Artigo Destaque dos editores

Conceitos indeterminados

Exibindo página 1 de 3
16/01/2005 às 00:00
Leia nesta página:

RESUMO

Na persecução da segurança significativa do conceito indeterminado, a autoridade administrativa deve, a princípio, utilizar-se da tarefa interpretativa, a fim de conduzi-lo a uma das zonas de certeza do conceito, portanto, assim sendo, torna-se possível a incidência de controle jurisdicional pleno; posteriormente, caso a fase anterior se apresente insuficiente, através de uma ação volitiva pautada em aspectos estritamente administrativos, ou seja, por uso da discricionária administrativa, deve se dissipar a incerteza e identificar a opção que melhor traduz a finalidade normativa, neste caso, devendo o controle jurisdicional apenas tangenciar a discricionariedade dentro dos limites principiológicos.

Palavras-chave

Administração Pública. Conceito Indeterminado. Discricionariedade. Controle Jurisdicional.


INTRODUÇÃO

A questão sobre o preenchimento dos conceitos indeterminados trata-se de uma problemática antiga da dogmática do direito que, apesar de ainda não ter sido muito desenvolvida na cultura jurídica brasileira, encontram, no direito alienígena, dedicados inúmeros estudos.

A relevância do tema dá-se quando inserida dentro do âmbito do Direito Administrativo, precisamente, ao se relacionar conceitos indeterminados à atuação discricionária do administrador e, por conseguinte, com a susceptibilidade de controle jurisdicional.

Conforme justifica Sousa (1986, p.276)

este fenômeno deve-se à natureza das funções da administração, sobretudo devido ao fato de a administração se orientar à satisfação de necessidades sociais. É que os conceitos indeterminados se apresentam ao legislador como um instrumento privilegiado para a atribuição de certo tipo de competências às autoridades administrativas para que estas possam reagir a tempo e de modo adequado aos imponderáveis da vida administrativa.

Assim, o presente trabalho se incube da tarefa de abordar se, na busca da segurança significativa, os conceitos indeterminados, ou somente algumas subespécies, autorizam a Administração preenchê-los através da atuação discricionária ou, pelo contrário, trata-se de uma tarefa de simples interpretação jurídica, a qual é da alçada do poder jurisdicional.

Por sua vez, visto a limitação sofrida pelo autor no acesso a uma bibliografia especializada nesta temática, serão traçadas apenas tímidas linhas, portanto, não de forma conclusiva, mas no afã de fomentar a discussão, para que, assim, colabore-se com a dialética doutrinária na persecução da evolução jurídica dos conceitos indeterminados.


1 NOÇÕES PRELIMINARES

A priori, para que se possa partir à análise desta questão, surge como tarefa anterior, oportuna e inadiável, por não se poder ousar adentrar no campo de conceituação jurídica, a apresentação do entendimento doutrinário de termos centrais a serem utilizados a seguir. Para tanto, recorre-se aos ensinamentos de juristas já consagrados na doutrina jus-administrativa.

Portanto, pode-se verificar, em Di Pietro(2001, p.97), que a expressão conceito indeterminado encontra-se

sendo empregada para designar vocábulos ou expressões que não têm um sentido preciso, objetivo, determinado, mas que são encontrados com grande freqüência nas normas jurídicas dos vários ramos do direito. Fala-se em boa-fé, bem comum, conduta irrepreensível, pena adequada, interesse público, ordem pública, notório saber, notória especialização, moralidade, razoabilidade e tantos outros. (Grifo nosso)

Já, em Mello(1998, p.48), a discricionariedade administrativa

é a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente.

(Grifo nosso)

Outro termo a ser trabalhado é o da interpretação jurídica, o qual é com brilhantismo esclarecido através das palavras de Maximiliano(1994, p.01) :

As leis positivas são formuladas em termos gerais; fixam regras, consolidam princípios, estabelecem normas, em linguagem clara e precisa, porém ampla, sem descer a minúcias. É tarefa primordial do executor a pesquisa da relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, isto é, aplicar o Direito. Para o conseguir, se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva; e logo depois, o respectivo alcance, a sua extensão. Em resumo, o executor extrai da norma tudo o que na mesma se contém: é o que se chama interpretar, isto é, determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito (Grifo nosso)

 Por fim, recorre-se a Schimidt ( apud. CORREIA, apud.MORAES,1999, p.63) para conceituar prognose como o "raciocínio através do qual se avalia a capacidade para uma actividade futura, se imagina a evolução futura de um processo social ou se sopesa a perigosidade de uma situação futura". (Grifo nosso)

2 TEORIA DA UNIVOCIDADE & TEORIA DA MULTIVALÊNCIA

A discussão sobre a questão que envolve os conceitos indeterminados empregados pelo legislador teve o seu surgimento no século XIX, na Áustria, com a produção de duas correntes antagônicas: a Teoria da Univocidade, defendida principalmente por Tezner, e a Teoria da Multivalência de Bernatzik. (SOUSA, 1994)

Para primeira, no preenchimento dos conceitos indeterminados, excluir-se-ia qualquer possibilidade de atuação discricionária da Administração, visto só existir uma única solução correta, possível apenas de ser encontrada através da interpretação jurídica da lavra do poder jurisdicional. Por sua vez, a segunda, apregoando o contrário, abraça a possibilidade de várias decisões certas dentro dos conceitos indeterminados, que possibilitariam uma atuação discricionária livre de controle jurisdicional.

Antes de pormenorizar qualquer uma das teorias, deve-se salientar que, nos países germânicos durante a vigência da monarquia constitucional na segunda metade do século XIX, a doutrina clássica considerava ser "legítimo deixar à administração pública um espaço livre de regulamentação legal, assim como de controle jurisdicional", visto a discricionariedade administrativa fazer parte da soberania do monarca. (BULLINGER 1987, p.04)

Discricionariedade neste sentido clássico, no sentido liberdade perante a lei e perante o tribunal, caracteriza um espaço livre, no qual a administração monárquica podia concretizar objetivos próprios, determinar os fins, em termos gerais. Por conseguinte, os tribunais administrativos podiam apenas controlar se havia sido atribuída discricionariedade e se ela tinha sido exercida dentro do fim legal para o qual foram atribuídos poderes à autoridade administrativa. (BULLINGER 1987, p.04)

Di Pietro(2001, p.99-100), comentando o pensamento de Laband, evidencia, nos países germânicos, que

como os indivíduos têm uma esfera deixada pela lei a sua livre atuação, os órgãos administrativos têm também uma órbita em que sua vontade é que impera; nesse campo, a Administração regula sua própria conduta, sem qualquer conflito com a lei, que não penetra nessa área; a Administração escolhe livremente seus próprios fins. Essa é a regra; liberdade na escolha dos fins. Excepcionalmente, a lei pode impor determinados fins à Administração; nesse caso, têm-se os atos vinculados, que constituem exceção.(Grifo original)

Por sua vez, a discricionariedade administrativa passou a intervir cada vez mais nos direitos e liberdades individuais, sem, contudo, que os Tribunais Administrativos germânicos pudessem controlar essa atividade em razão da sua insindicabilidade. Assim, em contra partida, tanto na doutrina quanto na jurisprudência dos tribunais inicia-se um crescente reconhecimento do princípio constitucional da reserva da lei, da autorização de uma lei aprovada pelos representantes do povo.( BULLINGER, 1987)

Desta forma, a doutrina tradicional germânica, em nome da defesa dos interesses individuais, frente à impossibilidade de sindicá-la, restringe os campos de atuação da livre discricionariedade administrativa, estabelecendo limites rígidos legais que aprisionem ainda mais a margem de liberdade da Administração, assim, impossibilitando ao administrador, diante do caso concreto, flexionar as barreiras da lei e ampliar a sua liberdade.

Para tanto, pode-se verificar também em Di Pietro(2001, p.100), que a doutrina desenvolvida por Otto Mayer (apud. QUEIRÓ, apud. DI PIETRO, 2001, p.100) objetiva aprisionar a livre discricionariedade administrativa, ao apontar Di Pietro que, para ele,

o papel da Administração é o de executar a lei; mesmo quando a lei deixa certa liberdade de decisão no caso concreto, estabelece uma limitação quanto aos fins; em razão disso, não se pode falar de um poder discricionário inteiramente livre, porque pelo menos quanto aos fins há sempre uma vinculação à lei; a idéia é a de que ‘tanto o poder ligado como o poder discricionário propriamente dito estão sujeitos a toda regra de direito que se lhes possa referir; devem respeitar os direitos individuais e o julgamento dos casos precedentes. Todas estas são verdadeiras limitações jurídicas’ (Grifo original)

Por sua vez, com o advento do Estado Social, preocupado em atender às novas exigências no âmbito econômico e social, o Estado se serve da lei para a consecução dos fins sociais, para tanto, esta perde o caráter de defesa dos interesses individuais. Assim, "a Administração passou a vincular-se à lei, não mais como o anterior sentido material, mas no sentido formal; todos os atos administrativos passaram a depender de previsão legal." (DI PIETRO, 2001,p.104)

Por conseguinte, frente à impossibilidade do Poder Legislativo prever e pormenorizar todas as situações fáticas no texto da lei, proliferou-se, nos textos legais, o emprego da técnica legislativa dos conceitos indeterminados, ou seja, de fórmulas gerais deixadas aos executores da lei para a sua devida delimitação.

Assim, Bernatzik, na sua obra publicada em 1886, sob o título Rechtsprechung um materielle Rechtskraft, insurge contra a doutrina tradicional germânica, constatando que esses conceitos indeterminados contidos na lei, exempli grati: "utilidade", "perigo", "adequação", etc., deveriam passar por um "complexo processo interpretativo em cadeia", visto a aplicação do direito não se limitar a um puro silogismo jurídico.

Por sua vez, ao se deparar com a problemática de definição de critérios seguros que envolveria este "complexo processo interpretativo em cadeia", resolveu Bernatzik fugir do tema, incumbindo apenas à autoridade administrativa, através do exercício de uma "discricionariedade técnica"(porém, livre de vinculação legal), a função de delimitar os conceitos vagos da lei.

Ressalta Forsthoff (1973, apud. SOUSA,1994, p.41-42), na defesa da teoria da multivalência, que a

Administração, diferentemente da Justiça, não deve ser tomada como mera aplicadora do direito. Ela detém uma grande autonomia comparável à autonomia normativa, factor que a caracteriza. É certo que a Administração está, na totalidade, coberta pelo direito mas, diferentemente do Tribunal, não se encontra exclusivamente dominada pelas normas jurídicas. O funcionário administrativo deve ir buscar a orientação da sua actividade, em parte à lei, em parte à própria experiência e a pontos de vista subjectivos (SIC)

Di Pietro(2001, p.104), ao tecer comentário sobre o pensamento de Bernatzik, conclui que, para o autor, a "Administração é considerada como se fosse um ‘perito do interesse público’, ela age como se fosse um técnico, cuja conclusão é insindicável por terceiros, inclusive pelo Poder Judiciário."(Grifo original)

Como resposta à proliferação de decisões fundadas nesta tese no Supremo Tribunal Administrativo austríaco (em maior número entre 1888 –1967), Tezner se insurge pelo abandono de tal teoria, visto considerar que a doutrina de Bernatzik é "inimiga do Estado" (rechtsstaatsfeindlich) e "cientificamente infundada" (unwissenschaftlich).(SOUSA, 1986)

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Tezner admite que na ligação dos fatos reais a conceitos indeterminados, pode pressupor uma cadeia de pensamento altamente complexo, por sua vez, o mesmo poderá ocorrer ao fazer o contraste com qualquer outro conceito definido na lei, visto reconhecer, que tanto em conceitos ditos determinados quanto em conceitos indeterminados, existe uma esfera de "insegurança na palavra", assim, não haveria entre eles uma diferença qualitativa, mas sim, um distanciamento "no grau de insegurança da palavra". (SOUSA, 1994 )

Bühler, na senda de Tenzer, é levado a concluir que todos os conceitos vagos são conceitos jurídicos, ou melhor pertencem ao âmbito da vinculação legal, razão pela qual na aplicação dos conceitos indeterminados não haveria qualquer espaço que coubesse a atuação discricionária administrativa. Por conseguinte, o "grau de insegurança da palavra" deve, em qualquer conceito legal, ser afastado por uma interpretação e aplicação pautada na opinião comum, ou melhor, recorrendo-se a Jellinek, na "opinião média da sociedade", e não na consciência livre da autoridade administrativa.

Corrobora Di Pietro(2001, p.102) ao comentar o pensamento de Bühler, expondo que, para esse autor alemão,

quando a lei emprega conceitos imprecisos, a fixação de seu sentido exige um trabalho pouco mais complicado, mediante aplicação de conhecimentos científicos ou mesmo de concepções dominantes no seio da sociedade em geral, nunca de concepções próprias do funcionário competente para aplicar a lei. É precisamente nesse campo de conceitos imprecisos ou das normas em branco que a função dos tribunais é mais importante para corrigir a decisão administrativa; qualquer que seja a imprecisão do legislador, o trabalho do juiz é o de determinar seu sentido, mediante interpretação; nesta inexiste qualquer discricionariedade.( Grifo original)

Compartilhando também do pensamento doutrinário de negar qualquer traço de atuação discricionária administrativa na delimitação dos conceitos indeterminados, García de Enterría (1975,apud. SOUSA, 1994, p.76) [1], na Espanha, leciona que a Administração Pública não teria liberdade de opção, visto se tratar de um "processo regulado que se esgota num processo intelectivo de compreensão de uma realidade (...), no qual não interfere nenhuma decisão de vontade do aplicador da lei".

Enterría tem como alicerce de sua teoria a idéia de que perante a lei só existiria uma única solução justa, cuja delimitação está inserida na função interpretativa e aplicativa da lei a cargo do poder judicial, como se verifica nas próprias palavras do autor espanhol :

Pero, al estar refiriéndose a supuestos concretos y no a vaguedades imprecisas o contradictorias, es claro que la aplicación de tales conceptos a la calificación de circunstancias concretas no admite más que una solución: o se da o no se da el concepto; o hay buena fe o no la hay; o el precio es justo o no lo es; o se há faltado a la probidad o no se há faltado. Tertium non datur. Esto es lo esencial del concepto jurídico indeterminado: la indeterminación del enunciado no se traduce en una determinación de las aplicaciones del mismo, las cuales sólo permiten una unidad de solución justa en cada caso (ENTERRÍA,1975, apud. FIGUEIREDO, 2000, p.192)

Por sua vez na persecução da única solução válida perante a lei, o autor espanhol conclui que tal tarefa pode se apresentar árdua e de difícil conclusão, visto dentro da idéia de que na estrutura do conceito indeterminado há uma "zona de certeza positiva" e uma "zona de certeza negativa", afirma existir uma terceira zona, a qual seria intermediária, mais ou menos imprecisa e que poderia atrapalhar a ação jurisdicional, podendo, no caso concreto, até conduzir a uma ausência de controle. ( SOUSA, 1994 )

Contudo não se autorizaria a utilização de "uma margem de apreciação discricionária", visto a existência de dúvida e incerteza ser inerente a todo litígio, sendo portanto da lavra do magistrado dirimir a dúvida, reduzindo a zona de incerteza, e reconduzir o caso concreto a uma das zonas de certeza "negativa" ou "positiva", como se observa na interpretação e na subsunção dos conceitos indeterminados em outros ramos de direito.( DI PIETRO, 2001)


3 DA DISCRICIONARIEDADE NOS CONCEITOS INDETERMINADOS

Sem medo de críticas que apontem a um acovardamento ou a uma neutralidade na apreciação do tema, deve-se adotar, neste trabalho, como solução à questão dos conceitos indeterminados, uma posição intermediária entre a Teoria da Univocidade e da Multivalência, mesmo que tendenciosa a esta última.

Já que deve ser considerado viável a utilização da faculdade discricionária, ou desta e de um juízo de prognose da autoridade administrativa, em razão da constatação da presença inegável de um pluridimensionalismo nesses conceitos, o qual nem sempre é dissipado pelo processo de simples interpretação já que a eleição de uma das opções válidas contida na norma, diante do caso concreto, pode vir a precisar de uma ação intelectiva de criação, ora, neste, ausente.

Mas, contudo, como não poderia deixar de ser, não se deve adotar a concepção de discricionariedade como a liberdade livre das amarras da lei, visto a evolução da doutrina pátria no sentido de somente concebê-la dentro de limites principiológicos contidos dentro do ordenamento jurídico, tais como a razoabilidade, proporcionalidade, interesse público, etc.

Toda atividade administrativa, independente de ser no exercício de uma competência vinculada ou discricionária, somente pode ser entendida dentro da moldura dos limites principiológicos previstos constitucionalmente, visto somente, assim, ser possível o alcance da "boa administração", ou seja, da persecução da ação que melhor atenda ao interesse público, portanto, nada tem a ver com a idéia de liberdade livre de limites, a qual tende a facilitar uma atuação arbitrária, sem compromisso com a finalidade normativa.

Freitas (1995, p.328) afirma que

o administrador, em realidade, jamais desfruta de liberdade legítima e lícita para agir em desvinculação com os princípios constitucionais do sistema, ainda que sua atuação guarde – eis o ponto focal – uma menor subordinação à legalidade estrita do que na concretização dos atos ditos plenamente vinculados. Em outras palavras, qualquer ato discricionário que se torne lesivo a qualquer um dos princípios pode e deve ser anulado.

Adiante, refutando o extremismo de Tenzer e Bernatzik - sem implicar em um acovardamento - passa-se, nas linhas subseqüentes, a apresentar razões que levaram a optar por um posicionamento mais ameno neste trabalho.

Para tanto, deve-se recorrer, inicialmente, além da construção doutrinária de Azzariti ao apontar distinção entre discricionariedade e interpretação, a premissa na qual este autor italiano alicerçou seu entendimento, ou seja, ao pensamento de que, mesmo variando em uma escala de grau de complexidade lógica, no momento de concretização do Direito ou mesmo de mera compreensão, não existirá enunciado normativo que não prescinda de uma necessária interpretação. ( DI PIETRO, 2001)

Corrobora Diniz(1991, p.381) ao afirmar que:

a norma jurídica sempre necessita de interpretação. A clareza de um texto legal é coisa relativa. Uma mesma disposição pode ser clara em sua aplicação aos casos mais imediatos e pode ser duvidosa quando se aplica a outras relações que nela possam enquadrar e às quais não se refere diretamente, e a outras questões que, na prática, em sua atuação, podem sempre surgir.

Portanto, conclui-se que, tanto nos conceitos indeterminados quanto nos conceitos determinados, haverá sempre, a necessidade de delimitação do significado exato do conceito através da interpretação.

No entanto, pondera-se que, neste último, são prescindíveis elevados graus de complexidade lógica para que se torne inteligível o significado da norma frente a cada caso concreto, pois este possui um signo situado num campo de dura certeza, identificando uma quase que completa ausência de insegurança semântica, podendo, assim, ser viabilizado através duma ação interpretativa de grau que oscila de uma baixa intensidade ao tangenciamento da nulidade. Por conseguinte, através de uma mera subsunção lógica, conduzir-se-á sempre a uma única opção capaz de alcançar a finalidade normativa pretendida pelo legislador, impossibilitando, assim, variações à mercê de particularidades fáticas.

Desta forma, "é certo que a aplicação de normas jurídicas enunciadas através de conceitos determinados não enseja pluralidade de valorações e conduz, por isso, a uma única decisão administrativa possível perante o Direito, situando-se, portanto, no campo da vinculação" ( MORAES, 1999, p.60)

Por sua vez, nos casos dos conceitos indeterminados, previamente à sua aplicação, há necessidade de um processo de preenchimento semântico, isto é, de "densificação" devendo então recorrer a um trabalho de interpretação geralmente envolvendo um elevado grau de complexidade lógica, visto existir, no confronto com situações concretas, um pluridimensionalismo axiológico, o qual pode conduzir tanto a uma única decisão capaz de atingir a finalidade normativa, quanto para um leque de opções consideradas válidas perante o Direito, das quais se deve extrair a que melhor perfaz o espírito da norma.

Para Mello (1998, p.22), nos conceitos indeterminados,

seria excessivo considerar que as expressões legais que os designam, ao serem confrontadas com o caso concreto, ganham, em todo e qualquer caso, densidade suficiente para autorizar a conclusão de que se dissipam por inteiro as dúvidas sobre a aplicabilidade ou não do conceito por elas recoberto. Algumas vezes isto ocorrerá. Outra não. Em inúmeras situações, mais de uma intelecção seria razoavelmente admissível, não se podendo afirmar, com vezos de senhoria da verdade, que um entendimento divergente do que se tenha será necessariamente errado, isto é, objetivamente reputável como incorreto ( Grifo original)

Isso pode ocorrer, no caso de condução a uma única decisão administrativa, em razão da especificidade fática ou peculiaridades do caso concreto guiarem, durante o processo de interpretação, a uma das "zonas de certezas negativa ou positiva" do conceito. Por sua vez, há casos em que o significado do conceito situa-se fora desse núcleo duro, ou melhor, do Tertium non datur, sendo dotado de uma incerteza, a qual possibilita encontrar mais de uma decisão administrativa juridicamente aceita.

A construção teórica das zonas do conceito deu-se a partir da comparação, elaborada por Philipp Heck (1914), do conceito a um ponto de luz intenso que, ao iluminar objetos, revela alguns iluminados com menor ou maior intensidade, como também revela um rodeado de um halo, de cores pálidas, além de uma total obscuridade, onde não há incidência de feixes luminosos. Portanto, sendo o autor levado a concluir que "sempre que temos uma noção clara do conceito, estamos no domínio do núcleo conceitual. Onde as dúvidas começam, começa o halo do conceito" (Apud.MORAES,1999,p.58)

Continuando, leciona que :

a imprecisão do significado das palavras empregues na lei conduz necessariamente a uma indeterminação dos seus comandos pelo que, só em casos muito excepcionais, todo o conceito deixa de ter vários sentidos. Os conceitos absolutamente determinados seriam muito raros no direito. A regra seria a de que o conceito contivesse um núcleo (Bedeutungskern) de interpretação segura e uma zona periférica (Bedeutungshof) que principia onde termina aquele e cujos limites externos não se encontram fixados com nitidez... (HECK,1914,apud. SOUSA,1994,p.51) (Grifo original)

Neste aspecto, Moraes (1999, p.60) diz que

não se pode negar – assim se acredita – que a aplicação de normas jurídicas que contêm conceitos indeterminados tanto pode conduzir à certeza quanto à incidência da norma ao caso concreto (única solução possível), como pode ensejar dúvidas no momento da concretização, quando não há certeza se o fato se ajusta à hipótese normativa abstrata, pois há certas situações que conduzem à admissibilidade de mais de uma solução razoavelmente sustentável perante o Direito.

Mello(1998, p.23) conclui que em "muitas vezes – exatamente porque o conceito é fluido – é impossível contestar a possibilidade de conviverem intelecções diferentes, sem que, por isto, uma delas tenha de ser havida como incorreta, desde que quaisquer delas sejam igualmente razoáveis".

Frente o supradito, a doutrina classifica os conceitos indeterminados em duas categorias: Conceitos Indeterminados Vinculados e Conceitos Indeterminados Não Vinculados. Os primeiros, são aqueles cuja aplicação de uma mera interpretação identifica o signo em uma das zonas de certeza positiva ou negativa, por conseguinte, conduzindo a uma única solução jurídica, em razão da indeterminação resultar apenas de uma imprecisão da linguagem, devendo então ser feito um trabalho de contextualização desta. Exempli grati: o fato, em decisão do Supremo Tribunal de Justiça, de se ter entendido que cabina de caminhão está compreendida dentro da idéia de casa, em razão das peculiaridades da profissão de caminhoneiro, ser uma verdadeira extensão do seu lar. (MORAES, 1999)

Por outro lado, têm-se conceitos não vinculados quando, após o processo de interpretação, a significação do conceito se situa no "halo conceitual", sendo necessário um ato de valoração efetuado pela autoridade administrativa para se dissipar a incerteza que os envolvem, visto comportar várias intelecções juridicamente aceitas, sem contudo, uma invalidar a outra.

No entanto, quando a lei regula uma situação concreta, através de conceitos indeterminados não vinculado, admitindo um pluralismo de ações válidas juridicamente, não implica a subtração da persecução do comportamento mais adequado a satisfazer a finalidade normativa, visto ser impossível conceber que todas essas soluções sejam iguais ou indiferentemente adequadas àquele ou a este caso concreto.

Retorna-se a Mello(1998,p.32-33) ao observar que

não sendo a lei um ato meramente aleatório, só pode pretender, tanto nos casos de vinculação, quanto nos casos de discrição, que a conduta do administrador atenda excelentemente, à perfeição, a finalidade que o animou. Em outras palavras, a lei só quer aquele específico ato que venha a calhar à fiveleta para o atendimento do interesse público. Tanto faz que se trate de vinculação, quanto de discrição. O comando da norma sempre propõe isto.

Assim, no contraste da situação fática com a norma contendo conceito indeterminado não vinculado, quando se constata um leque de decisões possíveis e juridicamente válidas, deve a autoridade administrativa tomar aquela decisão perfeita à finalidade. Neste momento, surge a questão de se este processo eletivo seria uma mera prolongação da tarefa de interpretação da norma.

No intuito de solucionar tal questionamento bastante oportuno se faz José Viera de Andrade(1992) ao ressaltar que

fora dum núcleo duro do conceito, só através de um esforço reconstrutivo e criativo se pode reduzir a situação de facto ao pressuposto normativo-abstracto, existindo sempre, nessa medida, uma valoração autônoma (complementar) do agente e, portanto, algo que corresponde ou se aproxima de uma escolha (embora orientada) entre alternativas.(SIC) (ANDRADE,1992, apud. MORAES, 1999, p.59)

Assim, fica claro que a eleição da decisão a ser seguida, dentre as possibilidades oferecidas pelo conceito indeterminado, envolve um trabalho de criação, ou seja, um ato volitivo da autoridade administrativa, razão pela qual não poderá ser entendida como um prolongamento do trabalho interpretativo, pois conforme Azarriti(1989, apud. DI PIETRO, 2001, p.122), "não existe interpretação mais ou menos adaptada, mas uma só interpretação (que corresponde à contribuição pessoal do intérprete); isto não lhe confere uma capacidade criadora, permanecendo a interpretação como atividade essencialmente intelectiva e cognoscitiva".

Corroborando com a opinião de Azarriti, Bastos(1997, p.21) afirma que

não se quer que o intérprete coloque sua opinião, mas sim que ele seja capaz de oferecer o conteúdo da norma jurídica de acordo com enunciados ou formas de raciocínio explícitos, previamente traçados e aceitos de maneira mais ou menos geral, advindos de determinada ciência, mas sem necessariamente com isto estar-se fazendo ciência.

Verifica-se também, em Afonso Queiró, a ausência de autonomia do administrador durante o processo interpretativo, ao afirmar que "o direito é uma ‘totalidade lógica’. Uma actividade interpretativa é uma actividade de conhecimento... Na interpretação não há nenhuma liberdade do intérprete. O direito é um corpo ou organismo lógico fechado que o intérprete deve procurar descobrir."(SIC) ( QUEIRÓ,1944, apud SOUSA, 1998, p.193 )

Em Mello (1975, p.05), observa-se que

enquanto houver interpretação está-se desvendando uma vontade, um pensamento estranho, isto é, está-se descobrindo algo que preexiste, reconstruindo um pensamento alheio. A atividade interpretativa de alguém é operação que se propõe a absorver, a desentranhar uma vontade anterior, uma significação já existente, uma realidade previamente dada.

Por conseguinte, afastada a afirmação de que o ato de vontade da autoridade administrativa presente nos conceitos não vinculados encontraria guarida na interpretação, resta verificar se trataria de uma ação dentro do campo da discricionariedade administrativa.

Para tanto, deve se ter em mente a constatação de Azarriti, de que na discricionariedade há um poder de escolha dentre o leque de opções igualmente válidas para o ordenamento jurídico, ou seja, além de um momento intelectivo, envolve também um momento volitivo, uma capacidade criadora do agente administrativo, a qual deve pautar-se em aspectos estritamente administrativos, não estando adstrita apenas em reconhecer situações jurídicas já definidas. (DI PIETRO, 2001)

Neste sentido, Mello (1975 p.05) [2] concebe que

na discricionariedade, efetivamente, o que ocorre é uma antecipada liberação do administrador, estatuída pela norma, para localizar na realidade empírica, segundo juízo subjetivo próprio, pessoal, qual o comportamento mais adequado para satisfazer uma certa finalidade que, entretanto, permanece em determinado nível ou grau de indeterminação; indeterminação essa que é preenchida, precisamente, por esta tarefa não interpretativa, mas volitiva, do agente administrativo. Idéia, aliás, que se coaduna perfeitamente com a formação do direito por graus.

Então, Moraes(1999) aponta que grande parte da doutrina jus-administrativa acredita que os conceitos não vinculados encontram-se todos inseridos dentro do domínio da discricionariedade da Administração Pública.

Neste sentido, observa em Di Pietro(2001, p.123) que:

se a autoridade administrativa, pelo método da interpretação, não puder chegar a uma solução única, mas a várias soluções igualmente válidas perante o direito, devendo a escolha ser feita segundo critérios puramente administrativos (e não jurídicos), estar-se-á no campo da discricionariedade. Daí a frase de Stassionopoulos, que nos parece verdadeira: ‘Pode-se dizer que o domínio do poder discricionário começa onde termina o da interpretação.’

Por fim, Sundfeld (1986, apud. DELGADO, 2003, p.3222) aponta que,

afastadas as idéias de que a discricionariedade seja sinônimo de liberdade e de que resulte sempre e necessariamente da simples existência de indeterminação de uma norma, podemos conceituá-la como o dever-poder de o administrador, após um trabalho de interpretação e de confronto da norma com os fatos, e restando ainda alguma indeterminação quanto à hipótese legal, fazer uma apreciação subjetiva para estabelecer qual é, no caso concreto, a decisão que melhor atende à vontade da lei.

Contudo, Moraes (1999), influenciada pelos comentários de Sérvulo Correia sobre a teoria de Bachof [3], insurge alegando uma diferença entre discricionariedade administrativa e margem de livre apreciação da autoridade administrativa no preenchimento da incerteza de certos conceito não vinculado.

Identifica que, numa parte dos conceitos não vinculados, a imprecisão se dissipa por um juízo subjetivo de prognose do administrador. Pois, dar-se-ia o alcance da certeza do tipo aberto através de uma complementação ao trabalho de subsunção, feito pela interferência da vontade do administrador ao avaliar qualidades de pessoas ou coisas no intuito de determinar possibilidades de comportamento ou utilidades futuras, ou quando diretamente profere uma estimativa futura de processos sociais.

Como se verifica nos seguintes casos: a avaliação no final do estágio probatório, se o funcionário demonstra aptidão para o serviço público; para fins de doação, quais seria os bens inservíveis para a Administração; decisões de planificação, como a de decidir qual o local para a instalação de centrais nucleares, ou do traçado de uma estrada.

Deve ressaltar, pautando-se em Sousa (1998, p.118) que, por ser a prognose uma antecipação intelectual do futuro, nunca poderia ser confundida como uma etapa do juízo de subsunção, pois possuem essências completamente opostas. Assim, conclui o autor português que "a subsunção é sempre um procedimento de descoberta da verdade, ou seja, um problema jurídico de reconhecimento, onde não há lugar à manifestação do elemento volitivo no processo de aplicação do direito. Pelo contrário, a prognose é um juízo de probabilidade."

Contudo, em alguns casos, a prognose não levaria a uma univocidade de solução, devendo pois se conjugar com uma ação de valoração comparativa de interesses concorrentes, á luz dos critérios de aptidão, exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito, neste momento, o preenchimento dos conceitos indeterminados interceptaria com a noção de discricionariedade.

Desta forma, para Moraes (1999) o esforço criativo do administrador na complementação dos conceitos indeterminados não vinculados, deve-se ser feito, em princípio, dentro do juízo de prognose, caso ainda subsista dúvida ou incerteza, encontraria o administrador autorizado a utilizar sua faculdade discricionária.

No entanto, ressalva que

as decisões que envolvem a densificação dos conceitos de prognose, ou seja, aqueles cujo preenchimento demanda uma avaliação de pessoas, coisas ou processos sociais, por intermédio de um juízo de aptidão, são impassíveis, à semelhança da atividade discricionária, de controle jurisdicional pleno. ( MORAES,1999, p.70)

Assim, é levada a concluir que

a diferença entre margem de livre apreciação e discricionariedade reside apenas na circunstância de a primeira envolver juízo autônomo de prognose somente subordinado ao critério de aptidão, ao passo que a discricionariedade envolve a ponderação autônoma dos interesses em conflitos à luz de critérios de aptidão, indispensabilidade e equilíbrio ou razoabilidade. Os limites internos e externos da legalidade põem-se de igual modo para as duas figuras, cujos vícios podem ser os mesmos.( MORAES, 1999, p.73)

Mello(1998, p.25) critica essa diferenciação entre discricionariedade administrativa e margem de livre apreciação da autoridade administrativa no preenchimento da incerteza de certos conceito não vinculado, visto a ressonância jurídica ser idêntica em ambas, não havendo razão para abrigá-las sob títulos diferentes, como se verifica no seguinte questionamento do autor:

para que serve a noção de discricionariedade, senão para referir as situações em que a Administração desfruta de uma certa liberdade, por força da qual o Judiciário não pode ir além de certos limites, tendo de reconhecer que no interior deles a atuação administrativa é incensurável e que inexiste direito subjetivo de terceiro oponível procedentemente contra o comportamento administrativo adotado? A serventia jurídica, a utilidade, da noção de discricionariedade é única e exclusivamente a de rotular situações deste tipo. Ora, se tal ‘liberdade administrativa’ e conseqüentes ‘limites’ à correlação judicial, tanto como ‘ausência de direito de terceiro’ ante a Administração, resultam quer do uso legal de conceitos vagos, quer da possibilidade de opções de mérito ensejadas pela lei, quer da conconcorrência destes fatores, está-se a ver que a ressonância jurídica de ambos ( conceitos indeterminados e opções de mérito legalmente previstas) é perfeitamente igual na esfera do Direito. (SIC) (Grifo original)

Apesar de se concordar com a crítica supra, não se pode conceber como infrutífera, inútil ou desnecessária a opinião de Moraes(1999), em razão dessa facilitar a intelecção de como se procederá a sindicabilidade jurisdicional dos conceitos indeterminados não vinculados.

Desta forma, deve-se entender o juízo de prognose dentro da competência discricionária da autoridade administrativa, ou seja, dentro de um espaço de autonomia desse, mas, contudo, numa zona mais clara da incidência e pertinência do princípio da proporcionalidade no tangenciamento do juízo de adequação, podendo se identificar, com maior facilidade, manifesto erro na discrição consoante a esse princípio, sendo mais fácil ao juízo jurisdicional invalidar o ato.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Emmanuel Fontenele Oliveira

Advogado, especialista em Direito e Processo administrativo pela Universidade de Fortaleza– UNIFOR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Emmanuel Fontenele. Conceitos indeterminados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 558, 16 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6194. Acesso em: 23 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos