Comentários às orientações normativas da AGU que versam sobre contratação direta, licitações e contratos da Administração Pública

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09/11/2017 às 11:55
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Orientação Normativa/AGU nº 8, de 01.04.2009

“O fornecimento de passagens aéreas e terrestres enquadra-se no conceito de serviço previsto no inc. II do art. 6º da Lei nº 8.666, de 1993”. 50

Esta orientação normativa vem assentar entendimento de que o fornecimento de passagens aéreas e terrestres enquadra-se no conceito de serviços, previsto no inc. II do art. 6º da Lei de Licitações.

Isso porque, como regra, entende-se que o fornecimento de passagens aéreas e terrestres não se enquadra mais na idéia de uma singela compra de bilhetes. Hoje observa-se essencial prestação de serviços relacionado a tal atividade comercial, como por exemplo, gestão de pessoal para a realização de reserva (verificação de disponibilidade de passagem, ou seja, levantamento das empresas de transporte que mantém vôos ou rotas terrestres para a localidade pretendida, além de assentos disponíveis), emissão e entrega das passagens na sede da Administração Contratante ou em outro local a ser indicado etc.

Nesse sentido, há posicionamento doutrinário que sustenta o enquadramento do fornecimento de passagem como serviços, considerando, ainda, a possibilidade de tal serviço poder ser caracterizado como de natureza continuada, podendo se valer do regime jurídico preconizado no art. 57, inc. II, da Lei de Licitações, a exemplo de Leon Fredja Szklarowsky.51

Esclareça-se, ainda, que não é de outra forma que recentemente manifestou o Tribunal de Contas da União, ressaltando que, ante a situação fática, poder-se-á admitir a prorrogação do ajuste em destaque com arrimo no inc. II do art. 57 da Lei nº 8.666/93, corroborando, paralelamente, o entendimento de que o fornecimento de passagens é um serviço. Vejamos:

"9.8. determinar à DRT/PI que: 9.8.10. nas contratações de passagens aéreas, somente inclua cláusula contratual com previsão de prorrogação de vigência fundada no art. 57, inciso II, da Lei 8.666/93 na hipótese de restar objetiva e formalmente demonstrado que a forma de prestação do serviço requerida pela unidade tem natureza continuada;" 52

Ante ao silencio da orientação em destaque, cremos que a determinação emanada também se estende à aquisição de passagens fluviais, principal meio de transporte na região norte do país.


Orientação Normativa/AGU nº 9, de 01.04.2009

“A comprovação da regularidade fiscal na celebração do contrato ou no pagamento de serviços já prestados, no caso de empresas que detenham o monopólio de serviço público, pode ser dispensada em caráter excepcional, desde que previamente autorizada pela autoridade maior do órgão contratante e concomitantemente, a situação de irregularidade seja comunicada ao agente arrecadador e à agência reguladora”. 53

Esclareça-se que a orientação em comento autoriza, em casos excepcionais, a dispensa da aferição da regularidade fiscal na ocasião da contratação (art. 29, inc. III e IV da LLC) ou na realização do pagamento (quando se condiciona o pagamento à demonstração da manutenção das condições habilitatórias, conforme estabelece o art. 55, inc. XIII da LLC), de empresas detentoras de monopólio de serviços públicos essenciais.

Por ser oportuno, entenda-se por regularidade fiscal, na forma do art. 29 do Estatuto federal Licitatório, além da apresentação de outros documentos, a comprovação da regularidade com as fazendas federal, estadual, distrital e municipal (inc. III) e a prova da regularidade com a Seguridade Social54 e com o FGTS55 (inc. IV).

Assim, inicialmente, por meio da redação da orientação em estudo, verificamos a possibilidade do afastamento da necessidade da aferição da regularidade fiscal total da empresas detentoras de monopólio de serviços públicos essenciais, ou seja, as certidões emitidas pelas competentes fazendas, bem como a do INSS e FGTS, fato que amplia as determinações insculpidas nas decisões do TCU utilizadas como referenciais (Decisão TCU 431/1997- Plenário e Acórdão TCU 1105/ 2006 - Plenário), uma vez que essas apenas versam sobre a possibilidade do afastamento da comprovação da regularidade com o INSS e FGTS.

Esclareça-se que a mitigação da comprovação da regularidade fiscal56 arrima-se no fato de que no âmbito da execução de serviços essenciais, onde a sua prestação é monopolizada (estando ausente a concorrência), inexistem outras empresas para prestar os serviços pretensos.

Assim, não realizar os competentes pagamentos pela utilização dos serviços prestados gerará a supressão dos mesmos ou não viabilizar a contratação de tais serviços em face da situação da fiscal do prestador de serviços, acabará por prejudicar a Administração contratante daquele serviço essencial na persecução dos seus objetivos institucionais, o que acaba violar o princípio da continuidade do serviço público.

De conseguinte, por exemplo, é despropositado não contratar serviço de fornecimento de água para utilização em creche ou escola em caso de verificação de ausência de regularidade de um DAEE com o INSS.

Corroborando nossa assertiva, “não pode a Administração Pública deixar de atender às necessidades fundamentais da coletividade e dos indivíduos, com mais razão ainda quando os usuários dos serviços públicos ditos essenciais forem entidades ou órgãos da própria Administração, cuja atividade repercute em toda a sociedade” 57

Esclareça-se que não se admite a utilização desse expediente em qualquer situação. Ressalte-se que a regra continua a ser a da necessidade do particular detento do monopólio comprovar a sua competente regularidade fiscal. Assim, a situação caracterizada como excepcional, que merecerá interpretação restritiva, deverá ser devidamente justificada no processo administrativo.

Ademais, tal expediente deve ser previamente autorizado pela autoridade maior do órgão contratante e, concomitantemente, a situação de irregularidade com a Administração fazendária deve ser comunicada ao agente arrecadador e à agência que regula aquele serviço público.


Orientação Normativa/AGU nº 10, de 01.04.2009

“Na contratação de serviço contínuo, com fundamento no art. 24, inc. II, da Lei nº 8.666, de 1993, o limite máximo de R$ 8.000,00 (oito mil reais) deverá considerar a possibilidade da duração do contrato pelo prazo de 60 (sessenta) meses”. 58

Em sendo os preceitos que disciplinam as hipóteses de contratação direta normas de exceção, a aplicabilidade dos permissivos legais, constantes no art. 24 e 25 da Lei federal de Licitações e Contratos e na legislação correlata59 não comportam interpretações ampliativas, mas sim restritivas.60

Por outro lado, em cumprimento do princípio constitucional da eficiência administrativa, devidamente insculpido no art. 37 da Constituição Federal de 1988, exige-se que o administrador público planeje as suas reais necessidades em vista de contratar, cujo fito deverá fazer frente a demanda necessária observada no exercício financeiro, verificando-se, ainda, se possível, se tal demanda pretensa se alongará para seguintes, devendo considerar tal fato na ocasião em que dimensionar o quantitativo do objeto a ser contratado.

Assim o TCU, o qual versou sobre caso específico61, bem como o AGU, com arrimo nessa decisão, empreendeu interpretação restritiva no sentido de que o afastamento da licitação em face do pequeno valor deve considerar a possibilidade do contrato vigorar pelo prazo de sessenta meses, ou seja, a utilização dos R$ 8.000,00 deverá fazer frente à necessidade da Administração por todo esse período.

De conseguinte, a título de exemplo, se a monta em destaque nessa orientação for suficiente para custear as despesas da Administração por até cinco anos, o afastamento da licitação será lícito. De outro modo, como determina a referida orientação, se a necessidade demandar R$ 8.000,00 anuais, e aventar-se a possibilidade desse ajuste ser prorrogado, a licitação se imporá.


Orientação Normativa/AGU nº 11, de 01.04.2009

“A contratação direta com fundamento no inc. IV do art. 24 da Lei nº 8.666, de 1993, exige que, concomitantemente, seja apurado se a situação emergencial foi gerada por falta de planejamento, desídia ou má gestão, hipótese que, quem lhe deu causa será responsabilizado na forma da lei”. 62

O inc. IV do art. 24 do Estatuto federal Licitatório ampara o afastamento da licitação para a aquisição de bens ou contratação de serviços nos casos de emergência ou de calamidade pública63, quando caracterizada64 urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares.

Todavia, observam-se casos em que por falta de planejamento, desídia, 65 ou outros motivos alheios ao interesse público66 gera-se uma situação emergencial, necessitando efetivar uma contratação direta às pressas, já que inexiste tempo para o processamento de uma regular licitação. Neste caso, arrima-se a contratação no supramencionado dispositivo a fim de estancar tal situação.

A exemplo, existindo em determinado Município uma tradição que convola na realização de determinada festa, a qual ocorre anualmente sempre na mesma data, instaura-se a licitação a poucos dias que a antecede, e observa-se, no meio do expediente administrativo, a ausência de tempo hábil67 para a conclusão do certame. Por conseguinte, visualizando-se eventual prejuízo com a realização do referido evento, há deliberação para a contratação emergencial.

Esclareça-se que o caso aventando, é uma típica fabricação da situação emergencial, que por meio da orientação em relevo espera-se impedir, na medida em que a necessária apuração da origem da situação emergencial ou calamitosa, geradora de eventual responsabilização do servidor que deu causa, mitigara a ocorrência desta situação ilícita. E é esse o expediente que deseja a AGU, por meio da orientação estudada, obstar, na medida em que impõe que se apure a causa da emergência

Com efeito, observando, ainda, o exemplo proposto, o fato de a festa ser realizada anualmente, reforça a desídia ou inércia observada, uma vez sabia-se de antemão a data em que deveria estar disponível a estrutura necessária para a realização do evento. Por ser oportuno, sobre a emergência ficta, preleciona o saudoso jurista Diogenes Gasparini,68 in verbis:

“A emergência, como hipótese de dispensabilidade de licitação consignada no inc. IV do art. 24 do Estatuto federal Licitatório, é caracterizada pela necessidade imediata ou urgente do atendimento do acontecido ou por acontecer, pois, se não for assim, será inútil qualquer medida posterior. Só o pronto atendimento pode evitar situações causadoras de prejuízos e salvaguardar a segurança das pessoas, obras, bens e equipamentos ou reduzir as conseqüências quando os fatos já aconteceram. (...) Nessas hipóteses diz-se que a emergência é real, pois seu surgimento não decorreu de qualquer comportamento, comissivo ou omissivo, da Administração Pública. Portanto, não é de emergência real a situação que deve ser resolvida de imediato (compra de distintivos, hoje, para com eles serem agraciados amanhã os funcionários que completaram 20 anos de serviço público), quando dela já se tinha conhecimento muito tempo antes. Nessa hipótese, diz-se que a emergência é ficta, ou fabricada. Em tais casos, há negligência, não urgência. Apesar disso, contrata-se, e pela negligência responderá a autoridade omissa, depois de devidamente apurados todos os fatos”.

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No exemplo aventado, a licitação deveria ser instaurada em tempo capaz de concluir a competição e realizar a devida celebração do ajuste, permanecendo, assim, a prestação de serviços debaixo do manto da regularidade.

Como se claramente depreende-se da orientação estudada, a fim de evitar a impunidade àqueles que tratam da coisa pública em observar os contornos legais, Administração Pública, deverá, concomitantemente a toda contratação direta, gerada por uma emergencial ficta ou real, ser apurado nos autos do competente processo administrativo, eventual falta de planejamento, desídia, má gestão, dentre outros, do agente público.

Por conseguinte, caso a incúria ou inércia administrativa se confirmem, o que configurará infração a dever funcional de observar as normas legais e regulamentares, deverá o competente servidor, conforme estabelece o art. 82 do Estatuto federal Licitatório c/c inc. III do art. 116 do 8.112/90, ser devidamente responsabilizado, após a conclusão de processo administrativo disciplinar onde reste garantido o contraditório e ampla defesa. Acerca dos limites da responsabilização do produtor da emergência ficta, versa Jessé Torres Pereira Junior,69 in verbis:

“A parte final do parágrafo único impõe à Administração o dever de apurar a responsabilidade quanto à acusação do vício fatal. Promover responsabilidades responsabilidade, para usar-se o verbo da lei, significa atuar em três esferas: responsabilidade administrativa (de que poderá resultar a aplicação de penalidades a servidores); responsabilidade pena (mediante remessa de peças ao Ministério Público, para que este, caso convença-se de que há indícios do crime, deflagre a ação penal cabível); e a responsabilidade civil (ajuizamento de ação cabível para postular a reparação de danos acaso sofridos pela Administração)”


Orientação Normativa/AGU nº 12, de 01.04.2009

“Não se dispensa licitação, com fundamento nos incs. V e VII do art. 24 da Lei nº 8.666, de 1993, caso a licitação fracassada ou deserta tenha sido realizada na modalidade convite”. 70

Na forma do constante no §3º do art. 22 do Estatuto federal Licitatório o convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo71pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa.

Exige-se, no âmbito da Administração federal, além do convite a três empresas, que se obtenha, ainda, três propostas aptas ou válidas72 73 à competição, sob pena de repetição do convite, com a convocação de outros possíveis interessados, salvo se existentes competentes justificativas arrimadas na limitação do mercado correlato ou manifesto desinteresse, hipóteses que permitem o prosseguimento do procedimento sem a existência de três competidores, conforme estabelece o parágrafo 7º, do art. 22, da Lei nº 8.666/1993.74

Assim, em face da necessidade da repetição do convite como acima dito, com exceção das hipóteses que permite a continuidade do procedimento (limitação do mercado correlato ou manifesto desinteresse), não se autoriza, por meio da orientação em estudo, que a licitação seja dispensada, “quando não acudirem interessados à licitação anterior e esta, justificadamente, não puder ser repetida sem prejuízo para a Administração”, situação em a licitação restou deserta75 (onde nenhum participante se destinou a Sessão pública marcada) ou “quando as propostas apresentadas consignarem preços manifestamente superiores aos praticados no mercado nacional, ou forem incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes” expediente em que a licitação restou fracassada76, expediente que teria como arrimo o inc. V e VII do art. 24 da norma supramencionada, respectivamente.

Alías, esclareça-se que esta possibilidade de contratação direta é sustentada pela doutrina, lecionada pelo saudoso jurista Diogenes Gasparini, 77 in verbis:

“Se nenhum dos convidados atender ao convite, tem-se licitação deserta, o que leva em princípio, à dispensa de nova licitação, podendo a Administração Pública licitante contrata, nas mesmas condições do convite deserto, com qualquer interessado, se a convocação de novo procedimento causar-lhe prejuízo (art. 24,V)”

Nesse sentido também leciona o Professor Antonio Cecílio Moreira Pires78, in verbis:

“Quanto ao manifesto desinteresse dos convidados, vislumbramos duas possibilidade distintas. Se nenhum convidado comparecer ao certame e a Administração demonstrar, mediante justificativa circunstanciada, que a licitação não pode ser repetida, nada obsta a que se proceda à contratação direta, em razão da licitação deserta, nos termos do art. 24, V, da Lei nº 8.666/93”

Esclareça-se que a edição de orientação normativa determinando o expediente acima salientado arrima-se no fato de que no convite, ante à publicidade reduzida, pode-se facilmente conduzir um certame ao fracasso ou ser considerado deserto, o que possibilita a contratação direta com fulcro no inc. V e VII do art. 24 da Lei federal nº 8.666/93. Assim, tal contratação direta seria fabricada pelo administrador público, expediente que se pretende evitar por meio da orientação estudada.

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Sobre o autor
Aniello dos Reis Parziale

Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado, consultor em Direito Público e gerente jurídico da Editora NDJ. Mestre em Direito Econômico e Político pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Autor de dezenas de artigos sobre Direito Administrativo, com ênfase em contratações públicas, servidores e direito municipal. Visite o site do autor: www.anielloparziale.com.br

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo publicado no BLC – Boletim de Licitações e Contratos em duas partes no ano de 2011, sendo a primeira no mês de fevereiro (pp. 121-137) e a segunda em março (pp. 244-264)

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