Comentários às orientações normativas da AGU que versam sobre contratação direta, licitações e contratos da Administração Pública

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09/11/2017 às 11:55

Resumo:


  • A Advocacia-Geral da União (AGU) publicou orientações normativas para uniformizar a atuação dos órgãos jurídicos da AGU em temas de licitações e contratos administrativos.

  • Essas orientações são fundamentadas na jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU), pareceres da AGU e legislação pertinente, visando refletir o posicionamento do TCU e da administração federal.

  • As orientações abordam diversos aspectos, incluindo a vigência de contratos de serviço contínuo, a formação de processos administrativos, a prorrogação de prazo de contratos, entre outros temas relevantes para a administração pública.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Orientação Normativa/AGU nº 13, de 01.04.2009

“Empresa pública ou sociedade de economia mista que exerça atividade econômica não se enquadra como órgão ou entidade que integra a Administração Pública, para os fins de dispensa de licitação com fundamento no inc. VIII do art. 24 da Lei nº 8.666, de 1993”. 79

Analisando a referida orientação normativa, além dos demais requisitos impostos pelo inc. VIII do art. 24 do Estatuto federal Licitatório, sendo eles, conforme magistério de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes 80: “a) a contratante seja pessoa jurídica de direito público interno; b) o contratado seja órgão ou entidade que integre a Administração Pública; c) o contratado tenha sido criado para o fim específico do objeto pretendido pela Administração Contratante; d) A criação do órgão ou entidade contratada tenha ocorrido antes da vigência da Lei nº 8.666/63; e) O preço deve ser compatível com o praticado no mercado”, quando no pólo passivo desta contratação direta figurar uma empresa governamental (sociedade de economia mista ou empresa pública) tal não poderá exercer atividade econômica. 81

Isso porque que tais entidades governamentais, exercentes de atividade econômica, não se enquadram no requisito, “criada para o fim específico” estabelecido no permissivo supramencionado, o qual entende a doutrina que foram criadas com a finalidade específica de atender apenas demanda da Administração Pública, dando suporte à atuação administrativa o que não é o caso destas pessoas jurídicas apontadas, na medida em prestam serviços ou vendem os bens que produzem também para particulares.

Nesse sentido claramente salienta a doutrina, prelecionada novamente por Diogenes Gasparini 82 , in verbis:

“A validade dessas aquisições somente se verificará se a contratação com órgão ou entidade que integra uma dessas pessoas públicas, ainda assim, se criada antes do Estatuto federal Licitatório para esse fim especifico, ou seja, para fornecer-lhe bens e lhes prestar serviços. De toda sorte que se prestar serviços ou produzir bens para outrem ou se não for integrante da entidade que deseja seus bens e serviços, não se enquadra na hipótese examinada, e a licitação será indispensável”

Além do mais, esclareça-se que no mercado correlato onde tais entidades governamentais exploradoras de atividade econômica atuam, como por exemplo, na atividade bancária, serviços gráficos83 , aquisição e distribuição de combustíveis, 84 85 serviços postais86 (excetos atividades monopolizadas), há flagrante viabilidade de competição. Assim, inexistindo privilégios para tais entidades, competindo em pé de igualdade com os demais particulares no mercado correlato, a licitação, como regra, se imporá.

Por outro enfoque, admitir-se que tais as empresas públicas e sociedades de economia mista sejam contratadas diretamente, com arrimo no dispositivo estudado, ofenderia o art. 173 da Constituição Federal, que restringe a participação do Poder Público na economia e estabelece, ainda, o princípio da livre iniciativa. Assim, tais pessoas jurídicas, que concorrem com o mercado, não podem deter privilégios na ocasião em que contratam com a Administração Pública, como claramente estabelece o seu §2º. 87

Nesse sentido, claramente preleciona o jurista Marçal Justen Filho 88 , in verbis:

“Se o inc. VIII pretendesse autorizar a contratação direta no âmbito das atividades econômicas, estaria caracterizada inconstitucionalidade. É que as entidades exercentes de atividade econômicas, estão disciplinadas pelo art. 173, §1º da CF/88. Daí decorre a submissão ao mesmo regime reservado para os particulares. Não é permitido qualquer privilégio nas contratações dessas entidades”

Nesse sentido, fazemos uso da lição proposta pelo jurista José Eduardo Martins Cardoso, que acertadamente assevera que, in verbis:

“Sendo assim, parece-nos rigorosamente correto afirmar que as empresa públicas, as sociedades de economia jamais poderão receber da legislação infraconstitucional qualquer tipo de tratamento privilegiado que as coloque em patamar jurídico diferenciado daquele em que estão situadas as empresas comuns, de modo a que possam via a receber qualquer favorecimento especial na sua atuação. Seria inconstitucional. Do mesmo modo, haverá de ser ofensivo à nossa Lei Maior o estabelecimento de quaisquer deveres ou ônus de atuação que impeçam sua atuação no mercado nos moldes em que uma empresa privada faria. Deverão atuar em pé de igualdade, vedados privilégios e o estabelecimento de ônus de qualquer natureza que impliquem forma de desigualdade jurídica de tratamento ao longo das suas respectivas atuações no campo econômico.” 89

Sobre o tema, ressalte que o Tribunal de Contas da União nessa mesma forma, in verbis:

"1. Determinar à Delegacia Federal de Agricultura/AM que: 1.7. observe, em especial, o inciso VIII, do art. 24, da Lei n.º 8.666/93 e o § 2.º do art. 173 da Constituição Federal, de forma a aplicar a dispensa de licitação apenas às entidades integrantes da administração pública que tenham como finalidade específica a prestação de serviços públicos ou a prestação de serviços de apoio, bem como às empresas públicas e sociedades de economia mista que não desempenhem atividade econômica, sujeita à livre concorrência, pois estas não devem possuir privilégios que não sejam extensíveis às empresas da iniciativa privada;".

(Tribunal de Contas da União - Acórdão n°2.203/2005-1ª Câmara)

Assim, com arrimo no inc. VIII do art. 24 do Estatuto federal Licitatório somente seria lícita a contratação de empresas governamentais prestadoras de serviço público, que na preleção de Celso Antonio Bandeira de Mello 90 , “é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob regime de Direito Público. 91

Orientação Normativa/AGU nº 14, de 01.04.2009 - “Os contratos firmados com as fundações de apoio com base na dispensa de licitação prevista no inc. XIII do art. 24 da Lei nº 8.666, de 1993, devem estar diretamente vinculados a projetos com definição clara do objeto e com prazo determinado, sendo vedadas a subcontratação; a contratação de serviços contínuos ou de manutenção; e a contratação de serviços destinados a atender às necessidades permanentes da instituição”. 92

A lei federal nº 8.958/94 autoriza as instituições federais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica contratar, nos termos do inciso XIII do art. 24 da Lei nº 8.666/93, por prazo determinado, instituições criadas com o objetivo de dar apoio a projetos de pesquisa, ensino e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico de interesse das instituições federais contratantes.

Em face da constatação da utilização desenfreada dessas fundações para execução de objetos que estejam em descompasso com os contornos legais, a orientação normativa em destaque objetiva delimitar o escopo dos ajustes celebrados entre as instituições federais de ensino superior de pesquisa científica e tecnológica e as suas fundações de apoio, atrelando-os às reais necessidades e objetivos iniciais fixados na Lei, fazer valer as proibições lá consignadas, em especial a estabelecida no inc. I do art. 9º da Lei federal nº 8.958 de 20 de dezembro de 1994,93 fixar barreiras para na utilização indevida do inc. XIII do art. 24 do Estatuto federal Licitatório, evitando, em resumo, a burla a licitação94 e ao concurso público.95

Cumpre-nos esclarecer, a fim de efetivamente dar cabo a tais práticas, foi editada Medida Provisória, sob nº 495 de 19 de julho de 2010, cujos efeitos foram prorrogados pelo ato nº 29 do Presidente da mesa do Congresso Nacional, de 22 de setembro de 2010, inserindo dispositivos na lei federal supramencionado, proibindo expressamente a realização dos expedientes que abaixo serão apontados.

Assim, em resumo, o normativo impede que tais contratos sejam permanentes, que se detenham objetos genéricos, o que poderia amparar a execução de qualquer atividade por prazo indeterminado; veda que terceiros executem os serviços a cargo da entidade contratada, ou seja, realizar a subcontratação; afasta, ainda, a contratação, por meio desses ajustes, de atividades caracterizadas como “meio”, não relacionados aos objetivos institucionais da entidade contratada e; por fim, proibe a contratação de serviços destinados a atender às necessidades permanentes, aquelas que deve ser prestadas por servidores, investidos no serviço público por meio de competente concurso.

Em análise mais detida, o primeiro vetor que extraímos dessa orientação é a determinação no sentido de que seja devidamente delimitado o objeto dos ajustes celebrados entre as instituições e as suas fundações de apoio, com arrimo no dispositivo supramencionado, impedindo, por exemplo, que seja de execução permanente, ou seja, de vigência indeterminada, expediente vedado pelo §3º do art. 57 do Estatuto federal Licitatório e que não é permitido pelo art. 1º da Lei nº 8.958/94, uma vez que lá preconiza expressamente que esses ajustes terão prazo determinado. Também é vedada pela orientação, a fixação de objetos contratuais genéricos96 ou indeterminados, 97 uma vez que poderia amparar a execução de serviços de toda sorte, estranhos e desvinculados do escopo original.98

Esclareça-se que a orientação em estudo também objetiva vedar que terceiros executem os serviços a cargo da entidade contratada, expediente que caracteriza a subcontratação do objeto contratado. Nesse sentido, pode a fundação de apoio apenas servir de fachada para a realização de um ajustamento com um terceiro particular que, para a sua contratação, necessitaria da instauração da competente licitação. Assim, veda-se que a referida entidade contratada diretamente apenas canalize a contratação para que um estranho o execute, o que, por evidente, configuraria flagrante burla à licitação.99 100 101

Veda-se, ainda, por meio da referida orientação, que se utilize de ajustes com fundações de apoio para a contratação de atividades caracterizadas como “meio” a serem prestadas por tais entidades, a exemplo, de serviços administrativos, limpeza, manutenção, dentre outros. 102 103 104

Com efeito, esclareça-se que tais pessoas jurídicas devem apenas prestar serviços que guarde relação com os objetivos da entidade que, por sinal efetivamente devem relacionar-se atividades de ensino, pesquisa ou desenvolvimento, não podendo abarcar qualquer atividade 105, como por exemplo, a gestão da administração das instituições de ensino.

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Isto por que a contratação direta dessas entidades, fundamentada no art. 24, inc. XIII, da Lei nº 8.666/93, apenas será possível se dentre os objetivos da instituição106, constar a atividade pretensa, devendo a Administração ser criteriosa na ocasião do dito enquadramento. 107 108 109 110

Ademais, também é vedada a contratação de serviços destinados a atender às necessidades caracterizadas como "fim", ou seja, aquelas atividades que somente devem ser desempenhadas por agentes públicos devidamente investidos por meio de concurso público 111 112

Assim, utilizando-se desses ajustes para amparar contratação com este tipo de objeto, há flagrante burla ao concurso público.113

Por fim, ante a necessidade de interpretação restritiva dos dispositivos que permitem o afastamento da licitação, não deve a Administração utilizar o inc. XIII do art. 24 do Estatuto federal Licitatório para amparar qualquer tipo de contratação.114


Orientação Normativa/ AGU nº 15, de 01.04

“A contratação direta com fundamento na inexigibilidade prevista no art. 25, inc. I, da Lei nº 8.666, de 1993, é restrita aos casos de compras, não podendo abranger serviços”. 115

Como claramente se depreende da leitura do inc. I do art. 25 da Lei federal nº 8.666/93, o afastamento da licitação, com arrimo nesse dispositivo, é possível apenas para “para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor exclusivo.”, ou seja, destina-se apenas e tão somente à aquisição de bens.

Não se permite a contratação, por conseguinte, com fulcro nesse permissivo, a contratação de prestação de serviços. Esclareça-se que por meio de inexigibilidade de licitação, a contratação de serviços somente é permitida no caso em que situação fática preencha as condições impostas no inc. II do artigo estudado, ou em caso de configuração de inviabilidade fática de competição. Neste caso, a contratação será arrimada no caput do artigo em relevo.

Isto por que não se amplia a interpretação naqueles dispositivos legais que permite o afastamento da licitação. Como tais normas são de exceção, uma vez que a regra é licitar, em face do princípio da licitação, devidamente fixado no inc. XXI do art. 37 da CF/88, tais dispositivos devem ser aplicados por meio de interpretação restritiva.

Por ser oportuno, esclareça-se que as contratações de serviços de empresas que detém a exclusividade de prestação de dado serviço (por exemplo, prestação de assistência técnica autorizada) em determinado perímetro, comprovado por dado documento, terão como arrimo o caput do art. 25 da Lei de Licitações 116, e não o seu inc. I, uma vez que, como salientado, tal hipótese de inexigibilidade não abarca a prestação de serviços 117 .

Com efeito, observe-se que a declaração de exclusividade acabou por gerar uma inviabilidade fática de competição, impedindo o confronto de competidores aptos a prestar o serviço pretenso, na medida em que apenas um particular o pode executar, sob pena de alguma repercução negativa, como por exemplo, a perda de garantia. No mais, deve a Administração verificar a autenticidade das informações constantes da dita declaração, uma vez que Administração “Deve agir com a máxima cautela possível ao examinar peças técnicas que concluam pela inviabilidade ou pela inconveniência da licitação”118

Corroborando nossa assertiva, salienta o Ministro do Eg. Tribunal de Contas, Benjamin Zymler, in verbis:

“O caput do art. 25 abarca todos os casos de contratação direta em virtude de inviabilidade de competição não abrangidos pelos incisos I, II e III. Entre as hipóteses abarcadas pelo dito caput, existem as que decorrem de exclusividade não classificável no inciso I do art. 25. Se a hipótese de inviabilidade de licitação de que se cuida decorre da exclusividade, nada mais natural que a Administração, objetivando melhor fundamentar o seu posicionamento pela contratação direta, exija o referido atestado” 119

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Sobre o autor
Aniello dos Reis Parziale

Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado, consultor em Direito Público e gerente jurídico da Editora NDJ. Mestre em Direito Econômico e Político pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Autor de dezenas de artigos sobre Direito Administrativo, com ênfase em contratações públicas, servidores e direito municipal. Visite o site do autor: www.anielloparziale.com.br

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo publicado no BLC – Boletim de Licitações e Contratos em duas partes no ano de 2011, sendo a primeira no mês de fevereiro (pp. 121-137) e a segunda em março (pp. 244-264)

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