Consoante estabelece o art. 58, inc. IV, da Lei Federal nº 8.666/1993, confere-se à Administração Pública a prerrogativa de penalizar particulares quando da ocorrência da inexecução total ou parcial de contratos administrativos, devendo ser aplicadas, se for o caso, e ao cabo de competente processo sancionatório, as sanções arroladas nos arts. 86 e 87 do diploma legal destacado, desde que previstas no ato convocatório e respectivo contrato administrativo. Esclareça-se, ainda, que o sancionamento no âmbito das contratações públicas não se limita às infrações administrativas verificadas durante a execução contratual, sendo permitida, também, a punição de particulares em decorrência de atos reprováveis ocorridos no processamento da licitação, ex vi da permissão contida no art. 88 da Lei de Licitações, bem como no art. 7º da Lei Federal nº 10.520/2002.
Verifica-se, assim, que poderá a Administração Pública, no âmbito do processamento da licitação ou durante a execução de contratos administrativos, sancionar particulares com as penalidades de (1.) advertência; (2.) multa moratória e compensatória, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato; (3.) suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 anos; (4.) declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior; e (5.) impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, e será descredenciado no Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais.
Dentre as sanções acima arroladas, destaca-se a declaração de inidoneidade, assentada no art. 87, inc. IV, da Lei Federal nº 8.666/1993 e objeto do presente estudo, cuja aplicação, nos termos do que prevê o seu § 3º, é de competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal.
Acerca dos motivos que levaram o legislador a restringir a competência para sancionamento da punição em estudo aos agentes públicos acimada destacados, circunstância não observada nas demais sanções apresentadas, ensina o jurista Roberto Ribeiro Bazzilli, in verbis:
“No rol das sanções administrativas, sem dúvida, esta é a mais grave, visto que inabilita sancionado para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade. Tal a sua gravidade, podendo conduzir à ruína empresas e pessoas físicas, que teve o legislador a cautela de restringir a competência para a aplicação desta modalidade de sanção: é de competência exclusiva do ministro de Estado, do secretário estadual ou municipal, conforme o caso (art. 87, § 3º)” (Contratos administrativos. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 143) (grifo nosso).
A redação dada ao dispositivo legal em estudo, todavia, levanta dúvidas ao seu aplicador, na medida em que indica expressamente as autoridades que possuem competência para aplicação desta penalidade, restritas, todavia, ao âmbito do Poder Executivo (Administração direta). Silencia-se, portanto, em relação: (1.) às entidades da Administração indireta (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas – art. 5º do Dec.-Lei nº 200/1967); (2.) às instituições detentoras de autonomia administrativa, a exemplo do Ministério Público, da Defensoria Pública e do Tribunal de Contas; e (3.) aos órgãos Legislativo e Judiciário.
Parece-nos, entretanto, que a omissão do legislador não afasta a competência dos agentes públicos de máxima hierarquia das entidades da Administração indireta de aplicar a sanção acima destacada, haja vista que elas são autônomas em relação à Administração a que se vinculam. Da mesma forma, em relação às instituições detentoras de autonomia administrativa, a exemplo do Ministério Público, da Defensoria Pública e do Tribunal de Contas. Os Poderes Legislativo e Judiciário também têm competência para aplicação desta penalidade. A prerrogativa de sancionar particulares com a punição em destaque também é do agente público de máxima hierarquia.
No caso, portanto, de a entidade sancionadora pertencer à Administração Pública indireta ou ser uma instituição com autonomia administrativa ou, ainda, a sanção administrativa ser imposta pelo Poder Legislativo ou Judiciário, observará, mutatis mutandis, o disposto no art. 87, § 3º, da Lei de Licitações, de modo que a autoridade competente para a aplicação da punição de declaração de inidoneidade será o agente público considerado de máxima hierarquia da entidade, instituição ou poder sancionador. Logo, observa-se que a declaração de inidoneidade poderá ser imposta, por exemplo, pelo Presidente dos Tribunais de Justiça (Poder Judiciário), das Câmaras Municipais ou Legislativa do Distrito Federal e das Assembleias Legislativas.
No âmbito da Administração indireta, entende-se ser competente para sancionar a autoridade máxima das autarquias, sociedades de economia mista, empresas e fundações públicas, a exemplo dos reitores, presidentes etc. Já no âmbito das instituições detentoras de autonomia administrativa, o Procurador-Geral de Justiça (Ministério Público), Defensor Público-Geral do Estado (Defensoria Pública) ou Presidente do Tribunal de Contas.
Não é diferente a opinião do Judiciário, in verbis:
“Administrativo. Fraude em licitação do TRECE. Apresentação de certidão fiscal falsa. Penalidade de inidoneidade para licitar. Competência para aplicação. Presidente do Tribunal.
1. A penalidade de declaração de inidoneidade para licitar e contratar com a Administração, prevista no art. 87, inc. IV, da Lei nº 8.666/1993, deve ser aplicada quando praticado ato ilícito visando a frustrar os objetivos da licitação, como é o caso de apresentação, em licitação promovida pelo TRECE, de falsa Certidão de Quitação de Tributos e Contribuições Administrados pela Secretaria da Receita Federal (art. 88, inc. II, da mesma lei).
2. Como a fraude à licitação ocorreu no âmbito do TRECE, no exercício de funções administrativas (atípicas) por este órgão, o competente para aplicar a penalidade de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública não será o Ministro de Estado, que somente exerce essa competência no âmbito do Poder Executivo (art. 87, § 3º, da LL). Será, na verdade, da autoridade administrativa máxima do órgão judicial onde ocorreu a fraude: exatamente o Presidente do Tribunal. E os efeitos dessa declaração restringir-se-ão ao âmbito do Poder Judiciário Eleitoral no Estado do Ceará até a reabilitação da empresa. Precedentes de abalizada doutrina (Hely Lopes Meirelles e Marçal Justen Filho).
3. Apelação a que se dá provimento, com inversão dos ônus da sucumbência” (TRF5ªR – AC nº 375.240/CE (2004.81.00.003134-4) – Desa. Federal Amanda Lucena – Relatora convocada) (grifos do original e nossos).
Não obstante a competência exclusiva legalmente atribuída às autoridades das máximas hierarquias dos órgãos e entidades públicos para aplicação desta penalidade, nos termos do art. 87, § 3º, da LLC, poder-se-ia aventar a eventual possibilidade de delegação expressa desta competência para um agente público de menor hierarquia.
Nesse sentido, sustentando tal possibilidade de delegação, ensina Hely Lopes Meirelles que, in verbis:
“A inidoneidade só opera efeitos em relação à Administração que a declara, pois que, sendo uma restrição a direito, não se estende a outras Administrações. Assim, declaração de inidoneidade feita pela União, pelo Estado ou pelo Município só impede as contratações com as entidades e órgãos de cada uma dessas entidades estatais, e, se declarada por repartições inferiores, só atua no seu âmbito e no de seus órgãos subordinados. Essa sanção é da competência privativa dos ministros de Estado e dos chefes de Executivo estadual e municipal, mas nada obsta a que a lei, o regulamento ou o estatuto da empresa a cometam a outras autoridades e dirigentes de entidades autárquicas ou paraestatais, sempre com possibilidade de defesa prévia do interessado” (Licitação e contrato administrativo. 11. ed. atualizada por Eurico de Andrade Azevedo e Célia Maria Prendes. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 216).
Não podemos deixar de considerar que, no âmbito do estudo do Direito Constitucional, entretanto, não podem ser objeto de delegação as competências exclusivas, cujo conceito alcançaria a aplicação da declaração de inidoneidade, que deverá ocorrer exclusivamente pela autoridade máxima do órgão, entidade ou Poder.
Nesse sentido, ensina José Afonso da Silva, in verbis: “A doutrina, às vezes, faz distinção entre 'competência privativa' e 'competência exclusiva'. A primeira indicaria matéria de competência própria ou peculiar, de uma entidade ou de algum órgão, enquanto a segunda indicaria a competência de uma entidade ou de algum órgão com a exclusão de qualquer outro. A primeira possibilitaria delegação de atribuições. A segunda não admitiria” (Comentário contextual à Constituição. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 263).
Não se recomenda, todavia, a delegação da competência para a aplicação da declaração de inidoneidade para um servidor público de hierarquia inferior, uma vez que esta pode vir a ser questionada posteriormente, em face do qualificativo “exclusiva” a ela atribuído por lei, de forma a provocar uma discussão até mesmo judicial que venha a obstar ou dificultar a competência sancionatória da Administração.
Desta feita, de modo a preservar a finalidade da lei e afastar eventual nulidade da penalidade aplicada, entende-se que a sanção de declaração de inidoneidade deve ser aplicada pelos agentes públicos de máxima hierarquia no âmbito dos Poderes Legislativo e Judiciário e das autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações públicas, bem como das instituições detentoras de autonomia administrativa, a exemplo do Ministério Público, da Defensoria Pública e do Tribunal de Contas.