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Anotações sobre a anticrese

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18/09/2020 às 14:00
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III - QUEM PODE CONSTITUIR ANTICRESE

Pode constituir anticrese quem pode dispor e tem direito real de fruição, de que possa dispor. Quem constitui a anticrese somente dispõe de frutos presentes e futuros. O usufrutuário tem a fruição, mas não pode dispor do usufruto. A anticrese pode provir de negócio do devedor ou de terceiro que seja dador da anticrese. Se a anticrese for dada por pessoa que não disponha dessa legitimidade, é ineficaz. Para Pontes de Miranda (obra citada, pág. 188), o negócio jurídico assim feito não seria nulo nem anulável.

A anticrese pode ser constituída por ato de última vontade.

Podem as heranças ser objeto de anticrese? No direito francês, Pothier (Du contrat de nantissement, 478), afirma-o. No direito brasileiro, só ao usufruto se permitiu ser em patrimônio (Código Civil, art. 1.390). 


IV - ANTICRESE LEGAL E ANTICRESE JUDICIAL

Para Pontes de Miranda, na linha de A. Manigk (obra citada, volume XXI, pág. 197), nada obsta a que o legislador possa estabelecer a anticrese, de ius dispositivum ou ius cogens.

O juiz pode constituir anticrese nos mesmos termos em que pode constituir a hipoteca ou usufruto.


V - EXTINÇÃO DA ANTICRESE

Findo o prazo contratado, ou liquidado o débito, o credor deverá restituir o bem ao devedor, com averbação no registro de imóveis.

O pagamento é a forma comum de extinção da anticrese.

Quanto à renúncia, se a anticrese foi constituída pelo enfiteuta, a renúncia à enfiteuse pelo enfiteuta não extingue a anticrese. A renúncia (ato unilateral de cunho abdicativo), como forma de extinção, deverá ser registrada, cancelando-se o registro da enfiteuse.

Se o perecimento do bem for total, extingue-se a anticrese. Se for parcial, sobre o que resta incide o gravame.

Quanto a prescrição dir-se-á que é incompatível com a anticrese, porque o só fato de auferir o credor os frutos da coisa imputando-os na liquidação da obrigação impede se constitua uma situação contrária e geradora da extinção da dívida. Era o entendimento de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, volume IV, 1974, pág. 358).

Ao estudar o artigo 1.423 do Código Civil de 1916, Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, Bookseller, tomo XX, pág. 89) entendeu que o prazo ali exposto é preclusivo, de direito cogente, não importando seja paga a dívida ou não.

Em relação ao credor anticrético tem-se que há preclusão, se ele vier a reter a posse do imóvel até 15 anos, e eventualmente o prazo pode até ser menor, ou até que, o seu crédito seja pago. Deve guardar e conservar o imóvel, como se fosse o seu proprietário. O prazo é de 15 anos. Aqui nós temos a perempção anticrética. O credor pode arrendar o imóvel para terceiros ou fruir pessoalmente, não importa, o objetivo é que ele tenha aí os frutos.

Para Pontes de Miranda (obra citada), no Código Civil de 1916, artigo 849, VI, considerou-se a prescrição elemento suficiente do suporte fático da extinção da hipoteca. No Código Civil, artigo 1.423, estabeleceu-se o prazo preclusivo de quinze anos, contado da data da constituição, porém esse prazo nada tinha com o não exercício do direito real de anticrese, nem, sequer, com a não-tomada da posse. Para Pontes de Miranda, em conclusão, é semelhante ao prazo do art. 1.485, sem a prorrogabilidade a que se alude no art. 1.485, primeira parte, e sem a renovabilidade de que trata a segunda parte do artigo 1.485, do Código Civil anterior. Se o titular do direito de anticrese deixa de tomar posse do bom e se conclui o prazo prescricional da ação real, o artigo 849, VI, do Código Civil revogado, incidia, por analogia.

O término do prazo legal, qual seja: quinze anos, contados da data do assento da anticrese no Registro Imobiliário, tem o condão de findar a anticrese. “Ademais, diferentemente dos outros direitos da mesma natureza, a lei impõe a extinção da anticrese decorridos 15 anos de seu registro imobiliário, prazo de caducidade”, como explicou Silvio Venosa (Direito Civil: Direitos Reais. 10ª Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2010). Desta feita, implementado o decurso do ínterim, o credor anticrético perderá o direito de retenção do imóvel dado em garantia, ficando o bem imóvel inteiramente liberado ao seu proprietário, ainda que o débito não tenha sido, de maneira integral, pago. Ensinou Maria Helena Diniz que “o credor, então, deverá, mediante ação própria, cobrar o remanescente de seu crédito se ainda não ocorreu a ‘prescrição’ de sua pretensão” (Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. 26ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, pág. 565). Desta feita, implementado o decurso do ínterim, o credor anticrético perderá o direito de retenção do imóvel dado em garantia, ficando o prédio inteiramente liberado ao seu proprietário, ainda que o débito não tenha sido, de maneira integral, pago.

O direito de retenção é direito real sobre coisa alheia, pois seria estranho o dono do bem retê-lo contra si mesmo. É um dos raros momentos que o brasileiro pode exercer autotutela. A esse respeito tem-se o artigo 1.219 do Código Civil. A esse respeito determina o artigo 1.423 do Código Civil: 

Art. 1.423. O credor anticrético tem direito a reter em seu poder o bem, enquanto a dívida não for paga; extingue-se esse direito decorridos quinze anos da data de sua constituição.

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Na lição de Pontes de Miranda (obra citada, tomo XXI, ed. Bookseller, pág. 206), o direito de posse que tem o anticresista não é direito de retenção; e o direito à posse para perceber e imputar. A expressão que aparece no artigo 1.507, § 3º, do Código Civil revogado, é atécnica. Disse Pontes de Miranda: "Aí, o direito mesmo consiste em realização voluntária do crédito. Até que se pague a dívida, o anticresista permanece na posse e pode defendê-la, com as ações possessórias. Tal direito é real, por isso erga omnes. Não só se dirige contra o devedor, ou o terceiro dador da anticrese." 

Pergunta ainda Pontes de Miranda (obra citada, tomo XXI, ed. Bookseller, pág. 206): "Resta saber-se se o anticresista tem o direito de retenção de que fala o art. 1.219 do Código Civil (benfeitorias necessárias e úteis) ou por despesas (art. 681 e 869). As despesas são deduzidas dos frutos percebidos. Nâo há que pensar-se em direito de retenção." 

O anticresista retém a posse do bem gravado até que se pague da dívida. 

O credor anticrético não terá preferência sobre a indenização do seguro, quando o prédio seja destruído, nem, se forem desapropriados os bens, com relação à desapropriação.


VI - USUCAPIÃO DE BEM GRAVADO

O usucapião pode dar-se, a despeito do registro da anticrese, como a respeito de quaisquer outros direitos limitados, como ensinou Pontes de Miranda (obra citada, pág. 229). Ou alguém tem posse ad usucapionem, sendo possuidor impróprio o anticresista ou o anticresista perdeu a posse imprópria, e alguém usucape a propriedade do bem gravado. Não seria de afastar-se se a usucapião se operou a favor do próprio anticresista, que adquiriu a non domino a propriedade, ou que, sendo possuidor ad usucapionem, ignorava ser anticresista.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Anotações sobre a anticrese. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6288, 18 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61688. Acesso em: 27 abr. 2024.

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