RESUMO: Encontra-se em vigor a Lei 13.300/2016, responsável por regulamentar o mandado de injunção, instrumento jurídico da maior importância para fins de efetivação dos Direitos previstos na nossa Constituição Federal de 1988. O propósito deste artigo é definir a natureza jurídica do Mandado de Injunção e facilitar a compreensão da sistemática processual trazida pela novatio legis.
1. Introdução.
1.1. Conceito e natureza jurídica.
O Mandado de Injunção é uma ação (remédio) constitucional de caráter civil e de procedimento especial que visa à garantia da efetividade, aplicabilidade e eficácia das normas contidas no texto constitucional.
Tal instituto encontra previsão legal no Art. 5º, inciso LXXI, da Carta da República e será concedido “sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.
Acrescente-se que a Lei. 13.300/2016, que disciplina o processo e o julgamento dos mandados de injunção individual e coletivo, inovou ao incluir a locução “falta total ou parcial de norma regulamentadora”, ausente no texto constitucional. Isso quer dizer que o Mandado de Injunção também pode ser utilizado quando, apesar da existência de regulamentação, esta for insuficiente, nos termos do art. 2º, caput, e parágrafo único.
Logo, a presente ação é vocacionada a suprimir omissões legislativas capazes de obstar direitos e liberdades dos cidadãos, como no caso das normas constitucionais de eficácia limitada, onde o exercício pleno dos direitos nelas previstos depende necessariamente de edição normativa posterior.
Em suma: o direito foi garantido pela Constituição, mas o seu exercício encontra-se condicionado à edição de lei regulamentadora ulterior.
Exemplo clássico é o caso do direito de greve dos servidores públicos, previsto no art. 37, VII. Ele está garantido, mas carece de regulamentação, não obstante a aplicação subsidiária da Lei de Greve dos empregados privados.
Busca-se evitar, portanto, que a desídia do legislador transforme algumas partes do texto constitucional em “letra morta”, combatendo a “síndrome de inefetividade” das normas constitucionais de eficácia limitada.
Por ironia do destino, o próprio Mandado de Injunção foi vítima daquilo que desejou combater. Foram quase 28 anos para que tivéssemos um procedimento claro e preciso, restando ao Poder Judiciário a tarefa de fixar entendimentos não unânimes ao longo dos anos, principalmente quanto ao alcance das decisões (com ou sem efeito erga omnes, conforme veremos adiante).
2. DO PROCEDIMENTO.
2.1. Legitimidade (Art. 3º)
O Mandado de Injunção pode ser impetrado por qualquer pessoa física ou jurídica que se afirme titular dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas ameaçadas pela ausência de norma regulamentadora (Legitimado ativo).
Há, também, a possibilidade de substituição processual no Mandado de Injunção coletivo, sobre o qual falaremos adiante.
Já no polo passivo figurará o Poder, o órgão ou a autoridade com atribuição para editar a norma regulamentadora (Legitimado passivo).
2.2. Dos atos processuais (Art. 4º ao 8º)
O procedimento especial tem início com o ajuizamento da ação, cuja petição inicial deverá preencher os requisitos formais estabelecidos no art. 319 do novo Código de Processo Civil e indicará, além do órgão impetrado, a pessoa jurídica que ele integra ou aquela a que está vinculado.Recebida a petição inicial, será ordenada a notificação do impetrado sobre o seu conteúdo, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste informações (Art. 5º, I).
Alerte-se para o fato de que o órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada deverá ter ciência do ajuizamento da ação para ingressar no feito, caso queira (Art. 5º, II).
Ademais, não raras vezes os documentos necessários à comprovação do direito do autor estão em poder da autoridade ou de terceiro que se negam a fornecer certidão ou cópia. Nesses casos, a pedido do impetrante, será ordenada pelo Juiz a exibição do documento no prazo de 10 (dez) dias (Art. 4º, §2º).
Caberá agravo, em 05 (cinco) dias, da decisão que indeferir a petição inicial. A competência para o seu julgamento é do órgão colegiado competente para o julgamento da impetração, nos moldes do que preconiza o parágrafo único do art. 6º.
Por fim, após o fim da fase de apresentação de informações, será ouvido o Ministério Público, que disporá de 10 (dez) dias para opinar. Cumpre observar que é admitida a dispensa de manifestação ministerial. Isso pode ocorrer nas hipóteses em que o MP verificar a existência de interesses unicamente de cunho individual na demanda, tornando despicienda a emissão de parecer conclusivo.
Concluído o prazo para manifestação do parquet, os autos serão conclusos para decisão.Na sentença, o magistrado se pronunciará apenas e tão-somente sobre o reconhecimento (ou não) de mora legislativa. Caso se convença do atraso, concede-se a injunção, fixando-se prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora (Art. 5º, I).
Impende mencionar que o exercício do direito do impetrante não pode aguardar a edição dessa norma (o prazo determinado pelo juiz), motivo pelo qual caberá ao próprio magistrado estabelecer provisoriamente as condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas reclamados (Art. 5º, II), como uma espécie de medida liminar.
2.3. Mandado de Injunção coletivo (Artigos 12 e 13).
O mandado de injunção coletivo busca proteger os direitos, as liberdades e as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania pertencentes, indistintamente, a uma coletividade indeterminada de pessoas ou determinada por grupo, classe ou categoria.Embora não exista previsão expressa da nossa Constituição acerca do Mandado de Injunção coletivo, já havia pacífico entendimento no STF sobre o seu cabimento, compreensão cristalizada com a edição da lei 13.300/16 (Art. 12 e 13)
O mandado de injunção coletivo não induz litispendência em relação aos individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante que não requerer a desistência da demanda individual no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração coletiva.
Sinteticamente, isso quer dizer que o ajuizamento de uma ação individual não será prejudicado por uma ação coletiva que possua as mesmas partes, causa de pedir e pedido. No entanto, para se beneficiar dos efeitos da coisa julgada, o impetrante individual deverá desistir da ação no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração coletiva.
Em suma: concorrendo duas ações (individual e coletiva), composta pelas mesmas partes, causa de pedir e pedido, o autor da ação individual não será prejudicado, exceto com relação aos efeitos da coisa julgada.
3. Eficácia das decisões.
Tema gerador de grande controvérsia no âmbito do Supremo Tribunal Federal relacionava-se à eficácia das decisões no Mandado de Injunção. Não havia unanimidade quanto ao seu alcance; ora sendo limitado às próprias partes (inter partes), ora à coletividade em geral (erga omnes). A Lei 13.300/16 tratou de sepultar essa discussão e filiou-se à tese da teoria concretista direta, estabelecendo que a decisão terá, em regra, eficácia subjetiva limitada às partes.
No entanto, poderá ser conferida eficácia erga omnes à decisão, quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração. No mandado de injunção coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente às pessoas integrantes da coletividade, do grupo, da classe ou da categoria substituídos pelo impetrante.
4. Conclusão.
A Lei 13.300/2016 surge como forte instrumento de efetividade das normas constitucionais de eficácia limitada. Além disso, possibilita ao cidadão o exercício pleno de direitos obstaculizados pela inércia do Pode Legislativo.
É, sem dúvida, uma avanço significativo no ordenamento jurídico pátrio, uma vez que decisões confusas e contraditórias entre si darão lugar a um procedimento claro e adaptado às novas demandas sociais que exigem rápidos pronunciamentos do Parlamento.