A Divulgação do nome dos agentes de trânsito na internet e a ausência do interesse público

14/11/2017 às 00:05
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A partir de agora todos que forem flagrados cometendo infrações de trânsito poderão saber quem foi o agente público responsável pela lavratura do AIT. Veja como esta novidade irá interferir no andamento dos processos e na validade das infrações.

A partir de agora todos que forem flagrados cometendo infrações de trânsito poderão saber quem foi o agente público responsável pela lavratura do AIT.

A novidade foi trazida pela Resolução nº 709/17, que dispõe sobre a publicação na internet dos nomes e códigos dos agentes e autoridades de trânsito, bem como dos convênios de fiscalização de trânsito celebrados pelos órgãos e entidades executivos de trânsito.

O conteúdo material da resolução está nos seus dois primeiros artigos, e, dada a sua importância, passo a citá-los:

Art. 1° Os órgãos e entidades executivos de trânsito deverão disponibilizar na internet pesquisa em listagem contendo os nomes e códigos dos agentes e autoridades de trânsito que atuam na fiscalização de trânsito, responsáveis pela lavratura de autos de infração de trânsito.

Art. 2º Os órgãos e entidades executivos de trânsito publicarão na internet cópias dos convênios de fiscalização de trânsito celebrados na forma do art. 25 do Código de Trânsito Brasileiro.

Ou seja, a presente Resolução tem o condão de exigir a publicidade de duas informações: o nome dos agentes de trânsito que estão nas ruas realizando a competência de fiscalizar e autuar, e também dos termos dos convênios firmados pelos órgãos do Sistema Nacional de Trânsito.

Indubitavelmente a aparente força motriz da publicação desta Resolução foi o cumprimento do preceito principiológico constitucional da publicidade e sua variação infraconstitucional baseada na transparência, regulada pela Lei nº 12.527/11.

A publicidade dos atos e decisões do Poder Público é um dever de todo o Estado, exceto no que toca àquelas informações protegidas por sigilo.  

Dito isso, devemos lembrar que, quanto à identificação do agente de trânsito, esta já era feita no AIT através de seu número de registro.

Todavia, agora a regra muda e exige-se que, além do número da matrícula, os órgãos de trânsito dêem publicidade ao nome destes agentes públicos.

Além da pretensa necessidade de publicidade, o CONTRAN, por meio de seu presidente, despejou uma carga axiológica questionável sobre os agentes de trânsito quando asseverou na mídia que:

“A determinação, além de visar à ampla defesa, contraditório e transparência, possibilitará verificar a eficácia do ato, contribuindo para a segurança jurídica dentro da Administração Pública.”.

É importante percebermos que esta fala apresenta uma série de incoerências, e que, como mola propulsora da existência da Resolução, passa a não se sustentar.

Antes de mais nada, devemos lembrar que o agente da autoridade de trânsito tem a competência tão somente de fiscalizar e realizar a autuação.

Desta maneira, o auto de infração, antes de gerar a multa de trânsito, via de regra, deverá passar pela criteriosa análise da Autoridade de trânsito para só então o suposto infrator ser notificado acerca da existência do processo administrativo de trânsito que poderá resultar na aplicação da pena.

Ou seja, a bem da verdade a ciência de quem lavrou aquele auto de infração perde um pouco de sua força quando lembramos que o ato administrativo apenas se sustentará se a Autoridade de trânsito entender que ele atende a todos os requisitos previstos no art. 280 do CTB e nas Resoluções do CONTRAN e portarias do DENATRAN.

A rigor, a informação do nome dos agentes de trânsito não fará qualquer diferença para o processo administrativo, pois, nos recursos junto à JARI ou ao CETRAN, por exemplo, não são admitidos (pelo menos até hoje), a oitiva de testemunhas, o que torna inócua a ciência do nome do agente para fins de conferir o direito à ampla defesa, contraditório e transparência, tão alardeadas pelo presidente do CONTRAN.

Claro que ele poderá ser ouvido em juízo, mas, para isso, o simples número da matrícula (que consta no auto de infração de trânsito) já é suficiente para validar a intimação do mesmo.

Na prática, o que teremos é a ratificação da postura do Poder Público de expor toda a classe que exerce a difícil tarefa de fiscalização, sejam eles Policiais Militares, Guardas Municipais, Policiais Civis, Federais, Rodoviários Federais etc.

Tanto é que, recentemente, sob o questionável argumento de ser contrário ao interesse público, o Presidente da República negou sumariamente o direito ao porte de armas por parte da guarda municipal.  

A lógica é impossível de se entender.

Por um lado, o Guarda Municipal é exposto a todo tipo de críticas e tem o seu nome publicado na internet como “algoz” dos infratores.  

Por outro, não vemos qualquer tipo de ação de marketing ou campanha educativa, por parte do Poder Público, para gerar respeito e compreensão na população.

Mais uma vez se opta pela desmotivação dos agentes públicos e não pela sua valorização.

Como se não bastasse, é de se estranhar que toda a responsabilidade sobre os erros do processo administrativo de trânsito (recursos de multas) recaia somente sobre os agentes de trânsito, sendo que o maior problema dos processos que tramitam nos órgãos de trânsito está sediado nas comissões de julgamento, leia-se: JARI - Junta Administrativa de Recursos de Infrações - e CETRAN - Conselho Estadual de Trânsito.

Quanto a eles parece que a regra de publicidade e transparência não se aplica com tanto rigor.

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Se o interesse do CONTRAN era garantir a lisura dos processos administrativos de trânsito, deveria ter pensado primeiro em garantir que os condutores em geral tivessem a informação de quem são os membros da JARI e do CETRAN, se eles realmente têm notório conhecimento em matéria de trânsito, se têm a ficha limpa, não esquecendo, é claro, da necessidade de publicação dos seus votos, que,  por vezes, são tão secretos que apenas com ações judiciais se torna possível o conhecimento de tais julgamentos.

Talvez mais grave ainda do que tudo isso seja a dificuldade e quase impossibilidade de ter acesso à peça mais importante de todo o processo administrativo, refiro-me ao Auto de Infração de Trânsito.

É muito curioso exigir a publicação do nome do agente de trânsito sob o pálio da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa quando a principal peça de acusação contra o suposto infrator, por vezes sequer, é encontrada e, mesmo assim, o julgamento é desfavorável.

Ou seja, o elo mais fraco mais uma vez perece, e os verdadeiros responsáveis pelas ilegalidades dos processos continuam sob a sombra do anonimato.

Afinal de contas… quem são os julgadores?

Quanto aos convênios de fiscalização de trânsito, estes, sim, fazem jus à exigência de publicidade.

De acordo com o art. 25 do CTB, os “órgãos e entidades executivos do Sistema Nacional de Trânsito poderão celebrar convênio delegando as atividades previstas neste Código, com vistas à maior eficiência e à segurança para os usuários da via”.

Pela redação acima os órgãos e entidades do SNT são, de certa forma, incentivados a utilizar o instituto do convênio para delegação de competências.

Quando utilizados, os convênios devem especificar exatamente quais competências estão sendo compartilhadas, por quanto tempo e com qual finalidade.

Assim, caso um órgão Municipal delegue parte de sua competência para um órgão estadual, este passará a também ter competência para aqueles atos, e, por eles, responderá.

A aplicação mais prática e importante para a publicação dos convênios é que esta transparência, entre outros, poderá diminuir a quantidade de processos administrativos e judiciais contra a Administração Pública.

Isto porque, ao estar a informação disponível a todos, antes de ingressar com um recurso de multa questionando a competência do órgão de trânsito que lavrou o auto de infração, sendo que, originariamente, a competência seria de outro, o suposto infrator saberá que, naquele caso, o órgão autuador teria momentaneamente competência para lavrar o AIT, e se esta fosse a única argumentação do recurso, o mesmo já não teria razão de existir, diminuindo, desta maneira, o número de processos desnecessários.

Em conclusão, não somos contra a publicação do nome dos agentes de trânsito nos sites dos órgãos do SNT. Todavia, imputar a eles a responsabilidade pela validade ou invalidade do processo administrativo de trânsito, bem como a violação do contraditório e da ampla defesa, caso tal informação não esteja disponível ao público, e desconsiderar a responsabilidade dos membros julgadores dos recursos é um acinte a qualquer pensamento minimamente esclarecido.

Quanto à publicação dos convênios feitos entre os órgãos de trânsito, tal medida é salutar e só tem a contribuir com os particulares e com a própria Administração.

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Sobre o autor
Paulo André Cirino

Advogado do DETRAN|ES, Consultor de Trânsito, Palestrante.<br><br><br>CONTATO: [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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