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A Emenda Constitucional nº 45

18/01/2005 às 00:00
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No dia 31 de dezembro transato foi publicada a Emenda Constitucional n. 45 (promulgada no dia 8 do mesmo mês), denominada "Emenda da Reforma do Judiciário", que introduziu importantes alterações no texto da Lei Máxima então vigente.

Como costumeiramente faço, enfocarei alguns de seus aspectos, para o que darei a minha visão pessoal sobre o assunto. São, pois, considerações de minha lavra, partindo de uma leitura dinâmica da Emenda em si, passíveis de serem rebatidas pelos colegas estudiosos do Direito.

Desta vez escolhi três textos acrescentados à Constituição Federal, que são:

ART. 5º, LXXVIII: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

Este inovador inciso busca a rápida entrega da prestação jurisdicional, ao assegurar a todo cidadão a razoabilidade da duração do processo e a celeridade processual, tanto propugnadas, mas jamais cumpridas.

Será que sob a proteção constitucional, até que enfim a Justiça cumprirá com o honroso mister de entregar a cada um o que é seu de maneira célere?

Entendo que isso será possível desde que ocorra uma profunda reforma processual, principalmente no Processo Civil e a cultura do recurso seja amenizada.

ART. 5º, § 3º: "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais".

O texto em destaque trata da recepção jurídica dos tratados internacionais de direitos humanos que o Brasil seja parte, restando demonstrado que, doravante, as regras sobre direitos humanos têm aplicação e eficácia imediatas, bastando que sejam aprovadas, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, equivalendo, a partir de então, às emendas constitucionais.

Simplesmente transcreve o quórum para aprovação de Emenda à Constituição já previsto no § 2º, do art. 60 da Lex Mater em vigor.

Só como exemplos, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Convención Americana Sobre Derechos Humanos, também designada Pacto de San José da Costa Rica) e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, foram incorporados ao nosso ordenamento jurídico através, respectivamente, dos Decretos Legislativos ns. 27, de 25 de setembro de 1992 e 226, de 12 de dezembro de 1991 e Decretos Presidenciais ns. 678, de 6 de novembro de 1992 e 592, de 6 de julho de 1992.

Contraria, assim, o entendimento de alguns doutrinadores que defendem a teoria monista, ou seja, bastaria a simples adesão ao tratado sobre direitos humanos, para que o mesmo fosse, automaticamente, incorporado ao ordenamento jurídico pátrio, sem mesmo a necessidade de sua ratificação pelo Congresso e pelo Executivo, muito embora – como mencionado linhas atrás – o Brasil tenha ratificado a adesão por meio dos decretos especificados.

Para esses mesmos doutrinadores, aplicar-se-ia a teoria dualista apenas em tratados com caráter econômico.

Revigorado está, portanto, o entendimento sobre a efetiva aplicação da teoria dualista também para os tratados de conteúdo humanitário.

Encerrou-se, em decorrência, a acirrada discussão sobre a aplicabilidade do inciso LXVII do mesmo art. 5º ( "não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel"), no que pertine à prisão do depositário infiel extrajudicial, em hipótese de alienação fiduciária, por exemplo, impossível a partir de agora.

Não custa repisar o quanto estatuído pelo art. 7º, § 7º da Convención Americana Sobre Derechos Humanos, como se lê: "Nadie será detenido por deudas. Este principio no limita los mandatos de autoridad judicial competente dictados por incumplimientos de deberes alimentarios". Traduzindo-se para o português: "Ninguém será detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar".

Da mesma maneira o art. 11 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos é taxativo: "Nadie será encarcelado por el solo hecho de no poder cumplir una obrigación contratctual", que traduzindo-se, significa: "Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual".

Poder-se-ia argumentar sobre a irretroatividade da aplicação do novel § 3º, afirmando-se que só poderia produzir efeito a partir de sua publicação. Entretanto, cuidando-se de direitos humanos, vige o princípio da primazia da norma mais favorável às vítimas, bem como o princípio da unidade da Constituição e princípio da conformação da realidade da Constituição, todos aplicados implicitamente e contrários à clausura por simples descumprimento de obrigação.

Sobranceiro, pairando sobre todos, eis o princípio da proporcionalidade, designado também como princípio da razoabilidade, operando como um poder limitativo da atuação do Estado quando no exercício dos poderes constitucionais que lhe são inerentes, funcionando como parâmetro eqüitativo para se observar se é legítimo o fim visado pela norma em vigor e, se não estaria sendo excessivo o meio para alcançar-se esse mesmo fim. Em suma, esse princípio objetiva opor-se à ação limitativa que o próprio Estado impõe aos direitos fundamentais.

Por conclusão lógica, ainda que não aprovado em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros em cada Casa do Congresso (como determina o comentado § 3º do art. 5º); que por ser a liberdade o valor máximo da dignidade humana, protegida pelo art. 1º, III da CF, constituindo-se em um dos fundamentos internos da República Federativa do Brasil; que estando os direitos humanos elencados como princípio fundamental a ser preservado pela nação brasileira também em suas relações internacionais (art. 4º, II), entendo que foi extirpada, vez por todas, a possibilidade de prisão civil por inadimplemento contratual, com incidência, inclusive, sobre os casos em andamento.

Não cabe aqui discutir-se sobre a possível antinomia entre lex generali e lex specialis, ou mesmo se lex posterior derogat priori (§ 1º, do art. 2º da LICC), se lex superior derogat inferiori (princípio da hierarquia das normas), ou até mesmo que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada" (CF, art. 5º, XXXVI) pois a abrangência nestas observações é mais sucinta, somente para fomentar a opinião daqueles que lerem esta matéria.

Resta a prisão civil decorrente da infidelidade depositária judicial, esta escorada na súmula 619 do Supremo Tribunal Federal: "A prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito". Plausível, pois o encargo foi assumido sob o crivo do Judiciário, estando o depositário a cumprir um múnus público, tornando-se subordinado ao juízo.

No entanto, caso o Congresso queira atuar preventivamente, evitando-se a eternização dos embates sobre o assunto, basta realizar a votação dos dois Tratados, nos termos do ora comentado § 3º do art. 5º, ratificando os efeitos já produzidos pelos citados Decretos Legislativos e Executivos, se isso for possível, constitucionalmente falando.

Em reforço, não poderia deixar de enfatizar o contido nos §§ 1º e 2º, do mesmo art. 5º:

"§ 2º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

§ 3º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

A peleja travada entre o STF – favorável à prisão, com amparo na decisão plenária nos autos do HC n. 72.131-RJ, DJU 4.12.95 – e o STJ, mais condescendente quanto à encarceragem, perderia seu objeto, trazendo a necessária harmonia nas decisões.

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ART. 98, § 2º: "As custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça".

Precisou que uma Emenda à Constituição fizesse justiça à própria Justiça!

Pode parecer um pouco irônico, mas a realidade enfrentada até então traduzia-se num escancarado desacerto, caracterizado pela injusta destinação de valores arrecadados em razão dos serviços públicos de natureza forense.

No Estado de São Paulo, por exemplo, vigia a Lei n. 4.952, de 27 de dezembro de 1985.

Contudo, em 29 de dezembro de 2003, foi promulgada a Lei Estadual n. 11.608, dispondo quanto à Taxa Judiciária incidente sobre os referidos serviços públicos, que muita crítica mereceu e está merecendo, tendo em vista a abrupta elevação de seus valores, sem nenhuma perspectiva de melhoria nos referidos serviços.

Censura maior recai sobre a destinação dos valores arrecadados, cujo rateio parcial vem estampado no art. 9º da Lei n. 11.608, na seguinte proporção: 10% para o custeio das diligências dos oficiais de justiça, como reembolso com cumprimento dos mandados elencados no inciso IX do art. 2º (de ofício, beneficiários de assistência judiciária etc.); 21% para o Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça e 9% distribuídos, em partes iguais, aos Fundos Especiais de Despesas do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, do Segundo Tribunal de Alçada Civil e do Tribunal de Alçada Criminal (apenas 3% para cada um!), objetivando a expansão, aperfeiçoamento e modernização do Poder Judiciário do Estado, somando, pois, 40%.

Cabe-me observar, por oportuno, que os Tribunais de Alçada foram extintos nos últimos Estados que insistiam em sua permanência (São Paulo e Paraná), o que ocorreu através do art. 4º da Emenda ("Ficam extintos os tribunais de Alçada, onde houver, passando os seus membros a integrar os Tribunais de Justiça dos respectivos Estados, respeitadas a antigüidade e classe de origem"), tendo os Tribunais de Justiça o prazo de 180 dias para a devida adaptação. No Estado de São Paulo, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça expediu a Resolução n. 194, de 9 de dezembro de 2004, integrando os ex-juízes dos extintos Tribunais de Alçada no cargo de Desembargador, atribuindo competências às Seções (Criminal, Direito Público e Direito Privado), compreendendo 67 Câmaras.

Voltando ao assunto, de acordo com o art. 9º, da Lei n. 11.608/2003, somente 40% do valor arrecadado a título de custas e emolumentos é investido em benefício do próprio órgão arrecadador, o Judiciário, e o restante (60%) é auferido pelo Executivo, com aplicação totalmente desapartada das necessidades do Poder que se incumbiu da arrecadação respectiva.

De agora em diante, a totalidade dos valores arrecadados será absorvida pelo próprio Judiciário, num ato positivo que trará reflexos animadores, bastando àqueles encarregados de sua aplicação cumprir com a finalidade maior que orientou o legislador constitucional, que é a necessária modernização e aprimoramento de tão importante Poder.

Verdade é que a reforma implementada não atende plenamente aos anseios dos jurisdicionados, mas já é um avanço na busca da eficiência, principalmente sabendo-se que, paralelamente, tramita uma profunda alteração da legislação processual, esta sim carecedora de ajustes que objetivem demover, vez por todas, incidentes eivados de efeitos procrastinatórios, sempre criticados, mas amiúde triunfantes.

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Sobre o autor
Roberto Luchezi

advogado, especialista em Direito das Obrigações, mestre em Direito Privado, professor de Direito Civil, Processo Civil e Empresarial em cursos de graduação e pós-graduação "lato sensu"

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUCHEZI, Roberto. A Emenda Constitucional nº 45. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 560, 18 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6176. Acesso em: 16 nov. 2024.

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