correlacionadas às práticas religiosas (CARRAZZA, 2015, p. 21).

Na Idade Média, a desoneração tributária era de rigor e funcionava como uma forma de limitação do poder real. Embora, nos primórdios alcançasse apenas a Igreja Católica, com o tempo, especialmente após p advento do liberalismo, a proteção estendeu-se à todos os cultos (Ibidem, p. 22).

    Convém ressaltar que a Constituição Federal institui imunidade tributária aos templos, que não devem ser apenas as igrejas, sinagogas ou edifícios, onde há celebração da cerimônia pública, mas também a dependência, acaso contígua, o convento, os anexos por força de compreensão, inclusive a casa ou residência oficial do pároco ou pastor, pertencente à comunidade religiosa, desde que não empregados para fins econômicos (BALEEIRO, 1996, p. 88).

Nesse sentido, Alexandre de Moraes destaca que:

A imunidade tributária referente aos templos dos cultos religiosos deve estar relacionada com os imóveis necessários ao exercício de suas finalidades essenciais, entendidos não somente como os imóveis ligados à realização das cerimônias e liturgias, mas também os imóveis relacionados diretamente com essas atividades, tais como os seminários, conventos, as sacristias e a residência oficial dos ministros religiosos, cabendo aos contribuintes a prova dessa relação (MORAES, 2010, p. 891).

    Dessa forma, “a imunidade concerne ao que seja necessário para o exercício do culto. Nem se deve restringir seu alcance, de sorte que o tributo constitua um obstáculo, nem se deve ampliá-lo, de sorte que a imunidade constitua um estímulo à prática do culto religioso” (MACHADO, 2004, p. 270).

    Há imunidades para diferentes tributos: Impostos, contribuições sociais, contribuições interventivas e até mesmo para taxas. Porém, a imunidade religiosa significa que os templos de qualquer culto estão protegidos contra incidência de impostos.

    A imunidade, ora analisada, está contida no dispositivo constitucional que abrange as imunidades genéricas, assim como todas as outras elencadas no art. 150, VI. A imunidade religiosa afasta todos os impostos, não apenas um ou dois, ou até dez impostos, mas sim, todos. Qualquer imposto que exista, seja ele, federal, estadual ou municipal, será afastado na imunidade prevista (informação verbal).[3]


4. A imunidade tributária e a liberdade religiosa

A imunidade tributária, ora analisada, refere-se à liberdade de crenças e à igualdade entre as crenças, pois o Brasil é um país laico, não podendo discriminar nem diferenciar uma religião de outra, defendendo-se assim, a liberdade religiosa.

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   Como bem destacado por Carrazza, esta imunidade “representa a extensão do direito fundamental à liberdade de consciência e de crença, consagrado no art. 5º, incisos VI, VII e VIII, da Constituição Federal” (CARRAZZA, 2015, p. 21).

 Importante registrar tais incisos, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei (BRASIL, 1988).

    Nota-se, da leitura desses dispositivos, que seu objetivo é garantir, a todas as pessoas, sua religiosidade, com a permissão de sua divulgação e manifestação livremente.

    Nessa toada, é imprescindível trazer as palavras de Ricardo Lobo ao relacionar a liberdade religiosa e a imunidade: “É por intermédio das imunidades que as liberdades se afirmam como direitos absolutos diante do poder tributário” (LOBO, 1995, p. 50).

    Verifica-se que, em nosso país, a liberdade religiosa não é apenas uma questão “privada”, mas sim um direito fundamental, garantido pela Constituição. É por isso que o legislador constituinte visou a proteção da liberdade de culto, visto que é uma das manifestações dos direitos humanos em sociedade.

Carrazza, brilhantemente, ensina as três dimensões da liberdade religiosa: (i) o direito de ter convicções sobre assuntos espirituais (dimensão individual), (ii) o direito de manifestá-las livremente (dimensão social) e (iii) o direito à objeção de consciência (dimensão política) (CARRAZZA, 2015, p. 23).

O primeiro, protege o foro íntimo das pessoas, permitindo sua crença sem qualquer impedimento, seja ele moral ou material. O segundo, garante a todos o exercício do culto, sem também sofrer qualquer dano. E o último, concede ao indivíduo, a faculdade de, em nome de suas convicções espirituais, subtrair-se a obrigações legais (Ibidem, p. 24).

No Brasil, desde a Constituição Federal de 1824, o culto de outras religiões já era permitido, porém, de maneira doméstica, sem identificação oficial de Igreja ou centro religioso que não fosse católico.

    Carrazza relembra que:

O Art. 5º da Constituição de 1824, dispunha: “Art. 5º, A religião católica apostólica romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo”. A situação perdurou até que, proclamada a República, o governo provisório determinou a liberdade de cultos e a igualdade das religiões, com a edição do Decreto nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890 (grifo do Autor) (Ibidem, p. 36).

Assim, o Brasil deixou de ser um país católico e passou a ser um estado laico. A liberdade de crença e de culto é garantida pela Constituição, na qual consagra como direito fundamental a liberdade de religião, prescrevendo que o Brasil é um país laico, ou seja, nosso Estado não pode adotar, incentivar ou promover qualquer deus ou religião, embora propicie a seus  cidadãos uma perfeita compreensão religiosa, tanto para quem acredita em deus(es) como para quem não acredita neles, proscrevendo a intolerância e o fanatismo.

    Há, portanto, a separação entre Igreja e Estado (Ibidem, p. 36), visto que antigamente a Igreja Católica desfrutava de tantos privilégios que, por vezes, se confundia com o próprio Estado. Contudo, como supramencionado, houve a separação entre a Igreja Católica e o Estado, que se tornou laico, passando a aceitar todas as religiões.

    Isso não quer dizer apenas tolerância. Carrazza destaca que “não é jurídico simplesmente dizer que, no Brasil, todas as religiões são toleradas”. Isso porque, se é um direito fundamental, não basta mera tolerância, mas sim respeito e, inclusive, proteção. “A liberdade religiosa, sendo um direito fundamental e, portanto, de estrita justiça, não se compadece com a mera tolerância, que pressupõe condescendência de um superior a um inferior” (Ibidem, p. 37).

    Apesar da supracitada separação, embora o Estado e a Igreja não se confundam, pelo que segue cada um o seu caminho, Carrazza reforça a harmonia entre ambos, devendo somar esforços para o pleno atingimento dos objetivos comuns, inclusive, os que estão relacionados ao desenvolvimento e formação da personalidade humana (Ibidem, p. 40).

    Até porque, todo homem que possui uma crença é, além de fiel, um cidadão. Por isso, tanto a Igreja quanto o Estado, possuem objetivos comuns e, portanto, há o dever de cooperação entre ambas instituições.

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Sobre a autora
Amanda Almeida

Advogada, pós graduando em Direito Empresarial. Atua em Direito Civil, Empresarial, Consumidor e Família. Com experiência no Direito Administrativo e Eleitoral. Professora Assistente de Processo Civil na FDSBC.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Síntese de Trabalho de Conclusão de Curso apresentado na Universidade Municipal de São Caetano do Sul.

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